Chapter 1: 01
Chapter Text
1.
Ensaiavas teus passos para o próximo teste que haveria para o papel do danseur principal, afinal ele teria um solo no segundo ato e era exatamente isso que buscavas. Desde que tu começaste a praticar ballet era esse o teu sonho, ter um solo grandioso, digno de ti, digno de Samatoki Aohitsugi, digno do tamanho da tua dedicação.
Subiste em tuas sapatilhas de ponta — algo nada aprovado pela tua Academia, mas não estavas ali para seguir regras — e decidiste fazer mais um alongamento antes de treinar a próxima sequência de passos. E sem música alguma, apenas guiado pela contagem sendo pronunciada por ti, irias ensaiar, buscando a aprovação.
Após minutos, teus músculos doíam do alongamento bem feito e nem darias uma pausa para descanso. A coreografia te aguardava e não podias desperdiçar teu precioso tempo. O cansaço bem que gostaria de te fazer refém, mas és muito mais resistente que ele.
Fora muito derrotado pela vida e não seria no ballet que ela obteria mais uma vitória.
2.
Nocturne Op.9 No.2 era o que estava escrito com tua bela caligrafia no topo da partitura. Não precisavas lê-la de tanto que já havia tocado tal maravilha de Chopin, mas gostava de manter aquele papel ali à tua frente. Talvez fosse uma medida de segurança para caso cometesse algum deslize — medo este fruto de tua frustração como baixo de ópera. Balançaste levemente a cabeça negativamente e ignorou o pensamento, buscando algo para prender teus longos cabelos para que pudesses tocar sem a preocupação de que fios iriam te atrapalhar.
Tocaste inúmeras vezes essa música, não há nada a temer, Jakurai era o que tua mente martelava. Então, a primeira nota daquela memorável de Frédéric Chopin ecoou pelo salão. Dali em diante, a música fluiu como água corrente pelos teus dedos, com muita maestria. Conhecias de fato a música, o sentimento que ela carregava, o ritmo correto a ser tocado; és profissional.
Talvez Chopin quisesse lhe dizer algo por meio das notas escritas na partitura.
Chapter 2: 02
Notes:
espero que esse formato seja interessante
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1.
Um desastre. Um completo e horroroso desastre. Havias treinado com sapatilhas de ponta e no fim não te permitiram usá-las porque não era "adequado" para um danseur . Já deverias esperar por essa resposta, mas decidistes tentar mesmo assim. Péssimo. Deram-te uma sapatilha de meia ponta e bem que tentaste improvisar com ela. Em vão. Os passos ficaram grosseiros e não conseguias mostrar teu total potencial com aquilo em teus pés.
Voltaste para teu pequeno e simples apartamento com lágrimas ameaçando cair de teus olhos, no entanto jamais permitirias-te chorar e pôr mais um pontinho na conta da Vida. As sapatilhas de ponta eram teu forte, eram teu ponto alto; a graciosidade de teus movimentos eram evidentes ao máximo nela, dominavas aqueles calçados desde muito jovem e sempre deixaram-te usá-los, então por qual motivo estavam te proibindo agora?
Então lembraste da razão. Eras diferente quando mais novo .
2.
Teus dedos calejados deixavam claro teus esforços para manter o corpo saudável, porém não se podia dizer o mesmo de tua mente. Esgotado, cansado, sem esperanças . Quando te sentias assim, tuas mãos tremiam e mal conseguias tocar qualquer nota em teu piano, nem mesmo a música mais simples e fácil. Decidiste deixar isso de lado e passaste para teu banheiro, afinal tinha uma barba curta por fazer e simplesmente não suportavas a ideia de te ver de barba. E não era só a barba que tinha vontade de cortar.
Observaste a lâmina por breves instantes pensando no quê, de fato, farias com ela. Acabou que apenas fizeste a barba, felizmente. Olhar para as cicatrizes em teu pulso relembraram-te que esse foi um dos motivos por não conseguires a vaga para o papel do baixo numa ópera e isso te martiriza até o presente. Fizera tudo perfeitamente bem no dia, não entendeste a razão de não ter sido escolhido.
É que ninguém gostaria de ter um auto-mutilado em sua ópera.
Chapter 3: 03
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1.
Puseste Tchaikovsky para tocar e tentaste te concentrar na sonoridade e nos passos equivalentes ao momento da música. Repassaria primeiro tudo em tua cabeça para depois ir para a prática; essa estratégia sempre funcionava e te ajudava na concentração. Eram alguns bons minutos de música, então aproveitarias para te alongar e relaxar a musculatura. Apenas não esperava ter o momento de concentração atrapalhado por uma voz um tanto alta provavelmente vinda do outro lado da rua. Achaste curioso, visto que a tal voz não era aguda — era bastante grave para ser sincero — e nem um pouco estridente. A julgar pela maneira cantada, talvez se tratasse de um cantor de ópera.
Dificilmente acreditaria que existisse um cantor de ópera com voz tão grave, mas aquele ser humano estava te provando o total oposto. E ficaste impressionado com a sonoridade e clareza daquela voz. Pausaste até teu amado Piotr Tchaikovsky para apreciar a cantoria por alguns bons momentos. Valeu a pena.
Um cigarro era uma boa pedida para apreciar o desconhecido cantor.
2.
Treinavas tua voz cantando La Calumnia e lembravas bem que já tentaste o papel de Basílio em O Barbeiro de Sevilha, mas trocaram-te por um rapaz mais novo e forçado. Quanto mais pensavas nisso, mais o volume de sua cantoria aumentava — inconscientemente. Quem sabe fosse uma resposta de teu subconsciente transtornado para as diversas vezes em que fora negado e negligenciado. E sabias bem que para um estrangeiro como tu as coisas seriam cada vez mais difíceis.
Prosseguias com a aria, pondo teus sentimentos para fora e nem te importando caso os vizinhos fossem reclamar. Estavas irritado, cansado, chateado por sempre te dedicares ao máximo em tudo e nunca ter esses esforços reconhecidos. Era tudo jogado no lixo, mas continuavas persistente. Teus cabelos longos balançavam com a brisa que entrava pela janela e a mesma brisa levava tua voz para cada vez mais longe, mais distante.
Que alguém pudesse ouvir teu Basílio.
Chapter 4: 04
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1.
Saíste sozinho para uma festa; querias espairecer um pouco depois de uma semana estressante e de tantas frustrações com ballet . Ainda pensavas na tal voz que ouvira naquele dia e uma certa curiosidade te dominava. Por enquanto nada faria e tentarias aproveitar a festa que nem convidado fora.
Resolveste ir num horário em que a maioria dos presentes estavam bêbados — talvez até drogados — para que ninguém reparasse que estavas entrando de penetra. Puseste tua sombra vermelha ao redor dos olhos para destacar tuas íris rubi, teus cabelos alvos e tua pele pálida. Camisa social estampada, calças de lavagem vintage e sapatênis foi tua escolha, algo simples e rápido, afinal não querias ficar ali mais que o programado.
Bem que imaginaste que estariam bêbados . O local estava um nojo, mas simplesmente ignoraste esse fato e buscaste ficar o mais despercebido possível. De teu bolso um cigarro foi tirado e logo aceso, fazendo-te esquecer um pouco o barulho — aquele som horroroso não podia nem ser chamado de música — e as coisas que ali aconteciam. Um grupo num canto revezava uma seringa, provavelmente se injetando alguma droga, no outro haviam pessoas completamente nuas fazendo sabe-se lá o quê e muitos, muitos bêbados.
Certo, não ficarias ali mais nem um segundo. Deixaste o local às pressas e quando estavas prestes a atravessar a rua, deparas-te com uma figura alta encostada num poste de luz defeituoso. Os longos cabelos balançavam com o vento frio daquela noite e notaste que algo pingava de um dos pulsos dele. Soube do que se tratava. Desviaste o olhar e assim que foi possível, atravessaste a rua e nem paraste para falar algo, afinal tu estavas cansado e irritado por conta daquele terror de festa. Querias teu apartamento.
Tentarias não pensar muito no estranho do poste naquela noite.
2.
Fostes "gentilmente" convidado por teu ex-namorado para tocar piano e cantar numa festa que, supostamente, haveria uma pessoa interessada em conhecer teus "dons musicais". Uma farsa. Assim que lá chegaste, foste "amigavelmente" recepcionado com um soco no rosto e alguém perfurou-te com uma seringa e acabou por te dopar por tempo suficiente para o início da tal festa.
Eles te extorquiram de tudo o que tinhas de dinheiro — do único "emprego" que tinha — e ainda por cima te espancaram. Sabias que teu ex era um "ser humano" desprezível, mas não imaginavas que ele chegaria em tão baixo nível para sustentar o vício dele em cocaína. Foi por isso que terminaram . E quando fostes liberado, a última coisa que vistes foi o cabelo castanho do mais novo. Queria sumir .
Saíste de lá vagarosamente, repassando La Calumnia mentalmente para evitar que teu emocional piorasse. O trânsito estava bem calmo, então conseguiste atravessar a rua sem problemas para que pudesse te encostar em algo. Um poste de luz quebrado foi tua escolha e lá ficaste repousando um pouco. O movimento na rua era baixíssimo e infelizmente naqueles momentos as pessoas aproveitavam para serem maldosas. Um grupo passou por ti e logo debochou de tua situação.
"— Esse daí era melhor abrir os pulsos mesmo, maior cara de inútil! " — foi o que tu ouviu. Talvez não estivessem tão errados assim . Não conseguias nem perseguir teu sonho de cantar ópera profissionalmente, algo simples e ainda assim, nada.
A festa ainda acontecia, podias ouvir o som alto daquele barulho que chamavam de música e mais pessoas, certamente penetras, chegando. Avistas também uma figura solitária com um cigarro na boca deixando o local. Finalmente alguém com senso . No entanto, não conseguias mais ver motivo em qualquer alegria ou prazer mundano da vida. Sentias-te vazio .
