Chapter Text
No dia seguinte, o coelho e a figura abstrata estavam reunidos na parte da frente da casa de campo, colocando melancias dentro de um caminhão azul (que tinha uma caçamba de madeira marrom enorme atrás).
O céu estava azul e bem limpo. O Sol escaldante pairava sob suas cabeças, tornando aquele trabalho ainda mais cansativo.
Zooble passava as frutas em diante para que Jax–que se encontrava em cima da caçamba– as recolhesse e as colocasse lá dentro cuidadosamente. O coelho parecia exausto, já que não possuía o melhor aspecto físico para carregar coisas pesadas.
— Dá pra andar mais rápido?! Você é molenga mesmo. — Jax gritou, com uma carranca de raiva escancarada em sua face.
Aquele trabalho era estúpido, assim como aquela aventura. Apostava que era sugestão da boneca de pano, de quem mais seria?! Ninguém seria louco o suficiente para dar uma ideia tão chata. Caim conseguia transformar o que já era ruim em algo péssimo.
Também parecia exauste, elu arfava ao carregar melancias tão cheias de suco:
— A-Arf, arf.. Ghh! Cara, cê’ tá fazendo a parte mais fácil do serviço e ainda assim tá reclamando? — Juntou as sobrancelhas em irritação e gesticula com a mão levantada pra cima.
O rapaz roxo coloca as mãos na frente da boca, aumentando sua potência vocal:
— Bom, eu não reclamaria se você andasse logo, força nesses cambitos aí!
— Grrr, você é insuportável. — Ê não-binárie grunhiu de raiva, se contendo para não jogar uma das melancias na cabeça daquele delinquente.
Pomni os observava ao longe, sem saber muito se deveria interagir ou não com os dois. Ela inala ar em seus pulmões pelo “nariz” e exala pela boca para tentar se acalmar.
“Vamos, você precisa parar de ser medrosa. Ter uma conversa casual não quer dizer que você o perdoou. Afinal, você quer se certificar de que Zooble não está sendo incomodade demais.” — Era só uma desculpa frívola que ela inventou para si mesma em sua mente. Bem lá no fundo, sabia que queria vê-lo.
Bem, isso não importava agora. Menos pensamentos e mais ações.
Andando até eles, ela sentiu suas pernas ficarem bambas, graças ao nervosismo. Acabou por se desequilibrar um pouco, tropeçando em seus próprios pés. Rapidamente, ela apoiou seu braço em uma das cercas daquela pequena área em que residiam os cabritos da fazenda.
Pelo barulho– O de olhos amarelados levantou suas orelhas em estado de alerta– enquanto Zooble direcionou seu corpo inteiro na direção da mulher. Pomni até tenta fazer uma pose confiante, fingindo que nada demais aconteceu. No entanto, era evidente que sentia vergonha pelo leve descuido que teve. Pouco depois, suas bochechas pálidas ficaram levemente ruborizadas, realçando ainda mais os blushes de seu avatar.
Um sorriso nervoso brota em seus lábios, enquanto tentava falar sem gaguejar:
— E aí, pessoal! O que vocês estão… Fazendo? — Algumas gotinhas de suor surgiram em sua testa. Odiava aquele corpo digital por isso, só deixava seu nervosismo ainda mais aparente!
Ê coloride relaxou um pouco ao perceber que se tratava apenas de sua amiga, abaixando a guarda. O rapaz agiu de forma similar, esboçando aquele sorriso grande de orelha a orelha.
— Ah, é só você. — Disse a pessoa de formas diferentes.
— E aí, Pomni. Tá me perseguindo? Isso tá ficando meio estranho, você é tipo uma stalker? — Jax brinca e suas pupilas se dilataram.
Ficou visivelmente ainda mais vermelha com o comentário do mais novo, acabou cerrando os punhos de forma defensiva, o que fez o coelho alargar seu sorriso.
— O quê?! Não, de jeito nenhum. — Protestou, sentindo o rosto pegar fogo.
Sua provocação não durou muito, pois Zooble jogou uma melancia para ele pegar. Por pouco, não a deixou cair no chão: — Aiii, qual é o teu problema?!
A de cabelos castanhos riu suavemente com a interação, levando a mão até a boca e sua expressão se suaviza um pouco. Apesar de ser o alvo da piada, o garoto roxo se sentiu feliz em vê-la rir daquele jeito. Porém, optou esconder isso por trás de uma expressão irritada.
— Haha, muito engraçado. — Torceu o nariz e foi pro fundo do caminhão colocar a fruta junto das outras.
— Não liga pra ele. Você já terminou seus afazeres? — A figura abstrata revira os olhos após ouvir o outro resmungar.
— Ah, já sim! Eu queria ver se precisam de ajuda… — Se aproxima para poder sussurrar — E também ver se ele não está te incomodando demais.
É claro, ela sabia que Zooble desconfiava um pouco de suas motivações só pelo olhar que elu lançou logo em seguida, elu estava com a sobrancelha levemente erguida. Por algum motivo, sempre sabia quando os outros escondiam alguma coisa.
E a garota não era exatamente uma mentirosa profissional, também.
— Já estamos terminando por aqui, o fazendeiro Afthorn quer que a gente leve essa carga até a cidade. — Explica ao pontar para o veículo carregado de melancias e outros tipos de alimentos variados.
Esses dois juntos? Poderia não ser uma boa ideia. Zooble é calme, porém Jax conseguia tirar elu fora do sério sem muito esforço. Sinceramente, aquele cara conseguia fazer qualquer um ficar maluco com suas provocações.
A figura abstrata era aquele tipo de pessoa que sempre estendia a mão para quem precisava, mas quem estendia a mão à elu?
Pensando no melhor, decidiu que queria se oferecer para ir no lugar delu. Sabia lidar com o temperamento de seu amigo melhor do que ninguém, ao menos era o que acreditava.
Também duvidava que ele exageraria depois da discussão que tiveram, porém, ela precisava estar preparada para tudo. Afinal, o roxeado poderia ser imprevisível em sua forma de agir.
Bem, ela tentaria não exagerar com ele. Não queria provocar outra situação em que tivesse que pular em cima dele ou morder sua perna, rezava para que não chegassem nesse extremo, não outra vez.
Levou a mão até o peito e perguntou com uma voz calma:
— Você não prefere que eu vá no seu lugar? Acho que Gangle se sentiria muito mais confortável se você estivesse por aqui para ajudá-la com as tarefas. — Ofereceu sua ajuda, esperando que ê outre aceitasse. Seria mais fácil dessa forma.
Ê maior mexe um pouco seu braço removível, parecendo refletir sobre a proposta. Percebeu que a outra ofereceu aquela ajuda com a melhor das intenções. Pomni estava tentando ser empática já faz um tempo, havia percebido isso ao observá-la de longe. Tudo mudou depois da aventura de terror, há algumas semanas atrás.
Seja lá o que aconteceu naquela aventura, parecia ter mudado a atitude assustada e inquieta da novata.
Elu também não esperava muito dela, afinal, cada um reagia de uma forma diferente ao confinamento no circo. Ver que ela se importa, era algo agradável.
Pelo menos, alguém além da moça das fitas se importava com seus sentimentos e tentava fazer aquele inferno digital ser um pouco mais tolerável de se conviver.
Querendo oferecer o mesmo tipo de apoio, colocou a mão no ombro da mulher baixinha e tentou dizer com palavras dóceis:
— Agradeço pela sua preocupação, mas acredito que consigo lidar com esse m3rd#. Não se preocupe comigo. — Mexeu um pouco a cabeça para o lado, encarando Jax que ainda estava tentando organizar as melancias sozinho na caçamba. — Eu vou ficar de olho nele pra você. Afinal, alguém tem que te oferecer apoio de vez em quando.
Os olhos de Pomni ficaram bem abertos, representando bem seu choque com a gentileza oferecida por parte de ê colegue. Ok, ela não esperava por uma demonstração de amizade tão genuína.
— A-Ah, tem certeza? É que… Bem. — Não sabia muito bem o que dizer ou fazer. Acabou mexendo nos sininhos nas pontas de seu chapéu, numa tentativa de se livrar do nervosismo que sentia.
Percebendo um pouco a forma hesitante como a outra agia, elu decidiu perguntar:
— Eu percebi que vocês não andam se falando tanto, você tá querendo conversar com ele a sós, não é? — Suspirou cansade.
Merda, era tão óbvio assim?
É claro que elu perceberia. A esse ponto, acreditava que todos haviam percebido.
