Chapter 1: Prólogo: REINO PERDIDO
Chapter Text
Está claro que ninguém sabe muito sobre quem é o Killer Cat, ele está a cinco anos na indústria musical e até agora, sua identidade é secreta. Nome, sobrenome, idade, país de origem e todas essas informações que fanclubs adoram são completamente inexistentes. É completamente aceitável que ele deseje manter a vida pessoal separada da profissional, mas mostrar o rosto ao público pelo menos uma vez não iria acabar com tudo o que ele quer esconder, certo? A menos que esteja envolvido em trabalhos ilícitos. Sua fortuna é avaliada em mais 900 milhões e isso é um recorde mundial, talvez tenha medo de ser roubado?
Honestamente, não é uma questão muito válida, existem outros artistas tão ricos quanto ele, como Rihanna e Beyoncé que são bilionárias e mostram o rosto publicamente, além dos filhos e casos amorosos. Então sim, é normal que pensem coisas como: Killer cat é algum criminoso? Inferno. Há anos os fãs procuram profundamente qualquer pista que indique o mínimo de quem ele possa ser, mas se existe algo que o Killer é além de talentoso, é inteligente.
O que conseguiram descobrir até agora é que ele é um ômega recessivo, um bom cozinheiro e tem uma péssima relação com a família. Não, não porque descobriram por conta própria, ele tem um conta no Tik Tok e Instagram, onde faz vídeos diariamente e lives muito legais e divertidas, onde canta, brinca e interage com os fãs de todo o mundo. Ah, sim, ele também é fluente em três idiomas diferentes, é algo brilhante, mas ao mesmo tempo só é mais um grande empecilho no pé dos fãs obcecados em saber sua real identidade.
Muitos dizem que manter a identidade secreta é uma jogada de marketing, enquanto for misterioso e 'obscuro' os holofotes irão continuar perseguindo-o incansavelmente, é um método usado pela cantora Sia, embora ela ainda cante com o rosto amostra e diga seu nome de batismo. Seja como for, o Killer Cat não precisa usar jogadas de marketing como essas, suas músicas são viciantes o suficiente para se manter no topo das paradas de sucesso sem brincadeirinhas de criança, como essas blogueiras fazem constantemente.
Agora mesmo, uma entrevista com o maior produtor musical do Japão está sendo feita, é um alfa masculino de meia idade que se lançou no mercado asiático a vinte anos atrás, mas só teve um real êxito no gênero K-pop a pouco tempo, as pessoas ainda preferem os coreanos e tailandeses, dizem que os japoneses são muito formais (embora pareçam fofos), apesar disso, Akino Takahiko, é respeitado na Ásia inteira. O mercado o conhece como sendo um veterano e caçador de talentos, ele revelou os maiores músicos do Japão e Coreia, é natural que sua opinião sobre os artistas seja levada muito a sério.
Quando Akino Takahiko diz que um artista é promissor, é porque o artista realmente é promissor, e quando diz o contrário, é exatamente isso o que acontece em alguns anos. Acontece o tempo inteiro de novos cantores terem um bom início, com músicas envolventes e letras legais, e depois BOOM, tudo despenca, as músicas ficam ruins e as letras embaralhadas. Obviamente, o público perde o interesse em músicas confusas, é assim, esses cantores caem no esquecimento. Quantos músicos dos anos dois mil não foram esquecidos? E principalmente aqueles que se lançaram recentemente no mercado, a partir do ano de dois mil e dez.
Foram tantos… não é que eles não sejam talentosos, apenas não souberam lidar com a atenção que receberam, se envolveram com drogas ou sei lá, se perderam no meio do caminho. Esse tipo de merda acontece, infelizmente. Ser esquecido é a ordem natural das coisas, principalmente quando novos artistas sobem no palco e trazem novidades. Akino Takahiko fala bastante sobre isso, ele é duramente crítico, e vez ou outra sua opinião causa enorme confusão nas redes sociais, em especial no Twitter.
Cinco anos e nove meses atrás, ele estava analisando o primeiro álbum do Killer Cat em uma entrevista para o canal renomado do YouTube que fala sobre os artistas em ascensão. Atlantis (o nome do álbum), assim que lançado alcançou facilmente o topo das paradas musicais e virou febre entre os adolescentes, e alguns jovens adultos também, ganhou dois Grammys Awards nas respectivas colocações de Melhor artista revelação e Música do ano. Os fãs enlouqueceram, e quase paralisaram as redes com postagens de orgulho e felicidade. Os prêmios foram merecidos, e o Killer merecia ter ganhado outros também, mas é claro que ele ainda era jovem demais para competir diretamente com Beyoncé e Rihanna.
Akino Takahiko no entanto, discordou da premiação, e disse abertamente que o Killer iria cair no esquecimento, assim como outros artistas da sua idade e estilo caíram, e criticou as faixas musicais, descrevendo-as como infantis e clichês, finalizando com um: "Se um artista não pode mostrar o rosto, então porque ser um artista? Ele é uma figura pública e ídolo de vários adolescentes, os fãs precisam ter uma imagem correta dele e não uma máscara ridícula de um gato com cabelo de algodão doce." Killer Cat não respondeu às críticas, ele agiu com maturidade e as ignorou completamente, embora seus fãs não tenham sido tão passivos assim.
Sua resposta viria dois anos depois, com o lançamento do segundo álbum (que segundo Akino Takahiko seria um fiasco), nomeado de XXI , contendo quinze faixas musicais inéditas, com feats de artistas americanos e europeus, como Christina Aguilera e Taylor Swift, o Álbum revolucionou o mundo da música pop e foi reconhecido como uma das obras de arte músicas do século vinte e um. Levou mais de dez grammys em uma única noite e um Oscar, além de outras premiações, mais de cem milhões de discos vendidos em um ano e uma das turnês mais lucrativas de todos os tempos, ficando atrás somente de Madonna e Michael Jackson. Esse recorde foi quebrado mais tarde por Beyoncé com o lançamento do álbum Lemonade.
Mas convenhamos, em apenas quatro anos de carreira musical, Killer Cat fez história. Akino Takahiko foi obrigado a engolir as próprias palavras, e voltou atrás, (ele é orgulhoso demais para pedir desculpas) mas admitiu que estava errado sobre o Killer, e converteu-se de Hater a fã.
Na entrevista de hoje no podcast do telejornal transmitido em tv aberta, Akino e um dos entrevistadores analisam as faixas musicais do Killer e comentam o que esperam do próximo álbum.
"No primeiro álbum, o Atlantis, tivemos dezesseis faixas musicais inéditas, todas elas com letras relacionadas implicitamente entre si. É um álbum pesado e carregado de sentimentos, não é recomendado que crianças escutem, mas o que nos deixa perplexos é que provavelmente são os sentimentos de uma criança que estão sendo expostos." Akino comenta, ao ser questionado sobre as composições do primeiro álbum.
"O que te leva a pensar que as letras são escritas por uma criança?" O entrevistador, um jornalista bastante conhecido na tv faz a pergunta. Ele não é um observador musical, então sua pergunta é válida e realmente interessante, desperta a curiosidade dos espectadores.
"Bem, a muito tem se discutido sobre a idade do Killer Cat, qualquer um pode observar os vídeos dele ao longo desses seis anos e perceber a mudança no tom da voz, aquela velha transição de suave para o grave que todos passamos durante a puberdade, o formato do rosto e a altura, fotos comparativas mostram claramente esse fato." Ele argumenta, continuando, "As letras das músicas, no entanto, é onde notamos o maior impacto. Esse foi um dos motivos que me fizeram desacreditar da ascensão dele em primeiro lugar, uma das primeiras músicas, com o nome de 'Atlantis' revela muito sobre a personalidade e estado mental do Killer, ele diz em uma das estrofes: 'Eu acreditei que poderíamos consertar nosso reino, mas ele estava afundando muito antes das crises começarem.' É uma música com vários significados, mas no geral, é recebida com a perda de um relacionamento, a perda de inocência ou a aceitação de que perdeu algo importante." Akino é ligeiramente interrompido pelo entrevistador.
"A música toda fala sobre perda, você diz." Akino concorda.
"O título escolhido leva o nome de uma cidade folclórica chamada Atlântida, que foi engolida pelo mar e existem vários filmes infantis e mitos acerca disso. Killer pega esse termo e encaixa na perda da inocência dele, honestamente, eu acredito que ele está falando sobre o divórcio dos pais e sobre como isso o afetou, embora muitas pessoas discordem, e digam que é sobre um relacionamento amoroso." Explica, pacientemente, "Assim que escutei as músicas eu pensei: 'caramba, esse garoto deveria ir ao terapeuta, não está fazendo músicas'." Ambos os entrevistadores riram com a frase.
"Admito que pensei o mesmo, as músicas são viciantes e as letras quase depressivas, ele sabe como expressar os sentimentos melhor que ninguém, e isso é preocupante." Um dos entrevistadores, conhecido pelo trabalho como psicólogo e livros de autoajuda publicados na maior editora do país, comenta em um tom descontraído. "Não lembro a qual música, mas há uma estrofe muito popular entre os adolescentes que diz: 'Nada seria o suficiente para fazê-lo ficar, quando ele nunca esteve aqui inicialmente.' Ele ainda finaliza perguntando, 'Você se sente feliz com sua nova família, o que ela te deu que não podemos dar?' O sentimento de perda e abandono é tão forte nessa faixa, que eu não tenho vergonha de admitir que chorei ao ouvi-la. Há mágoa na voz do Killer ao cantar é inexplicável, ele sente dor e aflição, e simplesmente deixar que isso saia sem se importar com a opinião dos outros." A
"Sim, essa música também traz questões importantíssimas, por exemplo, como o divórcio afeta as crianças e como elas lidam com isso. O Killer Cat é um exemplo vivo e claro que a separação dos pais é algo grave e eles devem considerar o estado mental dos filhotes antes de anunciar a decisão final.", O entrevistador principal trouxe à tona um assunto de conscientização, a câmera focou somente no seu rosto sério durante a fala, e desfocou quando ele mudou de assunto. A
"Sim, quase todas as faixas do primeiro álbum tem referências ao divórcio dos pais e como o afetou mentalmente. A visão dele era infantil, ele obviamente não entendia claramente o que estava acontecendo, mas sabia que não seriam mais como antes, e algum momento, ele se pergunta se queria voltar a ser como antes, ele diz em uma das faixas: 'Afinal, nós fomos felizes em algum momento, ou tudo era fingimento?' Eu gosto de usar essas frases como base de estudo…" O psicólogo falou, apoiando um dos braços na mesa retangular de madeira maciça, seu relógio Rolex de prata brilhando elegantemente para as câmeras, "Há tantas mensagens implícitas e explícitas nesse primeiro álbum que é como uma pérola para os examinadores psicossociais."
"Na verdade, o álbum inteiro é uma pérola, e é exatamente por isso que foi tão bem recebido pelo público adolescente-jovem. Eles se identificaram com as letras, e ninguém pode culpá-los." Akino tomou a fala novamente. "No entanto, minha postura crítica no início deu-se exatamente por causa disso, porque, poxa, a criança precisa de ajuda psicológica e os responsáveis ao invés de levá-lo ao terapeuta e tratar disso o levam a uma gravadora e tiram proveito das músicas dele? É no mínimo perturbador." Diz, seriamente, com uma expressão indignada no rosto.
"Exatamente, penso que esse é um dos motivos para manter a identidade secreta? Poderia ser abuso infantil, correto?" Ao invés de Akino, o psicólogo responde.
"Claramente há um caso de abuso aqui, mas não sabemos realmente o que acontece, então é difícil tomar partido em uma discussão. Nos próximos singles que foram lançados no intervalo de dois anos até o lançamento do XXI, Killer bateu na tecla de abandono, mágoa e culpa, muito mais suavemente que antes, mas nunca houve qualquer indicação de abuso." Encolheu os ombros, "O comportamento dele é tímido no início, mas apontamos isso como uma característica da depressão e ansiedade, ele era jovem e tudo aquilo era novo, cheio de pessoas novas e coisas desconhecidas, posteriormente ele passou a ser animado e espontâneo, a personalidade passou a ser um dos principais atributos dele, todos estão comentando sobre como o Killer é simpático, suave, engraçado e gentil. As pessoas amam ele."
"Quem não amaria? Não o conheço, mas minhas filhas escutam suas músicas e assistem as lives, ele é simplesmente a epítome da simpatia e entretenimento, eu o amo e nem o conheço. Acho que se o conhecesse, iria me apaixonar e ser um dos seus inúmeros fãs." O entrevistador principal admitiu, arrancando risadas dos outros dois na mesa.
"Oh sim, sim, todos amamos o Killer Cat e ao menos sabemos quem ele é." O psicólogo concordou, ainda sorrindo.
"Bem, acho que é uma coisa boa manter a identidade secreta então, ou haveria muitos corações apaixonados o cortejando." Akino Takahiko acenou, contendo um sorriso pequeno, "Mas retornando ao assunto principal, qual o motivo que te fez mudar de opinião sobre o jovem artista, Akino-san?"
Akino riu antes de falar, balançando na cadeira giratória despreocupada, com as mãos entrelaçadas uma nas outra, "Primeiramente, sempre soube que o Killer era talentoso, isso é bem óbvio. Mas como disse, ele era uma criança e estava passando por um momento difícil, quando falei que ele cairia no esquecimento não quis dizer que suas próximas composições seriam ruins, quis dizer que ele poderia amadurecer e não querer mais continuar na indústria musical." Explicou-se, algo que já fez inúmeras vezes em todas as plataformas conhecidas. "Afinal, a indústria é dura, e para o estado mental frágil dele isso poderia fazer mal." Ambos os entrevistadores concordam silenciosamente.
"Em segundo lugar, os singles lançados no intervalo de dois anos foram… uau, os melhores do momento, apesar de ainda Manter a pegada depressiva e cheia de mágoa, o Killer alcançou um público muito maior que adolescentes e jovens, a música dele se estendeu para os adultos e grupos étnicos não específicos. Ele falou sobre romance e corações quebrados, sobre festas jovens e uma adolescência livre de preocupações, mas também fez críticas à sociedade e preconceitos do Japão tradicional."
"Ele mudou o foco das músicas…" Akino discordou imediatamente, balançando a cabeça.
"Não exatamente, ele manteve o estilo depressivo, mas essas críticas se encaixaram perfeitamente. O foco das músicas continuaram o mesmo, tenho a impressão de que ele fez isso inconscientemente. No segundo álbum? Sim, tivemos um desvio de foco, mas se estudarmos bem, o primeiro e o segundo álbum estão interligados entre si. No XXI, Killer é mais ousado, ele fala sobre romances e ilusões, sexo, drogas ilícitas, também há alusões a violência física e relacionamentos tóxicos, mas também há críticas a violência policial e discriminação da orientação sexual, ativismo e mais uma vez, crítica as tradições japonesas. Foi um álbum épico, ele conseguiu ser depressivo, agressivo e empoderado em um único lugar, há uma pegada mais, como eu poderia dizer…"
"Sensual?" O psicólogo propõe, e Akino concorda prontamente.
"Exatamente, a sensualidade é usada suavemente nas faixas, a voz dele perdeu a agudeza anterior mas permanece tranquila. O Killer me conquistou na faixa de número dez, nomeada de 'cold blooded beast' onde ele fala sobre o comportamento distante dos alfas, e como a sociedade os força a esconder suas fraquezas. Ele defende que todos temos momentos de vulnerabilidade, e não há nada de errado em admitir isso e pedir ajuda. A Partir do momento que escutei essa música, o pensamento de uma criança raivosa saiu do meu pensamento, e só consegui ver uma artista com o potencial de dominar o mundo."
"Realmente, o álbum XXI trás críticas mais do que duras para a sociedade e a indústria musical também. Ele expõe a forma como vê o mundo, e a forma como ele o vê é bastante poético." O psicólogo diz, e ele riem.
"Os primeiros foram mais do que merecidos, ele fez uma obra de arte em forma de músicas." Akino Takahiko declarou, soando orgulhoso.
"Mais o que devemos esperar para o próximo álbum? Você acredita que ele irá manter o apego depressivo, passivo-agressivo ou mudará de foco? Afinal, ele está em crescimento, é normal que mude o estilo, correto?" O entrevistador principal perguntou, tomando um pouco de água.
Com um olhar conhecedor, Akino começa, "Oh, com certeza teremos um novo Killer Cat vindo por aí." Ele riu ao dizer isso, continuando, "Os singles que ele lançou recentemente foram como uma sentença, sabe? Ficamos quatro anos sem entender muito dos dois álbuns, então ele vem e lança o single solo 'mom's friend' e nos deparamos com uma bomba, de repente, toda a aura depressiva e rancorosa é explicada, Killer Cat fala explicitamente que sim, ele foi abusado sexualmente por um amigo da sua mãe. Há frases como: 'O monstro agora dorme na minha cama" e continua com 'As marcas do seu amor queima em minha pele.' Ele ainda expressa que culpa a mãe por isso, mas não a odeia, e se tivesse a chance de escolher, gostaria de não ter nascido. No entanto, o abusador não é retratado como um homem mal na música, tanto que ele diz: 'O diabo não é feio, afinal, Lúcifer era um anjo bonito." Ao longo da letra, ele diz que acabou se apaixonando pelo seu abusador, e conclui com: 'deve ser amor no cérebro.' A música em si, retrata bem o início de um relacionamento abusivo, e como a vítima passa a ver seu abusador obsessivo de uma maneira diferente ao longo dos anos."
"Vale ressaltar que existem maneiras diferentes de abuso, por exemplo, o abuso que o Killer Cat relata na música 'Mom's friend' é um tipo de abuso manipulativo, onde a vítima é induzida a permitir que o ato aconteça. Ela não tem voz ou mentalidade para permitir, por uma óbvia questão de que está sendo manipulada, esse é um dos casos mais comuns de abuso. E geralmente partem de familiares ou amigos próximos da família, infelizmente." O psicólogo analisa.
"No segundo Single, também solo, Killer o nomeia de 'Alucard' ele continua falando sobre o abuso passado, e dá a entender que permaneceu em um relacionamento com seu abusador obsessivo por alguns anos. Ele diz: 'Você é uma escória para sua espécie' Nos filmes e mangás, Alucard é um vampiro que se alia aos humanos para caçar sua própria espécie. O Killer diz que o seu abusador é uma vergonha de alfa, e completa posteriormente, 'Ouvi suas histórias, mas nunca contei às minhas, agora farei sua pele queimar, serei o monstro na sua cama, assim como você foi na minha.' Ele foi completamente genial ao dizer que fará da vida do seu abusador um inferno. Depois desse single, nós tivemos o mais recente, lançado no último mês, que é nomeado de 'Killer Cat', sim, ele deu o próprio nome artístico a música. Conta a história de uma criança negligenciada, um lar quebrado e um coração partido, então ele diz: 'Não preciso de lições de moral, preciso de amor, você pode me dar isso?' E ainda continua, com muita ousadia, 'O gatinho não quer ser mal, mas é a única maneira de ter atenção.' Os três singles falam explicitamente sobre sexo, algo implícito nos últimos álbuns e singles, falam sobre drogas e vida adulta, então sim, o nova era do Killer Cat chegou, e ele chegou para quebrar todos os paradigmas da sociedade…"
"Você ainda defende fielmente a ideia dele ser japonês, mesmo fazendo músicas no idiota inglês e sendo tão ousado nas músicas? Digo, os artistas asiáticos tendem a ser mais recatados, principalmente os ômegas." O entrevistador principal perguntou, e Akino acenou, no seu rosto, não há nenhuma sombra de dúvidas quando ele diz:
"Claro, o Killer Cat é japonês, tenho certeza disso. Ele não seria tão cuidadoso se fosse da América e…" A tv desligou-se, mostrando a tela led de sessenta e cinco polegadas em preto.