E como te foi "sugerido" pelos transeuntes, fizeste.
Chapter 5: 05
Chapter Text
1.
Mais um dia em tua Academia e mais um dia tendo que aturar comentários desrespeitosos sobre ti. Crias ser inveja por seres o único homem permitido de usar sapatilha de ponta — infelizmente somente dentro da Academia —, mas sabia que, lá no fundo, eles simplesmente faziam isso unicamente por tu seres japonês. Ouvia coisas como "esse deveria voltar pro país dele", "como que ele vai enxergar assim?", "vai tropeçar na sapatilha com esses olhos rasgados" e diversas coisas tão ofensivas e baixas. Sabias desde o início que começar uma vida na Rússia e dentro de um enorme e renomado colégio de ballet não seria fácil, nem um pouco fácil, porém não esperavas que fosse sofrer tanto ali. Tudo pela tua origem.
Tu veio de família conturbada e que mesmo que teus pais ganhassem bem, tudo era gasto com garrafas e mais garrafas de vodka, whisky, vinho e com latas e mais latas de cerveja. Isso não era comum para o que se imaginava de uma família tradicional japonesa com dois filhos, por isso ninguém ajudava . Não sabiam lidar. Lembras-te com clareza dos dias em que ficastes horas escondido de teu pai bêbado, junto com tua irmã, para que ele não descontasse tudo em vocês, fisicamente. E no fim, era tua mãe que sofria por vocês dois, recebendo todo o tipo de castigo físico e maus-tratos. Logicamente ela não aguentou e veio a cometer suicídio. Bem que ela tentou matar o teu pai antes disso, fincando uma faca de cortar carne nele, mas o maldito sobreviveu e ficou pior .
Teus colegas sabiam um pouco desse passado e, somado ao fato de seres japonês, utilizam disso para te atingir, às vezes com sucesso. É algo delicado, complexo e difícil para ti, não consegues superar muita coisa do que aconteceu e que eles não sabem e jamais vão saber. Encontrastes refúgio e alegria na dança clássica e não seriam meras pessoas que iriam te fazer desistir disso, pelo menos era exatamente isso de que tentas te convencer todo santo dia.
Eles ainda iriam ouvir muito teu nome: Samatoki .
2.
Era dia de ir lecionar piano para o homem rico do teu prédio e para o — supunhas que era — amante dele. Tua única fonte de renda até o momento e felizmente pagavam-te bem. Rei Amayado e Hitoya Amaguni eram os nomes de teus únicos e fiéis alunos e ficavas feliz em saber que ambos são japoneses também. Tens medo de usar teu idioma nativo nas ruas, então ter a oportunidade de falá-lo livremente é algo que acalma teu coração.
Certamente eles te questionariam da razão de estares todo machucado e cabisbaixo; não esconderia a verdade deles, mas faria o possível para que eles não se envolvessem. Era um problema unicamente teu e terceiros apenas atrapalhariam. Jikuin poderia ir atrás deles e fazer coisas das quais não gostava nem de pensar. Tu sabes melhor que qualquer um do quão horrível é ter o moreno em um relacionamento e do quão nojento ele pode ser. Lembrar do que ele te fez deixava-te agoniado, com vontade de pôr todo o almoço para fora. Odiavas-te por isso, mas seria muito bom se Jyobu fosse um homem morto. Não que fosse o fazer.
Saíste de teu apartamento e pegaste o elevador — justo o mais velho e acabado do prédio —, tentando ao máximo esconder com a manga da camisa os cortes feitos em teus pulsos. Eles sabiam de teu problema com automutilação e de como isso virou uma espécie de "vício", então não querias que os dois se preocupassem ainda mais contigo. Chegava a ser patético, mas era assim que levavas tua vida. Uma vez na frente da porta do casal, tocou a campainha e aguardou pacientemente um deles vir atender. Não demora e é Hitoya que surge e notaste que o pescoço dele estava marcado e com alguns roxos que sabias bem de onde vinham. Pelo visto chegaste numa hora um tanto inapropriada . Querias ir embora.
— Ah, desculpe, esquecemos completamente do horário. Entra, vou avisar o Rei.
— Claro, tudo bem. — disseste baixinho enquanto ajeitavas o cabelo, tirando-o de teu rosto.
Entraste e ficaste os aguardando. No fim, Hitoya não foi só avisar Rei.
Chapter 6: 06
Chapter Text
1.
Tua caixa de cigarros havia finalmente terminado. Não querias ter que sair da Academia e ir comprar na tabacaria que tinha bem em frente justamente porque teus colegas não faziam ideia de que fumavas e não querias que eles soubessem. Já eras mal visto, de certa forma, não desejavas mais problemas. Fumar era algo que não se misturava com o ballet , mas de alguma forma conciliava os dois, provavelmente pelo treino árduo de todo santo dia, até bem mais que seus colegas bailarinos, afinal precisavas compensar.
Decidiste, então, guardar teu dinheiro para comprar tua caixa de Lucky Strike numa lojinha que eras "cliente". Compravas praticamente tudo ali, inclusive teus absorventes, pois felizmente o dono do estabelecimento também era um homem trans. E assim que lá chegou, compraste o que precisavas e voltaste lentamente para teu prédio. Durante o trajeto, pudeste ouvir novamente aquela mesma cantoria clássica de outro dia; a voz grave, de baixo profundo — havia pesquisado — e bem clara voltou a preencher tua mente.
Olhaste em direção do som, batendo teus olhos numa janela aberta do último andar de um prédio do outro lado da rua. Cabelos longos escapavam pela janela, levados pelo ventos de maneira graciosa. Então, uma memória passou como um flash por tua cabeça: seria aquele o mesmo homem que encontraste encostado no poste com os pulsos sangrando…?
Isso tu descobriria no dia seguinte.
2.
Novamente lecionando piano para Rei e Hitoya. Eles pediram por uma sessão extra naquela semana para te "compensar" pelo ocorrido anterior. Claramente não recusaste, visto que era uma excelente oportunidade de ganhar um dinheiro extra, que estava a fazer uma bela falta. Daquela vez, nada inapropriado aconteceu e seguiram tranquilamente com as aulas, focando-te em fazê-los compreender de fato o instrumento musical. Em determinado momento, pediram-te uma pausa para um breve descanso e assim concedeste, afinal pausas são realmente essenciais. Enquanto eles conversavam, decidiste praticar um pouco tua voz, esperando que nem Rei nem Hitoya fossem notar tua cantoria.
Infelizmente notaram.
— Não tinha ideia de que sabias cantar ópera, Jakurai. — comentou o Amayado, abrindo um sorriso para ti.
— Canto, mas não é tão bom assim, pelo menos não bom o suficiente para ser aceito em óperas.
— Eles certamente não sabem quem estão perdendo. — Hitoya tentou animar-te, mas não adiantou muito. — Canta alguma que saibas bem, vai.
Após muita insistência de teus alunos, começaste a cantar Sorgete, Sorgete , de Maometo II. Tu ainda precisavas melhorar e muito naquela ária, mas crias que para uma "amostra" estava bom, era suficiente. Um vento refrescante entrava pela janela e balançava teus cabelos, levando-os para fora do apartamento, juntamente com tua potente voz. Que alguém do lado de fora pudesse te escutar.
Chapter 7: 07
Notes:
e eles se conheceram
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1.
Lestes o nome do edifício mais de uma vez para teres certeza de que era aquele mesmo. Claro que é, Samatoki, idiota do caralho!, xingaste a ti mentalmente, pondo tua bolsa com tuas coisas de ballet mais perto do corpo. Talvez fosse impulsivo demais de tua parte, mas queria descobrir se era o homem do poste de fato ou se foi apenas tua cabeça te iludindo mais que o necessário. Passaste a noite inteira sem dormir direito pensando naquela voz e iria tomar tuas medidas, como já estavas fazendo, indo buscar a verdade.
Adentraste o prédio e foi diretamente para os elevadores, dando sorte de encontrar um já no térreo. Sabias que o tinha visto no último andar e que tal andar era composto por um único apartamento, então não teria erro. Assim que lá chegou, não hesitaste em bater na porta e depois tocar a campainha, aguardando ansioso para, talvez, vê-lo atender. Não sabias nem como iniciaria um assunto para que ele não te achasse estranho ou só um cara que estava lhe perturbando a paz, não tinhas pensado nisso. E quando menos esperas, a porta foi aberta, mas não foi por quem esperavas. Um homem igualmente alto, mas de barba e cabelo preto e curto foi quem te atendeu. Merda, errei o apartamento!, pensaste contigo.
— Bom dia, rapaz, em que posso ajudar?
— Acho que me enganei. Foi mal. — fostes direto e preparavas-te para dar meia volta e ir embora. — Ouvi uma cantoria aqui e pensei que fosse nesse andar.
— Cantoria? — o homem ficou momentaneamente coçando a barba, olhando brevemente para o chão. — Ah, claro! Procuras pelo Jakurai, então! Ele mora no sétimo andar, no 701.
Então "Jakurai" é o nome dele.
— Hm, valeu. — agora sim destes meia volta e fostes embora, indo até os elevadores para tentar falar com o morador do 701.
Que ele estivesse em casa.
2.
Fantaisie-Impromtu era tocado por teus habilidosos dedos, mesmo que doessem por conta do esforço feito. Chopin era magnífico e não seriam alguns dedos doloridos que te impediriam de tocá-lo de forma maestral. Um pouco masoquista, tinhas que admitir. A música fluía naturalmente, no ritmo correto e felizmente estavas conseguindo transmitir as emoções apropriadas de Fantaisie-Impromtu. O piano sempre foi uma paixão desde tua tenra infância, a tua válvula de escape para teus maiores problemas durante a adolescência, teu conforto nos momentos de angústia e agora são a tua fonte de renda — a única, para seres mais exato. Querias apenas que o piano pudesse curar tuas feridas emocionais, coisa que infelizmente não era possível e jamais seria. Precisavas pôr na tua cabeça que o que aconteceu, aconteceu , passou e não vai acontecer de novo, assim esperas. Necessitas de um pouco de paz e tu tentas sempre te convencer que a culpa não foi tua, jamais será tua, por mais que ele queira que seja.