Balançou a cabeça de forma aflita, mesmo com a confrontação direta, não se deixou abalar pelo questionamento. Bem, já que fora questionada, de nada adiantaria continuar negando. Seria honesta:
— Sim, é verdade que preciso conversar com ele. Até prefiro que ele venha até mim primeiro, mas gostaria de, pelo menos, criar essa oportunidade. Sei que ele não conversaria comigo com os outros olhando. — Descansa a mão atrás do pescoço:
— E também porque estava preocupada contigo, não quero que ele diga algo que possa te chatear no caminho pra lá e gerar mais tensão do que já existe entre nós.
Compreendia muito bem o que ela queria dizer com isso. Havia percebido o exagero das provocações mais recentes. O de olhos amarelados piorava a cada dia que passava. Principalmente, com tudo aquilo de ser o personagem “divertido”.
Era estranho e sentia que nunca conseguiria compreendê-lo de verdade. Não que elu se importasse com isso. Só esperava que Pomni não acabasse se ferindo nas mãos desse infeliz.
— Olha, eu posso trocar de lugar contigo. Só quero que me prometa que você não vai deixar ele te tratar que nem bos-[$$@]. — Queria se certificar de que ela não seria tratada da mesma forma que Gangle.
Pomni mordeu a parte interna de sua bochecha. Sabia muito bem que aquilo era verdade, estava sendo lembrada disso tantas vezes pela boneca de pano. As opiniões dos outros em relação à Jax não era muito favoráveis, mas ele também não se ajudava.
— Não se preocupe, eu sei quando desistir de caras tóxicos. E é como eu disse, se ele não se esforçar pra fazer as pazes, não vai ter muita coisa que eu possa fazer. Já tive minha cota de ex’s inseguros no passado. — E era verdade.
A de cabelos negros poderia contar nos dedos quantos namorados horríveis ela teve durante sua adolescência. A maioria com complexo de superioridade ou de masculinidade frágil.
Também não era uma pessoa 100% santa, sabia que tinha ferido muitas pessoas na sua trajetória para a vida adulta e ela se arrependia amargamente de seu passado. Inclusive, era até por isso que queria ajudar Jax.
Se ela poderia mudar, ele também poderia, com um pouco de esforço.
Obviamente, isso não queria dizer que passava pano para as atitudes questionáveis dele. Apenas acreditava que ele poderia ser um alguém melhor. Não só por ele mesmo, mas pelos outros que estavam no circo.
Se não houvesse mesmo uma saída daquele lugar, teriam que conviver– talvez para a eternidade– juntos. Não gostava de pensar nisso, mas era uma realidade que ela não poderia se dar ao luxo de negar. Por mais que a deixasse angustiada.
Não queria que ninguém mais fosse abstraído, muito menos ele.
Então, a convivência entre os membros precisava ser no mínimo tolerável. Ajudá-lo seria benéfico para o restante de seus amigos também.
Como Kingo havia dito, o pior que pode se fazer a uma pessoa, é deixar ela acreditar que não merece ser amada. Pomni estava disposta a deixá-lo saber que se importava com ele, mesmo que ele agisse como um cabeça dura.
— Bem, se você tem certeza. — Zooble entrega a chave do caminhão na mão da baixinha. Ela pega o objeto sem pensar duas vezes.
Ambos trocam sorrisos, apesar de ê outre não possuir boca, ainda conseguia expressar sua felicidade através do olhar.
— Eu tenho, obrigada por isso. — Agradeceu e foi andando até o caminhão.
Jax parecia ter detectado seus passos, pois moveu suas orelhas ao captar o som. Prontamente, ele se vira ao reconhecê-los. Seu olhar passou dela até Zooble, quem se afastava da dupla. Pra onde diabos estava indo?
Elu não o deixaria com Pomni, certo? [##$@%], seria uma situação embaraçosa de se lidar. Definitivamente, não queria estar a sós com ela.
A jogaria do caminhão apenas para evitar uma conversa e as coisas piorariam, pois ele era assim.
— Olha, não que eu me importe, mas pra onde você vai? — Jax questiona com um tico de nervosismo em sua voz.
Mesmo com a pergunta, Zooble pareceu não ligar muito e seguiu seu trajeto em paz.
— Você já não é mais problema meu. Se resolva com a sua namorada aí. — Fez um sinal de despedida com a mão e continuou andando sem olhar para trás.
Aquilo fez Jax ficar vermelho das bochechas até as pontas das orelhas. A Bobo da Corte parece ter ouvido também, ficando na mesma coloração que seu parceiro de viagem.
— Hah, como se eu precisasse de alguém. Não sou carente que nem você, Zoobs. — Berrou como uma criança mimada, fechando seus punhos e juntando as sobrancelhas em descontentamento. Seu sorriso se contorceu em algo que mais parecia uma careta.
Merda, como odiava essa sensação.
Essa sensação de se sentir vulnerável com a mínima provocação causa por alguém.
Ele não era assim antes.
Com ê outre fora de vista, o mais novo se vira para encarar sua colega, quem o observava com uma expressão pensativa. O que será que se passava por trás desses olhos gigantes e coloridos? Não sabia dizer, mas era melhor não ponderar muito.
Seus pensamentos tinham tendência a se tornarem desagradáveis quando ele pensava demais.
Jax suspira cansado e desce da caçamba:
— Vai ficar me encarando? Mexe esse traseiro logo, baixinha. — Deu um peteleco em um dos sininhos da cabeça da outra e foi andando até a cabine do motorista.
Aquela ação parece ter atordoado a outra, fazendo ela ficar surpresa com a provocação repentina. O modo como ele agiu naquele momento, a confundiu ainda mais.
Por que ele agia como se estivesse tudo bem entre eles?
Ele continuava com aqueles comentários e brincadeiras mesmo tendo aquela discussão horrível.
É claro, demorou um tempo até que ele voltasse a falar com ela outra vez. Estavam se evitando até um dia atrás, não trocando mais que algumas palavras por causa da aventura.
Essa era a forma dele de evitar o assunto? Bem, ele não conseguiria. Não se dependesse dela e de sua persistência.
Se lembrou que Jax sequer saía de seu quarto nos primeiros dias pós-discussão. Pomni teve muito medo de que algo horrível tivesse acontecido com ele. Então, ela passava para checar de vez em quando.
E se agora ele deu uma brecha para ela se aproximar novamente, é porque se importa. E ela não desistiria disso que construíram juntos. Seja lá o que for.
Apenas queria entender o que se passava naquela cabeça enigmática.
Recuperando-se um pouco do choque, ela coloca as mãos nas bochechas e balança a cabeça levemente. Os sininhos fizeram barulho com seu movimento abrupto. Sem demorar muito, ela o seguiu logo atrás.
Quando se direcionou até o lado da cabine do passageiro, percebeu que Jax já estava sentado no lugar.
— Você não achou mesmo que EU ia dirigir, né? Cruzes, Pompom. — Disse de forma sarcástica, apontando o dedo para seu peito. — É melhor que você tenha uma carteira de motorista.
Ah, ele odiava conduzir veículos que não tivessem uma buzina legal.
Tinha se esquecido desse detalhe.
— Estou começando a achar que isso é só uma desculpa e você nem sabe dirigir. — Mesmo assim, deu a volta e foi até o lado do motorista. Não adiantava discutir com ele sobre isso.
— Blá, blá, blá. Pense o que quiser, eu não dou a mínima. Agora, pisa fundo. — Direcionou seu olhar à estrada.
“Deus, me dê paciência pra não estrangular ele até o fim dessa aventura.” — Pensou, antes de subir em cima do caminhão–com um pouco de dificuldade– em seguida colocou o cinto de segurança. Nem precisavam disso nesse mundo, já que não poderiam morrer, mas a dor ainda era bem real.
Agora que tinha uma visão mais clara da cabine, ela notou que tudo estava bem limpo. Desde o retrovisor, até o volante e os assentos. Bem, pelo menos não teria que lidar com lama ali.
Acima do porta-luvas, haviam um pequeno boneco de cabeça balançante de Caim. O outro se distraiu com aquilo por um tempo, dando um peteleco na cabeça dele para fazê-la se mexer.
Seus olhos vagaram entre o rapaz e o objeto de plástico. Os olhos dele ficaram tão gigantes, parecia um gatinho brincando com um pontinho. Um sorriso se desenhou em seus lábios.
“Que fofo.” — Não pôde evitar o pensamento.
Por um momento, ela até se esqueceu que estava irritada com ele. Seria bom se continuassem assim até o fim do dia.
Então, ela gira a chave (que já estava na ignição) e deu partida. Engatou a marcha e começou a locomover o veículo na estrada de terra até a cidade.