— Ops, desculpe, vocês estão atrasadas para o jantar. — O homem alto, com cabelo curto e franja lateral disse, exibindo um sorriso amigável no rosto. Okkotsu Yuta, o primo de Gojo
Satoru que passou a morar com a família Gojo-Geto a três anos atrás e é irmão mais velho das gêmeas.
— Temos mesmo que ir? — Nanako, a gêmea mais nova perguntou, sem tentar esconder a carranca de desagrado no rosto. — A gêmea de Maki-san estará lá, e ela é tão insuportável. — Murmurou, mantendo a voz baixa, mas cheia de cinismo.
— O podcast estava tão bom… — Mimiko resmungou, deixando as reclamações de lado, ao contrário da irmã.
— Sinto muito, mas prometemos a Jin-san que estaríamos lá, é aniversário dele, lembram-se? — Honestamente, as meninas pouco se importam. Claro que elas gostam do Jin, mas gostam, não, elas adoram o Killer Cat e qualquer coisa relacionada a ele.
Na verdade, elas estão naquela fase em que qualquer coisa é menos importante que o Killer Cat, é um pouco preocupante, e Geto tentou fazê-las direcionar todo essa atenção para outra coisa (qualquer pai ficaria preocupado com o conteúdo depressivo e sexual que elas estão consumindo) mas nenhuma tentativa foi bem sucedida, então ele desistiu e apenas se certifica de que elas mantenham boas notas na escola.
Felizmente, elas são espertas e cumprem com as exigências, mesmo que noventa por cento do tempo livre seja usado no fanclub que elas criaram (abrangendo uma grande comunidade de adolescentes, jovens e adultos do Japão, especialmente na região central de Tóquio.) E dedicam-se fielmente à investigação de quem é o Killer Cat por trás da máscara de gato.
Depois de quatro anos nessa investigação, ainda não houve nenhum progresso, além de que ele é do Japão (às vezes ele deixa o sotaque escapar nas lives do Tik Tok e admitiu, a pouco tempo atrás, ter a nacionalidade japonesa) e que provavelmente ainda está no colegial, fora isso? Nada. Ele é especialmente bom em se manter escondido e desvia rapidamente de qualquer pergunta relacionada a vida privada, (o que é engraçado, já que se expõe nas músicas que escreve) mas bem, ninguém está realmente reclamando, principalmente quando as músicas são tão viciantes (embora algumas causam arrepios) é bom que ele cante em inglês, nem todos os japoneses sabem o básico do inglês para acompanhar a tradução completa.
Por exemplo, os últimos singles falam abertamente sobre sexo. Sexo doloroso. Sexo macio. Sexo amoroso. Sexo selvagem. Sexo e maconha. Sexo oral. Sexo consensual e sexo forçado. Nanako e Mimiko fazem o possível para não cantar as músicas em voz alta pela casa enquanto Geto ou Gojo estão. Yuta, apesar de ser o irmão mais velho e ficar chocado com os conteúdos que as irmãs consomem, não as dedura ou reclama. Mas tipo, as pessoas mais velhas na rua olham torto quando alguma loja põe as músicas do Killer Cat para tocar alto na calçada, principalmente as mais recentes.
Sim, porque ele não pode falar que sexo casual é bom, mais precisa ter cuidado com a vagina e usar proteção para não ter bebês. Além de que o Killer ganhou a antipatia gratuita dos japoneses quando começou a crítica à cultura do (continuar virgem até encontrar sua alma gêmea, ou ômegas com ômegas não é certo, o par é ômega com alfa e beta com beta.) Oh, ele também fez uma canção com o nome 'akai ito' (que diga-se de passagem, é a favorita das meninas) onde ele diz que: 'Quem se importa se você não é minha alma gêmea quando me come tão bem?' E nossa, foi um tapa na cara da sociedade.
Os próprios Geto e Gojo são almas gêmeas, eles ainda tem uma terceira parte, uma alma gêmea que ainda não apareceu, mas quando aparecer, certamente será um ômega recatado que passou a vida inteira esperando por eles, os alfas do sonho de qualquer ômega (seja tradicional ou não)
As meninas não estão nenhum pouco ansiosas para isso, mas não podem simplesmente exigir que eles rejeitem suas almas gêmeas.
Como fãs do Killer Cat, ativistas e ômegas femininas dominantes, elas lutam pelo direito de serem livres e batem na tecla de que não precisam necessariamente serem virgens para suas futuras almas gêmeas, (aliás, os alfas fazem sexo assim que tem o primeiro cio aos 17 anos, porque os ômegas deveriam passar por esse momento tão difícil sozinhos?) Também, há vários casos de que os ômegas são rejeitados por suas almas gêmeas, ou vistas apenas como platônicos, o próprio Killer Cat foi rejeitado (as meninas estão indignadas com isso até atualmente, porque, quem em sã consciência iria rejeitar o Killer? Tipo, ele é tão gostoso e sensual, talentoso e inteligente, é o tipo ideal delas, pequeno e macio nos lugares certos!)
Não é comum almas gêmeas serem rejeitadas, ambas as partes sofrem com isso, mas ainda acontece. De qualquer maneira, Killer diz que qualquer pessoa, seja ômega ou não, deveria ter alguma experiência sexual antes de se amarrar permanente a alguém, é um princípio básico. Talvez, ele só tenha sido muito extremo ao ironizar esse conceito em uma canção 'depravada' aos olhos da comunidade japonesa puritana, e ainda por cima nomeá-la de Akai Ito, ou o fio vermelho que liga as almas gêmeas uma a outra, algo considerado sagrado no país.
O próprio Gojo ficou horrorizado quando escutou a música, e ele é extremamente liberal, apoiando as meninas no ativismo, no entanto, ninguém estava preparado para o álbum 'XXI' pelo menos ninguém da Ásia. Killer descreveu almas gêmeas como algo patético? Sim, essa palavra se encaixa bem, ele ainda disse: 'Talvez o fio tenha amarrado minha vagina e não minha alma.' E isso é tão uau. Gojo proibiu as meninas de escutarem o álbum musical até que tivessem dezesseis anos, isso é, até o final do ano passado.
Inicialmente elas ficaram irritadas, mas veja bem, qualquer pai ficaria horrorizado com suas filhas de quatorze ouvindo essas músicas, Gojo Satoru, apesar de liberal e fugir de todos os padrões considerados normais, ainda é um pai preocupado e superprotetor no final do dia. E ele, assim como Geto, ficaram um tanto magoados com o novo conceito do 'akai Ito' que o Killer trouxe para cultura pop internacional, a reação dos outros japoneses (os mais velhos principalmente) foi muito pior.
Killer foi atacado nas redes por isso, mas realmente não se importou, a música vendeu milhões assim como o álbum todo, e ficou no topo das paradas por mais de três meses. Isso com certeza foi uma vitória. Ele ainda agradeceu aos haters por espalharem sua música, e riu na cara deles quando ganhou vários prêmios musicais mais tarde.
Diga alguém mais admirável que o Killer e falhe miseravelmente.
As meninas não o amam apenas porque compartilham as mesmas ideias com ele, ou porque ele é gostoso (isso é apenas uma suposição, porque apesar de cantar e falar sobre sexo, ele não expõe o corpo. Suas roupas são sempre largas, e ele mantém isso nos shows enquanto dança.) Mas porque realmente se identificam com suas músicas, nem todas falam sobre promiscuidade e juventude, ele fala sobre sentimentos, e as meninas vieram de lares quebrados. Assim como o Killer.
No entanto, diferente dele, elas tiveram a sorte de conhecer Geto e Gojo e terem uma família amorosa, um novo recomeço, mas enquanto o Killer? Como é a família dele? Como ele lida com tudo isso e ainda mantém um sorriso no rosto, anima milhões de pessoas durante as lives e faz piadas incríveis com a própria desgraça? No fundo, gostariam de abraçá-lo e dizer que ficará tudo bem, que elas o amam e nunca deixarão ninguém machucá-lo novamente.
Sentem-se como se o conhecessem desde sempre, é fácil se sentir assim quando ele escreve música sobre si mesmo. No fundo, todos se sentem (ou já se sentiram) um pouco como o Killer, só não querem admitir. Abandonos. Usados. Culpados. Enganados. Medrosos. Raivosos. Magoados. Ele é uma explosão de emoções e sentimentos, uma bagunça sangrenta de ansiedade e antecipação, um poço fundo de mágoa e rancor. O Killer é o próprio Deus das emoções, e ninguém as fará mudar de ideia.
É incrível como ele consegue escrever uma música que se encaixa perfeitamente em cada situação da vida alheia, como agora mesmo, quando elas querem ficar em casa e continuar assistindo o podcast do Akino Takahiko, não ir a um jantar de aniversário do amigo da família, Itadori Jin. Mas, nem tudo é possível, então, elas levantam antes que Geto as chute para fora do sofá.
— Melhorem essas caras, estamos indo a um aniversário, tem bolo! — Ouviram Gojo exclamar animado, no assento do motorista, olhando-os pelo espelho do retrovisor. Nanako torce o nariz em puro desgosto e Mimiko permanece com a expressão neutra.
— Parece que estamos indo a um funeral. — Geto comenta, entrando no carro e colocando o cinto de segurança. Ele lança um sorriso acolhedor para as meninas, — Voltamos cedo, prometo. — Assegurou, mas elas sabem perfeitamente que esses encontros com a família Itadori - Fushiguro nunca terminam cedo. Pelo menos podem conversar com Tsumiki, que apesar de ser uma ômega recatada, também é fã de Killer, talvez não tão obcecada, mas ainda é uma fã.
— Podemos colocar uma música no rádio, pelo menos? — Os três alfas no carro trocaram olhares entre si, e silenciosamente, permitiram.
— Contanto que não seja nada muito extremo. — Com um sorriso, Nanako pegou o controle do rádio e colocou uma música da sua preferência, a letra não é tão pesada, então os adultos não podem reclamar. 'Mom's friend' é o tipo de letra que beira a obscenidade, mas ainda não é tão horrível quanto o 'Killer Cat', por tanto é aceitável.
No refrão, as meninas cantam juntas:
"Mamãe tem um monstro na minha cama, ele vem meia noite e esquenta meu corpo. Bons meninos não sentem medo de monstros, então eu não choro para você não acordar, acho que estou me acostumando com o toque no monstro. Você ficará feliz quando souber que seu amigo tem brincado de monstro comigo a meia noite?"
— Ele está dizendo que foi abusado por esse monstro ou é impressão minha? — Apesar da letra da música não ser a mais legal de todas, não porque é feia, mas porque é perturbadora (para dizer o mínimo, porque isso realmente acontece diariamente) a batida é envolvendo, em um ritmo dançante com um pegada eletrônica. Mimiko oferece um meio sorriso triste para Geto, enquanto Nanako explica.
— Sim, a música fala sobre um abuso sexual que ele sofreu do amigo da mãe e como o quarto que costumava ser um ponto seguro passou a ser um pesadelo. É meio triste, às vezes me pergunto aonde ele se sente seguro, ou se sente seguro. — Deu de ombros, olhando pela janela, cantarolando a música baixinho.
— Bem, do jeito que ele coloca isso, faz parecer até que está gostando. — Como sempre, Gojo é quem faz o comentário incrivelmente idiota, mas ainda verdadeiro. Ele ganha um tapa de Geto, que reclama indignado.
— Claro que ele não iria gostar, seu idiota, ele é uma vítima. — Gojo não desvia do tapa, até porque não tem como, mas faz um bico manhoso nos lábios.
— Essa relação é explicada melhor em outra música, parece que ele manteve um relacionamento amoroso com o abusador por um longo tempo, eu diria que até recentemente. Mas não porque estava gostando, de alguma forma, ele foi induzido a permanecer nisso. — Nanako diz, e a expressão de terror no rosto de Geto se aprofunda ainda mais, Yuta franze o cenho, mas continua em silêncio.
— Bem, é provável que essa pessoa seja a alma gêmea dele… eu não sei, em algum momento ele diz que deveriam ficar juntos para sempre, mas teve que odiá-lo para poder se amar. — Eventualmente, a música passa para outra, e o assunto é esquecido. No entanto, o pensamento de que a alma gêmea do Killer o maltratou e ainda passou anos abusando dele, continua na cabeça de Nanako.
Provavelmente, Mimiko se sente assim também.
Eles chegam a casa dos Itadori-Fushiguro quinze minutos depois, estacionam e pulam do carro rapidamente. A casa de dois pisos não é tão grande quanto parece por fora, pertence à família a três gerações, está longe de ser a moderna e luxuosa de Gojo, mas é aconchegante e tem a vibração de lar.
Batem o dedo na campainha, e logo recebem permissão para entrar, passam pelo jardim pequeno e esverdeado e chegam ao hall de entrada, avistando um Jin alegre na soleira da porta.
— Estou tão feliz que vocês vieram. — Ele sorriu abertamente, aceitando o abraço de urso de Gojo. Jin é um alfa recessivo que se casou jovem demais com uma beta, tiveram três filhos e depois de um tempo ele encontrou sua alma gêmea, Toji Fushiguro, que tinha se divorciado recentemente (a mulher abandonou ele com duas crianças pequenas) eles se apaixonaram e vivem felizes até hoje.
História como essas não são tão incomuns o quanto parecem, muitos casais se separam dos seus cônjuges para viver o amor verdadeiro com sua alma gêmea, as meninas não julgam Jin, ele é muito legal para ficar no radar delas. Além de que ele e Toji sofrem preconceito o suficiente por serem um casal alfa recessivo e alfa dominante.
Alfas ficam com ômegas e não com sua própria classe, é assim que funciona no Japão. Ideologia de gênero é algo proibido por aqui, não pelo governo e leis no geral, mas pelas tradições.
— Jamais iríamos perder seu aniversário, Jin-san, passei o dia inteiro ansioso para comer bolo. — Eles riem das travessuras de Gojo, e Jin comprimenta Geto com um braço tão apertado quanto o anterior. Ele é uma década mais velho, mas age como se fosse um jovem de vinte anos. Sorrisos dóceis e olhos suaves. As meninas quase (lê-se quase) ficam arrependidas por estarem de mau humor por terem vindo.
— Eu mesmo fiz o bolo, é de chocolate com morango, e tem chantilly por cima. — Piscou um olho para Gojo, que ficou ainda mais animado do que antes.
— Por favor, entrem meninas, como vocês estão? — Perguntou, simpático e com um sorriso brilhante no rosto. Nanako e Mimiko quase ficam cegas com tamanho brilho. Jin está fazendo cosplay do sol a essa hora da noite? Elas pensam em conjunto, aceitando o abraço suave que as envolve.
Os braços de Jin são macios e amorosos como os de um ômega, mas ele é um alfa, então é meio estranho. Observa-se que ele não nasceu para assumir o papel de esposo viril que uma mulher beta tradicional gostaria de ter.
— Parabéns pelo seu dia, Jin-san. — Falam juntas, e recebem mais um sorriso em troca. Logo são soltas e empurradas suavemente pelo corredor, onde tiram os sapatos e ficam apenas de meias.
Como de costume, a casa dos Itadori-Fushiguro é bem iluminada e quente, a sala está ocupada com jovens alfas, Toji suportando o insuportável Gojo (sério, como eles podem ser colegas de trabalho e amigos quando estão constantemente em pé de guerra?), Sukuna recebendo Yuta com um tapinhas nas costas e um sorriso amigável, Megumi não está à vista, sem dúvidas ajudando na cozinha. O velho Wasake está sentado na poltrona de couro, fumando seu inseparável cachimbo enquanto toca uma partida de Shoji com Choso e Hakari (um amigo íntimo de Sukuna), e vozes altas vêm da cozinha, para onde Geto deve ter ido.
Apesar de cheia, a casa mantém o ar acolhedor e familiar, é fácil se sentir à vontade por aqui. As meninas seguem para a cozinha, oferecendo ajuda para pôr a mesa, e acabam se distraindo com essa tarefa enquanto trocam palavras com Kirara (namorada de Hakari) e Tsumiki, filha mais velha de Toji.
Momentaneamente, elas conseguem esquecer um pouco da existência magnífica do Killer Cat, e focam na aura animada que todos exalam. A conversa é alta, sons de risadas, reclamações, campainha, panelas batendo e gritos, a casa da família Itadori é sempre um lugar onde qualquer pessoa gostaria de estar. As meninas não reclamariam se fossem adotadas por Jin (mas elas não trocariam Geto e Gojo por ele), acontece que todos por aqui sempre parecem estar tão felizes.
Entre conversas, risos e reclamações, passou uma hora completa e logo a comida estava pronta e a mesa posta, Megumi apareceu e as comprimentou com um aceno educado, antes de ir chamar todos para sentar a mesa. As meninas não perderam tempo em se acomodar, assistindo a multidão barulhenta chegar e ocupar todos os assentos disponíveis.
As gêmeas Zenin infelizmente estão aqui hoje, nada contra Maki (alfa), sua irmã Mai (ômega) que é insuportavelmente chata e esnobe. Riko Amanai, Shoko e Utahime também vieram, as meninas não gostam muito de Utahime (ela é uma atirada que sempre está se jogando para cima de Gojo e Geto) é nojento de assistir.
Na ponta da mesa, perto do velho Wasaki, está o filho mais novo de Jin, que não mora com ele e dificilmente vem a encontros como esse, mesmo quando é de extrema importância (como hoje), Itadori Yuuji. Estranhamente, Gojo e Geto não brincam com o garoto, nem trocam palavras com ele, e sim, isso é muito estranho, uma vez que Gojo é simpático demais e adora crianças.
Não que Yuuji seja uma criança, devem ter a mesma idade, dezessete anos, mas conhecem a família Itadori a cinco anos e nunca o viu trocar uma palavra sequer com Geto e Gojo. Na verdade, o garoto é extremamente quieto e silencioso, é fácil esquecer que ele está lá em primeiro lugar, Nanako acha que nunca o escutou falar. Apesar de ser alvo do bullying de Mai e Utahime constantemente, (claro, elas fazem isso fora da vista de todos, ou simplesmente jogando comentários passivo-agressivo que ninguém entenderia, na direção do garoto.)