Ah, os pensamentos intrusivos! Sempre atrapalhando teu piano e teus raros momentos de quietude. E erraste uma nota, o que imediatamente te fez levantar do banco, num ato frustrado. Passaste a canhota por teus cabelos, jogando-os para trás e depois respiraste fundo algumas vezes, de olhos fechados para que te concentres mais. E mal te acalmas, ouves o barulhinho agradável de tua campainha; estranhastes o fato, já que ninguém te visita e por causa disso, temeste pelo pior. De qualquer maneira, abriria a porta, afinal nunca negaste ou escapaste de qualquer problema teu e não seria hoje que tu o faria.
E quando abriste a porta, não era quem esperavas.
— ‘Cê se chama “Jakurai”, por acaso? — foi logo o que aquele homem alguns poucos centímetros mais baixo que tu perguntou.
— Sim, Jakurai Jinguji. Viestes indicado pelos meus clientes? — era a única explicação lógica que tu conseguia pensar.
— Fala dos caras do último andar? Se for, acho que sim, eles que me falaram que ‘cê mora aqui. — ele parecia um pouco assustado ou seria surpreso? Tu não sabias e nem conseguias lê-lo.
— Gostarias de entrar? Presumo que não queres ficar em pé.
— Tranquilo, tenho tempo.
E o desconhecido adentrou teu lar. Torcias para que ele quisesse aulas e apenas aulas .
Chapter 8: 08
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1.
— 'Cê deve estar querendo saber qual que é a de eu estar aqui, né? — disseste assim que tomaste teu lugar no sofá pequeno presente na sala. A julgar pela expressão do outro, sabias que ele estava confuso.
— Logicamente. Não costumo receber visitas, nem mesmo de Rei e Hitoya. O que te traz aqui?
— Te ouvi cantando.
Assim que contaste a razão, vistes os olhos alheios se arregalarem e a expressão de confuso deu lugar a de um rosto surpreso. Percebestes naquele momento que o cantar dele deveria ser secreto e, por uma coisa da vida, descobriste um cantor de ópera. Agora eras mais um — presumiste que esses clientes deles já o ouviram cantar — que sabia do cantor de ópera que havia em Jakurai. Crias que ele deveria se orgulhar de cantar tão bem, mas não aparentava isso.
— Então ouviste meu Maometto II. Perdão, não era a melhor das versões da música.
— Se não era a melhor, imagine qual é então. — riste curto. — Vou te ser bem sincero: tô te procurando porque tua voz não sai da minha cabeça. Seria escroto da minha parte vir aqui só por causa da ópera?
— Não, não seria. Bem, aceitas um café?
Deste de ombros, como se dissesses "tanto faz" e continuaste a observar aquele homem. Ele não parecia muito bem emocionalmente e nem fisicamente. Talvez fosse o trabalho? Não sabias dizer, mas ao lembrares do dia em que o viste com os pulsos cortados, presumiste ser algo realmente sério e preocupante. Não farias perguntas, afinal não era teu interesse e não querias envergonhar o outro com questões invasivas sobre sua saúde.
Porém, de uma coisa estavas certo: continuarias com as visitas.
2.
Não esperavas que fossem ouvir tua ópera e muito menos que fossem te visitar por conta dela, mas lá estava, sentado em teu sofá, um homem que alegava ter ouvido Sorgete, Sorgete e gostado. Oferecestes um café para ele e tentou deixá-lo confortável ali, mesmo que não tivesse esse costume de receber pessoas em teu lar. As pessoas que invadiam teu lar . E nem mesmo naquele momento os fantasmas de teu obscuro passado deixavam de te assombrar. Gostarias de sumir .
— Reparei que não sei teu nome.
— Samatoki Aohitsugi e se não ficar convencido de que é mesmo, vai na minha Academia e confirma.
Teu visitante foi um pouco ríspido, mas sabias que havia algum motivo por trás de tal rispidez. Não farias julgamentos, não estavas em posição para tal e mesmo que estivesses. E notaste que ele mencionou a Academia; teu interesse foi desperto e quiseste saber mais sobre o lugar e se tuas suspeitas se confirmavam.
— Samatoki, correto? Reparei que falaste de uma Academia, seria ela a de ballet que penso?
— É, isso aí. Cê não tem problema com bailarinos , tem?
— Não, claro que não. Isso me faz lembrar que nunca vi um espetáculo. — e era verdade. Desde que tu passaste a te dedicar ao piano, muita coisa na tua vida mudou. Mal tinhas tempo para ti, quem dirá para atividades fora de teus estudos e fora daquele relacionamento. Arrependes-te até hoje de teres, um dia, namorado Jyobu Jikuin.
— Acho que é a hora de ver um, então.
Samatoki tinha toda a razão.
Chapter 9: 09
Chapter Text
1.
A primeira visita que fizestes a Jakurai foi até tranquila. Ele apenas te mostrou novamente a versão dele da música que escutaste da última vez e tomou café contigo, nada muito especial ou elegante. Bem, já não podias dizer isso de tua segunda visita. Assim que entrastes no apartamento do cantor, avistaste o rosto dele todo ensanguentado e ele parecia prestes a desmaiar. Logicamente não sabias dos problemas dele e não perguntarias sobre naquela hora.
— Caralho, o quê fizeram na tua cara? Foi tentativa de assalto? — questionaste, preocupado com o bem-estar dele.
— Meu ex-namorado. Novamente. — Jakurai confessou com dificuldade, a voz um pouco falha. — Jikuin parece ter desenvolvido alguma obsessão por mim.
— Ah… — foste o que conseguiste dizer. Sobre ex louco, disso conhecias bem. — Já tive um ex-namorado meio surtado também. Era na minha adolescência.
— Ele também te espancava para roubar teu dinheiro e sustentar o vício em cocaína?
Aquela fala do cantor te pegou de surpresa. Negaste lentamente com a cabeça e isso o fez prosseguir com a fala.
— Creio que o quê mais me frustra nesta situação em que me encontro é que posso me defender, inclusive subjugá-lo, mas não o faço. Caso eu ouse, serei um homem morto, não ironicamente.
Ficaste calado, focando apenas em ajudar o outro a limpar o rosto e cuidar daqueles cortes diversos em sua pele. Não sabia de tudo, era óbvio, porém vias que Jakurai passava por coisas até demais .
2.
Samatoki te ajudava a fazer os curativos em teu rosto e, a julgar pelo olhar que ele te direcionava, notaste que ele parecia intrigado o suficiente para se preocupar contigo. O silêncio se instaurou ali por bons minutos, inclusive após o Aohitsugi terminar de te ajudar. Sabias, ou melhor, sentias que havia algo nele que o fez agir assim, que fez com que um rapaz aparentemente fechado para o mundo fora de si mesmo tivesse alguma preocupação com um completo "desconhecido". Não ousarias perguntar.
E sem avisos, tu levantaste de teu lugar e fostes para o piano, ação essa que despertou uma certa curiosidade do visitante. Respiraste fundo e prendeste teus cabelos com o objeto que estava sobre uma das teclas e, enfim, te posicionaste para começar a tocar algo. O piano sempre te acalmou, era teu santo remédio. Sentias o olhar de Samatoki em tuas costas, quase te consumindo por inteiro; a curiosidade dele poderia metê-lo em sérios problemas.
Moonlight Sonata , Beethoven. Uma música perfeita para expressar tua alma naquele momento. Tocarias apenas o primeiro movimento pois não querias te estender muito ali tocando. Finalmente começastes, tendo aquela música fluindo naturalmente pelos teus dedos; uma maestria digna de pianistas antigos no cenário da música. Tu sabes que és excelente no piano, mas não gostas de ficar mostrando isso para não atrair mais atenções. Os holofotes como pianista poderiam atrair até ti o teu ex-namorado e isso era tudo o que menos querias . Felizmente Jyobu não sabia de teu lado operático, apenas que sabias cantar "normalmente". Fostes esperto em esconder esse fato dele.
— Cê sabe Tchaikovsky…? — Samatoki questionou-te em tom de voz calmo, coisa que te fez estranhar um pouco.
— Sim, posso tocar várias dele. — respondeste assim que terminaste de tocar a última nota.
— Hm, saquei. Aí, cê se importa se eu pegar teu número?
Pensaste bem antes de o permitir, mas algo te dizia que não havia problema. Tinhas receio, visto que confiar em alguém foi a razão de tua ruína, no entanto decidiste, pela segunda vez, dar um voto de confiança a alguém. Queria, dessa vez, não te arrepender.
Chapter 10: 10
Chapter Text
1.
Tu não esperavas que ele realmente atenderia ao teu pedido, mas felizmente fostes ouvido. A energia da Academia tinha falhado e eles ficariam sem poder usar o som para os ensaios e a tua turma não podia perder um dia sequer de treino, especialmente pela razão de que o espetáculo seria no dia depois de amanhã.
Tua mentora e o auxiliar eram bastante rigorosos e não deixavam ninguém se dar ao luxo de descansar faltando tão pouco. Logicamente a falta de música — ironicamente ou não, era Tchaikovsky — atrapalharia e muito , visto que ajustes mínimos, porém essenciais necessitavam ser feitos. E havia um piano numa das salas de dança e aquela era a única saída deles. Mas quem disse que alguém sabia tocar piano ali?
Jakurai era tua esperança e pela bela porta branca ele entrou.
— Espero que esse japonês saiba direito o quê está fazendo. — a mulher proferiu num tom certamente nada amigável e um tanto desrespeitoso. Tu estavas farto disso tudo, mas ai de ti reclamar.