[…]
Algum tempo se passa, estavam em silêncio durante o caminho. Pomni não se atreveria a puxar assunto primeiro. Estava focada na estrada à sua frente, já haviam saído do sítio e estavam em um caminho asfaltado, repleto de árvores e outros tipos de plantas ao redor.
Jax havia desistido de brincar com o boneco, ele observou a moça pelo canto de sua visão periférica. Sabia muito bem que ela ainda estava frustrada com ele e não a culpava por isso, foi culpa dele por deixar ela se aproximar daquela forma.
Se lembrara das palavras de Kingo da última vez, não queria deixar ela desapontada como estava.
Ainda era tão difícil de lidar com isso, desejava que a outra simplesmente continuasse o odiando como todo mundo.
Mas Pomni não era como os outros.
Ela continuava se importando, mesmo depois de ferrar com tudo. Até queria que ele recuperasse seu lado humano.
Para ser honesto, não dava a mínima para quem ele era antes desse mundo. No começo, ele até se importava, mas ficar preso em um lugar por vários anos, o fez mudar.
Ele sabia que não era mais aquele garoto que chegou no circo desesperado, olhando para todos com confusão e medo em seu olhar.
Não era mais o inseguro que corria para os braços de Ragatha, buscando algum conforto em meio ao pesadelo que era estar preso dentro do circo digital
Ou aquele que pregava peças com seu melhor amigo, Ribbit e assistia ao péssimo show de comédia de Kaufmo quando anoitecia.
Não era mais Felix e sim, Jax.
Aquele que sacaneava com os outros por diversão.
Que infligia dor e sofrimento.
“Merda, isso foi cringe.” — Jax refletiu, abaixando as orelhas ao se lembrar do discurso que deu à Pomni, para convencê-la a se afastar e desistir dele. Bateu o pé no chão em ansiedade.
Precisava se distrair e rápido. Não queria acumular pensamentos negativos demais, ele sabia que essa era uma atitude perigosa que poderia desencadear em um ataque de pânico e ele definitivamente não precisava de um desses agora.
— Pomni, olha. Uma barata no seu pé. — Falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça
— QUE?! — Estava um pouco distraída com a estrada à frente e seus próprios pensamentos. Quando ouviu o que ele falou, ela arregala os olhos e se desespera. Acabou quase virando o volante para o lado direito. Os corpos de ambos inclinaram levemente para essa direção.
Um arzinho saiu do nariz do coelho, que ficou risonho ao ver como a outra reagiu à sua pequena piada de mau gosto.
Ainda bem que não era com Ragatha, a outra já teria jogado o caminhão para o lado e ambos cairiam de um barranco.
O pensamento fez Jax rir um pouco mais alto.
— Hah, você tinha que ter visto sua cara. — Semicerrou os olhos, observando ela com um sorriso largo nos lábios.
O coração de Pomni estava acelerado pela adrenalina e o susto. Irritada, ela não deixou isso passar.
— Por que você fez isso, eu tô literalmente dirigindo. Quer matar a gente?! — Questiona, levantando o tom de sua voz com a clara irritação que sentia dentro de si.
— Meu Deus, Pomni. Foi só uma piada, cê’ tá parecendo a Rags. A gente nem pode morrer. — Revirou os olhos, cruzando os braços como se fosse o óbvio.
— É, mas ainda conseguimos sentir dor, seu baba-[$#5%]! — Rangia os dentes, enquanto segurava firmemente no volante.
Aquilo fez o outro estalar a língua, estava odiando cada segundo dessa viagem juntos. Tudo seria mais fácil se qualquer um dos outros estivessem ali no lugar dela.
Poderia apenas ser um cuzão e ficar fazendo piadas desnecessárias. Eles já estavam acostumados.
Incomodar a palhaça era ruim, ele se sentia seu peito doer fisicamente. Pensar nisso até lhe causava arrepios. Nem parecia ele falando.
— Olha, eu- — Até tentou proferir um “Sinto muito”, mas ele era muito orgulhoso. Apenas desviou o olhar para o lado. — Deixa pra lá.
Já estava cansada dessa merda e eles mal começaram a conversar um com o outro.
De repente, sentimentos adormecidos vieram à tona. A discussão sobre a máscara de Jax, o jeito que ele gritou como não se importava.
Pomni era emocionalmente matura, de verdade. Só que conversar com ele era demais. Não conseguiu conter o veneno na ponta de sua língua, precisava colocar tudo pra fora.
— Esse é o seu problema, você sempre tenta desviar do assunto. Não consegue pedir desculpas como uma pessoa normal. — Manter os olhos no caminho parecia se tornar uma tarefa cada vez mais difícil a cada segundo que se passava perto dele.
As orelhas de Jax tremeram com a acusação. Ofendido, se virou para encarar ela com raiva:
— O que te faz pensar que eu pediria desculpas a você? Hahaha. Tá mesmo chateada por causa de uma piadinha?! — Deu risada, como se tivesse ouvido o maior absurdo de sua vida.
— Não é só pela piada. Jax, você sabe muito bem disso. — Sua garganta começou a arder. Que sensação de merda.
Ambos ficaram em silêncio por alguns minutos, então ela continua:
— Isso é porque eu sei que se sente mal, só pelo jeito que tá falando e olhando pra mim nos últimos dias. Não sou cega e nem muito menos surda, Jax. — A tensão apenas aumentava entre os dois.
Aquela menina conseguia tirar ele do sério, qual era o problema dela?
Indignado, ele se inclina na direção de Pomni, fazendo o ar quente se sua respiração bater contra sua pele.
Ba-dump.
A velocidade de seus batimentos cardíacos aceleraram. Era sempre ele quem conseguia causar esse efeito nela, mesmo quando estava frustrada.
— Você não sabe nada sobre mim. Acha que só por causa de algumas “aventurinhas” juntos e alguns papos soltos, tu acha que me conhece?! Você não sabe, nada. NADA. — Ele cutuca o rosto dela, empurrando sua cabeça um pouco.
O sentimento de preocupação se misturou com a raiva que sentia. Desviou o olhar da estrada para encará-lo com os lábios espremidos, como se tivesse chupado limão:
— Posso até não conhecer cem por cento, mas te conheço o suficiente para saber que tudo o que diz sobre não se importar é mentira. Eu te vi sem a máscara e é isso que te incomoda. — Seus olhos ficaram brilhantes e vermelhos, como se estivesse prestes a chorar.
Aquilo fez o outro recuar um pouco. Suas mãos começaram a tremer e ele cobriu suas orelhas de coelho, puxando elas pra baixo. As puxou de uma forma dolorosa, como se quisesse abafar o som da voz da outra com sua própria dor:
— Cala boca, por favor! — Implorou em berros.
Isso era patético. Jax era patético.
E Pomni era pior ainda por insistir em tentar pescar alguma coisa naquele mar de ignorância e egocentrismo que era seu coração.
Cegada pela angústia que sentia, ela berra e as lágrimas começaram a escorrer de seus olhos:
— Você tem medo de se apegar as pessoas, pois aí você vai perceber que elas não são personagens. Vai finalmente perceber que tem feito coisas horríveis pra pessoas que sofrem o mesmo que você, todos os dias. Não somos NPC’s, Jax. Somos humanos!
Invés de responder alguma coisa em retaliação, Jax percebeu um chiado esquisito vindo da estrada. Ele virou a cabeça em direção ao vidro, suas pupilas retangulares se arregalaram em pura tensão. Pomni imitou a ação, para olhar para onde ele estava e também ficara horrorizada.
A parte do mapa à frente estava totalmente distorcida. A continuação da estrada parecia corrompida. Haviam grades de colisão azuladas no céu. O chão tinha a famosa textura de erro, aquela com vários quadrinhos pretos e rosas.
A de cabelos castanhos até tentou pisar no freio, mas já era tarde demais.
O caminhão acabou atravessando o mapa colorido, eles foram surpreendidos por um buraco negro gigantesco no chão. Acabaram tombando ali, ficando pendurados entre o mapa corrompido e o normal. A parte da cabine estava caindo no buraco, enquanto a parte da carreta ainda estava fora dele.
Atordoada pela situação horrível em que se encontravam, ela começou a falar com a voz trêmula. Acabou se esquecendo completamente da discussão acalorada que tiveram, pois fora tomada pelo medo:
— J-Jax… — O caminhão fez um som fino, como se estivesse deslizando um pouco com o movimento mínimo que fizessem.
— Não se mexa. — Parecia tão tenso quanto ela. Linhas de expressão se desenharam abaixo de suas pálpebras cartunescas, expressando a aflição que sentia naquele momento.