Aparentemente, ele não tem uma boa relação com Jin e Toji, ou qualquer um da família que não seja Wasaki, e isso explica sua ausência em quase todos os momentos. O jantar começa a todo vapor, conversa vai e conversa vem, em algum momento, o assunto torna-se a vida escolar das "crianças", o que na verdade é só uma desculpa para Mai se esnobar com as notas brilhantes na escola. Ou Toji se orgulhar do desempenho de Megumi e sua óbvia aprovação para faculdade de tecnologia de Tóquio (pelos deuses, isso ainda é para o próximo ano!)Claro, também aquele momento em que Utahime vai cutucar Yuuji.
— Yuuji-kun , no entanto, tem uma péssima frequência escolar. Não ensino a classe dele, mas os professores têm reclamado que suas notas estão caindo, se continuar nesse ritmo, será difícil entrar na universidade. — Seu tom é falsamente preocupado, o sorriso em seus lábios pintados de vermelho é quase malicioso. As meninas se perguntam como ela consegue enganar a todos tão facilmente (eles são burros, por acaso? É meio óbvio que ela pouco se preocupa com o Yuuji.) — Deveriam tentar conversar com ele, Jin-san, Toji-san, afinal, é do futuro dele que estávamos falando. Vocês sabem como a vida de um omega é difícil, principalmente um sem formação acadêmica. — Completou, tomando um gole de suco.
Nanako quer dizer que existem muitos ômegas donos do próprio negócio que não tem um curso superior, mas isso colocaria em discussão sua posição como ativista, feminista e apoiadora da ideologia de gênero, e Geto odiaria vê-la discutindo com adultos. Mimiko mastiga com mais força, não conseguindo esconder a raiva que ameaça transbordar pelos olhos.
Caramba, ela está praticamente humilhando o garoto na frente de todos. Essa conversa toda foi iniciada com esse propósito, na verdade, tem certeza disso.
— Oh, isso é verdade, Yuuji? — Jin pergunta inocentemente, virando o pescoço para encarar o filho. Yuuji está encostado na cadeira, sem postura nenhuma, seu prato tem apenas folhas de alface e abacaxi, nada do banquete delicioso servido, nem mesmo um suco.
— Minha palavra importa? — Ele devolveu a pergunta, arqueando a sobrancelha, enquanto olha com desinteresse para o pai. — Temo que mesmo dizendo a verdade, as palavras de Utahime-san sejam mais relevantes que a do seu filho bastado. — Continuou, ele não foi venoso, nem exalou o cinismo. Muito pelo contrário, ele falou como se isso fosse apenas um fato verídico, nada de importante, e realmente não se importa com o que pensam dele ou se acreditam em suas palavras. Ele está despreocupado.
— Yuuji, hoje não. Comporte-se. — Sukuna o repreendeu, lançando um olhar assassino que faria qualquer pessoa tremer das cabeça aos pés. — E quem acreditaria em um punk como você, hein? Deveria ouvir mais os adultos, Utahime-san só está preocupada com você. — O garoto encarou Sukuna por alguns segundos, antes de dar de ombros e continuar com a mesma expressão vazia de antes.
— Vamos mudar de assunto pessoal, hoje é para ser um dia feliz! — Conte com Gojo para levar o clima tenso embora, ele gritou animado, levantando a taça cheia de vinha e rapidamente a atenção voou para ele e suas palhaçadas.
Nanako, entretanto, permaneceu observando o menino silenciosamente. Vez ou outra ele pegou o celular em mãos e digitou, outras vezes parecia apenas vagando pela internet, apesar da pouca comida no prato, ele não comeu nada e trocou palavras apenas com Wasaki, que parecia preocupado com a falta de apetite do neto. Também notou os olhares apreensivos de Jin para o filho, ou de toda família Itadori-Fushiguro que foram jogados sobre ele discretamente.
Diferente de todos que estão vestidos adequadamente para a ocasião, (no caso de Utahime, exagerado demais), Yuuji tem um moletom amarelo desbotado que parece ser três vezes maior que o seu corpo, um boné vermelho também desbotado virada para trás, calça moletom preta folgada e tênis vermelho que já viu dias melhores. Há olheiras escuras, muito escuras, debaixo dos seus olhos cor de ouro derretido, e o cabelo escondido pelo boné vai até abaixo do ombro e está preso em uma trança mal feita. Sua pele bronzeada parece pálida demais para ser considerada saudável, e há vários piercing em ambos os ouvidos.
A expressão vazia não sai do seu rosto em nenhum momento, nem mesmo quando batem parabéns para Jin e dão abraços nele, (Yuuji permanece no canto da parede) ele parecia terrivelmente entediado com tudo o que estava acontecendo. Não esboçou nenhum pingo de emoção, nem chegou perto de Jin em algum momento.
No fim da noite, quando todos estavam de estômago cheio, cansados da diversão e apenas conversando entre si no meio da sala. As meninas saíram para respirar um pouco (longe de toda toxicidade de Mai e Utahime), quando estavam voltando, Nanako e Mimiko ouviram uma voz irritada falando baixo (ou pelo menos tentando).
— Hoje é o aniversário do nosso pai, você poderia pelo menos parar de agir como uma criança mimada e ficar feliz por ele. — isso chamou a atenção delas, que pararam imediatamente onde estavam e prenderam a respiração. Esse é o Sukuna? Sim, não há ninguém com a voz tão grave e selvagem quanto a dele por aqui.
— Não pedi para está aqui. — A voz suave e melódica falou, ainda sem expressar nenhuma emoção, tudo no garoto é tão vazio e inexpressivo que é doloroso de ouvir ou ver. É cheio de solidão.
— Não, mas você está, e é aniversário do Jin, sabe o quanto ele estava animado com sua presença? E você vem para que? Apenas para ficar com essa cara de merda o tempo inteiro? Você vai entrar lá e vai abrir um sorriso, dá um abraço nele e dá os parabéns, depois vai subir e dormir… — Mimiko e Nanako olham uma para a outra, piscando o olho. Sukuna é agressivo, sim, mas ele dificilmente é assim com a própria família.
— Não vou parabenizá-lo por hoje, se estou aqui é porque sou obrigado, e não, eu não vou abrir um sorriso idiota para seus amigos idiotas. — O Garoto disse, as meninas até podem vê-lo encolhendo os ombros e escondendo as mãos nos bolsos da calça folgada. — Ele já recebeu sorrisos e abraços o suficiente, sua família está feliz, então eu estou indo embora. — O que?? As meninas outra vez trocaram olhares perplexos.
"Sua família?" Ora, mas ele é filho de Jin. Porque a palavra "Sua" saiu tão repulsivamente do garoto que até agora não expressou nada além de indiferença?
— Embora?! Você ficou louco? Combinamos com a mãe que você passaria o final de semana aqui. Conosco. Iremos a praia e… — Sukuna é interrompido no meio da frase.
— Exatamente, combinaram com a Kaori-san, não comigo, eu tenho planos para o final de semana e não posso adiá-los. Agora me solta, está me machucando. — E mais uma vez, ele não usou a palavra "mãe" para se referir a Kaori, ex-esposa de Jin.
— Pirralho… — Antes que Sukuna pudesse continuar, a voz rouca de Wasaki fez-se ouvida.
— Sukuna, o que pensa que está fazendo? Solte-o, está machucando-o. — O velho esbravejou, passos foram ouvidos, e então um pouco de silêncio. — Vocês são irmãos, não deveriam brigar desse jeito! — Exclamou, e soltou um suspiro cansado.
— Sim, tem razão, vovó. Desculpe, acho que irritei Sukuna-san ao dizer que não vou passar a noite. — O garoto disse, despreocupadamente.
— O que?! — E aparentemente, o velho Wasaki também não gostou da informação.
— Não tem um quarto para mim, de qualquer maneira, vocês o deram para Megumi-kun, lembram? Devo passar o final de semana no sofá? Minhas costas não iriam aguentar. — É tudo tão desprovido de emoção que chega a ser perturbador. Ele parece um Android de alta tecnologia criado por Bill Gates. — Estou indo, não quero perder o último trem. — Finalizou, provavelmente dando as costas para os dois adultos.
— Essa sempre será sua casa, Yuuji… — Ouviram Sukuna falar, dessa vez, suavemente, quase dolorosamente.
— Não, ela não é mais. Ela é a casa de Megumi e Toji agora. — E então, as meninas voltaram para a sala, perturbadas pela conversa estranha que ouviram.
Qual o problema do garoto com os Fushiguro?
E porque ele é tão inexpressivo, triste e vazio?
Não é um assunto que diga respeito a mais alguém além da família Itadori-Fushiguro, mas aparentemente, eles não são tão perfeitos quanto imaginado inicialmente.
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Quatro anos atrás
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'Nunca poderíamos tê-lo feito ficar quando você nunca esteve aqui inicialmente.'
'Sinto muito, minha Atlântida, eu não pude nos salvar.'
— Você sabe que não pode exigir respeito de mim quando traiu minha mãe com esse vagabundo. — Gritou indignado, o rosto vermelho de raiva e olhos de ouro derretido brilhando de ódio. Jin respirou fundo, apertando as mãos no lado do corpo, sua paciência está se esvaindo a cada insulto direcionado não apenas a ele, mas ao seu companheiro de alma.
Seus filhos tem todo direito se ficarem bravos com o divórcio repentino, principalmente Yuuji, já esperava por uma reação explosiva como essa, crianças têm acessos de raiva o tempo todo. Mas já faz dez meses e ele ainda não mostra o mínimo de respeito a Toji e seus filhos, que agora são filhos de Jin e irmãos de Yuuji.
Não. Na verdade, ele ficou cada vez mais agressivo, e piorou ainda mais quando decidiram dividir o quarto dele com Megumi. Pensou que seria uma boa ideia, ambos são ômegas e têm a mesma idade, seria uma ótima forma de se aproximarem. Entretanto, isso não foi bem recebido por Yuuji, o que os leva a essa discussão calorosa de agora.
Gostaria que Toji e as crianças não estivesse em casa, assim não se sentiriam ofendidos pelas palavras duras e xingamentos de Yuuji, (agradece que Toji seja tão paciente com o garoto e Megumi e Tsumiki almas suaves, caso contrário, a confusão seria ainda maior.) Infelizmente, essa discussão começou logo durante o jantar, quando todos sentados à mesa.
— Yuuji, abaixe seu tom de voz ao falar comigo, eu sou seu pai e exijo respeito… — Foi interrompido por uma risada desdenhosa e irônica, as palavras que ouviu em seguida cortaram mais profundamente que o corte de mil facadas.
— Exige respeito? Olha, sem querer ofender, mas você traiu minha mãe com esse vagabundo aí, como uma cadela no cio faria, e exige respeito? Você não merece o mínimo de respeito, Jin. — Gostaria, realmente gostaria de ter se acalmado e controlando os impulsos, mas quando viu, já tinha atingido o rosto do seu filho com o punho e o derrubado no chão.
Vergonha, raiva e preocupação encheram seu coração quando percebeu o que fez.
— Yuuji, querido eu… desculpe, papai não queria… — Correu para ajudar o menino levantar, mas ele se afastou bruscamente. Jin engoliu as lágrimas, a sala de jantar ficou completamente silenciosa, e então Yuuji riu.
Ele riu. Gargalhou alto, mesmo quando cuspiu sangue no chão limpo de madeira, e então finalmente se recompôs e colocou-se de pé sozinho, levantando o rosto para que todos pudessem ver o vermelho grande na bochecha e o corte que rasga o lábio superior e inferior.
— Bem, aparentemente ele estava certo. — Yuuji comentou, um olhar melancólico passando brevemente pelos seus olhos dourados. Ele escondeu as mãos no bolso da calça e encolheu os ombros, fazendo uma expressão de conformidades. — Você destruiu nossa família porque não conseguiu manter as pernas fechadas. Espero que eles te façam feliz, e te dê tudo o que mamãe não pode. Eu só gostaria que você tivesse pensando um pouco em como eu iria me sentir sobre isso, mas claramente, uma alma gêmea é mais importante que um filho. — Não há lágrimas nos olhos de Yuuji ao dizer isso, ele parece distante. Jin tenta negar, balançando a cabeça para os lados, mas não tem chance de dizer nada.
— Seja feliz com sua nova família, Jin. — E ele sorriu, seus dentes estavam cheios de sangue. — Não chore, você fez a sua escolha. E há, não fique preocupado porque me deu um soco, é isso que os alfas fazem quando ficam irritados com ômegas desconhecidos, ou com qualquer pessoa. Certo? Realmente não dói, existem dores piores que essa. — Dores piores. Ele não formula melhor, mas o implícito fica explícito de qualquer maneira.
Contrariando todas as emoções confusas que se passam na cabeça de Jin, ele não consegue correr e alcançar seu bebê, não sobe as escadas e tenta impedi-lo de fazer as malas, ele apenas se ajoelha no chão, diante da poça de sangue que arrancou do seu bebê e chora copiosamente. Braços quentes e reconfortantes o envolvem em algum momento, e Jin chora com ainda mais força.
Quando Yuuji desce as escadas, sua bochecha parece inchada e a cor roxa está assumindo a coloração vermelha, o sangue parece ainda pior, manchando a camisa cor laranja que ele veste. Choso o segura pelos ombros e fala coisas que Jin não consegue escutar, assim como Wasaki e Sukuna, a comoção é muito grande, há gritos e risadas sem humor, então depois de um longo tempo, a porta se fecha em um estrondo que ameaça derrubar as paredes da casa, e o silêncio volta. Com apenas os soluços de Jin sendo ouvidos.
Wasaki solta um longo suspiro, ele lança um olhar lamentável para o filho e o novo genro, mas não diz nada, escolhendo se recolher no jardim dos fundos e fumar seu cachimbo enquanto folheia o jornal diário.
A partir desse dia, as coisas mudaram na família Itadori-Fushiguro.
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Sete anos atrás
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Atualmente a casa está vazia, sem barulho e luzes ligadas, não há nenhum vestígios de bagunça na sala, brinquedos espalhados ou panelas sujas, muitos sapatos no hall de entrada ou cheiro de tabaco no jardim dos fundos. Essa não é a casa na qual cresceu rodeado de barulho e irmãos amorosos, um avô carrancudo, pai atencioso e mãe divertida, mas deve se acostumar com ela, pois será seu novo lar de agora em diante.
Não tem muitos cômodos, são apenas três quartos, uma pequena sala de estar que é compartilhada com a sala de jantar, uma cozinha completa (ainda pequena) , dois banheiros, uma lavanderia e um pequeno quintal nos fundos. A luz de alguns cômodos está queimada, e há problemas com a encanação de água e algumas infiltrações nos quartos.
Mamãe está fazendo o melhor que pode, ela é apenas uma enfermeira que até meio ano atrás trabalhava em período semi integral, dedicando a maior parte do tempo a educação dos filhos e aos serviços domésticos. Essa casa é velha e feia, mas é o que pode ter no momento, então não está reclamando.
Também é a casa da família da mamãe, onde ela cresceu com o tio Kenjaku e fez boas lembranças (ou pelo menos é o que prefere acreditar), de alguma forma, esse lugar se sente solitário e escuro. Não há nenhum senso de pertencimento aqui, mesmo após quase um ano dormindo no quarto do segundo piso e usando a cozinha e banheiro regularmente, é tudo muito estranho. Ainda está lutando para se ajustar.
Em algumas noites, sonha que todos estão reunidos na mesa para o almoço de domingo. O vovô estará implicando com a falta de boas maneiras de Yuuji, dando cascudos em sua cabeça sempre que agir de maneira inapropriada. Choso irá aceitar silenciosamente o contrabando de legumes em seu prato, e Sukuna irá roubar doces no final do dia e irão comer escondidos no parque perto de casa. Mamãe irá dar-lhe um banho quente e vestir pijamas e meias fofinhas em seu corpo, e papai contará uma estória legal na hora de dormir.
Quando acorda está sozinho, em uma casa fria e vazia, sem nenhum barulho ou corpo quente para correr e se aconchegar depois de um pesadelo.
Mas quem está tentando enganar? Faz anos que esses momentos não acontecem. São apenas lembranças nas quais se apega inutilmente, na esperança de manter o coração aquecido. Não aquece nada, na verdade, só o machuca ainda mais.
Em algum determinado momento, papai não estava nos almoços de domingos, nem contava histórias no final da noite. Vovó Wasaki viria em seu lugar, pois papai estava fazendo hora extra no trabalho, ou Choso ficaria no lugar do vovô. Em algum momento, Sukuna não roubou mais doces e comeram escondidos no parque, nem havia risos pela casa após a chegada da escola.
Ao invés disso, sempre que papai estava em casa, todos estavam em silêncio, e então, mamãe estava trancando no banheiro chorando enquanto fingia tomar banho. Ela teria olhos vermelhos pela manhã e um sorriso forçado, sua comida não era mais tão boa quanto antes, e os banhos quentes, foram esquecidos. Yuuji aprendeu a fazê-los sozinhos, mas não era a mesma coisa. Nunca foi.
Demorou pouco tempo para os gritos começarem, ele tinha chegado da escola e estava ansioso para mostrar o teste de matemática (em que milagrosamente se saiu bem, graças às aulas extras com o vovô.) Sua felicidade, entretanto, foi ofuscada pelo papai gritando com a mamãe e quase esfregando o dedo no rosto dela. A sala estava uma bagunça, mamãe tinha lágrimas nos olhos, e a dor em sua voz era perceptível.
Yuuji sentiu que nada seria como antes depois daquilo.
Ele tentou. Ele realmente tentou ajudar.
Ele pediu ao papai para chegar mais cedo do trabalho, disse que estava com saudades de jantar todos juntos e das histórias antes de dormir (por que, apesar de amar o vovô e Choso, o papai é mais divertido quando conta uma história) Papai atendeu esse pedido, mas sempre brigava com a mamãe durante o jantar, e então ninguém comia junto.
Sukuna preferia ficar no quarto, Choso fazia questão de voltar o mais tarde possível do cursinho escolar, e o vovô… bem, o vovô cobria os ouvidos de Yuuji e levava para comer no jardim dos fundos. Depois de uma semana, papai não voltou mais.
Para fazer a mamãe sorrir novamente, Yuuji se esforçou na escola e tirou as melhores notas, ele fez desenhos bonitos e desenhou sua família reunida no almoço do domingo e colocou na geladeira (não adiantou muito, Sukuna arrancou o desenho minutos depois). Yuuji também se ofereceu para ajudar a mamãe na cozinha, e em qualquer outra atividade doméstica, às vezes conseguia arrancar um sorriso suave e verdadeiro dela, mas na maioria das vezes isso não acontecia.
Ele se esforçou, ele fez o melhor que pode. Até entrou em um grupo musical da igreja a fim de aprender a tocar algum instrumento. Seus dedos doíam, mas ele continuou, ainda assim, papai não estava sentado ao lado da mamãe e do vovô quando ele fez sua primeira apresentação em grupo.
Papai não estava na escola no dia dos pais, enquanto Yuuji construiu uma casinha de madeira para ele. A casa da sua família. Sim, o sensei ajudou, mas Yuuji fez a maior parte, e isso realmente surpreendeu os professores. Eles o elogiaram, dizendo sobre como o pequeno Itadori é inteligente e talentoso, que será um grande arquiteto ou engenheiro um dia, e que sua família ficará muito orgulhosa.