E notaste que Jakurai parecia diferente ali, quase como um profissional extremamente renomado e famoso, exceto pelo olhar abatido e vazio. Magnífico e ainda assim melancólico. Ele usava roupas mais "chiques" e os longos cabelos dele estavam presos lá embaixo, perto do fim. Pela primeira vez percebeste que ele tinha piercings também, um de argola no centro do lábio inferior, dois no helix e um brinco, os três na orelha direita. O pianista tinha batom roxo-escuro na boca e uma leve sombra preta ao redor dos olhos, talvez para disfarçar as olheiras pelas noites mal dormidas.
As bailarinas ficaram afoitas quando o viram e tu compreendia perfeitamente a razão do alvoroço. Naquele momento, Jakurai Jinguji era um homem charmoso e bem atraente. Mas elas não o viram como eu o vi , pensaste e logo te xingaste por tal pensamento. Ignoraste o ocorrido no sigilo de tua mente e voltaste para o mundo, onde a mentora observava atentamente os passos do outro, como se a qualquer segundo ele pudesse cometer alguma grave infração.
E tu ouviste alto e claro quando a potente voz de Jakurai perguntou firmemente o quê deveria ser tocado.
2.
— O quê devo tocar para vocês, senhorita? — quis saber tu, tomando logo teu lugar sobre o banquinho do piano.
— Tchaikovsky, a música que toca no Ato II, porém não é a variação da Odette. — ela parou um instante. — E devo comentar que seu russo é excepcional.
— Grato. — agradeceste e voltaste tua atenção para as teclas do piano.
A mulher mandou que todos ficassem em suas posições e, assim que a música iniciasse, poderiam performar como lhes foi instruído. Tu respiraste fundo e deixaste com que a tua experiência te guiasse, afinal tinhas tocado aquela tantas vezes que nem precisavas olhar para o instrumento, apenas sentia. O ritmo correto, as mudanças precisas, cada oitava foi respeitada, tu, Jakurai, e o piano eram um só. És magnífico. Querias crer nisso, pelo menos.
Fechastes teus olhos e prosseguiu naquela música de Pyotr Ilyich Tchaikovsky, tão bela, sentimental e mágica; tua mente pensava Tchaikovsky, vivia Tchaikovsky, tocava Tchaikovsky. Relembrar-te-ei do quão especial era O Lago dos Cisnes, foi o que colocaste em tua cabeça algum dia como aviso para ti e crias que esse dia era hoje.
A mentora daquela turma certamente estava assustada e impressionada, a julgar pelo olhar penetrante dela sobre ti após a conclusão da música. Ela definitivamente não esperava que um "reles japonês" fosse tão bom no piano e deste um pequeno sorriso por ter irritado e contrariado as "expectativas" de uma europeia. E tudo parecia bem, até que a notícia de que a moça que faria Odette acabou quebrando a perna num acidente de carro. A mentora — o nome era Sófia, como vieste a descobrir depois — quase tem um ataque nervoso no local. Era uma tragédia, definitivamente uma tragédia, tanto para a bailarina acidentada quanto para o espetáculo. Era impossível encontrar outra Odette naquela altura da situação.
— Alguma de vocês sabe, nem que somente um pouco, as partes da Odette? — o desespero na voz dela era muito visível.
E para surpresa de todos, incluindo a ti, Samatoki ergueu a mão esquerda.
— Eu sei todas as partes da Odette. Todas .
Foi naquele instante que percebeste que Samatoki também havia passado por coisas até demais .
Chapter 11: 11
Chapter Text
1.
Todos os olhares se voltaram para ti, completamente sem acreditar. Tu viste o olhar de Sófia te fuzilando, certamente desejando tua morte naquele instante, mas jamais te inferiorizaria por conta disso, por estares desafiando a todo momento o padrão clássico de ballet .
— Samatoki Aohitsugi, sabes melhor que ninguém aqui dentro desta maldita sala de dança que essa coreografia é destinada às mulheres .
— E ser homem me impede de dançar? Se quiser, eu provo na frente de todo mundo nessa merda de Academia que sou um Odette melhor!
Sem nem ao menos esperar a resposta da mentora, saíste em busca de tuas sapatilhas de ponta e colocou-as em teus pés o mais rápido que pôde. Estavas num misto de sentimentos: raiva, nervosismo, euforia, medo, felicidade. Não sabias dizer qual era o mais forte, só tinhas certeza que faria aquela mulher engolir toda a arrogância e xenofobia junto com um Odette gracioso e perfeito. Assim que chegaste no centro do salão, destes uma boa olhada em todos os presentes e principalmente em Jakurai, já que ele tocaria a variante da Odette para ti. Então, ouviste alguém dizer baixo, mas audível, um "esse olho puxado vai acabar com o espetáculo". Foi o estopim.
— Jakurai, toca a porra da variação da Odette. — pediu, ríspido e firme. Tu não estavas com raiva do pianista, na verdade, ele era o único ali que não sentias raiva.
Sem demora a música começou. Colocarias todo o teu treinamento, todo o teu esforço, dedicação e suor naquela "amostra" de ti e de tua paixão pelo ballet . Cada passo era dado com precisão, respeitando sempre o tempo correto da música, mantendo teu ritmo característico de fazer as coisas, mas sem perder a leveza e graciosidade. Esvaziaste tua mente e te permitiste sentir a dança e o poder que tinhas quando sobre a ponta dos pés. És o fantasma daquela turma, assombrando-os com tua perfeição.
E da feita que concluíste teu Odette, observaste os olhos alheios mirando-te com admiração e espanto. Tinhas certeza que ninguém ali sequer sonhou que fosses capaz de tal coisa e ficastes satisfeito por lhes provar o total contrário.
Nunca brincaste sobre ti.
2.
Samatoki definitivamente te surpreendeu. Nunca vistes na vida um rapaz dançar tão bem — para ser sincero contigo, melhor — que as bailarinas daquele lugar. Teus olhos, pela primeira vez em tempos, brilharam de emoção por veres algo tão bonito. Ele merecia ganhar o papel principal, por mais que originalmente fosse destinado à mulheres. Tinhas ciência que seria um belíssimo espetáculo apenas se o Aohitsugi fosse o protagonista. Esboçaste um sorriso diante daquele ato rebelde contra uma Academia renomadíssima. O bailarino era tsunami e sendo um, dizimou por completo a prepotência de qualquer um naquela sala.
— Fenomenal… — disseste baixinho, apenas para ti. Era um elogio dos mais sinceros.
Minutos de silêncio. O rosto da instrutora era indecifrável e ela parecia ponderar sobre tudo o que havia ocorrido naquele dia. Nem eras o "avaliado", mas estavas tão nervoso e ansioso quanto. Quem sabe fosse pelo fato de ambos compartilharem da necessidade de sempre se provarem capazes e dignos de estarem em algo, não sabias com precisão. Vistes Samatoki se aproximar da moça, mas mantendo uma certa distância. Ele aguardaria a resposta bem em frente dela.
— Muito bem, Samatoki. — ela respirou fundo e cerrou os punhos. — O papel é teu.
Soubeste que ele abriu um enorme sorriso apenas quando ele virou a cabeça em tua direção e os olhares se encontraram. O bailarino disse um silente "conseguimos" com os lábios e lançou-te um olhar amigável e bastante diferente do que já tinha visto nele. Devolveste o sorriso e deste uma piscada para ele, como se tu estivesses concordando com as palavras silenciosas do Aohitsugi. Claro, a partir dali modificações iriam ser feitas nas roupas e no roteiro narrativo para que não ficasse "estranho" para quem fosse acompanhar. Daria um enorme trabalho, mas pelo menos teriam alguém para dançar a protagonista.
Definitivamente conseguiram .
Chapter 12: 12
Chapter Text
1.
Dia do espetáculo e tu precisavas de alguém para levar para prestigiar O Lago dos Cisnes. Se tivesses amigos essa talvez te fosse uma tarefa mais fácil, simples e rápida, porém os teus únicos amigos não moravam no mesmo país. Ichiro e Kuko moravam junto com tua irmã na Alemanha — é bem do feitio dela querer morar com os namorados —, Sasara, Jyuto e Riō continuaram no Japão com seus afazeres de sempre. Sentias saudades deles e de tua irmã, logicamente, mas sabias que deveria abdicar de muita coisa caso desejasse seguir com a carreira de teus sonhos e era exatamente isso que estavas fazendo. Valia a pena, de verdade.
Ponderaste bastante sobre chamar alguém aleatório que passasse nas ruas e tentar convencer a pessoa, mas isso era desespero demais. Então tua consciência finalmente lembrou que podias convidar Jakurai e seria isso que tu faria, afinal ele nunca havia visto um espetáculo e aquela seria uma ótima chance. Esperavas que ele fosse concordar em ir e por isso fostes algumas horas mais cedo até o pianista para tentares convencê-lo.
Assim que lá chegaste, a primeira coisa que ouviste quando te aproximaste foi a bela voz dele cantando Kalinka enquanto tocava a melodia no piano. E foi algo instintivo: pegaste teu celular e logo puseste no gravador para registrar o que era possível. Felizmente era alto o suficiente para ser bem audível e com uma qualidade decente. Gravaste até o momento em que julgaste suficiente e então tocaste a campainha.
2.
Interrompeste tudo o que fazias para que pudesses atender à porta. Suspeitavas de quem era, visto que era a única pessoa que te visitava com certa frequência. Bingo! Abriste a porta e logo viste a figura de Samatoki, dessa vez um pouco distinta do que estavas acostumado. Ele tinha os cabelos brancos penteados para trás e fixos com, provavelmente, gel incolor, sombra vermelha bem esfumada ao redor dos olhos e um collant — pelo menos crias que era um — branco repleto de pedrarias e detalhes em prata. O collant era de mangas longas e os desenhos da manga lembravam penas de cisne. Claramente ele não estava pronto 100%, porém ainda assim parecia etéreo e elegante, além de muito bonito.
— Oi. — Samatoki abriu um sorrisinho.
— Ah, olá! Entre, por favor.