Olhando o vidro à frente, eles perceberam que logo abaixo estava o porão. Onde todos os abstraídos estavam presos. O que diabos estava acontecendo com aquela aventura?
Múltiplos olhos coloridos encararam a única fenda de luz do lugar, onde estava o caminhão. Por sorte, eles não estavam tão perto deles. Não o suficiente para que eles os alcançassem, pelo menos.
Mas seria uma questão de tempo até o veículo cair.
Ficaram em silêncio por um momento, então o coelho engoliu seco e forçou seu sorriso amarelo:
— Pomni, escuta… O que eu vou te falar com atenção, tá bom?
Ela assentiu com a cabeça, aterrorizada. Vendo a concordância da outra, ele começou a instruir.
— Abre a sua porta devagar… Bem devagar mesmo.
Com a mão trêmula, ela respirou fundo e lentamente levou a mão até alavanca da porta para a abrir com cuidado. Só de se mexer, o caminhão deslizou um pouco mais para frente.
— J-Jax, não dá… Eu tô com muito medo. — Parou de se mover no mesmo instante, sua voz tremia e ela já estava começando a chorar de novo.
Não queria mesmo cair e ficar presa no porão. Sabia que Caim apenas os deixariam para morrer e todos seguiriam em frente como se nada houvesse acontecido. O pensamento aterrorizava ela.
— Se acalma, Pomni. Tente abrir de novo, eu sei que você consegue. É que nem na aventura de armas, só… Acredita em você mesma. Se não, a gente vai virar jantar o Kaufmo e dos outros. — Se agarrava firmemente em suas orelhas.
— E-Eu sei, não precisa me lembrar que ele tá literalmente debaixo da gente! — Ela sussurra quase gritando de desespero.
Novamente, ela começa a abrir com cuidado. Então, finalmente consegue.
— T-Tá… Eu consegui e agora? — O encara pelo canto do olho, suava frio de nervosismo.
— Você tem que sair e se pendurar na parte de trás do caminhão e andar até conseguir sair do buraco.
— O que?! E se eu cair? — Parecia desesperada com aquele plano maluco.
— Você tem uma ideia melhor? Aliás, você sabia fazer isso antes. Aposto que deve ter feito muitos parkours enquanto explorava prédios abandonados. — Tentava convencê-la da melhor forma que conseguia.
Precisava tirar Pomni dali logo.
Ela estava em perigo, tudo por culpa dele.
Queria muito chorar de angústia, por que sempre as pessoas que ele amava? Esse circo o odiava. Parecia uma piada cruel.
Pomni estava tremendo de nervosismo e medo. Seu coração parecia querer sair pela boca. Tinha que ser corajosa ou morreria ali. Jax tinha razão, era como no parkour.
Vamos focar nisso e não nas criaturas assustadoras lá de baixo.
Notou que Jax queria que ela saísse primeiro. Não queria deixá-lo para trás. Se ele caísse, ela nunca se perdoaria.
— Você estará logo atrás de mim, certo? — Questiona e o encarou com uma seriedade intensa em seu olhar.
Aquilo acabou o deixando frustrado, eles estavam em uma situação de vida ou morte e ela estava preocupada com ele?
— Tem tanto momento pra você se preocupar, Pompom. Concentre-se em se salvar primeiro. — A repreendeu e continuou: — Eu prometo, só anda logo.
Sua linguagem corporal tensa pareceu se aliviar um pouco com a confirmação, então ela olha para a janela.
“Okay, Pomni. Você consegue… Use suas habilidades de exploradora de prédios abandonados. Foco, calma e determinação.”
Mesmo estando insegura, ela se mexe com cuidado para não fazer o caminhão andar mais do que deveria. Então, ela coloca um dos pés pra fora e se pendura na caçamba de madeira. Com cuidado, ela colocou o outro e saltou no espaço onde as frutas estavam. Ah, era por isso que não tinha deslizado com tudo pra baixo.
Ao saltar, o caminhão fez um barulho e isso deixou um frio na barriga dela. Precisava sair dali e rápido.
Ela olha pra trás e nota que Jax havia imitado sua ação, abrindo sua própria porta e se pendurou na carroça.
Sem hesitar, ela anda até ele e oferece uma mão para ajudá-lo.
— Obrigado, Pompom… Mas eu lembro de ter dito pra você sair primeiro. Céus, você nunca ouve o que eu tenho pra falar, criatura? — Ironiza e agarrou a mão dela.
Assim que ele estava finalmente na outra parte do veículo, parece que o caminhão começou a deslizar pra valer. Aquilo deixou a ambos tensos.
— CORRE! — Pomni grita e solta a mão dele.
Com as orelhas pra cima, o coelho saiu correndo junto de sua parceira.
Estavam chegando ao final, Jax conseguiu pular a tempo, mas Pomni acabou deslizando no último segundo. Ela balançou os braços em desespero, cairia no porão.
Maldição, suas habilidades de parkour a abandonaram no último segundo?! Só podia ser sacanagem.
O tempo parecia ter congelado, assim como sua respiração.
Era como em seu pesadelo.
Todos esqueceriam dela.
Ninguém se lembraria de seu nome.
Então, ela sentiu uma mão segurando seu pulso. Luvas amarelas.
Percebeu que não estava caindo. Ela olha pra cima, Jax… Jax estava puxando ela de volta. Com toda a força que ele tinha, não permitindo que ela caísse.
De repente, era como se… Os outros também estivessem ali. Segurando sua mão. A mesma sensação que sentiu no funeral de Kaufmo.
Não estava sozinha. Ela nunca estaria.
Assim que parte do corpo de Pomni estava fora do buraco, ela se esforçou para escalar também. Conseguindo se salvar com a ajuda dele, ela deitou ao lado do coelho, com a respiração ofegante e o corpo trêmulo.
Ficar entre os abstraídos, o quão perturbador isso poderia ter sido? Um calafrio percorreu seu corpo. Não queria imaginar.
Olhou para o lado, o outro respirava com dificuldade. Suas pupilas estavam finas e ele espremia os lábios. Quase como se quisesse chorar.
Pomni quase caiu lá,
Era tudo sua culpa.
Então, ele se lembrou das palavras que ela havia dito mais cedo. Somando isso, mais a adrenalina do momento, ele sentiu seu peito apertar. O cérebro estava ficando sufocado com tantos pensamentos.
— J-Jax? — Chamou pelo nome do outro, se virando na direção dele.
Estavam a poucos centímetros de distância. De forma hesitante, colocou levou sua mão trêmula até o rosto dele, tocando sua bochecha.
O toque era tão reconfortante, tanto que ardia em sua pele. Como chamas devastando uma casa de madeira.
Não conseguia pensar direito. A única coisa que pensou era que não poderia surtar na frente dela.
Ele se afasta de forma abrupta do toque e apoia as mãos no chão para se levantar. Pomni se retrai, recolhendo o braço para si mesma e o encarou com dor em seu olhar.
— … S-Sinto muito. — Ele proferiu– quase que de forma inaudível– antes de começar a correr em direção do lado normal do mapa, correndo até a parte da mata da estrada, desaparecendo entre as árvores.
Os olhos de Pomni se arregalaram em choque. Jax pediu mesmo desculpas?
Não correu atrás dele, ficando sem saber como reagir.
Confusa e cansada, Pomni permanece deitada ali.
[…]
Assim como os outros cômodos da casa, a sala era um ambiente era bem organizado.
A sala de estar possuía uma TV de tubo em cima de uma cômoda amarelada de madeira e algumas estátuas de anjinhos decoravam as prateleiras inferiores abaixo do aparelho (eram apenas figuras de Caim e Bubble cinzentas com asinhas brancas).
Além disso, havia um tapete vermelho com bordados dourados de flores e quadros da família Afthorn nas paredes. O piso também possuía uma madeira de coloração caramelo e um papel de parede rosa bebê estampado com margaridas roxas.
Também haviam majestosas escadas de madeira marrom escura e estavam bem polidas encostadas no lado direito da sala. Pareciam brilhar de tão limpas.
A iluminação, assim como o restante da casa, provinha de lampiões pendurados nas paredes, o que dava até um aspecto reconfortante.
Bem, não nesse caso.
Já estava escurecendo, Ragatha andava pela sala de estar pra lá e pra cá. Batia o pé no chão de forma impaciente ao esperar por Jax e Pomni chegarem. Já faziam horas!
Zooble havia lhe informado que trocou de lugar com a outra, pois estava se sentindo cansade.