No fim, vovó ganhou o presente, e levou Yuuji para tomar sorvete depois da escola, enquanto tentava fazê-lo conter as lágrimas. Papai estava fazendo hora extra, como sempre.
Os anos se passaram, e cada vez mais a família iria se afastando. Mamãe não sorriu mais. Papai sempre estava fora e quando voltava gritava e brigava com mamãe. O vovô era a única figura constante na vida de Yuuji naquele ponto, nem mesmo Sukuna e Choso estavam por perto.
Não tinha amigos na escola, todos o evitavam por algum motivo desconhecido. Então depois da escola iria diretamente para a igreja praticar aula de canto e o instrumento que escolheu (violão), chegava em casa por volta das cinco da tarde, estudava matemática com o vovô e ajudava no jantar.
A mesa sempre estava vazia, era somente vovó, mamãe e Yuuji. Não tinha nenhum calor nisso.
No meio da noite, quando acordava de algum pesadelo e fugia para o quarto dos pais, encontrava a mamãe chorando por causa dos próprios pesadelos. Subiria lentamente na cama e abraçaria-a até dormir, nunca falavam sobre isso depois.
Meses depois, uma semana após o aniversário solitário de Yuuji, onde apenas o vovô e a mamãe estavam, todos se reuniram à mesa de jantar e a notícia que papai e mamãe não estavam mais morando juntos a partir daquele dia foi dada a todos da maneira mais gentil possível.
De que adianta gentileza? Eles quebraram o coração de Yuuji de qualquer maneira. Sukuna, com sua atitude delinquente e despreocupada, disse que estava na hora, Choso ficou em silêncio assim como o vovô.
— Por que? — Foi tudo o que Yuuji perguntou, lágrimas presas nos olhos, a atenção de todos se voltaram para ele. Papai respirou fundo, falando desajeitadamente.
— Papai e mamãe… não se amam mais. Às vezes, isso acontece, eu sei que é difícil de entender, mas quando acontece, é melhor seguir caminhos separados do que continuar se machucando. — Explicou pacientemente, com aquela voz calma e carinhosa de sempre, no entanto, Yuuji não conseguiu se apegar a essas palavras.
— O que faz o amor acabar? — Perguntou, sentindo as lágrimas grossas deslizarem pela bochecha. Ao invés de Jin responder, Kaori tomou a frente, sempre sendo tão direta e firme, mais ainda gentil e amável.
— Meu amorzinho, papai e mamãe se amam, mas o papai está destinado a ficar como alguém diferente, alguém que o fará realmente feliz. O amor não acabou realmente, ele apenas… ficou menos intenso. Adultos têm problemas, um dia, você vai entender o que queremos dizer, prometo que quando chegar a hora, irei explicar tudo. — Alguém que o fará feliz. Papai não estava feliz com a mamãe, Yuuji percebeu, então ele a fez sofrer e fez todos sofrerem por causa disso.
Adultos têm problemas? Eles não pensam que as crianças também têm problemas?
— Você entende a mamãe, Amorzinho? — Mamãe perguntou, ela forçou um sorriso nos lábios, Yuuji não forçou mais perguntas, ele viu o bastante para saber que a mamãe está segurando o choro e tentando ser forte.
Será forte por ela.
— Sim, mamãe. — Concordou.
Naquela noite, Yuuji não dormiu. Ele encarou o teto o tempo inteiro, contou carneiros, rabiscou o papel do caderno de desenho e olhou para as estrelas. O aperto no peito não foi embora, mas as lágrimas também não vieram. Ele se sentiu extremamente sozinho.
Todos estavam em casa, mas ainda assim, sentia que eles estavam tão distantes.
Na manhã seguinte mamãe estava com duas malas grandes e um sorriso amarelo no rosto, ela abraçou e beijou todos os três filhos, deu um abraço apertado no vovô e um aceno de cabeça para Jin. Yuuji não a deixou passar pelo portão, ele correu e abraçou sua cintura e implorou para ir embora com ela.
Ficar com papai não parecia certo quando ele tinha Choso, Sukuna e o vovô e a mamãe estaria sozinha. Assim, passaram-se duas horas para Yuuji fazer as malas e viajar até a casa do Tio Kenjaku.
Como toda mudança, o início foi difícil, mas habituou-se rapidamente a uma nova escola (ninguém falava com ele ainda, e estava tudo bem, nunca teve amigos de qualquer maneira) encontrou uma nova igreja, onde continuou as aulas de violão e canto. A maior diferença? Sem ajuda nos deveres de casa. Estava sozinho e sem supervisão a maior parte do tempo, tinha acesso ilimitado a internet e a tv, assim como a geladeira.
Era legal no início, mas sempre estava se sentindo tão sozinho. Limparam a casa de infância da mamãe e mudaram-se para ela em duas semanas, os reparos seriam feitos com o passar dos meses, não tinham dinheiro o suficiente para fazer tudo de uma única vez.
Passava o final de semana com o papai e o vovô, nunca estava feliz lá, mas se sentia satisfeito em revisar os conteúdos de matemática com o vovô e jogar Shoji com ele. Dispensou as histórias de dormir que o papai se ofereceu para ler, não era mais uma criança e sabia se virar sozinho. Finais felizes não existem, aprendeu isso muito cedo, o amor não dura para sempre.
Dois meses depois o papai trouxe uma família de três pessoas para a mesa no almoço de domingo e anunciou que estão namorando. Choso aceitou tudo naturalmente, como o adulto responsável que é. Sukuna não poderia estar mais feliz, uma vez que o ômega pequeno de cabelo espetado mostrou-se ser sua alma gêmea, e o vovô apenas acenou, resmungando algo aqui e ali. O namorado do papai é alto, enorme, na verdade, constituído de puro músculo e tem cara de criminoso.
Intimidante. Yuuji pensou, assistindo a tudo silenciosamente. Não fez questão de conversar com nenhum deles, e ignorou qualquer tentativa de simpatia, ficando colado ao vovô o dia inteiro, até finalmente voltar para casa.
Mamãe estava trabalhando mesmo que fosse domingo, ela precisava de todas as horas extras possíveis para pagar as contas e reformas da casa. Pela madrugada, Yuuji costumava levantar e cobri-la com um cobertor,( já que ela dormia no sofá) e acordava cedo para fazer o café da manhã antes de ir para a escola.
Essa rotina se estendeu por meses e meses, e enquanto papai estava cada vez mais feliz com sua nova família, mamãe estava trabalhando até tarde, chorando pela madrugada e esquecendo de comer. Tio Kenjaku veio visitá-los quase todos os dias, ele gritou com Kaori e mandou-a se recompor, às vezes arrastava Yuuji para sua casa e o alimentava com comida caseira e banhos quentes.
Tio Kenjaku não era necessariamente simpático e amável, ele tem um trabalho estranho, uma floricultura no bairro residencial de Shinjuku, é um homem de poucas palavras e olhar severo. De qualquer maneira, foi ele quem enxugou as lágrimas de Yuuji e o abraçou, que o protegeu da mamãe quando ela ficava louca e tentava matá-lo.
Ela dizia que Jin a trocou depois que Yuujij nasceu, um ômega recessivo e ainda por cima masculino. Uma criatura sem valor. Ela xingou-o, bateu nele e o mandou para o hospital várias vezes. Yuuji sempre a perdoou, mamãe estava machucada e precisava de ajuda. Só isso.
Mais meses passaram, e Jin e Toji (aprendeu ser o nome do homem assustador) disseram que iam morar juntos, como uma grande família. Claro, Sukuna vibrou de felicidade. Mas essa notícia não mudou muito na vida de Yuuji. Ele continuaria em Shinjuku com a mamãe e o Tio Kenjaku, e Jin seria feliz com sua família.
E realmente, nada mudou. Talvez, tenha parado de ir todos os finais de semana para casa do papai, às vezes mamãe batia muito forte e seu corpo doía demais para conseguir pegar o trem a tempo. Às vezes estava muito cansado. Às vezes estavam ajudando o tio na loja. Às vezes não queria ir. E assim foi procurando mais e mais motivos para não ir visitá-los.
Aprendeu posteriormente a verdade sobre a traição do papai, que ele estava traindo a mãe durante três anos com esse alfa dominante, Toji, e por isso não ia para casa. Estava contando história para Megumi, o ômega dominante que é filho de Toji e companheiro de Sukuna. Estava indo a suas apresentações escolares, enquanto negligenciava o próprio filho.
Depois de saber disso, Yuuji exigiu a verdade do papai, e quando ele admitiu, seu ódio cresceu incontrolavelmente. As brigas começaram, e por mais que Jin tentasse explicar e fazer as pazes com Yuuji, nunca teve a chance.
Os meses passaram, que se transformaram em anos, a mamãe melhorou com os remédios e tentou ser como antes (Yuuji entendeu que ela estava se esforçando, mas não fez nada para ajudá-la dessa vez.) Ele entendeu que nunca seriam como antes. Não poderiam. Passaram por muitas coisas, e alguns reinos não podem ser reconstruídos.
Como Atlântida. O mar engoliu a cidade e as pessoas que estavam nela, o mesmo aconteceu com sua família. Mesmo se a maré abaixar, a cidade já terá sido tomada pelas algas marinhas e peixes. Uma nova espécie chegou e fez morada, e não há nada que possa fazer sobre isso.
Escreveu sobre como se sentia no caderno de história durante a aula, e quando chegou na casa vazia na qual mora, tomou o violão em mãos e criou uma melodia para a letra. Ficou legal. Esse passou a ser seu jeito de escapar da realidade e desabafar sobre o que sentia, foi libertador, e quando descobriu sobre o YouTube e Instagram foi melhor ainda. As pessoas gostavam das suas músicas, elas pediram por mais, elas adoraram quando conversavam e o achavam engraçado.
Elas diziam que o amavam. Yuuji sentiu-se querido pela primeira vez em muito tempo. Quando tio Kenjaku descobriu sobre seu Hobby, ficou feliz e orgulhoso, e disse que precisavam investir nisso. Ele estava disposto a gastar dinheiro levantando-o em uma gravadora, então Yuuji aceitou e seguiu o fluxo.
Manter a identidade secreta foi a única exigência que fez. Se sentia outra pessoa quando colocava a máscara de gato e estava na frente das câmeras, claro, esse sentimento foi diminuindo ao longo dos anos e a máscara serviu para manter a privacidade. De qualquer maneira, Kaori (deixou de chamá-lo de mãe, considerando que o título não era merecido.) Jamais permitiria que seu filho falasse sobre os próprios sentimentos para um milhão de pessoas e Jin com certeza ficaria envergonhado quando soubesse o quanto seus atos renderam inspiração para Yuuji compor.
Atos pouco recomendáveis para um pai. Digo, não traia sua esposa e negligencie seus filhos, isso pode fazê-los sentir insuficientes e abandonados. Foi assim que Yuuji se sentiu durante anos, embora, acredite que Sukuna e Choso nunca sentiram-se assim.
Bom para eles. Certo?
Tirou o tênis dos pés, largando-os no hall de entrada vazio e sem acender as luzes, caminhou cambaleando até o banheiro e finalmente ligou a luz, encarando o sangue seco manchando todo o rosto. Mahito diz que fica bem de vermelho, então ele bate forte, assim as marcas dos seus dedos ficam bonitas na pele levemente bronzeada. Continuou olhando-se debilmente no espelho, até criar coragem para ligar a torneira e lavar-se
O sabor agridoce enche seus lábios, não se importa, como disse antes, existem dores piores que essa. O Mahito o machuca mais. A dor não é realmente um incômodo a essa altura. Passou uma pomada assim que terminou a lavagem e subiu para o quarto, trocando o moletom sujo por uma camisa leve e jogou-se na cama, encarando o teto descascado.
Em três semanas estará completando treze anos de idade, e contabilizando quatro anos que não tem uma festa animada, cheia de risos e bolos de chocolate delicioso.
Sim, a Atlântida caiu.
Caiu para sempre.
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Killer Cat.
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É assim que as multidões o conhecem. Por que escolheu esse nome artístico? Bem, admite que não foi sua criação mais genial. No momento em que digitou esse codinome, fez isso apenas porque não queria criar uma conta pública no YouTube onde estaria colocando seu nome de batismo, se a ideia era permanecer escondido, expor o nome era idiotice.
Mas é claro, acabou encontrando um significado para esse nome estúpido, era necessário fazê-lo, uma vez que todos os jornalistas batiam nessa tecla, até mesmo os fãs. Eles mereciam uma explicação, e não queria parecer desleixado, então só inventou algo.
Primeiro, gato. Adora gatinhos, e viu muitas músicas americanas onde as artistas se referem a si mesmas como gatinhas, ou cantores masculinos usam esse nome para se referir a elas. Gatinhos são fofinhos, depois de domados ficam dóceis, são pequenos e bons de apertar. Yuuji os adora.
Segundo, Killer. Existe um filme chamado Killer Bean, e a protagonista é realmente uma ômega e tanto. Em parte por essa admiração pelo filme, e em parte porque Yuuji se sente como um assassino quando escreve canções, em cada estrofe ele está assassinando um sentimento e emoção inútil preso no seu coração.
Sim, está assassinando o coração de vários pervertidos também. Um gatinho assassino. Parece perfeito.
Tio Kenjaku não gostou do nome, (nenhuma novidade nisso) mas depois de muita insistência, e porque não havia mais como mudar (já que seu público no YouTube o conhecia assim, mudar depois de tanto tempo poderia deixá-los insatisfeitos). O nome artístico meia boca que criou em menos de um minuto ao fazer uma conta do YouTube, acabou tornando-se conhecido mundialmente.
O fato de cantar inglês não tem nada a ver com querer atingir um público maior ou esconder sua nacionalidade, foi só que sentiu mais facilidade em compor dessa maneira. Sempre foi bom em inglês, fez cursinho desde os três anos de idade e treina diariamente com Kaori, além dos filmes e livros nesse idioma que consumia.
Inglês é mais fácil que japonês, de qualquer maneira.
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Três anos atrás
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Aos quatorze anos de idade, beirando os quinze, Yuuji tinha feito apenas um amigo (Yoshino Junpei) um colega de classe que também era vítima de bullying. Eles rapidamente se aproximaram, ajudou muito que Junpei também estivesse sozinho, apenas ele e a mãe, nunca tendo conhecido o pai. (Yuuji o invejou, seria preferível nunca ter conhecido Jin.) Eles fugiram dos valentões juntos, brincaram, riram e estudaram.
Era praticamente impossível encontrá-los separados.
Yuuji estava melhorando, realmente melhorando, ele não sentia mais tanto ódio de Jin e sua nova família, mas também não simpatizava com eles. Mahito continuava atormentando-o, mas contanto que deixasse-o fazer o que quisesse, ele não iria ser mau.
Na verdade, Mahito é uma figura constante em sua vida desde que mamãe começou no hospital regional. Tem a impressão de que ele não iria embora sem que o ameaçasse de morte, é assustador. Às vezes quando está caminhando sozinho pela calçada, tem sensação de estar sendo observado, e então, misteriosamente surgem fotos dele mesmo andando na rua, com legendas que dizem o quanto ele está bonito e apetitoso.
Mahito, no entanto, nunca fez nada que não fosse permitido. Quando mamãe o batia ou sufocava até a inconsciência, era Mahito quem o pegava nos braços e o colocava na cama, fazia mingau quente e o alimentava na boca. Sim, houve momentos em que teve a bunda espancada e tapas no rosto, mas Yuuji entende que as vezes passa dos limites. Está tudo bem. Mahito não é uma má pessoa.
Ou é disso que tenta se convencer todos os dias, a cada frase esquisita, a cada foto, e a cada toque desconfortável. Mahito está fazendo o papel de pai que Jin largou antes mesmo de pedir o divórcio, deveria ser grato e não criar ideias mirabolantes na cabeça.
Tenta não pensar nele quando está em público, ainda não consegue esconder a expressão fácil ao fazê-lo, é uma mistura de nojo e medo, (segundo Junpei) e a última coisa que precisa é alguém perguntando qual o problema. Principalmente na casa de Jin, onde todos são intrometidos e aparentemente não conseguem manter seus olhos em si mesmos.
Hoje é um daqueles almoços em família, não o almoço em família que existia antes, com a família original, esses são os substitutos (aparentemente, mais bonitos e competentes.) Dificilmente comparece aqui, deve fazer meses que não os visita, e quando o faz, passa somente a tarde de sexta-feira porque sabe que apenas o vovô estará em casa. Troca somente o diálogo necessário com qualquer um que não seja Wasaki, principalmente com os Fushiguro.
Mas, em alguns casos é obrigado a comparecer (Lê-se, Kaori o ameaça jogá-lo para fora de casa) bem, ela poderia fazer e realmente não daria a mínima, tem dinheiro o suficiente para comprar vinte mil casinhas daquela. Mas é um segredo entre Tio Kenjaku e Junpei, mas ninguém além deles precisam saber. Por esse motivo, deixa que ela o force a fazer coisas desagradáveis.
Desde que os Fushiguro chegaram, mais e mais pessoas têm se juntado ao almoço de família, amigos de Sukuna, a namorada de Choso e amigos de Toji e seus filhos. Não fazem diferença, Yuuji ignora todos de qualquer maneira.
Ele só não sabia que teria o coração partido (mais uma vez) naquele domingo de verão. Estava calor, então o almoço aconteceu do lado de fora, a antiga mesa foi substituída por uma nova muito maior, cabe todos os convidados e mais alguns que aparecem de surpresa. O cheiro de comida é delicioso, mas Yuuji sabe que vai engolir apenas salada.
Tio Kenjaku insistiu que fizesse algum esporte, do tipo que envolvesse alguma dança, e acabou matriculando-o em uma academia de Pole Dance. Até que é legal, mas o treinador insiste que Yuuji tem a bunda muito gorda e deve emagrecer alguns quilos, também está fazendo aulas de dança contemporânea e intensificando os vocais na aula de canto.
Tem estado tão ocupado que manter as notas altas e uma boa frequência é um desafio, às vezes se pega perguntando onde está o garoto promissor que seria arquiteto ou engenheiro, um gênio de sete anos e quando se tornou tão burro, com dificuldade para resolver até mesmo uma simples operação básica de matemática. Jura que tem se esforçado, mas as palavras dos professores parecem está em mandarim, e quando chegam ao cérebro, as esquece minutos depois.
São tempos difíceis. Junpei diz que precisa de um terapeuta, mas o tio Kenjaku disse que eles não tem espaço para isso na agenda. Se sente tão cansado, só queria fechar os olhos e voltar a época em que tudo era fácil e feliz.
Por que não inventaram uma máquina do tempo ainda?
O que faria se pudesse voltar no tempo? Acha que tentaria fazer com que Kaori e Jin nunca se encontrassem, assim não teria nascido, e eles não estariam tão presos em seus problemas de adulto a ponto de esquecerem que crianças também têm problemas. Recentemente, pensamentos como esse vagam pela sua mente libertinamente.