— Eu ouvi cê cantando Kalinka . Gostei da versão, mas não foi pra isso que eu vim aqui. — o Aohitsugi ajeitou a bolsa de ballet no ombro esquerdo. — Minha apresentação é hoje e tô com o ingresso aqui. Eu não preciso, já que vou fazer parte do espetáculo.
— Estarias tu convidando-me para te ver?
— Se quiser me ver. Quer?
Ele pegou o ingresso e estendeu para ti. De início ficaste um tantinho hesitante, mas pegaste o papelzinho. Seria tua primeira vez assistindo ballet e querias ir o mais apresentável possível, só não tinhas certeza que aconteceria por conta do teu guarda-roupa limitado. Não contaria isso ao outro, afinal não era de tua vontade desanimá-lo. Então, olhaste as informações contidas no ingresso: seriam às nove da noite no principal teatro da cidade e, como serias convidado de um dos bailarinos, ficarias com alguma das cadeiras da frente. Felizmente terias tempo de te preparar adequadamente para isso.
— Vai começar às nove, mas é melhor cê vir comigo daqui a pouco. Nem sei se cê tem como ir até o teatro lá, já que é longe pra porra.
Ele tinha razão. Realmente não tinhas como ir até um lugar tão longe apenas caminhando, como sempre fazias. Não sabia como viriam buscar Samatoki, mas sabias que, no mínimo, seria um veículo grande.
— Estou indo me arrumar, se é o caso.
— Fico esperando então. Não to com pressa.
E assim fizeram.
Chapter 13: 13
Notes:
recomendo ler ouvindo Halo - Depeche Mode
Chapter Text
1.
Por alguma razão, tua mentora permitiu que o pianista entrasse junto contigo nos camarins. De todas as pessoas existentes no mundo, ela era quem menos esperava. Sabia que havia algo por trás disso, agora não sabias a razão e bem provavelmente tu ficarias sem saber. Tentaste não pensar muito nisso e prosseguiste para a parte em que começavas a te preparar para o espetáculo. Com as mudanças repentinas, seriam necessárias algumas alterações na roupa e por isso a mentora trouxe um estilista que, segundo ela, conseguiria atender à demanda e às expectativas.
Tu esperavas de tudo, menos o rapaz que se encontrava ali. Aquele projeto de ser humano definitivamente podia ser tudo, menos um estilista. No entanto, tu decidiste esperar e ver no quê daria, afinal pior do que a situação atual não podia ficar. Além disso, não tinhas outra saída, era confiar no trabalho dele ou ser um desastre. Tu ainda tinhas receio, claro, mas não havia mais tempo para voltar atrás.
— Este aqui é Ramuda Amemura e ele é o responsável por "arrumar" tua roupa.
— Olá~! Não fica com essa cara não, prometo que vai ficar lindo!
A voz irritante daquele negócio humano só te fez franzir mais as sobrancelhas em óbvio indicativo de raiva. No entanto, uma coisa te confortou um pouco naquele momento e era o simples fato de o estilista também ser japonês. Não sabia se Sófia havia feito propositalmente ou se foi uma bela coincidência. Foda-se, só quero estar pronto na hora , era teu único pensamento ali.
2.
Apenas observavas as reações do Aohitsugi, em completo silêncio. Para ser sincero contigo, estavas em silêncio total desde que lá chegara. Não vias necessidade de falar, afinal estavas ali somente como convidado do bailarino principal e nem proximidade tinhas com alguém ali. E sendo honesto contigo mais uma vez naquele dia, sentias-te desconfortável no meio de rostos borrados, distorcidos pelo não-saber. Eram futuros espectadores de tua tragédia, podias sentir isso em teu âmago. Não queria-os ali. Então, uma voz aguda tirou-te de teus pensamentos.
— Ai aqui tá tão parado, não tem uma musiquinha, não tem ninguém que saiba cantar aqui não? — era o tal Ramuda.
O que se sucedeu foi quase como um ato pensado: tu e Samatoki buscaram um ao outro com o olhar e ficaste o encarando durante segundos lentos até que, involuntariamente, começaste a cantar a primeira música que te veio à mente.
— Your wear guilt, like shackles on your feet. Like a halo in reverse. — Depeche Mode, reconheceste momentos depois de começares a cantar.
Vários olhares se voltaram para ti e pudeste notar que alguém havia posto o instrumental da música para acompanhar. Fechaste os olhos e te entregaste à música, afinal o máximo já perdestes, não havia mais nada a se perder naquele lugar.
— I can feel the discomfort in your seat. And in your head it's worse. — aguardavas somente o instrumental chegar no ponto exato para que pudesses prosseguir. — There's a pain. A famine in your heart. An aching to be free.
E dali pudeste ouvir o nada, ouviste as bocas caladas de quem presente estava. Halo era a tua música, tua voz, teu existir no momento e esvaziaste tua mente para seres a canção.
— Can't you see? All love luxuries are here for you and me . — finalmente o refrão. — And when our worlds they fall apart, when the walls come tumbling in, though we may deserve it, it will be worth it.
Tu te permitiste respirar e te acalmar antes de partir para o próximo verso. Tinhas esquecido do quão intensa era para ti essa música.
— Bring your chains, your lips of tragedy. — assim que os abriu, teus olhos azuis encontraram o rubi dos olhos de Samatoki. Precisavas admitir que ele estava excepcionalmente bonito naquela fantasia. — And fall into my arms . And when our worlds they fall apart, when the walls come tumbling in, though we may deserve it, it will be worth it.
Repetiste o refrão mais três vezes e finalmente encerraste a cantoria, bem no instante em que Ramuda afirma em voz alta que tinha concluído seu trabalho de ajuste na roupa. Pudeste ouvir aplausos dos bailarinos e dos funcionários que lá trabalhavam, mas eles gradativamente sumiam para ti. Focavas unicamente no sorriso que se formava no rosto de Samatoki.
Apenas por ele valeu a pena.
Chapter 14: 14
Notes:
recomendo que releiam as tags antes de ler esse capítulo
Chapter Text
1.
Tuas expectativas para o espetáculo eram altas e baixas ao mesmo tempo. Não tinhas plena ciência do que poderia acontecer, de qual seria a reação do público, se repentinamente deixariam a plateia após verem que não seria Odette e sim Otto . Muitos cenários negativos passavam por tua mente e minutos antes de entrares no palco elas apareceram. Memórias de um passado distante, mas que amarias esquecer. Odiavas lembrar de cada mísero detalhe de todas as vezes que aquele filho da puta encostava em ti.
E conseguias ali visualizar a mesma coisa de anos atrás: teu pai forçando teu tronco para baixo, empurrando a lateral de teu rosto contra o chão enquanto ele fazia o que bem entendia com teu íntimo. Lembravas bem que daquela vez estavas amordaçado com uma calcinha, que outrora pertenceu à tua mãe, suja com o repugnante esperma daquele homem — ele vivia dizendo que serias tão bom quanto tua mãe. Tua meia-calça infantil rosinha, própria de ballet , foi rasgada com brutalidade apenas para aquele fim nojento. Tinhas apenas dez anos, dez anos de idade, só um garoto, um menino.
Então saíste de teus pesadelos lúcidos de forma repentina, brusca. A música que antecedia tua entrada no palco iniciou e isso te permitiu voltar à realidade. Precisavas te concentrar para o espetáculo, precisavas esquecer do inesquecível, pelo menos momentaneamente. Chorarias internamente mais tarde, já que não te permitias derramar uma lágrima sequer independente do motivo.
Era a hora de dançar, então dançaria.
2.
Teus olhos foram abençoados com a visão etérea de teu conhecido bailarino no palco. Vistes naquele dia o quão profissional era e estavas confirmando ali. Samatoki captava perfeitamente a essência de Odette e conseguia transformá-la na energia de Otto com facilidade. E assim passaste o espetáculo, maravilhado, com os olhos brilhando a cada movimento, a cada passo dado pelos bailarinos e principalmente por Samatoki. Ele se destacava e não pela razão de ser o protagonista. A orquestra também fazia seu papel e tu não poderias ter gostado mais de estar vivenciando um espetáculo de ballet .
Aquilo te preenchia de inspiração e de vontade de tentar novamente a carreira de cantor de ópera. Querias cantar , tocar teu piano, homenagear o estupendo bailarino que era o Aohitsugi, viver e sentir a música. Era uma renovação de espírito que, mesmo tu estando ciente que era temporário, era bom sentir. Agradecerias imensamente ao outro por ter te convidado e ter te proporcionado uma experiência única.
Então, O Lago dos Cisnes encerrou com diversos aplausos; a plateia inteira de pé, incluindo-te. As palmas de tuas mãos doíam de tão forte que foram teus aplausos. Sorrias como nunca naquele momento e quando foi liberado para que os espectadores se retirassem, tu correste até a área dos camarins — os funcionários sabiam já quem tu eras — e decidiste esperar pelo Aohitsugi lá. Mal pudeste conter tua fascinação quando o viste se aproximar, mas algo não parecia certo. Ele aparentava um abatimento além do cansaço.
— Samatoki, alguma coisa aconteceu…? — tua animação desapareceu ao ver o rosto triste do outro.
— Meu apartamento. — ele deu uma curta risada, seca. — Incêndio. Perdi praticamente tudo. Uma merda, né?
Pelo visto, seria mais um dia sem paz.
Chapter 15: 15
Chapter Text
1.
Optaste por arrastar o pianista para dentro de teu camarim e trancar a porta. Além de não quereres ninguém com exceção do outro, não querias que ouvissem a conversa que lá se teria. Era um assunto muito delicado para ti e envolvia algo que era importante o suficiente para que te sentisses mal pela perda. Em outros tempos não estarias nem ao menos cogitando conversar com alguém, mas por razões desconhecidas confiavas em Jakurai.
— Seguinte, eu vou abrir minha boca e contar umas coisas, presta atenção nessa merda. — observaste Jakurai virar o corpo em tua direção e se inclinar levemente. — Esse apartamento era a única coisa que ainda me motivava a continuar no meu segundo emprego secreto. Era de onde eu tirava a grana "mais rápido" e urgente. Só ficava naquela porra aturando uns escrotos passando a mão em mim por conta da grana, por conta do apartamento. Queria mandar aqueles porras se foderem, mas aí perdia emprego. As roupas inteiras foram queimadas e elas custaram caro pra caralho. Eu tô na merda agora.