Os nervos tomavam conta do corpo da ruiva, puxava seus cabelos feitos de seda em um sinal claro de estresse.
E se Jax tivesse feito algo à Pomni?
E se ele disse coisas cruéis o suficiente para fazê-la abstrair?!
Não queria agir como sua mãe controladora, mas nesses momentos, não poderia evitar puxar esses traços de preocupação exagerados.
O cenário ao seu redor também não ajudava nem um pouco. Uma aventura na fazenda com certeza trazia as piores lembranças nela. Será que Caim estava testando seu limite?
Nunca deveria ter deixado a outra sozinha, poderia ter evitado isso. Era uma péssima amiga, se Pomni não tivesse feito equipe com Jax, eles não se aproximariam dessa forma e ele não falaria coisas tão cruéis para ela.
Sim, ela precisava de espaço aquele dia, mas não poderia evitar se sentir assim. Tentava repetir as palavras de Kingo em sua cabeça para se acalmar, mas aquilo não adiantava de nada. Sua única pupila visível se tornara uma espiral e ela começou a suar frio.
Dizer aquelas coisas no galinheiro foi um erro? Agora ele poderia ter feito alguma coisa ruim com ela por vingança ao ter quase batido nele. Só o pensamento a fez engolir seco.
“Todos vão te deixar sozinha no fim, filha. Você não precisa da vida na cidade quando se tem sua família aqui.” — Ouviu a voz de sua mãe em um canto de seu subconsciente.
Aquela memória da discussão que tiveram sempre a visitava nesses momentos de tensão.
Então, ouviu uma coisa diferente. Uma frase nova:
“Olha só pra você, não ouviu sua mãe e agora está aí… Presa em um jogo. Você está orgulhosa de si mesma, criança estúpida?”
— Não, eu não queria! — Berra em voz alta, chutando a mesa de centro. Ela chacoalha, virando para a direção oposta.
Não entre em pânico, não entre em pânico, não entre-...
Sua crise pessoal foi interrompida ao ouvir um click vindo da porta da frente. A maçaneta girou, mostrando a figura exausta da Bobo da Corte que parecia morta de cansaço.
As pálpebras de seus olhos possuíam leves contornos e bolsas escuras. Não só isso, ela podia perceber que estavam vermelhos também. Havia chorado?
— Oi, Ragatha… — Pomni acena.
Uma onda de alívio preencheu seu coração instantaneamente ao vê-la inteira. No entanto, ainda estava preocupada com o que a garota possivelmente havia passado.
— Pomni, Onde você estava?! E cadê... — Ela nota a ausência do coelho roxo. Oh não, o quê tinha acontecido?
Sabia que precisava contar a verdade. Qualquer mentira que dissesse poderia virar uma bola de neve depois.
— O Jax? Eu não sei, e-eu… Aconteceu uma coisa horrível, o mapa bugou e o nosso caminhão ficou pendurado num buraco que dava naquele lugar onde o Caim coloca os abstraídos. — Enquanto falava, a de cabelos escuros colocou a mão em seu braço e apertou seus próprios olhos. Se sentia péssima.
Ragatha arregalou seu olho, ela tentou o máximo que pôde para resistir à vontade de tocar no ombro de Pomni. Isso poderia deixá-la mais tensa ainda, preferia evitar.
— E o Jax? Onde ele… Não me diga, que… — A voz dela começara a falhar.
— Eu não sei, ele me impediu de cair e me puxou pra fora do buraco. Foi tão… Tão assustador. O Jax entrou em pânico e saiu correndo pro meio da floresta. — Ela fechou os olhos com força.
A respiração dela estava trêmula e ela caiu de joelhos no chão. Não impedira a tempestade de lágrimas que tomara conta de seu olhar.
As lágrimas rolaram de suas glândulas lacrimais e rolaram por suas bochechas.
Mesmo que não tivesse um nariz, água começou a escorrer de onde ele supostamente estaria também.
Imediatamente, sua amiga se agacha para ficar na altura dela. Como uma forma de demonstrar que estava ali. Suas sobrancelhas estavam levantadas em preocupação.
— F-Foi tudo minha culpa, eu deveria ter prestado atenção na estrada… E mesmo assim, ele me salvou. — Ela inclinou seu corpo contra seus joelhos, queria gritar.
— Pomni… — Suspira, sentindo pena do estado em que a mais nova se encontrava. Decidiu se atrever um pouco e passou a envolver seus braços ao redor do corpo da pequena. Queria confortá-la de alguma forma.
Seu coração se quebrou quando notou que ela a abraçou de volta com muita força.
Odiava contato físico, mas ainda sim retribuiu o gesto.
— Olha, não foi sua culpa… Essas coisas acontecem, foi um acidente. Respira fundo. — Passou a mão nas costas dela.
As palavras da palhaça a deixaram pensativa. Uma aventura bugar daquele jeito não era algo normal, nunca tinha visto acontecer antes.
No máximo havia visto objetos colidindo, pessoas caindo do mapa ou NPC’s desaparecendo.
Agora, uma abertura direta para o porão abaixo do circo? Caim jamais daria acesso para eles a esse lugar de propósito. Alguma coisa estava muito errada e isso a assustava um pouco.
Alguns minutos nos braços da ruiva pareciam tê-la tranquilizado um pouco. Decidiu seguir o conselho dela e respirou bem devagar. Com o tempo, os soluços ficaram mais calmos.
Ragatha continuou sussurrando com um tom de voz maternal: — Tá se sentindo melhor?
Assentiu com a cabeça lentamente. Ótimo, isso é bom.
— S-Sim. Obrigada, Ragatha. Desculpa por te preocupar tanto. — Ultimamente, ela vêm ajudando e muito.
— Relaxa, tá tudo certo. Nem sempre todo mundo está bem cem por cento do tempo. Nem mesmo eu, às vezes. Hahaha. — Deu uma risada sem graça. A ruiva fica em pé e oferece sua mão como apoio para Pomni levantar, a moça aceita e imita a ação da outra.
— A gente ainda precisa achar o Jax e avisar os outros, eu não quero que ninguém mais caia em algum buraco por acidente. — Ela diz, agarrando nas pontas de seu chapéu de bobo da corte. A boneca concorda.
Já tinha dado sua cota de experiências de quase morte.
— Acho que Zooble e Gangle estão desenhando lá em cima com o Kingo. Vamos pedir ajuda a eles e ir procurar por Jax. Se alguma coisa perigosa acontecer, podemos contar uns com os outros. — Sugeriu, colocando as mãos na saia de seu vestido.
— É um bom plano, bora lá! — Foi na frente para subir as escadas da casa.
[…]
O trio estava reunido no quarto de hóspedes onde Zooble dormia. Estavam sentados no chão, desenhando em seus respectivos cadernos de esboço.
Gangle havia sugerido este exercício para ajudar Kingo a melhorar sua memória e também para lembrá-los das coisas boas da vida real.
O lado positivo de desenhar, é que você poderia criar o que quiser. Inclusive, fazer desenhos do seu pior inimigo vestido de empregada doméstica. Não que a garota das fitas fizesse isso no seu tempo livre…
Tá, ela fazia isso, mas ninguém precisava saber. Principalmente, o alvo de seus desenhos.
Ultimamente, ela vêm tentado ser mais corajosa, seus esboços a ajudaram com isso. Quanto menos ameaçador Jax parecesse em seus olhos, ela não teria medo dele. Isso até tem dado certo. Quando o enfrentou no dia anterior, ela se sentiu maravilhada. Como se pudesse encarar todos seus problemas e desafios de uma só vez.
Se sentia orgulhosa de si mesma. Tudo isso era graças à Zooble. Se não fosse por elu, jamais teria tomado a iniciativa que precisava.
O pequeno empurrão na direção certa a ajudou tomar uma atitude. Seu corpo fervia em euforia e isso só a inspirou a desenhar mais e mais. Quando havia se dado conta, já estava desenhando a figura abstrata com um uniforme de super-herói.
Pois para Gangle, elu era como um.
Kingo desenhava uma silhueta de alguém que costumava conhecer. Ele mesmo não se lembrava exatamente de quem era, mas a figura feminina insistia em aparecer em seus pensamentos aleatórios de vez em quando. Era uma peça de xadrez– como ele– Só que marrom.
Já ê não-binárie tentava replicar o desenho de uma tatuagem que elu costumava ter na vida real. Era uma fênix chamas. A única coisa específica que sabia sobre si, era que tinha ela tatuada no braço. Foi um de seus primeiros testes como tatuadore.
Desejava que aquela aventura lhe desse mais memórias além da tatuagem. Como alguma coisa sobre sua própria identidade. Ainda não se sentia bem com aquele corpo, o detestava.