Pensa em como tudo seria se não tivesse nascido, ou se simplesmente se jogasse da ponte de uma represa, trem ou carro em alta velocidade. Se pergunta se a morte seria dolorosa, ainda estaria sendo perseguido por Mahito? Ele iria invadir seu quarto e cama no meio da noite? Iria pedir abraços quentes e beijos na bochecha? Passar suas grandes mãos entre as pernas de Yuuji e chupar seus peitos?
Ficaria agressivo se dissesse não e o espancaria se fosse malvado? Acredita que não. Mamãe também não teria acessos de raiva de uma hora para outra e espancaria-o violentamente, nem colocaria suas mãos em volta do pescoço e cortaria seu suprimento de ar.
Melhor ainda, não precisaria ser forçado a assistir Jin e sua família feliz. Ficaria em paz.
Mas então, o que conheceria com seus fãs? E as músicas que ainda não escreveu, e os shows e danças que tem ensaiado incansavelmente, como tio Kenjaku iria ficar? Decepcionado, sem sombras de dúvidas.
— Você está distraído. — Vovô sentenciou, mais uma vez vencendo-o no Shoji. Ninguém da família consegue vence-lo além de Yuuji, mas isso é de quando ele era inteligente e não uma estudante burro que precisa contar nos dedos quanto é vinte cinco dividido para dez.
Desviou os olhos do amontoado de pessoas, o homem alto de cabelo branco espetado e o companheiro de cabelo negro longo prendem sua atenção mais que o necessário. Há algo de diferente sobre eles. Mas sobretudo, Yuuji sente o peito doer.
Existem dias que a dor fica insuportável, não consegue chorar abertamente como antes, não há vista de pessoas, e o oxigênio foge dos pulmões. É sufocante. Nesses casos, deve ligar para Junpei ou Tio, nem sempre funciona, às vezes se machucar ajuda-o a se acalmar. Às vezes não é o suficiente.
Escrever melhora. As músicas levam embora qualquer medo e apreensão, a melodia das cordas do violão o puxa de volta a realidade. A dor ainda é um sentimento constante, ela se acalma um pouco quando Mahito visita-o no quarto. Suas visitas não são legais, mas pelo menos, Yuuji não está sozinho.
— Desculpe, acho que dormi mal. — Não é mentira, faz anos que não dorme tranquilamente, sem pesadelos e sem medo de ser acordado por Mahito ou uma Kaori furiosa. Dormir é uma dádiva, e é uma dádiva que os deuses desviaram do seu caminho.
— Eu vejo. — vovô aceita facilmente a desculpa, embora seus velhos olhos astutos digam que sabem exatamente o que Yuuji tenta esconder. — Por que não vai à cozinha pegar um chá para seu velho, hum? Seu trem deve estar indo embora em poucos minutos. — Concordou, levantando do banco curto e indo em direção a cozinha.
Antes andava pelos corredores desta casa com tanta facilidade, hoje é como se estivesse invadindo algo que não é seu. Sente-se deslocado. Respirou fundo, verificando a hora no relógio do pulso.
Domingo é o único dia que tem uma folga, apesar da rotina cansativa que o Tio planejou, Yuuji não reclama. O que faria se não estivesse sempre tão ocupado e cansado? Os pensamentos intrusivos iriam ocupar ainda mais espaço e isso seria péssimo. Já na cozinha, pegou uma xícara de porcelana, sabe ser a favorita do vovô e encheu-a de chá, a água fumega na cor amarela.
O que aconteceria se jogasse-a sobre si mesmo? A queimadura iria doer? Ganharia uma cicatriz permanente?
Balança a cabeça para espantar esses pensamentos, no máximo o que ganharia seria uma queimadura de primeira grau e um sermão do vovô por ser tão descuidado. Assim que terminou de encher a xícara virou-se em direção a porta, pronto para ir embora, mas esbarra em um corpo grande e derrama o chá sob ele.
Piscou, sem reação, o homem é o mesmo de cabelo branco espetado e óculos redondos de sol, ele mede quase dois metros e é preciso esticar muito o pescoço para vê-lo corretamente.
— Você é minha alma gêmea. — Declarou, tentando conter as emoções borbulhantes no estômago.
Dizem que quando falar ou ficar na sua alma gêmea saberá exatamente que é ela quem o destino escolheu para você. Yuuji nunca entendeu bem esse conceito, muito menos buscou entender. Mas agora, parado diante de um homem (alfa dominante, pelo cheiro) gostaria de ter pesquisado melhor a respeito.
— Parece que sim, Yuuji-kun. — Ele abriu um sorriso pequeno, entortando a cabeça levemente, fazendo seus fios seguirem o movimento. Ele é bonito. Muito bonito. O homem mais bonito que Yuuji já viu, sem dúvidas.
Mas homens bonitos sempre partem seu coração. Já deveria saber disso.
Marcaram de se encontrar em uma cafeteria perto da estação de Shinjuku no dia seguinte. Tentou não ficar eufórico, disse a si mesmo que Mahito finalmente estava deixando-o em paz e a dor no peito iria embora de uma vez por todas.
Entretanto.
Gojo Satoru é um amigo próximo de Toji e consequentemente, Jin. Ele é 13 anos mais velho. Já tem um companheiro por quem é perdidamente apaixonado (Geto Suguru, que brilhantemente, também é alma gêmea de Yuuji) e tem uma família de duas meninas e um sobrinho recém adotado.
— Não estamos o rejeitando, Yuuji-kun, mas você é muito jovem. Por que não esperamos mais alguns anos? — Geto ofereceu amigavelmente, com Gojo acenando freneticamente ao seu lado.
— Poderíamos manter um relacionamento platônico até você atingir a maioridade e decidir se realmente nos quer romanticamente. — Gojo completou.
Yuuji tem quatorze anos mais não é um idiota. Ambos são alfas adultos que estão em uma relacionamento a anos, provavelmente desde o colégio, se a maneira como são próximos um do outro diz alguma coisa. Tem filhos e uma família.
Uma família feliz, assim como era a sua antes de Jin tornar-se uma cadela.
Gojo e Geto ficam bem juntos. O que estaria fazendo no meio deles? Atrapalhando-os, obviamente. Não quer ser um estorvo no sapato de ninguém, obrigado. Pondera sobre a questão, relacionamento platônico entre almas gêmeas? Sim, existem casos em que as pessoas simplesmente não se sentem atraídas romanticamente e são apenas bons amigos.
Existem casos em que as almas gêmeas são estúpidas e abusam do mais vulnerável. Existem casos saídos dos contos de fada, e existem raridades como essa na qual Yuuji está envolvido.
Não é incomum que o destino amarre três pessoas em um único laço, mas não é um acontecimento diário, existem apenas dois casos no Japão em mais de vinte anos. Geralmente, apenas dois ficam juntos e o outro permanece do lado de fora da roda.
Pensou, realmente pensou que teria sorte com essa coisa de alma gêmea. Alguém que iria fazer a dor ir embora e afastaria Mahito da sua cama, mas deveria saber que isso é impossível. Não deve esperar heroísmo de ninguém, salvar a si mesmo é a única opção.
Eles sentem pena de Yuuji? Um garoto de quatorze anos problemático e distante, sem amigos e solitário? É por isso que oferecem esse acordo? Ao menos fizeram perguntas a Yuuji, do tipo: O que você gosta de fazer? Quais seus programas de tv favoritos? Quais comidas favoritas?
Perguntas básicas que todos fazem para se conhecer. Mas eles não fizeram isso. Eles falaram sobre si mesmo, sua família, filhos, amigos e relacionamento. Se optar por manter isso platônico irá apenas se machucar, porque sabe que não quer um relacionamento platônico com suas almas gêmeas.
Eles querem que espere até a maioridade para não se sentirem tão culpados ao partir o coração de uma criança? 'Se realmente nos quiser romanticamente' Gojo falou, é como se estivesse esperando que ao longo desses quatro anos Yuuji mudasse de ideia e saísse de perto deles. Suas intenções podem ser boas, mas no final, machucam de qualquer maneira.
— Eu agradeço pelo lanche, Gojo-san e Geto-san são pessoa gentis. — Sorriu suavemente, seu rosto está congelado, então sabe que qualquer um perceberia que é um sorriso forçado. Não bebeu nada de chocolate quente, é calórico e está fora da dieta, os biscoitos já recheados entram na lista. No entanto, aprecia a boa vontade deles de tentar deixá-lo confortável.
Ambos sorriem.
— Agradeço pelo encontro também, mas sabe, poderiam apenas ter me rejeitado inicialmente, teria poupado tempo. — Os olhos deles se arregalaram.
— Yuuji-kun, não estávamos o rejeitando nos… — Levantou uma mão, e felizmente foi ouvido.
— Entendo que suas intenções são as melhores, mas você não pensou em como eu me sentiria. — Eles parecem desentendidos. Honestamente, está cansado de adultos tomando decisões por si mesmos e nunca levando em consideração a opinião das crianças e adolescentes. Eles são exatamente iguais a Jin. — Pensou que manter isso em nível platônico iria me machucar mais do que uma rejeição direta? Provavelmente não, porque a opinião de um garoto de quatorze não importa. Eu não sei o que é melhor para mim, é o que vocês pensam. Certo? — Continuam sem palavras.
Yuuji sabe que será doloroso, mas também sabe que é necessário.
— Peço que sejam sinceros comigo. — Respirou fundo, encarando-o diretamente nos olhos. — Querem um terceiro na roda? — Gojo abaixou a cabeça, parecendo derrotado. Geto, por outro lado, tem uma expressão dolorosa no rosto.
— Você tem a idade das minhas filhas. — Admitiu, e Yuuji não tentou forçar um sorriso ou fingir compreensão. Só precisa ouvir a palavra final e poderá lidar com a dor perfeitamente, como sempre fez. — Não consigo me ver em um relacionamento romântico com você, sinto muito, Yuuji-kun. — Acenou, segurando as lágrimas já nos olhos.
— Não há motivos para se desculpar. Algumas pessoas estão destinadas a se encontrarem, mas não a ficarem juntas. — Repetiu as palavras que Kaori falou a quatro anos atrás, quando estava anunciando o divórcio com Jin. — Foi bom esclarecer tudo, assim não fica nenhum mal entendido. Tenho apenas um pedido. — Geto acenou.
— Qualquer coisa para Yuuji-kun. — Gojo jorrou falsamente, com um sorriso que não alcança os olhos.
— Peço que esqueçam que existo. — Eles arregalam os olhos. — Não olhem na minha direção, não falem comigo, não somos almas gêmeas nem mesmo platônicas, não quero está relacionado a vocês de maneira nenhuma e não me chame pelo meu nome de batismo, eu prefiro Kamo. Farei o mesmo em troca, não sou uma criança idiota, vocês tem uma família, e eu obviamente estaria estragando isso trazendo o assunto de alma gêmea a superfície. Esqueçam isso, irei remover minha marca o mais rápido possível, não se preocupem comigo, ficarei bem. — Assegurou, levantando do assento, mas foi parado pela mão enorme de Geto cobrindo todo seu pulso em um aperto firme e olhos quase desesperados.
— Não pode remover a marca, os efeitos são muito fortes e você pode… — 'morrer?' Yuuji sorri genuinamente com esse pensamento. A morte é algo que tem fantasiado por um longo tempo.
— Eu disse que não nos conhecemos, qual parte disso você não entendeu, senhor? — Propositalmente, não usou o sobrenome dele
— Yuuji-kun, acho que está indo longe demais, eu sei que é difícil... — Yuuji respirou fundo para não explodir e gritar tudo o que pensa e está reprimindo todos esses anos. Precisa se conter, falar besteiras não irá mudar nada.
— Conheço perfeitamente os efeitos colaterais, e acredite, estava planejando fazer isso antes mesmo de conhecê-los. Vamos manter o acordo, agora me solte, eu preciso ir. — Pediu, puxando o braço. — Ou direi que estou sendo assediado. — ameaçou, usando um tom que só usa para dar ordens (não que der ordens frequentemente) mas já viu Kenjaku fazendo um milhão de vezes.
Receoso, Geto o solta, e Yuuji acena em agradecimento, dando as costas e caminhando para o mais longe possível.
Não olhou uma única vez para trás.
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Dois anos atrás
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— Você está se escutando? — Encolheu-se diante do grito irritado de Junpei. Estão no seu quarto, ainda vestidos com o uniforme escolar e um pacote de bolachas recheadas e refrigerantes que compraram na loja de conveniência mais próxima.
Confessou ter encontrado sua alma gêmea, (o sortudo azarado que tem duas e elas já estão em um relacionamento de longa duração, tem uma família e não precisam de mais um na bagagem.) Junpei ouviu até o final, essa reação explosiva se deve ao fato de que pretende remover a marca de alma.
É de conhecimento geral que almas gêmeas se completam em suas totalidades, nem sempre são românticas, mas a remoção é um procedimento delicado. Partir a alma em duas é algo… doloroso, mas muitos já fizeram isso e continuam vivos.
Casos como ômega que são vítimas de violência doméstica recorrem diariamente a esse recurso nos tribunais. No Japão, é preciso o consentimento de ambas as partes, mas Yuuji não estará no país no próximo mês.
— Não é porque te rejeitaram agora que irão fazê-lo quando você crescer, sabe… isso é um pouco extremo. — Junpei tentou persuadir, abaixando a voz enquanto encara Yuuji temeroso.
— Eu faria isso mesmo se não tivesse sido rejeitado. Não quero ficar preso a alguém o resto da minha vida, isso soa mais como um pesadelo do que conto de fadas. — Resmungou, jogando um biscoito nas boca. A expressão de Junpei é claramente incerta, ele está dividido entre concordar com esse ponto e tentar contorná-lo.
Desde que se conheceram Junpei tem sido a voz da razão, agindo como um calmante para a confusão de sentimentos que é Itadori Yuuji. Egoistamente, desejou que fossem almas gêmeas um do outro, tudo seria tão mais fácil.
— E se você se arrepender? — Pensou sobre momentaneamente, antes de dispensar a ideia.
— Se isso acontecer, eu vou superar e seguir em frente, como fiz até agora. E você estará ao meu lado. Certo? — Com um suspiro derrotado, Junpei abriu um sorriso maroto, e fez o toque de mão que eles criaram secretamente.
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Um ano atrás
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É tarde da noite quando escutou passos suaves se aproximarem perigosamente da cama, manteve os olhos fechados, depois da viagem a América e toda aquela comoção das premiações e remoção da marca de alma desacredita que tenha alguma energia para abrir os olhos ou mover um músculo.
Não é necessário de qualquer maneira, sabe perfeitamente quem está se infiltrando por debaixo dos seus lençóis. O toque gelado como de um cobra rasteja de suas pernas até seus mamilos, cobrindo-os com um aperto forte. Lábios molhados espalham beijos na parte de trás do seu pescoço e arrastam-se até as orelhas, onde mordiscam e chupam avidamente, a sensação é boa, não pode impedir que o som manhoso escape do fundo da garganta.
Depois de anos tendo a cama invadida, acabou acostumando-se, e se ficar quieto e cooperar, Mahito fará cada toque ser bom, quente e desejado. Ele mostrará o sexo amoroso e gentil, vai chupa-lo tão forte que acordará dolorido no dia seguinte, vai enfiar a língua na sua boca e explorar cada canto lentamente, saboreando o momento.
Ele também pode ser mau, no entanto, e fazer doer. Honestamente, não importa muito se dói um pouquinho, a dor é boa. Seu corpo grande e pesado o cobrindo, traz a sensação de segurança e calor, um sentimento perdido na infância. Suas mãos irão se entrelaçar e seus corpos estarão tão colados que é difícil dizer onde um começa e o outro termina.
Nesses momentos, gosta de chamá-lo de papai. Esse papai não reclama das suas notas baixas na escola, não o trocou por uma nova família e não o força a participar dos almoços em família aos domingos. Ao invés disso, papai Mahito o mima como se fosse um bebê, o elogia por tudo e sabe tocá-lo nos lugares certos.
Não importa se está no trabalho ou viajando, basta uma mensagem e ele vai correr para encontrar Yuuji e dar-lhe tudo o que for pedido. Ele o rega de atenção, amor e carinho, castiga-o quando necessário e seus tapas fortes são tão bons. Às vezes, Yuuji pede que o sexo seja doloroso, porque não importa como papai faça, continua sendo bom. Tão bom.
Acha que está viciado nisso.
Claro, Mahito pode ser assustador, muito assustador na verdade. Ele vai saber exatamente onde Yuuji está, com quem está e o que está fazendo, fica irritado facilmente e usa a violência se vê-lo perto de outro alfa. Porém, Mahito o salva das surras da mamãe, trás comida caseira e o ajuda nos deveres de casa.
Mahito o segurou forte quando Jin deu-lhe um soco, beijou-o no rosto até que dormisse e o animou levando-o a um parque de diversão. Ele o embalou como um bebê quando chorou no meio da madrugada por ser rejeitado por suas duas almas gêmeas.
É difícil dizer quando, mas os toques deixaram de ser indesejados. Mahito está sempre cuidando dele, deixá-lo tocar onde quiser é uma maneira de retribuir. Apaixonar-se não estava no plano, mas como poderia odiá-lo quando ele parece ser o único que o escuta pacientemente e diz que é importante descansar?
Tio Kenjaku o faz treinar estilos de dança diferentes, aulas de canto, e ainda pede sua ajuda na loja aos finais de semana. Mamãe tenta ser legal, (quando não está estressada e o bate)mas dificilmente fica em casa, Junpei é maravilhoso, mas ele não entende a solidão de Yuuji.
Não entende que há um buraco no seu peito, que às vezes precisa parar e respirar fundo até que os pulmões voltem a funcionar corretamente. Ninguém entende que todas essas responsabilidades estão sobrecarregando. Adora seus fãs no YouTube e Instagram, realmente os adora, é é sempre tão bom brincar com eles, mas não pode falar sobre tudo.
São nesses momentos que Mahito estará lá para pegá-lo e abraçá-lo. Em algumas noites, sente que não consegue dormir se ele não vier abraçá-lo e beijar a pele do seu pescoço, ou simplesmente ouvir a voz doce surrando melodias desconhecidas.
Na escola, sente falta dele e o procura por todos os lados quando está nervoso. Roe as unhas e bate os pés no chão freneticamente. Mahito tornou-se tão constante em sua vida que é como o oxigênio que precisa para respirar. Pensa que é impossível viver sem ele. Veste-se em roupas bonitas para impressioná-lo, usa perfumes doces e lingeries sensuais. O sexo com ele é o melhor do mundo.
— Você tem um namorado, Yuuji? — É pego de surpresa pela pergunta repentina do vovô durante um infeliz almoço de domingo ao qual foi forçado a vir. Pensa em todos os momentos que passou com Mahito, tiveram um péssimo começo e ainda não definiram em palavras o que são um para o outro.
Namorados fazem tudo o que eles fazem, pode dizer que estão namorando? Mahito ficaria satisfeito com o título, tem certeza.
— Por que pergunta isso? — Devolveu a pergunta, encarando-o inexpressivamente. Nos dias de hoje, é difícil sorrir ou sentir qualquer coisa que seja além de indiferença quando está nessa casa, onde todos são felizes e saudáveis.