— Não creio que posso te ajudar financeiramente com isso, porém não há problemas se desejares morar um tempo comigo. Creio que não tens muitos amigos ou parentes…
Ele tinha acertado em cheio. Tu nem soubes como reagiste à proposta feita pelo pianista, mas tinhas certeza que um olhar de estranhamento lançaste para o outro. Ninguém era bom contigo, ninguém naquele país. Aquilo soou-te estranho, claro, mas precisavas ponderar sobre teu bem-estar também, seria difícil arranjar um local barato para passar a noite e certamente tua mentora não aceitaria a ideia de dormires na Academia. Era mais uma daquelas situações de "pegar ou largar" e definitivamente tu não tinhas nem a opção de "largar".
— Não pensa que eu tô aceitando porque eu quero. Cê é gente boa até, mas eu mal te conheço. Confio até, mas até isso tem limite.
— Também não idealize que não estou ciente disso. Fiz a proposta justamente por saber que vai ser algo difícil e é apenas temporário. Meu apartamento é pequeno demais até para mim.
Silêncio. Vez ou outra olhavas para o mais velho — aparentemente Jakurai era sim mais velho, não davas menos de 30 para ele — e pensava se ele estava fazendo aquilo por pena, por empatia ou por algum motivo desconhecido. Não era a hora de perguntar.
— Beleza, então. Vou terminar aqui e vamos.
2.
Era um pouco esquisito saber que mais alguém estaria contigo em teu apartamento. Ficavas aliviado em ter certeza que era alguém que, pelo menos, conhecia minimamente, mas algo te preocupava. Tua mente recordou-se do dia em que Jikuin, junto com o provável atual amante, invadiu teu lar e te espancou até que desmaiasses. Temias isso , temias o regresso do ex e não querias incluir Samatoki em teus problemas, mas aquilo seria algo que resolverias mais tarde.
Assim que ambos chegaram, mostrastes o local para o bailarino, para que ele se familiarizasse com tua moradia. Continuavas achando estranho, mas fostes tu quem sugeriu, então lidarias com isso silente. Permitiste o outro de explorar "o terreno" enquanto prepararias algum lanche para que comessem, afinal o espetáculo durou boas horas e não haviam comido muita coisa.
— Apartamento bom até, mas é bem pequeno mesmo. Sei nem como esse piano entrou aqui.
— Ficou menor depois que comprei o piano. — em tuas mãos trazias dois pratos contendo sanduíches. — Não é muito e no momento é só o que posso oferecer.
— Tranquilo, cê já tá ajudando até demais me deixando morar aqui.
— E dinheiro, roupas e outras despesas? Pensaste em algo para contornar isso?
— Sei lá, acho que vou continuar no segundo trabalho. Roupa eu tenho umas guardadas na bolsa e a maior parte da grana eu sempre deixo aí dentro. — ele riu seco e curto. — E a maioria da grana não dá nem pra passar uma noite num hotel fodido.
— Queria que pudesse ter sido diferente.
— Nisso a gente concorda.
Tu pensaste um pouquinho. Talvez, talvez ter a companhia de alguém tirasse de ti a certa monotonia e apatia que sentias com certa frequência. Não conseguias pensar que Samatoki ali pudesse te causar algum mal. Tentarias fazer funcionar.
— Creio que tua estadia aqui será agradável. Para nós dois.
O sorriso pequeno do Aohitsugi confirmou teus pensamentos.
Chapter 16: 16
Notes:
outro capítulo que julgo digno de se reler as tags
Chapter Text
1.
A primeira noite no apartamento do pianista não foi ruim como esperavas. Claro, tu estranhou a situação, já que era a primeira vez que isso te acontecia, mas conseguiste contornar do jeito que era possível. Pudeste perceber nele certos comportamentos que eram, no mínimo, autodestrutivos e sabia bem deles já que, num passado não tão distante, fazias o mesmo.
Não questionaste, lógico, mas algo que ficou muito gravado em tua mente foi a maneira que ele olhava frequentemente para os lados e mal conseguia pegar no sono se tentasse somente fechar os olhos e relaxar. Claro, aquilo não era autodestrutivo — fisicamente falando –, no entanto era preocupante. Então, um flash de memória te atingiu e lembraste que, durante alguns meses, após a primeira vez que teu pai fez aquilo contigo tiveste a exata mesma atitude .
Muitos pensamentos invadiram tua cabeça em relação a isso e esse fato estava te corroendo. Odiavas pensar demais, principalmente em assuntos tão delicados por conta do próprio passado e em horas que deverias estar focado em outras coisas. E quase não deixaste de pensar nisso nem mesmo durante tuas aulas de ballet . Tu não querias crer que o pianista havia passado por algo semelhante e torcias para que tal comportamento fosse fruto de qualquer coisa menos daquilo .
E o único momento em que tiraste isso da cabeça foi quando regressaste ao teu novo lar, infelizmente por um motivo igualmente nada bom. Jakurai se encontrava tentando subir no sofá da sala usando apenas um braço, o outro pressionava a lateral oposta do corpo. O rosto dele estava inteiramente machucado e algumas regiões sangravam bastante, além das roupas rasgadas e da expressão vazia. Uma poça considerável de sangue e um outro líquido estavam ali perto juntamente com uma fita e uma corda.
Tu ligaste os pontos e não querias crer no quê, muito provavelmente, havia ocorrido naquela sala. Entraste num torpor momentâneo e logo lembraste que o pianista precisava da tua ajuda o mais rápido possível. Jogaste tua bolsa para dentro e fechaste a porta, correndo até ele em seguida, abaixando-te para ajudá-lo a subir no móvel.
Estranhamente, tu já sabias quem foi o culpado.
2.
Daquela vez, tinhas absoluta certeza de que a pessoa tocando a campainha não era Samatoki, porém fostes abrir mesmo assim. Era Jikuin e ele veio acompanhado de um outro rapaz, um loiro com um pouco da raiz já crescida e de expressão fechada. O acompanhante de teu ex-namorado trazia uma mochila nas costas e somente por aquilo tu pudeste deduzir que Jyobu veio querendo dinheiro e que o teria a qualquer custo. No entanto, tu não estavas mais por conta própria, havia Samatoki e precisavas pensar nele também.
Talvez tenha sido a pior decisão recusar e ter que reviver todo o inferno que Jikuin te fez passar enquanto namoravam. Em nenhuma das vezes que tiveram um contato físico mais íntimo foi consensual e não seria agora que isso aconteceria. Foi somente tu mostrar um pouco de hesitação em entregar o dinheiro que o terror começou.
O loiro — Jyobu chamou-o de Arima — foi até a cozinha e trouxe tanto uma cadeira quanto uma faca, depois abriu a mochila e tirou uma corda e uma fita, colocando os dois e a faca sobre a mesinha da sala. As ações de ambos passaram em câmera lenta por tua mente, desde quando o tal Arima o amarrou e pôs a fita em tua boca para que não gritasses, rasgou tuas roupas e te deixou "pronto" para que Jikuin usasse até o momento em que teu ex-namorado subiu em teu colo e fez o quê bem entendeu.
Não podias reagir, não tinha como gritar, restava-te esperar apenas e torcer para que ele não tentasse abusar de ti uma outra vez. Parecia que o Jyobu era insaciável, afinal aquela tortura não tinha fim; e quando finalmente terminou, Jikuin tirou-te de dentro dele e arrumou as coisas antes de enfiar a faca em tuas costelas e te agredir, auxiliado por Arima, depois te soltaram e jogaram no chão. Saíram tão rápido quanto chegaram e não muito tempo depois, Samatoki abre a porta do apartamento, joga as coisas dele e vem correndo em tua direção enquanto tentavas subir no sofá com dificuldade.
— Ah, essa merda não tá acontecendo… — ouviu Samatoki falar para si. — Foi o porra do ex-namorado, né?
Conseguiste apenas balançar a cabeça em afirmação.
— Cê tem que ir pra um hospital rápido e… — Samatoki olhou mais ou menos o teu estado após te colocar com sucesso sobre o sofá. — Antes eu vou, sabe, tentar botar alguma coisa na facada, cê não pode perder mais sangue.
Enquanto o mais novo buscava um pano e algo para segura-lo no lugar, tentavas manter a respiração regulada e pensar que o terror já tinha passado. Alguém estava ali te ajudando, era algo diferente das outras vezes em que passou por isso sozinho e diversas vezes quase enxergastes a luz da morte. Talvez tua miserável vida pudesse tomar um rumo um pouquinho melhor.
Tuas pálpebras insistiam em fechar e tu insistia em lutar contra teu destino. No fim, verias quem venceria.
Chapter 17: 17
Chapter Text
1.
Não comentaram muito sobre o quê aconteceu, mas tu pudeste sentir o pianista mais fragilizado que antes. Ele já estava se recuperando bem e, no dia, a ida rápida ao hospital foi o que salvou o Jinguji de ter uma morte por hemorragia. E ainda pensavas sobre o que vistes na sala, sobre a poça de sangue e de um líquido desconhecido. Não querias perguntar, não ias perguntar e mesmo assim algo te instigava e dizia que deverias ir mais a fundo e descobrir algo .
No fim, não foi necessário perguntares. Numa conversa, ele acabou contando o quê, de fato, ocorreu. Já era noite e ambos criaram o costume de conversar antes de dormir, tu até agradecia por desenvolverem esse hábito pois te ajudava a pegar no sono. No entanto, a conversa que tiveste com ele no dia em que o pianista recebeu alta foi tão pesada e ruim que mal fechaste os olhos; felizmente o dia seguinte seria um sábado. Ele te relatou cada detalhe, sem omitir absolutamente nada e isso te assustou não pela quantidade de informações, mas sim pelo simples motivo que não parecia ser a primeira vez. Sabias melhor que ninguém reconhecer isso.