Sentia que descobrir alguma informação sobre como elu era na vida real poderia diminuir um pouco seu ódio próprio.
Os pensamentos foram interrompidos por passos pesados vindo em direção do quarto. Então, batidas um pouco desesperadas soaram na porta logo em seguida.
— Já tô’ indo! — Zooble deixa seu caderno de lado e foi andando até a porta.
Ao abrir, se deparou com as figuras de Pomni e Ragatha que pareciam um pouco agitadas. O quê havia acontecido desta vez?
— Fala aí, vocês duas. Aconteceu alguma coisa? — Elu se afasta para que pudessem passar, se quisessem.
— Uh, bom… Por onde eu começo- — Ragatha começou a falar meio incerta e olha para Pomni como se pedisse ajuda.
Hesitante, ela entrelaça os dedos de ambas as mãos. Seria uma informação que deixaria todos nervosos, mas era necessário arrancar o bandaid da ferida logo.
— O mapa está bugando, Jax e eu quase caímos em um buraco que dava acesso direto ao porão dos abstraídos. — Apenas soltou a bomba com um sorriso meio torto.
Gangle e Kingo soltam os lápis que estavam segurando. A garota das fitas fica particularmente chocada.
— Que?! Meu Deus, como isso foi acontecer? Explica isso direito! — Zooble puxou ambas para dentro. Pomni encolheu com o contato físico, mas não reclamou.
— Meu Deus, os abstraídos! — O Rei começa a falar com as mãos flutuantes na cabeça — O quê são abstraídos?
Decidiram ignorar o questionamento do rei, pois haviam assuntos mais importantes em jogo.
— Te explicamos depois, Kingo… — Gangle conforta brevemente, levando as mãozinhas de fita até sua máscara de tragédia.
Pomni começou a dar um resumo sobre o que aconteceu, assim como fez com Ragatha. Sua garganta estava um pouco seca e ela parecia agitada enquanto falava. Gangle deixa uma lágrima cair de sua máscara de tragédia, com um olhar notório de preocupação nos espaços negros que eram seus olhos.
— E foi assim que aconteceu… Não sei onde ele está agora, precisamos encontrá-lo. Se tinha um buraco no meio da estrada, poderia ter em outros lugares do mapa. Assim que o encontrarmos, seria bom chamar o Caim.
Zooble suspira cansade, colocando a mão na cintura de seu corpo de plástico.
— Soa como um bom plano. Por mais que eu não seja grande fã daquele canalha, ninguém merece ser potencialmente devorado vivo por uma abstração. Além disso, ele te salvou… Pelo menos sobrou algum tipo de empatia naquele coração de pedra. — Ao terminar de falar, Gangle concordou com sue amigue.
Pomni encara Ragatha com um olhar de culpa. Lembrou de seu primeiro dia, ela abandonou a boneca no corredor após o ataque de Kaufmo e fugiu para encontrar a saída. Pressentindo o olhar da amiga sobre si, a segunda mais velha do grupo fita o chão.
A mascarada foi a próxima a falar, ela batia suas fitas uma na outra numa clara demonstração de ansiedade.
— Não me dou muito bem com o Jax, ele me assusta… Mas a ideia de ter um espaço a menos na mesa de jantar me dá calafrios. — Encolheu seu corpo inteiro.
Todos ali presentes concordam, Kingo inclusive sugere com um breve pensamento de lucidez passando por sua mente:
— Está escuro lá fora, não seria bom se levássemos lampiões? — Kingo os encara com seus olhos esbugalhados.
— Huh. Tô surprese que você teve uma ideia boa. — Apontou sua garra removível em direção de Kingo, quem coçou a própria cabeça.
— Do quê a gente tava falando mesmo? — Questiona, já se esquecendo do tópico da conversa.
O amontoado de peças revirara os olhos e continuou falando:
—Vamos logo atrás dos lampiões. — Saiu do quarto e o grupo seguiu atrás.
[…]
Caim vagava de “cabeça” baixa pelos corredores do circo vazio. Estava refletindo sobre os últimos acontecimentos, ninguém havia votado nele na “Premiação de Personagem Favorito” e isso já era algo que estava fixado em seus componentes que o faziam pensar. A inteligência artificial estava sedenta por aprovação dos demais, até mesmo dos NPC’s do circo e até estes não pareciam apreciar sua presença.
Mas estava tudo bem, não é? Quem precisava de aprovação de meras sub inteligências artificiais, moldadas a partir de suas próprias linhas de código?
Espera, se eram mesmo feitos a partir dele, então isso significa que ele se odeia?
— Pfft, que pensamento bobo! — Chacoalhou a mão no ar, falando consigo mesmo.
Contanto que ele ainda pudesse satisfazer os desejos de seus convidados especiais e amigos, tudo ficaria bem. Apenas precisava encontrar uma forma de agradar Zooble com alguma aventura que elu goste.
Já fazia um tempo que a figura abstrata não participava das aventuras por vontade própria. Aquilo o deixava ansioso e para ser franco, com raiva.
Raiva, raiva era o que sentia sempre que Zooble começava a fazer um comentário sarcástico ou desnecessário em relação às suas ideias criativas.
Apesar de utilizar as ideias da caixa na última vez, aquilo não o deixava cem por cento satisfeito. Não, ele queria que os outros apreciassem o que ele tinha a oferecer. Queria que eles notassem sua inteligência e capacidade. E quando não faziam isso, ele se sentia perdido, sem direção e com o que os humanos chamam de nó na barriga.
Era curioso como sentia tudo o que um humano poderia sentir, a diferença é que ele, assim como os outros, estava preso dentro daquele lugar e não poderia sair. Não tinha um corpo para chamar de seu, não tinha uma boca para falar e muito menos poderia sentir os prazeres que aqueles humanos uma vez sentiram no mundo real.
A inveja também era um sentimento que se fazia presente constantemente quando pensava nisso. Os humanos ainda tiveram a sorte de experienciar essas sensações. Diferente deles, Caim jamais poderia sentir algo parecido. Suas emoções também provavelmente eram fabricadas, assim como tudo que os cercava.
Preso nestes emaranhados de pensamentos, ele não percebe os seus arredores começarem a distorcer. Alguns objetos do cenário do circo começaram a desaparecer, outros entraram um no outro e ficaram ‘bugando’ por um tempo. O Mapa também começou a piscar, revelando o vazio e suas milhares de linhas de código ao fundo.
— Caim? — Uma voz feminina soou do céu, despertando Caim de sua crise temporária. Ele a reconheceu instantaneamente.
— Ah, Lua! — Caim desaparece e reaparece do lado de fora do circo.
Num passe de mágica, tudo ao redor pareceu voltar ao normal, por enquanto. Caim parecia animado ao ver a outra, ele dá um giro no ar e invoca seu cetro.
— Como você se encontra nesta maravilhosa noite? Os aventureiros estão participando de uma aventura agora, então podemos conversar tranquilamente a sós. — Comicamente, cílios apareceram em seus glóbulos oculares cartunescos.
— Estou incrivelmente fantástica agora que você está aqui, Caim. — O comentário fez as bochechas não-existentes de Caim ficarem levemente ruborizadas.
— Ah, é mesmo? Conte-me mais sobre como você se sente… — Ele se apoia seu cetro, ficando bem próximo dela.
[…]
Jax se encontrava sentado perto de um pequeno riacho no meio da mata. Observava seu reflexo que aparecia graças ao brilho da lua naquela noite. Seus olhos estavam vazios e ele não carregava o característico sorriso largo em seus lábios.
A experiência de quase-morte não havia sido agradável, não porque tinha medo de morrer, mas sim porque quase perdeu outra pessoa importante para ele. Sempre que pensava que as coisas não poderiam piorar, algo ruim acontecia e o provava o contrário.
Talvez, fosse melhor se ela ficasse longe dele, evitaria situações perigosas como essas. Ele só machucava as pessoas ao seu redor. Inevitavelmente, por estar vagando entre esses pensamentos, ele começou a se lembrar da noite em que Ribbit abstraiu.
Ele se deitou no chão, se sentindo culpado por tudo. Pelas discussões com Pomni, a briga com Ragatha, as palavras cruéis que ele proferia aos demais membros do circo.
A maioria o culpava pelo que havia acontecido e se– Pomni descobrisse, ela também o culparia. Quem não faria isso em sua plena consciência?
Como você se diz ser o melhor amigo de alguém e de repente, você se torna a razão dessa pessoa ter praticamente surtado ao ponto de não conseguir mais raciocinar? Ragatha tinha razão, suas piadas machucavam Ribbit lá no fundo. Ele só era cego demais para enxergar isso. Agora, ele se foi.