— Você tem uma marca no pescoço. — Oh, sim. Mahito gosta de deixar marcas de mordidas e dedos sob sua pele, é doloroso, mas Yuuji deixa. Não é tão ruim quanto parece.
— Não é nada sério. — Encolheu os ombros.
— Como assim não é nada sério? Você deixa um cara chupar o seu pescoço e não é nada sério? Quem é esse pervertido?! — Sukuna entrou na conversa, suas sobrancelhas estão juntas de irritação. Ele cresceu muito, é mais ou menos do tamanho do Mahito, tem tatuagens espalhadas pelo corpo e cara de gângster.
Não são próximos como eram na infância, ele tenta se aproximar, conversar e fazer perguntas, mas Yuuji realmente acha tudo isso desnecessário. E agora preocupar-se com quem está trepando com o irmãozinho mais novo? É quase engraçado.
— Ele com certeza é um pervertido. — Murmurou pensativo, lembrando que transaram no banheiro do shopping semana passada e recebeu um boquete dentro do carro. Mahito quer fazer sexo sempre, a todo momento e em qualquer lugar. Yuuji não discorda, porque é sempre tão bom.
— O que ele fez com você? É algo que você não quer? — Quase riu. Sim, as vezes não quer fazer sexo, mas Mahito faz do mesmo jeito. Odeia isso, mas não há muito o que possa fazer nessas situações senão abrir as pernas e deixá-lo foder fundo e forte, doloroso, do jeito que ele adora.
Muito doloroso é ruim, principalmente no dia seguinte. Mas Mahito sempre passa pomada e lhe dá banho, então tudo bem.
— Não acha que está sendo muito intrometido? Eu não pergunto como e com quem você fode. — Cuspiu despreocupado. E a mesa ficou silenciosa.
Depois disso, todos estavam encarando qualquer pedaço de pele à mostra quando era forçado a visitá-los. Durante seu segundo ano do ensino médio, um alfa estava o assediando sexualmente, quando Mahito veio buscá-lo e viu o acontecimento. Ele bateu no garoto até o chão ficar sujo de sangue, e em seguida arrastou Yuuji para casa e o fodeu a noite inteira.
Doeu. Doeu muito. Não estava no clima, precisava de um banho e tirar as digitais daquele garoto do corpo, mas não teve opções quando Mahito o forçou ao sexo doloroso e possessivo.
O comportamento dele passou a ficar pior a partir daí, ele iria bater quando sentia que não estava sendo aceito imediatamente, e iria morder profundamente quando se sentisse raivoso. Não queria terminar aquele ciclo. Realmente não queria. Mas quando Mahito o bateu tanto que precisou ser cuidado pelo tio Kenjaku por duas semanas, foi obrigado a pôr um fim no relacionamento.
Junpei e o tio estiveram por perto durante cada momento da recuperação. E contra gosto, Yuuji admitiu para si mesmo que nunca estiveram realmente em um relacionamento, sempre esteve sendo abusado. Psicologicamente, sexualmente e fisicamente.
Chorou por dias, sentiu-se tão destruído. Traído. Sozinho. Vazio.
Mahito passou um bom tempo perseguindo-o, mas o tio Kenjaku fez algo que o manteve longe (prefere não sabe o que diabos aconteceu), a vida voltou ao normal posteriormente, com a diferença de que nunca vai visitar a casa Itadori, mamãe não tenta forçá-lo mais.
Ela não tem mais acessos de raiva nem espancá-o pelo menos uma vez a cada duas semanas. Conseguiu bater o recorde de artista mais seguido do Instagram e Tik Tok, posta conteúdos quase todos os dias, e estava no meio do terceiro ano do ensino médio.
Mais seis meses e poderá ser livre. Longe de tudo e de todos. Tem trabalhado incansavelmente no novo álbum, compondo letras e turbinando as músicas com o produtor para que fique do jeitinho que gosta, está dividido entre isso, a escola, a escolha dos figurinos, treino de dança e a produção de videoclipes.
Sente-se tão cansado, quase não dorme ou come.
Tio Kenjaku quer que esse álbum seja perfeito, ele quer ultrapassar todos os outros artistas em ascensão e quebrar recorde que atingiram em 'XXI', ficar na frente do Lemonade da Beyoncé e ser eleito o melhor em todas as colocações do Grammy Awards.
Ele realmente não se importa muito em sobrecarregar a equipe. O que na maioria das vezes é bom, porque ocupa sua mente e não pensa em inutilidades, mas todos precisam de descanso. Ele ainda insiste que Yuuji deve concluir o ensino médio como todos os outros adolescentes normais, e fazer uma faculdade de publicidade e propaganda.
Apesar de tudo, não se arrepende de ter entrado nesse mundo. Agora que não tem ninguém para recebê-lo de braços abertos, escrever é a única saída que conhece.
Escrever sobre seus sentimentos e desejos é muito mais fácil do que conversar com alguém sobre eles. E não é como se tivesse tempo para fazer terapia, talvez tenha algumas mínimas horas sobrando quando terminar de trabalhar nesse álbum, estiver com tudo prontinho e encaminhado, terminar a turnê de um ano (que acontecerá no próximo ano, quando tiver dezoito e não precisa criar desculpas idiotas do porque está viajando com o tio Kenjaku) e claro, em poucos meses estarão começando os ensaios de shows.
Tudo precisa ser perfeito, ou o tio Kenjaku pode ficar irritado. É fácil perceber que ele faz tudo isso por si mesmo, a vizinhança não é lá uma das mais recatadas, as mulheres gostam de fofocar. Por meio dessas fofocas ficou sabendo que o tio também já teve uma família, uma alma gêmea e vários filhos, no entanto, a mulher foi embora e levou os filhos com ela porque segundo as fofocas, Tio Kenjaku era apenas um simples florista, não tinha dinheiro o suficiente para mantê-los.
Metade das crianças não eram suas e sim de outro alfa, esse fato fazia o casal se desentender quase diariamente.
Ainda assim não entende o que ele deseja, os contratos assinados dizem que apenas uma pequena porcentagem de vinte por cento pertence ao empresário/agente (Leu todos os documentos antes de assinar. Sim, TODOS OS DOCUMENTOS. É fácil cair em um golpe quando se tem muito dinheiro, – o tio ensinou sobre isso. ) claro que tentou aumentar essa porcentagem, mas o tio Kenjaku não aceitou.
O que torna tudo ainda mais estranho. Eles estão investindo na bolsa de valores de Nova Iorque - Estados Unidos, e Londres - Inglaterra, além de terem comprado um grande banco de ações da Coca-Cola e empresas de logística. O dinheiro não vem apenas da música, o tio Kenjaku diz que precisam de várias fontes de renda.
Atualmente, é certo dizer que mesmo ganhando somente vinte por cento do lucro das músicas de Yuuji, Kenjaku é muito mais rico que o sobrinho. (ele faz investimentos mensalmente e tem um corretor particular próprio.) Mas a pergunta que sempre está na cabeça de Yuuji é: Por que o tio precisa de tanto dinheiro? Isso é sobre validação?
Sabe perfeitamente que a vida da família Kamo (ou pelo menos essas ramificação da família) nunca foi rica, mamãe estava sendo econômica mesmo quando morava na casa dos Itadori, nunca gastava sem necessidade e isso piorou depois foram morar sozinhos. A casa de infância deles fala por si só. A loja do Tio fica no meio do centro comercial de Shinjuku, é bastan
te movimentada no final de semana e datas comemorativas, mas a casa dele é um pequeno apartamento quase mofado e com apenas o básico para sobrevivência humana.
Bem, agora nem tanto, ele comprou uma cobertura no ponto mais alto de Tóquio, no bairro de Minato (onde a maioria dos estrangeiros moram no Japão) e tudo lá é tão bonito e agradável que faz o coração de Yuuji bater forte de felicidade. O tio Kenjaku merece, e ele parece tão confortável no sofá fofo e macio da sala.
Sente-se orgulhoso de ter conseguido proporcionar alguns luxos que o tio provavelmente nunca teve a chance de ter antes. E espera genuinamente que ele consiga ser feliz.
Assim como Yuuji, sem uma alma gêmea.
Chapter 2: Capítulo 1: Overprotected
Notes:
Oooie pessoas, vocês estão bem? Esperamos que sim!
Eis aqui o capítulo 1.
Sim, ele realmente é grande assim. Lembram do aviso inicial?
Capitulos longos e atualizações lentas.De qualquer maneira, boa leitura.
Esperamos que gostem.
Chapter Text
" Eu digo a eles o que eu gosto
O que eu quero
O que eu não quero
Mas toda vez que faço isso, eu sou corrigida
As coisas que me dizem
Não dá pra acreditar, nas coisas que eu ouço sobre o mundo, eu percebo
Eu sou super protegida."
Overprotected - Britney Spears
Setembro marca a volta às aulas após as férias de verão e o início do outono, uma das estações mais bonitas do ano (na visão de Yuuji), o calor infernal do verão é levado pela brisa fresca e clima ameno a noite, é possível dormir com as janelas abertas e manter o volume médio do ar-condicionado. É assim no início, pelo menos, depois da terceira semana o frio começa bater a porta e calças e suéteres leves devem ser adicionados ao guarda-roupa caso queira evitar o infortúnio de ser pego por uma gripe.
Nariz entupido e voz nasalada, temperatura alta e garganta seca é uma péssima combinação para um estudante do ensino médio, aspirante a bailarino (pole dance e break dance), é um membro regular do coral da igreja (quão irônico isso pode ser?) Manter-se bem aquecido nessa época do ano é sua maior prioridade, o que não é nenhum esforço, uma vez que adora moletom e calça larga. O cachecol já é outra conversa, então opta por máscaras, pois sempre sai na rua no meio desse clima ameno a ponta do nariz e as bochechas ficam extremamente vermelhas e não precisa fazer cosplay de tomate ou morango maduro, obrigado.
Contudo, ainda é o início do outono, e as roupas pesadas devem esperar mais duas semanas para entrar no desfile, isso também significa: volta às aulas. Jura que se semana passada não tivesse sido o infeliz aniversário de Jin, desejaria voltar no tempo apenas para controlar melhor a agenda de horários e encontrar um tempo vago para tirar uma soneca (muito merecida) e não apenas está preso a essa rotina cansativa de cinco a quatro horas de sono por dia.
Estará ouvindo os professores falando merda sobre dormir no meio da aula, e consequentemente perder a explicação (o que verdadeiramente não fará nenhuma mudança radical na sua vida nem acrescentará em nada), sim, poderia ser prejudicial se fosse um nerd que pretende se inscrever nas universidades de Tóquio (ou qualquer outra do Japão), fazer um curso superior que renderá um emprego legal com uma boa remuneração e ser bem visto na sociedade. Seria hilário ver a expressão de Utahime e Mai se isso acontecesse, (elas ficariam tão chocadas!) Mas, para sorte delas, não é isso que quer para o futuro.
Sim, ainda vai estudar algo apenas para dizer que tem um diploma, e principalmente para parar de ser incomodado pelo tio Kenjaku e seu discurso de que "É preciso sabedoria e conhecimento para se manter no topo, o dinheiro deve trabalhar para você, e não é você quem deve trabalhar por ele." E adivinha só, se cursar contabilidade pode cuidar das próprias contratações e administração de bens, poderá demitir o agente terceirizado e isso já é uma grande economia. Também pode cursar propaganda e publicidade, e isso seria uma ótima jogada, tudo depende do marketing (e enquanto é extraordinariamente criativo, não tem um curso superior e por consequencias, as nuances que vem com ela.) Tem ideias, muitas ideias, mas ainda precisa de um profissional para executá-las perfeitamente.
Tio Kenjaku ficaria orgulhoso se entrasse em uma universidade, mas estudar deixou de ser o seu forte a muito tempo, talvez seu cérebro esteja com defeitos (defeitos sérios e supostamente irreversíveis). Além de que o tempo será tão curto quanto no ensino médio, a agenda ficará tão sobrecarregada que poderia ser vítima de um ataque cardíaco (o que causa um ataque cardíaco, antes tudo?) Bem, o ponto é o mesmo, não terá um único minuto de descanso.
O mês de férias foi realmente útil, serviu para concluir o último single antes do lançamento do álbum que está previsto para março do próximo ano. A era do XXI será concluída permanente depois de dois anos e cinco meses, foi o tempo mais longo de intervalo entre um álbum e outro até agora. (Não que tenha muitos álbuns musicais) mas inicialmente, planejavam que seria apenas dois anos (como o álbum Atlantis), os cinco meses foram adicionais de última hora e diga-se de passagem, um inconveniente.
Não é para menos que o tio está tão apressado em começar os preparativos para a nova era, quase todas as faixas já estão escritas (ainda não mostrou-as ao tio e ao produtor) porque tem dúvidas sobre algumas estrofes (talvez estejam muito extremas?) E sente que falta um complemento, algo que está fugindo da memória… Se compartilhar isso com Junpei ele dirá que é somente uma paranóia infundada, vai virar o rosto e continuar os desenhos de roupas no tablet de última geração (um presente necessário que ganhou de aniversário) e o tio provavelmente dirá para encontrar logo o que falta e deixar de se lamentar inutilmente. As férias não poderiam ser estendidas por mais um mês?! Ajudaria bastante.
Grunhiu, amassando a décima página do caderno que usa para as composições (o pobre coitado já foi tão maltratado que se tivesse uma proteção contra violência de cadernos Yuuji com certeza estaria preso e com dez anos de sentença a cumprir.) Respirou fundo, encarando a escrivaninha fixamente, tem tantas ideias correndo de um lado para o outro na cabeça e simplesmente não consegue, REALMENTE NÃO CONSEGUE pôr tudo em um papel. O que diabos está acontecendo?! Já passou por abstinência criativa, mas algumas caminhadas na rua resolviam o problema rapidamente. O que está enfrentando não é falta de criatividade, sim preguiça ou sei lá o que. Qualquer coisa, talvez uma maldição.
Jogou-se sobre a mesa bagunçada, fechando os olhos e pedindo aos deuses que ajudassem (sim, isso é inútil, os deuses não olham para as pessoas que passam a maior parte do tempo zombando deles… stk. Não é como se eles existissem.) O relógio marca cinco da tarde, isso significa que passou a tarde inteira procrastinando e não produziu nada. Absolutamente nada. Bem, se você considera organizar a mochila escolar para o primeiro dia de aula após as férias, então sim, fez algo produtivo. Mas, não é desse tipo de produtividade que precisa. Vamos lá, cérebro, você não pode ajudar pelo menos uma vez?
"Comer doces ajuda." Junpei comentou uma vez, enquanto comia uma caixa inteira de chocolate francês. Franze o nariz com desgosto, está estritamente proibido de comer doces, precisa manter a forma esguia e torneada do corpo, barriga seca e coxas grossas, cintura fina e braços musculosos, bunda grande e macia, (é desse tipo de alfas gostam) mas, primordialmente, é o físico que um strip precisa possuir. E embora comer doces ajudem o cérebro a funcionar melhor, isso vai direto para sua bunda e abdômen.
Uma vadia não pode ter gordura na barriga (não fica sexy sem roupa) e enquanto ao piercing no umbigo?! Não que gordura seja indesejável (no seu caso é) não se importa em engordar, mas tio Kenjaku tira suas medidas a cada quinze dias e que os deuses tenham piedade da sua alma se a bunda tiver crescido mais de um centímetros. Da última vez que isso aconteceu passou duas semanas comendo mais salada e morango do que já tinha comido a vida inteira.
Quinze morangos pela manhã, quinze a tarde, quinze a noite, salada de frutas, saladas de legumes, saladas de verduras, suco de laranja, suco de maçã, suco de maracujá, abacate sem açúcar, adoçante dietético (nem tem diabetes!!!) E água, muito, muito água. Sente fome fora de hora? Beba água! Beba água mesmo se não estiver com sede.
Céus, aquilo foi um pesadelo! Agora sabe que não importa o que coma escondido, enfrentará as consequências dos seus atos pecaminosos diante da régua do tio Kenjaku, e ele é um juiz impiedoso.
— Estou em casa. — De volta ao mundo real, escutou Kaori chamar e em seguida uma batida forte na porta. Tirou a cabeça de cima da mesa e olhou a hora no relógio de pulso, são cinco e quarenta da tarde, é incomum que ela esteja em casa tão cedo.
Levantou da cadeira, acidentalmente tropeçando nas roupas espalhadas pelo chão, e foi até a porta (a fechadura está quebrada desde sempre, supõe que Mahito fez isso.) — Yuuji, você está em casa, querido? — Revirou os olhos, já esperando ser forçado a escutar um monólogo interminável sobre como deve se comportar na escola e ser um bom aluno. É sempre a mesma conversa antes da volta às aulas.
Saiu do quarto, arrastando-se pelo corredor estreito e pequeno, seus pés estão desprotegidos contra o chão de cerâmica, então os passos são incrivelmente silenciosos.
— Acho que ele não está em casa… — Ouvia-a falar.
— É normal que não esteja em casa nesse horário? — Uma outra voz perguntou, masculina, suave e calmante. É a voz do Jin, saberia disso mesmo se estivesse com fones de ouvido ligado no volume máximo. Parou na ponta da escada, pensando seriamente em desistir de descer e só se esconder no quarto.
O problema é: a fechadura está quebrada, e com certeza Kaori vai subir para verificar. Em outras palavras, não há escapatória. Deveria ter ido dormir na casa do Junpei sob a desculpa de irem para escola juntas amanhã, ou não usar nenhuma desculpa, ele é certinho o suficiente para Kaori não pedir explicações.
— Sim, ele dificilmente está em casa. — Bufou, amaldiçoando todos os deuses que conhece e desceu as escadas curtas sem mais delongas. Quanto antes isso acabar, melhor. — Aceita uma água ou chá? — No piso inferior, viu os dois na cozinha, enquanto Kaori fuça a geladeira em busca de algo, Jin parece deslocado no lado oposto do balcão.
— Me chamou, Kaori-san? — Perguntou em voz alta, e ambos os adultos se viraram para olhá-lo.
— Ah, pensei que estava com Junpei-kun. — "Bem, isso seria preferível que estar aqui na presença de Jin." Pensou, encolhendo os ombros. Kaori continuou, antes que falasse algo, — Que dizer… eu e Jin-san gostaríamos de conversar um pouquinho com você. — Admitiu, com um sorriso tenso. Arqueou uma sobrancelha, olhando de um para o outro e pensando no que seria o tão importante a ponto de fazê-la trazer Jin a sua casa. Ele ficou curioso e queria ver o clima daqui?
Deve estar satisfeito agora, não é cheio de gente como a casa Itadori, sem barulho, luzes acesas, cheiro de cachimbo, tv ligada ou cômodos quentes e aconchegantes.
— É importante. — Ela completou, como se soubesse exatamente o que Yuuji está pensando. E de alguma forma, não duvida que ela saiba. Kaori sempre conseguiu lê-lo melhor que ninguém, é uma pena que não tenham o melhor relacionamento de todos atualmente.