Naquela noite, tomaria uma atitude que desviava muito de quem és, porém era algo que gostaria que tivesse acontecido contigo anos atrás. Querias ter sido confortado naquela época, queria ter alguém disposto a te ajudar a lidar com aquele trauma e não tiveste. Para ser sincero contigo, não tivestes nada . Eras jovem demais.
— Jakurai, acho que tem uma parada que cê tem que saber sobre mim. — sentaste na beirada da cama e olhaste para ele, que se encontrava deitado confortavelmente no móvel.
— Pode contar. — ele disse baixo, mas audível.
— É um negócio sério e… eu entendo. — respiraste fundo e prosseguiste. — O que rolou naquele dia, eu passei a minha infância toda. E eu não gosto de falar do meu passado, dessas merdas, lembrar do quão fodida foi minha infância, mas acho que é por isso que tô confessando. Passei por essa desgraça sozinho e não tô afim de ver alguém passando pelo mesmo e fingir que porra nenhuma aconteceu.
— Samatoki, não merecias ter passado por isso…
Silêncio. Tu, agora, sabias que foram os dois machucados pelo mesmo problema, mesmo que em fases diferentes da vida. Era um trauma que carregariam para o resto das vidas e precisariam lidar com isso de um jeito ou de outro.
2.
Ouvir aquilo de seu colega de apartamento te dilacerou. Talvez tenha sido por isso que ele não te fez perguntas e nem comentou nada sobre o que foi visto no dia em que Jikuin invadiu o lar deles. Em teu âmago, desejaste voltar ao passado e proteger o pequenino Samatoki e ao mesmo tempo em que sentias isso, querias sumir pois mal conseguias cuidar de ti, imagine de uma criança que passou por uma situação tão difícil. E começou a passar por tua mente os horrores que viveste quando estavas com o Jyobu, cada cicatriz em teu corpo lembrava da lâmina favorita do ex-namorado e em como ele gostava de te ver suar de ódio, indignação, de como gostava de ver teu sofrimento. Queria apagá-lo da tua vida para sempre.
— Vou direto ao ponto. — notaste que o outro virou mais o corpo em tua direção. — Hoje eu vou dormir na mesma cama que tu. Amanhã também e depois, até cê melhorar. Todo esse tempo eu vi que cê olha pros lados igual condenado, com medo de que o filho da puta do ex apareça. Eu sei que é porque fazia igual, com medo todo dia de mais uma vez ser espancado e abusado pelo meu pai.
— Não, não precisa, creio que não é necessário. Todos esses anos aguentei bem e não será hoje que não aguentarei. — tu apenas desejava vê-lo longe dos teus problemas, não queria ver mais alguém além de ti sofrer.
— Cê aguentou só, mas eu não tô com saco pra ver uma pessoa sofrer calada. Eu dormindo aqui, cê pelo menos vai ter certeza que é uma pessoa do lado.
Decidiste não dizer mais nada e apenas aceitar. Samatoki tinha boas intenções e ele tinha razão naquele ponto levantado: com alguém do teu lado, a sensação horrível de que alguém surgiria para te forçar a algo diminuiria. Era uma maneira de te confortar sem questionar, sem dizer absolutamente nada, apenas oferecendo a atenção e presença. Engraçado, sentiste teu coração bater um pouco mais forte, talvez fosse o turbilhão de sentimentos daquele instante. Tu somente aceitaste quando ele tomou um lugar ao teu lado, ficando de frente para ti. Não dirias, mas preferias, pois assim tinhas certeza de que ele não fugiria, sumiria ou outra coisa.
O bailarino acabou dormindo primeiro e ele parecia em paz, mesmo que não estivesse. Ficaste observando-o por bons segundos; a vontade de abracá-lo e confortá-lo por algo que passou há anos era latente em teu peito e assim fizeste, cuidadosamente para não despertá-lo. Foi ali que tiveste a certeza de que a primeira coisa genuinamente boa que aconteceu na tua vida foi a existência de Samatoki. Abraçaste-o e trouxeste-o para mais perto de ti, querias sentir um pouco mais desse conforto, desse aconchego.
Pela primeira vez em tempos, dormiste tranquilo.
Chapter 18: your lips of tragedy
Chapter Text
1.
Algum tempo se passou desde a primeira vez que dormiram juntos e isso realmente parecia estar sendo benéfico tanto para ti quanto para Jakurai. Notaste sutis mudanças no comportamento dele e Jakurai parecia mais confortável com tua presença ali; pelo menos era o quê o outro demonstrava. E tu mesmo também estavas mais confortável, talvez um pouco mais comunicativo — apenas com o pianista, mas era algo — e menos irritadiço.
Ele havia se recuperado bem da facada e felizmente o tópico "abuso" não voltou a ser mencionado nas conversas. E tu notou que ambos pareciam mais afetuosos um com o outro, quase uma relação propriamente dita. Estavam morando juntos há quase um mês e muita coisa entre tu e Jakurai evoluiu. Quem sabe fosse o costume de dividirem a mesma cama e trocarem carinhos nesse momento, talvez fosse a tua mente dizendo que ele era especial ou talvez não. Detestavas pensar em amor, romance, já que a única parcela de amor romântico que ganhaste de alguém veio de um garoto que insistia em te desrespeitar. Queria que lidar com esses assuntos fosse mais bobo e simples. No mais, tu deixas para debaixo do tapete, ignoras o fato, já que nem certeza é. Tua mente era um turbilhão de pensamentos — maioria ruins — e não querias deixá-los dominar justo quando estás te sentindo melhor e um pouquinho mais em paz. Ignoraria-os como fazes quando queres focar em algo melhor; mais uma hora de dormir se aproximava e Jakurai não conseguia dormir sem que tu estivesses junto. Não abandonaria-o, jamais.
2.
Aguardavas por Samatoki para que pudesses dormir tranquilo após as conversas diárias da noite. Acatar o pedido de Samatoki para que ele dormisse junto a ti foi extremamente benéfico: teu sono melhorou, tuas noites eram mais calmas, os pesadelos diminuíram e com o sono regulado, tua saúde mostrava sinais de melhora. E não demora até o bailarino aparecer no quarto e deitar-se do teu lado, virando o corpo para ti. Sempre dormiam um de frente para o outro, era a maneira confortável tanto para ti quanto para Samatoki.
Assim que ele se ajeitou, envolveste-o com um braço e trouxeste-o para mais perto, somente o suficiente. Acostumaste a ter o calor de outra pessoa contigo e já não te vias sem aquela rotina. Graças a isso pudeste esquecer o que houve e focar em tua recuperação, és eternamente grato ao bailarino por isso. Querias poder retribuir de alguma forma, mas pensaria melhor nisso no dia seguinte.
— Como foi teu dia na Academia? — sempre gostavas de perguntar sobre o dia dele, tu apreciava ouvi-lo contar sobre as coisas.
— Agitado. — Samatoki respirou fundo e se aconchegou mais. — Tão com uma ideia meio maluca, querem juntar ballet com ópera, fazer um negócio grandioso e tal. A Academia se juntou com uns cantores de ópera aí e querem fazer uma parada original, do zero.
— Fascinante, parece-me ser uma ideia inovadora! Os ensaios começaram?
— Sim, hoje até. Não sei que merda a Sófia tem na cabeça em me enfiar como protagonista de uma porra que nem enredo tem. — o Aohitsugi suspirou. — Eles também tão procurando um baixo, mas não tão achando ninguém bom o suficiente.
Repentinamente tu vistes o bailarino dar um sorrisinho e levantar um pouco a cabeça, mirando diretamente em teus olhos azuis. Havia algo ali ou ele não estaria agindo daquela maneira.
— Aí eu falei que conhecia um. Eles querem que cê vá amanhã. — ele deu uma risadinha breve. — Curtiu a surpresa?
Tu ficaste sem reação por instantes. Era uma oportunidade de ouro e talvez a única em tua vida, não desperdiçaria aquilo e faria valer a pena. Então, por impulso, levaste tua mão que abraçava Samatoki até o rosto dele e trouxeste-o para um inesperado beijo. E não esperavas que ele fosse retribuir. Acabaram se envolvendo no momento e o bailarino girou o corpo, ficando por cima de ti e instintivamente levaste a mão livre até a cintura dele. Não podias estar mais feliz.
Tu apenas te deu conta do quê ocorreu breves segundos depois que teus lábios se separaram dos dele. Teu rosto ficou quente e provavelmente rosado; não esperavas tal atitude de ti mesmo.
— Desculpe Samatoki, foi impulsi-
— Eu gostei.
Não havia como argumentar. Tu aceitou o fato e logo voltaram a se aninhar no leito para que dormissem. Pela primeira vez em tempos, tivestes um sonho bom.
Chapter 19: 19
Chapter Text
1.
Ter Jakurai ali na Academia novamente era, no mínimo, nostálgico. A primeira aparição dele no local fora por um motivo ruim, agora, felizmente, por algo que ele sonhava. Tu não podias estar mais feliz por ter possibilitado tal acontecimento. E talvez, ver o pianista sorrir genuinamente após certas coisas confortava teu coração.
A "audição" seria naquela sala de ballet , pois o lugar destinado estava passando pela inspeção anual. Era uma garantia de segurança de lá, completamente compreensível. Tu, juntamente com os outros bailarinos, ensaiaram normalmente, mas algo, para ti, estava diferente. Não era a presença do Jinguji ali contigo, não, definitivamente não. Vez ou outra tu trocava olhares com ele e não conseguias evitar um sorriso pequeno.
Jakurai já te era muito bonito e atraente e naquele momento ele parecia tudo isso, triplicado. Vê-lo, novamente, arrumado e maquiado, despertou em ti a vontade de ir até ele e beijá-lo, tal qual fizeram alguns bons dias atrás. Infelizmente precisaste dissipar o pensamento rapidamente ou isso te atrapalharia na coreografia. Por alguma razão, a mentora decidiu dar uma pausa para descanso antes do horário de sempre. Aproveitastes para sentar perto do mais velho.