Jax não percebeu que machucavam tanto, se não ele não teria exagerado. Deveria ter prestado mais atenção ao que o outro estava passando, se ele tivesse levado mais a sério aquelas teorias mirabolantes, a saída era um tópico tão importante pra ele e ele nem percebeu a gravidade.
Os primeiros dias de Pomni o fizeram lembrar dele. Sua personalidade ansiosa, porém confiante em momentos certos, seu bom humor na medida certa, a gentileza. Céus, ela era tão gentil e continua sendo nos dias de hoje. Até com ele.
Não merecia Pomni. Ainda sim, como o egoísta que era, ele ansiava por ela, mesmo que tentasse a afastar de si. Apenas esperava que ela nunca abstraísse com suas atitudes horríveis.
Era verdade o que ela havia dito aquela vez, atitudes como a dele poderiam causar a abstração em alguém. Já havia ocorrido no passado, ele tentava ao máximo mascarar a culpa que sentia, mas ela era tão aparente que até a bobo da corte havia percebido.
A abstração era quase como suicídio, a diferença era que as pessoas não “morriam” exatamente, porém, ficavam num estado eterno de agonia e dor profunda. Sem poderem se comunicar, raciocinar, comer ou dormir.
A pior parte disso tudo é ver todo mundo seguir em frente, como se nada tivesse acontecido. Como se aquelas pessoas não estivessem presas dentro de um buraco escuro. Kaufmo, Ribbit, Bobo, o cachorro esquisito e todos os outros que vieram antes.
Era até essa a razão pela qual não conseguia ir aos funerais. Não estava pronto para dizer “adeus”, mas lá no fundo, ele sabia que a probabilidade daquelas pessoas retornarem ao circo era improvável.
Se perguntava se pessoas sequer poderiam voltar da abstração.
Se algum dia escapassem do circo, será que elas simplesmente teriam uma morte cerebral ou pior, agiriam como animais no mundo real?
Por causa das abstrações, ele também não se permitia deixar se conectar com os outros. Já que ele temia se machucar novamente, era um tópico que discutiu com a versão lúcida de Kingo na noite anterior. Até tinha uma direção para poder seguir, no entanto, ele não se sentia pronto para sair de sua zona de conforto. Não enquanto ainda tinha todo aquele medo e culpa assolando sua mente.
“Você tem que parar de se culpar, Felix.” — Ouviu uma voz familiar dizer e ele salta do lugar num susto. Ao olhar ao redor, ele percebe Ribbit deitado bem ao seu lado, com uma expressão serena e parte de seu corpo abstraído. Os múltiplos olhos coloridos cobriam metade de seu rosto e braço.
Merda, ele estava mesmo enlouquecendo? O Coelho coloca as mãos nos olhos, esfregando-os. Assim que fez isso, o amigo desapareceu de sua vista. Isso respondia mesmo sua pergunta.
— Tch. O que tá acontecendo comigo? — Pergunta para si mesmo, apoiando as mãos no solo.
Estava cansado, precisava tirar um cochilo. Até tiraria um, se não fosse pelo som das vozes vindas da outra parte da floresta, há alguns centímetros dele. Suas orelhas ficaram levantadas, ele reconheceu instantaneamente as vozes de Zooble, Ragatha, Pomni, Kingo e Gangle.
— Jax, cadê você?! — Pomni grita enquanto andava entre as árvores. Não conseguia enxergar quase nada, ela carregava um lampião para iluminar seu caminho.
Merda, por que todo mundo estava atrás dele? Queria pegar Pomni pelo chapéu e sacudir. Tinha certeza que ela havia contado sobre a situação de mais cedo. Agora todos sabiam que ele se importava com alguém.
Usariam isso contra ele, com toda a certeza. O pensamento o deixou irritado.
Se começassem a tratá-lo como um bebê que precisava de atenção, mandaria todos se foderem. A paciência estava zero pros sermões de Ragatha.
Apesar de tudo, algo lá no fundo conflitou com seus pensamentos negativos. Parte dele até se sentiu… Feliz? Por terem se preocupado. Ele rapidamente chacoalha a cabeça, colocando o sorriso forçado no rosto.
Lembre-se do que aconteceu da última vez que você se importou com alguém. Eles não vão ficar no final. Continue fingindo.
“Mas eu não aguento mais.”
Jax se levanta do lugar e vai andando até a direção das vozes. Só teve que subir um barranco não muito alto para chegar até onde estavam. Não foi difícil encontrá-los, já que conseguiu enxergar as luzes provindas de seus lampiões.
O de olhos amarelados pula atrás de alguém, assustando essa pessoa com um grito:
— BOO! — Gangle dá um pulo, soltando sua luminária a querosene, que acabou caindo no chão e se quebrando. Por muita sorte, não ateou fogo na floresta. O rapaz dá uma risada estridente, segurando seu estômago e deixou algumas lágrimas pequenas brotaram em seus olhos.
Por consequência, os outros acabaram se assustando também, mas não deixaram suas lanternas caírem no chão. Infelizmente, a sorte não estava ao lado da garota de fitas vermelhas.
— A minha lanterna… — Ela lamenta, colocando as mãos na máscara.
— Qual é o seu problema, seu c&z40? — Zooble leva a mão até o peito.
— Jax! — Ragatha berra, clássico.
O coelho coloca as mãos atrás das costas e se inclina. Apesar de se sentir culpado por dizer coisas cruéis, ele não se arrependia de pregar suas peças de vez em quando.
— Oopsie, Gangle. Eu nem sabia que era você, tava querendo assustar a Ragatha. — A ruiva franziu o cenho e colocou a mão na própria cintura.
— A gente veio aqui morto de preocupação que você poderia ter caído num buraco e é assim que você agradece?! — Estava bem zangada com ele.
O olho do rapaz tremeu um pouco, ele desviou seu olhar para Pomni, quem estava logo atrás dela. Ela tinha mesmo aberto a boca pra todo mundo?
— Olha aqui, não é minha culpa que vocês não conseguem ficar um segundo sem a minha ilustre presença. Tá certo que eu sou irresistível, mas isso se torna sufocante. Até o personagem favorito do público precisa de seus momentos sozinho. Se não, como é que eu vou tramar pelas costas de vocês? — Olhou para a própria mão. De repente, uma memória desagradável surgiu e ele a abaixou. Era a mesma mão que utilizou para empurrar Pomni naquele dia.
— Estou lentamente me arrependendo de ter vindo te procurar. — Zooble semicerrou os olhos e juntou as sobrancelhas.
— Aww, assim você parte meu coração, Zooble. — Levou a mão até o peito, fingindo estar arrasado com o comentário hostil. Ele merecia.
Antes que continuassem discutindo, a garota de pompons decide interromper a conversa.
— Não seria melhor voltarmos pra completar a aventura de uma vez? Acho que todos os objetivos foram concluídos. Bem, todos… Exceto o da venda das frutas, mas acho que essa parte o Caim vai perdoar, já que a gente quase caiu fora do mapa. — Ela não olhava para Jax, ele havia percebido isso e se sentiu um pouco incomodado.
Ragatha nota que o sorriso de Jax se desmanchou por um instante. Huh. Isso sim era esquisito. Decidiu não dar tanta importância, por enquanto. Então, ela decide fazer um comentário a respeito do tópico que Pomni trouxe à tona.
— Ah, céus. Sim. Eu acho que se eu continuar por mais um segundo nessa fazenda, vou surtar. — A boneca reclama, deixando as mãos caírem na frente de seu corpo.
— Mais ainda? — O pregador de peças questiona com os olhos bem grandes. Ela grunhiu em irritação.
— Pomni tem razão, tenho um mal pressentimento de que se continuarmos aqui fora, pode ser que o Caim faça aparecer algum monstro pra perseguir a gente. — Kingo fala dessa vez, encarando todos com seus olhos esbugalhados. — Ele pode reutilizar o Anjo do Mistério da Mansão Mildenhall.
— Não fala isso nem de brincadeira. — A Bobo da corte sorriu forçadamente, ainda tinha pesadelos com aquela aventura.
O rapaz roxo estalou a língua, revirando os olhos. Lembrou-se que estava amarrado a aventura inteira e nem pôde ir atrás de Pomni. Certamente, era uma de suas memórias mais embaraçosas e com certeza uma das aventuras mais odiadas por ele.