Não a culpa, ela tem tentado, e tentado muito. Mas sabe, é difícil confiar quando ela pode simplesmente se descontrolar e tentar sufocá-lo como fazia antes. Não que desgoste do ato, mas ele é melhor quando feito durante o sexo.
Ajustou o boné na cabeça, e suspirou internamente. Desde que esses dois se divorciaram a seis anos atrás, é raro vê-los no mesmo cômodo, e é ainda mais estranho vê-los sendo amigáveis e não brigando.
— Claro que é. — Zombou, puxando uma cadeira e se sentando. Viu Kaori engolir em seco, e sair de trás do balcão, indicando com um aceno de cabeça para Jin seguir seu exemplo e fazer o mesmo, ocupando a duas cadeiras à sua frente. — Sobre o que quer conversar? — Foi direito.
— … ah,bem… é que eu recebi uma proposta de emprego melhor. — Arqueou uma sobrancelha, Kaori está nervosa por causa disso? Qual o problema com um emprego novo, e o que Jin tem haver com isso? Ela conseguiu uma boa promoção como enfermeira chefe três anos atrás (talvez tenha pedido um ajudinha de Mahito) então o salário é bom, os reparos na casa foram feitos (menos a sua porta) mas é claro, ninguém iria rejeitar a oportunidade de ganhar um pouco mais.
— E? — A incentivou.
— É em outra cidade, em Osaka. — Oh, isso sem dúvidas é um problema. Fechou o olho, sentindo a dor de cabeça chegar, massageou suavemente a têmpora. — Eu sei que você adora a cidade e… Junpei-kun. Então eu pensei que… poderia ficar com Jin? É uma ótima oportunidade para uma reaproximação. — Abriu os olhos imediatamente, olhando horrorizado para ela. Nem Judas cometeria tamanha traição. Nem Judas!!
— Ficou louca, mulher?! — Perguntou indignado, consertando a postura e ficando com a coluna reta. Jin tem um sorriso tenso no rosto, mas fora isso, parece estar totalmente calmo. (vai quer que previu essa reação) — Não tem a menor chance, posso apenas ficar com o tio Kenjaku. Na casa de Jin-san não tem espaço para mim, de qualquer maneira. — Exclamou logo em seguida.
— Acontece que Kenjaku-nii não é o seu pai. — Kaori retrucou, tentando manter a voz firme.
— Muito menos Jin-san. — Rebateu quase ao mesmo tempo, dando de ombros com indiferença. — Um depósito bancário todo mês não faz de alguém pai. — "E eu nem preciso daquela esmola" , completou mentalmente. Kaori respirou fundo, sem dúvidas, procurando paciência.
Ela nunca foi muito boa em discussões. A violência funciona melhor.
— Yuuji, escute, Kenjaku-nii não vai te supervisionar, sou irmã dele, eu sei. Sua frequência escolar é péssima desde o ensino fundamental, suas notas estão todas no vermelho e… — Ela tomou um tempo para respirar. — Jin-san é o seu pai, goste ou não. Eu já tomei essa decisão, você vai ficar com ele e… — A interrompeu, a veia de irritação quase saltando da testa.
— Já tomou essa decisão?! Então porque em primeiro lugar está aqui tentando conversar comigo se minha opinião sobre o que acontece na porra da minha vida não importa?! — Indagou, encarando-a diretamente nos olhos. — Para que todo esse teatro idiota se você vai fazer o que acha melhor para mim, e não o que eu quero?! Minha opinião sobre essa merda sequer está sendo ouvida. — E esse é um dos maiores motivos da sua indignação. Por que oras, é a sua vida. Não podem fazer o que quiserem com ela, não é mais uma criança.
— Não precisei pedir quando já tinha previsto sua reação. — Ela disse. Okay. Isso é um fato, entretanto, ainda está errada. — Você vê Kenjaku-nii quase todos os dias, enquanto seus irmãos e seu pai quase nunca, passar um tempo com eles será bom para todos.. — Céus. Ela deve está bêbada, esse discurso não faz o menor sentido. Pensou, franzindo o cenho em uma expressão de puro nojo.
— Isso é uma piada. Não tem como ser real. Deve ser algum tipo de pesadelo. — Murmurou para si mesmo, cobrindo a testa com uma das mãos.
— Yuuji sabemos que isso é um pouco repentino e pode ser difícil mudar tão de repente… — Jin começou a falar pela primeira vez desde que se viram. Tem ânsia de vômito.
— Pelo deuses, deve ser o início do Armagedom. — Murmurou novamente, ainda desacreditado. — Kaori-san, eu entendo que tenho sido um pouco distante esses últimos anos, e um péssimo filho (na minoria das vezes) mas por favor, você precisa entender que está destruindo minha vida. Sim, vocês estão destruindo minha vida que só para deixar claro, já é uma merda! Eu sinto que vou morrer… — Falou tudo rapidamente.
— Não, Yuuji, você não vai morrer, isso é apenas um drama. Quando estiver convivendo novamente com Sukuna e Choso, vovô Wasaki e Jin-san, verá que tudo vai se resolver. — Viver naquela casa novamente? Onde têm memórias boas e ruins a cada cômodo? Não precisa vê-los feliz, não precisa que eles vejam que estava errado todos esses anos, que a família não foi destruída, que nunca mais serão os mesmos. Não precisa de nada disso. — A nova escola também vai ajudar, novos amigos e um ambiente leve… — Sentiu os olhos rolarem para o topo da cabeça.
O que é isso? Seu coração bate tão forte, dói e é sufocante. Não consegue respirar.
— Já fizemos sua transferência, você começa segunda-feira na Jujutsu Teach… — Não ouviu mais nada, seus olhos fecharam e tudo o que sentiu foi o corpo deslizar da cadeira até o chão.
•°•
Pensou que não tinha como a vida piorar, porque convenhamos, faz anos que ela tem sido uma merda (com exceção das lives nas redes sociais e shows) mas vamos lá, estamos falando da sua vida como Itadori Kamo Yuuji, não como Killer Cat, o ídolo que todos amam. Mas, sempre há espaço para uma desgraça acontecer, já deveria saber disso, esse tipo de desgraça nunca tinha acontecido antes, nem mesmo em seus piores pesadelos (que são dominados por Mahito. Aquele diabo está até nos seus mais belos e doce sonhos), voltar a morar com Jin, por outro lado, é uma ideia tão insana que sequer chegou a ser cogitada.
Viver na casa de infância, que é a responsável pela inspiração de mais da metade das composições das suas músicas? Espera que ela não exija os direitos autorais, porque sabe, pode se sentir ofendida com o tanto de xingamentos que recebe. Recapitulando… isso não estava nos planos. De jeito nenhum. O único que suporta por livre e espontânea vontade é Wasaki, o vovô (ele também é o único que continua chamando pelo título familiar, porque é o único que realmente o merece.) Jin, Sukuna e Choso são efeitos colaterais indesejados.
Uma voz do resto de consciência que lhe reste sussurra que: "Eles também estavam sofrendo", ignorá-la é tão fácil quanto respirar. Você vê, ninguém sofreu mais do que o próprio Yuuji, não foram eles que aguentaram os ataques raivosos de Kaori, passaram anos comendo comida congelada e ouvindo xingamentos intermináveis apenas por ter nascido. Então não, não vai olhar para eles e pensar que estavam sofrendo também, e se por acaso estivessem, foda-se, pouco se importa. Eles poderiam ser atacados por alienígenas e ainda não se importaria, na verdade, iria agradecer aos moribundos que o levaram embora porque estaria livre de olhá-los ou está ciente das suas miseráveis existências.
Tem tantas razões para ser totalmente contra essa mudança perturbadora que poderia escrever cem milhões de músicas sobre o assunto, e em cada música haveria um checklist tão impecável que até os CEOs das maiores multinacionais do mundo ficariam com inveja. "Não está levando isso muito a sério?" A voz da consciência pergunta, e prontamente, muito prontamente, Yuuji responde um rude "não". Oras, quem gostaria que decisões sobre a própria vida fossem tomadas por terceiros? Jin e Kaori certamente não. Mas eles fazem isso com um adolescente de dezessete anos e acham que é a melhor maneira de tentar uma 'reaproximação'.
Estão de parabéns, batam palmas por favor, porque essa ideia é genial, tão brilhante quanto querer que um peixe sobreviva fora d'água.
Mas, perguntando-se melhor, quando foi que eles levaram sua opinião em consideração, em primeiro lugar? Mesmo quando criança, Kaori escolhia suas roupas e sempre comprava algo do próprio gosto, ela nunca perguntou se Yuuji gostava de amarelo ou azul bebê, nem se o sapato era confortável. Jin em algum momento perguntou qual seu suco ou vítima favorito? Não, ele apenas fazia o que queria e bebiam (com muita desgosto).
Deveriam saber que dá uma opção a criança faz com que ela desenvolva uma identidade e senso crítico, não é de se admirar que Yuuji era extremamente dependente dos irmãos mais velhos aos nove anos de idade. Sua identidade foi se aperfeiçoando com o passar do tempo, e em um ritmo muito mais lento que o das outras crianças (agradece pela existência magnífica do tio Kenjaku, ele o ensinou que precisa tomar certas atitudes se deseja algo, nem sempre essas atitudes são boas, mas é melhor fazê-las do que ter arrependimentos mais tarde. Todos tomam decisões ruins, e tudo bem com isso, aprendemos com nossos erros.) Culpa Kaori e Jin por ser socialmente atrofiado, (ou pelo menos era até três anos atrás) se eles soubessem o tanto de bullying que sofria na escola iriam se matar por tamanho culpa.
Ou talvez não se importassem.
O fato é que essa ideia de mudança é totalmente idiota, faz o que, sete anos que mora com Kaori e quatro que não passa um final de semana inteiro na casa dos Itadori-Fushiguro? Sim, deve ser isso. Fez pequenas visitas (obrigatórias) e pouquíssimas porque realmente quis, essas eram apenas para uma partida de Shoji com o vovô e nada mais, acabavam antes que alguém voltasse para casa.
As coisas estavam indo bem assim, não estavam? Pensou que já estava sobrecarregado o suficiente com o trabalho e a escola, planos para o futuro e treinos de dança, agora também precisa suportar um bando de mamutes respirando no seu pescoço. Não poderia haver um fim melhor?
Sabe, menos sofrido e doloroso? (A dor só é boa no sexo)
Respirou fundo pela milésima vez em cinco minutos, encarando o teto de gesso branco da sala de estar, onde continua deitado no sofá por mais de vinte minutos desde que desmaiou ao receber a notícia que sua vida está prestes a ser roubada (honestamente, acredita que nem os criminosos no corredor da morte estão tão apavorados. Okay, talvez Jin esteja pior, pensou que ele iria desmaiar também.) pelo canto do olho, pode ver Kaori tentando acalmá-lo, dando tapinhas nas suas costas e o encorajando a beber água.
Jura que se lhe oferecerem um copo de água irá jogar na cara deles. Sente o coração pesado, é um sentimento muito conhecido, ele está sempre presente na sua vida desde… bem, acha que desde a infância. Começou com as primeiras decepções, os primeiros almoços cancelados, os primeiros gritos, as primeiras vezes que apresentou algo para um palco de pais que não são seus (na pré escola), nos primeiros toques de Mahito ou os primeiros tapas que recebeu da mamãe. Enfim, esse aperto está aqui, é como se fizesse parte de quem Yuuji é, e não importa o quanto tente, não consegue se livrar dele. Às vezes, quando fica muito forte, é difícil manter a respiração controlada e em alguns casos desmaia, como acabou de acontecer.
Não é nada novo, já está acostumado a sensação. Junpei diz que precisa de um terapeuta (ele diz isso continuamente, como se Yuuji não tivesse ouvido nas outras duas milhões de vezes). Mas o que um terapeuta pode fazer para acalmar seu coração? Ele não pode consertar o seu cérebro defeituoso e fazê-lo ser inteligente (como a criança que um dia foi.) Não pode voltar no tempo e impedir que sua família seja destruída. Qual o trabalho de um terapeuta afinal? Ficar sentado e ouvir suas intermináveis reclamações sobre tudo e todos? Dá conselhos que certamente Yuuji não vai seguir? (Ele nem quer ouvi-los!!) Ou quem sabe receitar meia dúzia de remédios? Obrigado, mas não precisa disso, se quiser usar drogas, pode começar a injetar heroína e anfetamina, pupilas de ecstasy ou fumar maconha.
Admite que já tomou essas pílulas durante um show, a sensação foi boa, realmente boa, e gostaria de usá-las novamente (mas é claro que o tio Kenjaku seria um pé no saco sobre isso, com tolerância zero para drogas recreativas) ele diz que o vício leva ao declínio, o declínio a pobreza, e a pobreza a morte. Nessa altura, a morte é muito bem vinda.
Já fez o testamento, deixou setenta por cento da sua riqueza para Junpei e os outros trinta para Kaori, as contas do exterior estão fora, mas deixou para o tio Kenjaku. Então, se a dor no peito ficar pior e morrer por causa dela, não terá preocupações com mais nada. (Sente muito pelos fãs que ficam, mas eles irão entender que sofreu o suficiente nesse mundo miserável)
"Pode parar de drama, por favor?" A voz chata da consciência veio perturbá-lo novamente, interrompendo seu monólogo interno. Okay. Tudo bem, talvez esteja exagerando um pouquinho, só um pouquinho mesmo. Soltou um suspiro audível, chamando atenção do Jin e da Kaori.
— Yuuji? Você está bem, querido? Sentimos muito, nós não… — Mal abriu os olhos e já gostaria de alguém nocauteasse de volta ao mundo dos sonhos. Mike Tyson, onde você está quando precisam dos seus socos?! Levantou rápido, ignorando a tontura que o movimento causou. — Não se mova rápido, vai se sentir tonto por alguns minutos, sua pressão deve ter baixado. — Uma mão segurou seu ombro, guiando-o até que suas costas ficassem rente ao sofá. Olhou para a mão de unhas curtas e bonitas, e encarou a dona dela com a melhor expressão de indiferença que conseguiu fazer.
— Pare de fingir que está preocupada, não combina com você. — Enxotou a mão de Kaori com um leve empurrão, limpando as digitais dela com tapinhas.
— Se… Se Yuuji não quer realmente morar comigo, não precisa.. — Quase iluminou-se com as palavras tímidas de Jin, jura que se ele abdicar dessa ideia, vai lhe dar um sorriso sincero. No entanto, antes de terminar a frase, Kaori o interrompeu.
— Não, Jin-san. Yuuji precisa entender que existem coisas que o drama dele não irá alcançar, já decidimos isso, ficar com Kenjaku-nii não é uma opção, eu o conheço o suficiente para saber que ele é um irresponsável e não tem condições de manter Yuuji. Como ele irá pagar as contas? Nem espaço para duas pessoas tem naquela casa. Então não, não adianta chorar e desmaiar, você vai com Jin-san e ponto final. — Okay. Talvez ter sido amargo tenha feito ela se irritar. — Suba e faça suas malas, está indo hoje mesmo. — OI?
— Você só pode ter pedido a cabeça, Kaori. — Foi intencionalmente desrespeitoso ao não adicionar nenhum sufixo. — Já não destruíram minha vida o suficiente?! Eu os odeio. Simplesmente os odeio! — Exclamou, levantando do sofá e passando por eles como um furacão.
— E não estou indo a nenhum lugar hoje! — Gritou, subindo as escadas.
Consciência idiota, é óbvio não dá para conversar pacificamente com esses dois, estão em níveis totalmente diferentes.
Bateu a porta do quarto o mais forte possível e jogou-se na cama, agarrando o cobertor e afundando o rosto quente nele, onde abafou um grito raivoso. O sonho adolescente de terminar o trabalho do novo álbum até março vai por água abaixo, (mas esse está longe de ser o maior problema no momento) o problema é ter que morar exatamente naquela casa novamente, com aquelas pessoas e viver naquele clima estúpido de felicidade.
Não quer morar lá, odeia tudo naquela casa, odeia aquelas pessoas… e odeia o sentimento mórbido de saudade que o invade quando está lá.
Os odeia tanto. Tanto. Tanto que poderia morrer com isso. Afastou as lágrimas que ameaçavam escorrer dos olhos e pegou o celular, mandando uma mensagem para Junpei.
"Ei, onde você está?" Minutos depois, a resposta veio.
"Casa." Foi monossilábico, deve está trabalhando. Pensou, com um pouco de culpa por incomodar. "O que aconteceu?" Apareceu segundos depois.
"Acha que consegue se transferir de escola até segunda-feira?" Perguntou primeiro, porque não existe nada mais apavorante do que ser o novato em algum lugar, e Junpei deve ficar por perto para oferecer apoio moral. (Esse é o trabalho de um secretário, não é? Mesmo que ele não seja um secretário.)
"Estamos na quinta-feira." Ele respondeu o óbvio, e Yuuji foi obrigado a revirar os olhos.
"Sim, eu sei. Mas é urgente, você consegue ou não?" Os pontos de confirmação de visualização apareceram, mas a resposta levou mais de dois minutos para chegar.
"Posso tentar." Ah, aí está ela, a incerteza. Palavras que indicam incerteza sempre deixam-o roendo as unhas, odeia quando não tem uma resposta certeira imediatamente, mas nesse caso específico, não é culpa de Junpei. (A culpa é inteiramente de Kaori e Jin) "Prometo que darei um jeito." A tela iluminou-se novamente com a chegada do pequeno texto, abriu um sorriso pequeno.
O que faria sem Junpei na sua vida? Com certeza já teria se trancado dentro do banheiro, enchido a banheira e cortado os pulsos, (não que já não tenha feito isso antes) "Obrigado." O celular vibrou novamente, ignorou-o momentaneamente em prol de abraçar os lençóis e fechar os olhos, buscando um pouco de calmaria.
Desse jeito quase pode sentir as mãos de Mahito o segurando forte, seu corpo grande o protegendo e o cabelo macio fazendo cócegas no seu rosto. É tão patético, odeia sentir-se assim, mas não consegue evitar a saudade que o invade em momentos aleatórios da noite, ou até mesmo quando está caminhando na rua, fazendo arranjos na loja ou no meio da aula escolar. Melancolia o enche, lembranças boas (ou nem tanto), palavras doces e promessas impossíveis de serem cumpridas. Eles começaram errado, estavam destinados ao fracasso, entretanto, esse fato não o impede de lamentar.
Desde que o mandou embora há um vazio que Junpei e o tio Kenjaku não podem preencher não importa o quanto tentem, ninguém pode. Pega-se se perguntando se o amor é assim, tão doloroso e sofrido, ele o leva às nuvens e mostra a beleza do mundo apenas para cegá-lo em seguida e cortar suas asas. De todos os amores que experimentou em seus dezessete anos de vida, a maioria deveriam ser incondicionais, mas sem surpresa nenhuma, isso não aconteceu. Jin parou de amá-lo em algum momento, trocando-o por uma nova família e filhos bonitos, inteligentes e promissores. Sukuna e Choso devem ter pedido a conexão no meio do caminho e não se importaram o suficiente em voltar atrás e consertar. Kaori… ela tentou, mas não se saiu muito bem.