2.
Samatoki ali tão perto de ti causou um leve rubor em tuas bochechas. Lembraste dos momentos um tanto… românticos que viveram nos últimos dias, dos carinhos antes de dormirem, de quando ficavam abraçados no sofá esperando o anoitecer. O bailarino estava mexendo contigo, explorando teu âmago, conquistando-o e recompondo pedacinhos quebrados de teu coração.
Sentias-te mais leve e preparado para encarar a futura audição. Obviamente estavas nervoso, afinal não participaste de tais processos por bastante tempo, mal recordavas de como as coisas se davam. Confiavas apenas em tua capacidade vocal e teus treinos constantes naqueles dias anteriores. O Aohitsugi vivia te dizendo que te sairias bem, que sabia que serias aceito. Gostarias tu de crer naquilo e apreciavas imensamente o incentivo dele, porém depois de tanta coisa, ficava complicado de acreditares que és perfeitamente capaz.
Então, repentinamente cadeiras são colocadas no centro da sala de dança, surpreendendo a todos. Não demora e algumas pessoas surgem, tomando os lugares dispostos e segurando pranchetas. Pelo que pudestes supor, eram teus avaliadores. Pelo menos três deles olharam torto para ti e notaste que, aparentemente, falavam de teu tom de pele. Era sempre assim e infelizmente se tentasse te defender, tu perderia ainda mais oportunidades. Tentaste não dar atenção para aquilo e prosseguiste firme. Então, chamam-te.
Olhaste para Samatoki e, incrivelmente, ele fez o mesmo. Encararam-se durante segundos, que foram o suficiente para te darem a coragem necessária para te levantares e ficar bem de frente para os avaliadores.
Daria teu melhor, afinal era tua última chance.
Chapter 20: it will be worth it
Notes:
tem uma menção à automutilação, deixando claro
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1.
Observaste atentamente o mais velho se dirigir até o centro da sala. Ali, ele parecia outra pessoa, era uma faceta mais elegante e "clássica" do Jinguji que tu não estavas plenamente acostumado. Não te era ruim, logicamente não, mas era algo que te deixava sem fôlego e pensativo. Como puderam fazer ruir tão imponente homem? Ah, mas não seria ali, na tua frente que Jakurai ruiria outra vez. Faria-o ter uma das vitórias mais marcantes da vida dele e não aceitaria menos que o pianista ser admitido na ópera e, quem sabe, com o papel principal.
Então, a audição começa. Pediram para que ele cantasse algo com a voz natural dele e tu arregalaste os olhos quando percebeste qual música ele havia escolhido para cantar. Conhecias há tempos aquela música e ela havia sido estampada em tua memória como tua canção favorita por longos anos, até essa doce lembrança ser sobreposta pelo fato de que teu ex-namorado maluco apreciava aquela. Recordações da época em que brigavam até ambos saírem com hematomas feios, quando ele te dopava nas noites em que gostaria de sair com amizades que nunca conheceste e das crises doentias de ciúmes que o fizeram quase pegar prisão perpétua. Querias esquecer isso.
E estavas certo de que, pelo menos sobre a música, não lembrarias mais de Arima e das coisas que ele te fez passar. Agora, Jakurai havia demolido tais memórias ruins naquele instante, com a bela voz que possuia. Em tua mente, nada além da imagem do pianista cantando magnificamente passava, cada detalhe foi eternizado, desde o tom terracota da pele dele sendo iluminado pela luz amarelada do salão até o jeito que ele encarava sua "plateia".
Tu nunca presenciou algo tão simples e tão bonito até a audição do outro. Desejavas viver ali, admirar tudo o que ele havia construído, admirar a beleza de Jakurai, o timbre e a profundidade da voz dele, tudo, tudo! Não tinhas palavras melhores além de lindo . E ainda era pouco para expressar teus sentimentos.
— Muito bem. Agora, para uma avaliação final, gostaríamos que cantasses alguma música própria de ópera, fica a teu critério qual.
— Claro, é claro. — ele pigarreou e firmou a postura. Tu sabia que seria ali que ele brilharia de fato.
— Quando desejares.
E tu definitivamente não estavas preparado para o quê ocorreria.
2.
Lançaste um breve olhar em direção ao bailarino antes de iniciares. Era por causa dele e por ele que estavas tendo tal oportunidade, então dedicaria todo teu esforço a ele. E sem demora, iniciou com uma que há tempos não praticava, mas foi a primeira a surgir em tua mente.
— Ecco la sconsolata donna assunta a l'impero… — não tinha como voltar atrás, teria que levar essa até o final, mas mesmo que te faltasse certo refino, não fugirias disso. — pe patir il servaggio …
Era tua única, alfa e ômega chance, não poderias desperdiçá-la de modo algum. Davas, mais uma vez na vida, tua alma naquela ária; sem orquestra, sem piano, sem som de fundo, apenas o silêncio e tua voz. E algo dizia para ti que aquele momento seria decisivo, que tua tomaria um novo rumo a partir dali, agora, se era bom ou ruim, já não sabias afirmar. Ansiavas por algo assim há tanto tempo que não se importava sobre qual papel pegarias, se passasses. O palco, apenas a sensação de estar no palco, era teu contentamento.
Então, chegastes ao fim de Ecco la Sconsolata donna e abriste teus antes fechados olhos para encarar teus avaliadores. Pela reação deles, isso significa duas coisas: ou fostes estupidamente bem ou fostes um completo fiasco. Engoliste seco e olhaste para o lado, buscando o Aohitsugi — ficavas mais tranquilo sabendo que ele estava lá — e o vistes sorrindo. Quase instantaneamente teu coração se acalmou.
— Agradecemos pela participação, ermm…
— Jakurai.
— Claro, Jakurai. Agradecemos, mas não podemos te dar o papel que foi, originalmente, pensado para a vaga.
A esperança em teu coração desapareceu. Não, aquilo não estava acontecendo, não podia estar acontecendo. Ah, se estivesses em casa provavelmente terias pego a primeira lâmina que visses pela frente e feito cortes em teu pulso para aliviar a dor, mas felizmente não estavas em casa. E eles prosseguiram.
— Pensamos bem sobre o que entregaste para nós hoje e decidimos mudar o rumo das coisas. O papel do baixo seria um secundário sem muito destaque, mas graças a você, agora será o papel principal e acreditamos que somente você pode repetir o que fez hoje. Bem-vindo, o papel é teu.
Ficaste sem reação, simplesmente imóvel sem saber o quê dizer além de um "obrigado". Pela primeira vez, eras reconhecido pelo que sempre quis.
Chapter 21: 21
Notes:
felicidade
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1.
Tu saíste do banheiro e vistes o pianista do lado de fora da sala com um sorriso enorme no rosto e um papel em mãos. Pelo que deduziu, ele havia conseguido entrar na ópera e com sucesso. Não evitaste sorrir também e quando menos esperavas, ele veio rapidamente em tua direção, abraçando teu corpo quando se encontraram perto o suficiente para tal. Devolveste o ato, algo que, com ele, sabias que podia fazer sem que sentisses medo.
— O papel principal é meu, Samatoki… Serei o protagonista… — ele falou com evidente felicidade na voz, mesmo que um pouco trêmula por conta da emoção. Sentias que ele queria chorar.
— Sempre soube que cê conseguiria, cê é foda.
— Não sei nem como te agradecer, nem tenho palavras para isso.
— De boa, não precisa falar.
Quem sabe tua última fala tenha sido a responsável pelo que ocorreu em seguida. Jakurai abraçou novamente teu corpo, dessa vez com um braço apenas e puxou-te para perto, depois ergueu levemente teu rosto com a canhota, levou-a para tua bochecha e ali ele beijou teus lábios, sujando-os com batom preto. Não te importavas com isso. Cedeste, já que não era como se não quisesses, e evolveste a cintura dele com teus braços, aproveitando daquele momento inesperado, porém quisto por ambos.
Perdeste a noção do tempo naquele instante, focavas somente no sabor dos lábios do pianista e na felicidade da notícia de que ele havia sido aceito pela ópera. E talvez não quisesse admitir, mas no fundo tu queria mais dessas boas sensações, dos beijos e carinhos do homem que te ajudou numa fase de dificuldade. Conforme tu fostes convivendo e conhecendo-o, percebeste que sentias algo diferente. Era bom, muito bom para te ser sincero.
É, talvez tu estivesses apaixonado por Jakurai.
2.
Afastaram-se após algum tempo. Era arriscado fazer isso ali e torciam para que ninguém os tivesse visto. Tu moveu a mão que estava na bochecha do outro e com o dedão, limpaste os lábios do bailarino. Batom preto também combinava com ele . E em teu peito o coração batia forte e acelerado, quase como se fosse saltar do próprio corpo. Ninguém ali teria como saber o quão intenso estava sendo para ti desfrutar daquele instante com o Aohitsugi. Ele havia se tornado mais especial a cada dia e simplesmente não conseguias mais te ver sem a presença dele. Talvez a melhor coisa que te aconteceu foi o fato de ele ter ido morar contigo.
— Desejas comemorar em casa? — o sorriso em teu rosto evidenciava a vontade de celebrar a conquista.
— Claro! Cê merece! A gente abre um vinho até.
— Excelente ideia. — deixaste um breve selinho nos lábios do outro e depois te afastaste, afinal precisavam voltar para a sala.
E após uma hora, regressaram ao apartamento 701 e assim que fecharam a porta, tu puxaste o bailarino para perto de ti e roubaste outro beijo dele, sendo retribuído imediatamente. Os lábios de Aohitsugi eram viciantes de beijar e pareciam, para ti, o paraíso. Ele era teu paraíso. Mais uma vez naquele dia teu coração batia forte. A partir dali era só comemoração, abririam sim um vinho.
É, talvez tu estivesses apaixonado por Samatoki.
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