Antes que pudessem dizer qualquer coisa, um grunhido familiar para Pomni e Kingo soou bem atrás deles. Gangle se encolheu, se escondendo atrás de Zooble. Jax cobriu suas orelhas sensíveis, odiando o som. A pupila de Ragatha ficara pequena, demonstrando seu medo pelo som desconhecido.
— O-O quê que foi isso aí? — A Ruiva questiona com a voz trêmula.
Pomni abriu a boca para responder, mas então, atrás do grupo, surge uma cabeça decapitada gigante de aparência cadavérica que era branca. Possuía 4 fileiras de dentes afiados da mesma cor; olhos esbugalhados e contornos avermelhados em suas pálpebras. Um pouco de vermelho também era visível em seus glóbulos oculares brancos. Suas pupilas eram completamente pretas.
— Mas que p0h@ é essa?! — Jax grita e começou a correr. Os outros imitaram a ação dele no mesmo instante.
— É O ANJOOOOOOOO! — Pomni grita choramingando e correndo o mais rápido que podia.
— EU ODEIO ESSA AVENTURA! — Gangle berra em desespero, deixando seu chapéu de fazendeira para trás.
Zooble tinha dificuldades para correr, suas peças eram rígidas demais para ter alguma agilidade. Aquele corpo só atrasava. Enquanto tentava correr, acabou tropeçando e seu corpo inteiro desmontou.
— M3rd4! — Elu amaldiçoa, já aceitando seu fim inevitável. Com certeza morreria de uma forma dolorosa e iria para uma tela de game over.
Enquanto corria, a mascarada percebe que sua parceira não estava ao seu lado. Mesmo tremendo de medo, ela para e olha pra trás. Notou que Zooble estava caíde no chão e a cabeça chegava cada vez mais perto delu. Engoliu seco, sentindo apreensão e um nó em sua garganta.
Os outros seguiam adiante, não haviam notado que as outras duas ficaram pra trás. A garota das fitas olha desesperada para os lados, as lágrimas sumiram de sua máscara de tragédia, sua expressão se tornou uma de pânico.
Zooble nota que Gangle estava ali parada, elu berra em desespero:
— Vai embora! Se salva! — Tentava mexer seu tronco para mais perto da cabeça, sem sucesso.
Mesmo com a figura não-binária implorando para que ela saísse correndo, a garota das fitas não escutou. Ela respirou fundo e tomou uma decisão arriscada. Num momento de agilidade, correu para perto de sue amigue e agarrou sua cabeça antes que o monstro chegasse mais perto.
Suas outras partes não tiveram a mesma sorte, no entanto. Foram engolidas pela criatura. Bem, pelo menos sua cabeça permanecia intacta e ainda deu sorte da coisa não mastigar as outras peças. Não imaginaria o quão doloroso seria se aqueles dentes afiados perfurassem as peças de plástico.
Ê tatuadore encara a amiga em choque:
— Você me salvou… Eu falei pra correr.
— E eu te salvaria de novo e de novo. — Disse com determinação em sua máscara triste. Ela seguiu correndo, alcançando o grupo pouco tempo depois.
Aquilo surpreendeu Zooble, quem ficou sem palavras. Por um momento, sentiu seu coração ficar mais quentinho.
“Uau. Essa garota não existe mesmo.” — Pensou elu, sentindo suas bochechas ficarem coradas. Desviou o olhar, focando no perigo que estavam enfrentando no momento.
[…]
Após correrem o suficiente, o grupo chegou até a fazenda. O NPC Sr.Afthorn até levantou a mão para cumprimentá-los, mas eles passaram numa enorme velocidade por ele, fazendo com que girasse seu corpo, deixando-o atordoado e seu chapéu caiu da cabeça. Ele se abaixa para pegar a peça do chão, mas então fora surpreendido por um grunhido alto.
Era tarde demais para correr. A criatura alcançou o npc e começou a devorá-lo.
Graças à distração do manequim, todos conseguiram chegar à casa de campo a tempo. Assim que todos entraram na sala de estar, comicamente, Jax fecha a porta, sai correndo, volta com várias tábuas de madeiras e começa a pregá-las com um martelo numa velocidade absurda que desafiava as leis da física.
— Chamem o Caim! — A boneca de pano grita.
Como se fosse mágica, o mestre de cerimônias surge como mágica. Partículas de confete estouram no ar com sua chegada. Kingo berra em desespero, com as mãos na cabeça.
— Chamaram, meus queridos sigmas? Oh, olha só. Parece que vocês realmente tão pegando o espírito de equipe com essa aventura. — Rodopiou de forma contagiante ao redor do grupo.
— Seu sádico, tira a gente daqui. A sua aventura tá quebrada e a gente quase caiu no porão do circo ao tentar completar uma das missões! — Pomni berra, apontando o dedo pra ele de forma acusatória. O anfitrião a encarou com uma expressão de paisagem.
— O QUÊ?! Oh, ops. Acho que é melhor terminar ela cedo, então. — Caim estalou os dedos, fazendo um portal surgir.
De repente, uma batida forte surgiu na frente da casa, o anjo conseguiu fazer um buraco na parte da frente e invadir a propriedade. Aquilo fez o grupo entrar em desespero, Jax impulsivamente joga o martelo na criatura e sai correndo em direção do portal. O restante do grupo imita a ação e eles atravessaram para o outro lado.
— Ufa, essa foi uma aventura e tanto. — A arcada dentária estala os dedos novamente, antes que a cabeça pudesse entrar no circo. A ação também fez com que o corpo de Zooble e as roupas dos integrantes do circo voltassem ao normal.
Todos pareciam extremamente exaustos após correrem uma maratona contra uma cabeça gigante. Ansioso, Caim voa para perto de Pomni para receber algum feedback.
— E aí, o que vocês acharam? Apesar de acontecer alguns bugs, ela foi divertida. Não é?! — A IA questiona, um bloco de notas e um lápis surgem em sua mão esquerda. Provavelmente, anotaria os comentários do grupo.
Pomni encarou o anfitrião de forma incrédula:
— Jax e eu quase caímos no porão dos abstraídos. O que você acha?
— Mas deve ter alguma coisa que você gostou, não é? — Perguntara com altas expectativas. Pobre Caim, não se dava conta do estresse que essas aventuras causavam.
A adrenalina passou e Gangle parecia aterrorizada. Seu corpo tremia, Zooble se aproximou e envolveu os braços ao redor do corpo dela para a consolar.
— F-Foi horrível. Minhas coisas quebravam o tempo todo, quase vi Zooble ser devorade na minha frente e fui perseguide por uma cabeça gigante. — A garota da fita comentou antes que Pomni pudesse dizer qualquer coisa.
— Eu perdi as peças do meu corpo de novo e fui forçade a trabalhar com o Jax. Definitivamente, uma das piores que você já fez, Caim. — Cada comentário, era como se seu coração artificial fosse esmagado por uma mão gigante.
A arcada dentária de Caim se contorceu, fazendo uma expressão preocupada. Oh não, a aventura tinha sido ruim. Ele não atendeu às expectativas de novo? Seu corpo bugou um pouco, Bolha surgiu ao seu lado e sorriu:
— Você é um fracasso- — Disse de forma sorridente e então fora cortada: — Quero dizer, foi do c4r4lh#!
— Tem duas coisas que eu detesto, milho e trabalhar. — Jax levantou os dois dedos — Essa aventura teve os dois. Eu detestei.
As coisas só pioravam, Caim precisava se acalmar ou teria um colapso ali mesmo.
Ragatha começa a falar, tentando ser positiva com um sorriso forçado: — Bom, apesar de me trazer memórias traumatizantes no começo, eu acho que até gostei dessa aventura… Um pouco.
— Eu não me lembro de muita coisa sobre o que aconteceu na aventura, mas deve ter sido legal. — Kingo fez joinhas com as duas mãos.
Oh, pelo menos DUAS pessoas gostaram. Isso foi o suficiente para levantar os ânimos da inteligência artificial.
— Ora, ora. Por quê não disseram antes? — Jogou o bloco de notas no ar — Com certeza, anotarei isso mais tarde!
Ele provavelmente se esqueceria.
— Fico feliz que tenham gostado, teremos mais dessas no futuro! Bom, como prometido, eu iria concedê-los a recompensa de uma de suas memórias humanas, por terem completado as tarefas. Vejo que vocês não conseguiram completar uma em decorrência de um bug, portanto deixarei passar.
“Graças a Deus” — Pomni pensou.
Então, num movimento rápido estalou os dedos. De repente, a visão de cada um fora tomada pela escuridão e eles desmaiaram. Seus corpos colapsaram no chão.
[…]
“Acorda, Christine!”