As almas gêmeas que o destino enviou foram… uma grande decepção. Amor incondicional? As pessoas dizem que os filhotes são amados incondicionalmente por seus pais, contudo, a vida de Yuuji prova o contrário, (onde está o senso protetor das mamães ômegas e papais alfas? Mahito foi o único que mostrou esse sentimento.) E o companheirismo que irmãos compartilham? (Junpei é o único irmão que conheceu.) Essas pessoas apenas falam merda, essa é a verdade, para ser família não é preciso necessariamente compartilhar laços sanguíneos.
Seus fãs são uma família, mesmo que eles não o conheçam realmente. Junpei e tio Kenjaku são uma família. Kaori e Jin não, muito menos nenhum dos seus acompanhantes.
Mahito poderia ser sua família. Eles poderiam conquistar o mundo juntos, poderiam ser felizes, mas ele teve que ser tão odiável, fazê-lo chorar e sofrer, e até agora sentir os toques dos seus dedos queimando sob sua pele. Eles tinham tudo para seguir em frente.
Ou talvez isso seja só uma fantasia idiota de Yuuji, criada pelo desejo de ser amando e segurado, ter um abraço quente e apertado para protegê-lo, um amor para chamar de seu. Fantasiou tanto um final feliz que esqueceu que isso não é um conto de fadas, a vida real é muito mais dura.
Tudo bem, já lidou com coisas piores e ficou bem, (isso não envolve voltar a casa de infância) morar com aquelas pessoas de alguma forma é mais assustador que ficar nu para milhares de pessoas. Não está preparado para isso. Talvez nunca esteja. Remover a marca de alma foi muito mais fácil que essa situação, doeu durante e após o procedimento, sentiu como se milhares de agulhas estivessem perfurando seu corpo, ficou semanas e semanas de cama, sofrendo com febre alta e alucinações, mas quando acordou, não sentiu nada.
Foi tão vazio e libertador ao mesmo tempo, a dor valeu a pena. No entanto, faz sete anos que sua família foi destruída e até agora a dor não foi totalmente embora.
Miley Cyrus tinha razão ao dizer que nada quebra como um coração.
O de Yuuji foi quebrado tantas vezes que provavelmente é impossível consertá-lo.
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Hoje é sábado, são exatamente duas horas da tarde e o clima lá fora é agradável, perfeito para se jogar na represa e morrer afogado. Mas como ainda não vai fazer isso (porque precisa de um motivo muito forte para morrer e não ser amaldiçoado até a vida pós morte pelo tio Kenjaku) está terminando de fazer as malas para viagem ao inferno. É uma tarefa simples, considerando que não tem muitas roupas, apenas um grande amontoado de calças e casacos moletons, alguns shorts, camisas e suéteres, a maioria velhos e desbotados. Já ouviu reclamação sobre o estado decadente das suas roupas pelo menos um meio milhão de vezes, do tipo: "você tem dinheiro, compre algo novo e melhor." Ou "Vista-se como um omega ou nunca vai conseguir um namorado".
Idiotas. Não é como se estivesse procurando um namorado, porque realmente não quer um. É sim, tem dinheiro, muito dinheiro, e provavelmente deixar dois milhões em uma loja da Prada ou Colcci faria pouco ou nenhuma diferença na sua conta bancária. Mas gosta dessas roupas velhas que são três vezes maior que o seu tamanho, e enquanto é um adolescente "normal" quer aproveitar o máximo. Quando tirar a máscara e revelar sua verdadeira identidade, como Itadori Kamo Yuuji (não tem previsão para esse evento histórico) sente que a última coisa que terá direito é a paz.
Sem dramas, os paparazzi e stalks fizeram da vida do Michael Jackson um inferno (sem comentários sobre os fãs malucos) e existem vários casos de perseguidores Japoneses assustadores. Vai mudar de endereço quando anunciar quem é ao mundo, e colocar seguranças nos portões também, câmeras e cachorros ferozes.
Mas por enquanto, deixe-o ser um adolescente normal, com roupas velhas e desbotadas, está (quase) feliz desse jeito.
Tem duas malas grandes cheias de roupas e peças íntimas, e mais uma pequena para acessórios, além do violão que é a menina dos seus olhos (foi um presente do vovô), geralmente usa-o durante as composições. Empacotou tudo antes do final da tarde, começou ontem, infelizmente sem ajuda de Junpei (ele está muito ocupado tentando conseguir uma transferência escolar de última hora) e Yuuji não é idiota o suficiente para exigir a presença dele quando já está o incomodando o suficiente.
Ficou combinado (depois de muita discussão) que estaria se mudando durante o final de semana, entre sábado e domingo, assim na segunda-feira estará disponível para o primeiro dia de aula na nova escola. Nada contra mudar de escola, (pelo menos não terá que ver Utahime de vez em sempre) mas tinha que ser logo a Jujutsu Teach? Não precisou fazer nenhuma pesquisa para saber que é uma das melhores de Tóquio, e que muito provavelmente Choso e Sukuna estudaram nela, e o Megumi estuda lá também. É um nome bastante conhecido, frequentemente via alunos vestidos nos uniformes (ridículos) personalizados passeando pela rua. A maioria são filhos de papai e mamãe, adolescentes mimados que estão acostumados a terem tudo. Esnobes e medíocres, se pelo menos fossem mais velhos…
Não é incomum ser assediado por um alfa daquela escola, principalmente quando está voltando da aula (onde não pode usar roupas largas). Felizmente sempre pode contar com Junpei para socar a cara de qualquer babaca intrometido, e o spray de pimenta que carrega no bolso da calça. Deveria seguir o conselho de Junpei e acompanhá-lo nos treinos de Aikido, mas, além de preguiça, sobra pouquíssimo tempo.
Contando com o imprevisto de morar com Jin por seis meses (até completar a tão sonhada maioridade) terá menos tempo ainda, está fazendo as contas e a carga horária de estudo na Jujutsu é mais pesado que nas outras escolas, só poderá confirmar quando tiver os horários em mãos, mas supõe que seja um ou duas horas a mais. Isso complica muita coisa. Tem pole dance de segunda-feira a sexta-feira,dance break das terças-feiras aos sábados, ensaio do coral na igreja na sexta-feira e culto no domingo. Todos os dias da semana (mesmo que seja durante a madrugada) tem três horas para estudar (na verdade está escrevendo) e uma hora para realizar exercícios físicos de musculação.
Terá que cortar um desses, só não sabe qual ainda.
Fechou a última mala e sentou na ponta da cama, sentindo-a ranger com o seu peso. Passou os dedos sob o colchão fofo, a cama sempre rangeu um pouco, atualmente o barulho está mais alto que antes, se pergunta mentalmente se a Kaori ouvia o gemidos baixos que soltava ao transar com Mahito durante a madrugada, ou o ranger de cama quando ele fodia forte. Certamente sim, a casa é pequena e as paredes são finas, é impossível ela não ter ouvido.
Porque ela nunca disse ou fez nada? Talvez estivesse envergonhada demais para vê-los "conectados" ou só não se importasse que o seu filho de quinze anos transasse com um cara que tem o dobro da sua idade. De qualquer maneira, isso não importa mais, Mahito agora é só uma lembrança.
Nada a mais que isso.
Ouviu o barulho do motor de um carro do lado de fora, e suspirou sentindo-se derrotado, (parece que o inimigo além de derrubá-lo teve que pisoteá-lo para garantir que fique no chão por um bom tempo). Ouviu batidas na porta, vozes conversando, pisos no andar de baixo e Kaori chamando-o, como se ele fosse surdo para não ouvir a barulheira no piso inferior.
— Yuuji, Jin-san chegou. — com outro suspiro, levantou da cama arrastando as malas para fora do quarto e pelo corredor. A cada passo a dor no peito aumenta, espera não desmaiar novamente (bem, não come desde ontem, então se isso acontecer tem uma grande parcela de culpa.)
Desceu as escadas com certa dificuldade, mas não se humilhou pedindo ajuda de ninguém. Encontrou Jin, Toji e Kaori já do lado de fora, eles conversam pacificamente, mas Yuuji conhece a mãe muito bem para notar que os pés dela batem nervosamente no chão. Ela não quer Toji aqui. Ou melhor, não suporta olhar no rosto dele e encarar o homem que deu a Jin algo que ela não foi capaz de dar.
— Ei pirralho, precisa de ajuda, certo? Deixe-me pegar uma das malas. — Recuou inconscientemente ao passo que Toji deu em sua direção, não é que tenha medo dele (não tem medo de ninguém!) Só prefere manter o distanciamento social. Toji Arqueou uma sobrancelha, olhando-o cheio de confusão (poderia ser fofo, se ele não fosse um brutamonte).
— Não preciso da sua ajuda. — "vagabundo" completou mentalmente, mas acha que seus olhos transmitiram esse pensamento porque Toji acenou, encolhendo os ombros indiferentemente. Supõe que ele esteja acostumado a receber xingamentos, (não pode culpar as pessoas que fazem isso, porque Toji realmente tem a cara de homem mal e perigoso, tipo um gangster das ruas nova iorquinas.) — Onde posso colocá-las? — Perguntou em seguida, claramente dirigindo-se a Jin, que correu nervosamente para abrir o porta malas.
Por que ele parece estar sempre nervoso e ansioso? Talvez se sente envergonhado por estar na frente de Kaori com o homem com quem a atraiu, embora, essa seja uma suposição sem sentido, ele não teria trazido o esposo se sabia que ficaria envergonhado, certo? Honestamente, acha que é muita cara de pau ter coragem de vir aqui (da parte dos dois, Jin e Toji) depois de tudo o que fizeram com Kaori. São tão cínicos e descarados que dói de olhar.
Em contrapartida, não vai dizer que Kaori é um anjo, mas a defende porque estava apenas do lado dela desde o início, não teve a chance de entender os motivos de Jin (apenas que ele estava traindo a esposa com um colega de trabalho, que aparentemente é sua alma gêmea, então não há nada de errado nisso aos olhos da sociedade) e sinceramente, acredita que mesmo se os ouvisse, continuaria odiando-o.
Coloca as duas malas grandes no porta malas do carro, um estilo esportivo que chegou ao mercado no ano passado, muito bonito e espaçoso. Coube perfeitamente as malas grandes, deu as costas para os idiotas e subiu as escadas novamente sem ânimo e arrastou a mala menor e o violão nas costas, parando na soleira da porta para dar uma última olhada no lugar que chamou de seu nos últimos sete anos.
A parede da janela costumava ter um vazamento, em dias chuvosos, gotas de água conseguiam se infiltrar na parede e escorrer suavemente pelo chão do quarto. A luz vivia queimando, a janela ainda continuava com a trava quebrada (assim como a maçaneta da porta, um feito extraordinário de Mahito).
Passou meses, semanas, dias encarando a porta ou janela nas esperança de ver um vislumbre do cabelo azul bebê, mas ele nunca apareceu desde a última discussão que tiveram (claro, tio Kenjaku se certificou que ele ficaria longe), disseram coisas horríveis um para o outro, como sempre fizeram, Mahito não vai se desculpar, muito menos retirar o que disse e Yuuji também não. Ir embora, de alguma forma o faz abandonar a falsa esperança de que Mahito vai voltar.
Mesmo que ele volte, Tio Kenjaku e Junpei jamais permitiriam uma reconciliação. Pode ouvir os gritos irritados de Junpei do lado esquerdo do cérebro ("você ficou louco? Vai voltar a um relacionamento abusivo e vai sair como dessa vez? Com o rosto irreconhecível e corpo cheio de hematomas. Ele não te ama, é só uma obsessão doentia.") Ou o tio Kenjaku falando calmamente, entre baforadas de cigarro ("não confunda solidão e necessidade com amor, você não o ama, apenas quer uma figura mais velha e impotente em sua vida, algo que foi tirado de você na infância."
Eles estão errados. Eles não sabem o quanto dói ficar longe de Mahito, ou quantas noites chorou desejando tê-lo por perto.
Só o amor pode machucar desse jeito, nada mais.
E não precisa de conselhos, não quer ouvi-los, quer seguir o seu coração amargurado e correr pelas ruas de Tóquio, ir até a rádio e passar horas e horas fazendo uma chamada de desespero. Diria:" Por favor, sou apenas um jovem apaixonado que perdeu o meu amor, tenha piedade de mim e diga-me onde ele está! Mahito, apareça, mande a localização!" Sim, é isso que o coração quer fazer. Mas o coração é um órgão irracional e seu dever é bombear o fluxo sanguíneo, não amar, o cérebro é o responsável por isso (não é de admirar que Yuuji apaixonou-se por um cara problemático, já que o seu cérebro é defeituoso.)
Ao lado da porta há uma rachadura antiga, o cimento descascado derrama resíduos de terra, sempre que algo bate na parede. Passa os dedos pela longa linha que se estende do meio da parede até o teto. Nem sempre isso esteve aqui. Mahito o fez, enquanto o fodia forte e doloroso, ele estava com ciúmes de um colega de classe de Yuuji (Um que não era Junpei) ou talvez irritado porque não teve a mensagem respondido imediatamente? Não lembra bem. No meio do quarto, escondido debaixo do tapete felpudo, há uma grande mancha de sangue, e não importa o quanto lave e esfregue, ela nunca sai. Também foi o resultado de uma das brigas que teve com Mahito. A cabeceira da cama está quebrada há anos, nunca trocou, de certa forma, esses pequenos detalhes oferecem algum conforto, ao mesmo tempo em que o deixa depressivo.
Querendo ou não, esse é o lugar onde tudo começou. Onde Killer Cat nasceu, onde apanhou, chorou, se escondeu, amou, e sofreu. Não quer ir embora, realmente não quer ir. No entanto, aparentemente a escolha nunca esteve nas suas mãos.
Engoliu as lágrimas teimosas na borda dos olhos e fechou a porta (o tanto quanto pode) e contando até dez, ergueu o queixo e desceu as escadas. A cada passo, a dor no peito aumenta exponencialmente, houve um tempo em que essa dor era apenas um leve incômodo, não atrapalhava no seu dia a dia e o trabalho musical, sem interferências externas. Sentia-a sozinho, sem o conhecimento de ninguém. Agora, ela evoluiu e passou a ser demonstrada externamente através da respiração difícil e desmaios (quase) frequentes, principalmente quando é colocado diante de fortes emoções.
Faz o possível para sufocar a dor e agir controladamente, mas às vezes o controle simplesmente escapa por entre seus dedos e acontece o que aconteceu na quinta-feira, quando estava" conversando" com Jin e Kaori. Às vezes, os pensamentos ficam muito altos, ou a vontade de morrer se torna irresistível demais para conter os impulsos suicidas. Junpei ou Tio Kenjaku estará lá quando ficar difícil, mas isso é porque moram relativamente próximos um do outro. Agora que está indo para o outro lado da cidade, não poderá contar com o apoio de ninguém durante esses momentos.
Todos que moram naquela casa (exceto o vovô) são falsos e descarados, não precisa e nem quer receber o apoio deles, já é tarde demais para voltarem atrás.
Não olhou para nenhum outro cômodo da casa quando chegou ao primeiro piso, apenas caminhou pausadamente até o lado de fora, onde os adultos continuam esperando. Há um clima tenso no ar, mas não é sobre o relacionamento complicado entre Kaori e Toji, eles estão… ansiosos, esperando por algo que não faz a menor ideia do que seja.
— Tudo pronto? — Aparentemente, não importa quantas vezes Toji seja maltratado e xingado, ele permanece o mesmo. Postura relaxada, sorrisinho irritante e olhos preguiçosos (mas sem sombras de dúvidas, cheios de perigo). Esse cara, ele… okay, não vai se irritar ainda mais hoje. Ou terá um ataque cardíaco.
Sem responder, caminhou até o porta malas do carro e colocou a mala pequena e o violão dentro, fechando-o com uma batida forte. Quando estava prestes a abrir a porta do banco traseiro, Kaori segurou-o pelo ombro.
— Yuuji… — Olhou por cima do ombro entre ela a mão que o segura, Kaori entendeu a mensagem e afastou-se lentamente. — Seja um bom garoto na minha ausência, não dê trabalho para Jin-san e Toji-san, chegue em casa cedo e jante com eles… e não seja mal com Toji-san, ele só quer ser seu amigo. — Tudo bem, se antes achava que Kaori perdeu a cabeça, agora tem certeza disso. Ela está ouvindo a si mesma? Porque honestamente, isso é algo mirabolante. Preferia quando ela bebia e quebrava tudo o que via pela frente, se identificava mais com aquele tipo de comportamento. — Eu sei que você está chateando com toda essa mudança repentina, mas logo logo verá que estou fazendo isso pelo seu bem. Então por favor, não me odeie. — Pediu, o sorriso em seus lábios é melancólico, não atinge os olhos, e há lágrimas contidas nas íris marrons cor de chocolate.
— Acho que é um pouco tarde para esse tipo de discurso, Kaori-san. — Disse, abrindo a porta do carro e entrando nele sem dar um último adeus. Não pretende vê-la após ter passado os próximos seis meses (que serão os mais terríveis da sua vida), não pretende ver ninguém. Vai se mudar para a Flórida nos Estado Unidos e viver pacificamente por lá, sem notícias de ninguém (apenas do Tio Kenjaku) e Junpei estará se mudando também.
Jin e Toji trocaram mais algumas palavras com Kaori, pareceu que estavam a consolando, enquanto ela balançava a cabeça lentamente e olhava para os pés, abraçando o próprio corpo.
Poderia sentir dó, sair do carro e abraçá-la, dizer o quanto se importa com ela e deseja que seja feliz. Mas honestamente? Ela não merece nada disso. Eles já foram próximos, cúmplices da dor do abandono e companheiros das noites em claro depois de pesadelos. Hoje não significam nada um para o outro (ou pelo menos ela não vê Yuuji como alguém importante, caso contrário, tentaria mantê-lo por perto independente de qualquer dificuldade). Desconhece a mãe que fazia sua comida, vestiu-o e estava nas suas apresentações escolares da pré escola.
Ela deve ter morrido junto com o casamento mal sucedido, porque não consegue vê-la nessa mulher que está do lado de fora.
Despediram-se depois de longos minutos, Toji ocupou o lugar do motorista enquanto Jin no banco do passageiro da frente. Eles não disseram nada inicialmente, apenas ligaram o carro e começaram a trafegar pela cidade. Yuuji encarou a movimentação das ruas pela janela sem nenhum interesse. Avisou o tio Kenjaku da situação, na esperança dele conseguir fazer Kaori mudar de ideia, mas ele não foi de muita ajuda.
O tio concordou com seus argumentos, mas discordou que é o fim do mundo morar com Jin. Segundo ele, essa briga já durou tempo o suficiente, e precisa fazer as pazes, afinal, Jin não foi o único que errou, Kaori também tem uma grande culpa em tudo o que aconteceu. E entre viver o que a sociedade esperava que Jin vivesse, ele escolheu viver o que realmente queria, e ser feliz ao lado da sua alma gêmea.
Olhando assim, o tio tem razão, é inegável que Jin e Toji são felizes.
Cientistas dizem que almas gêmeas não podem ser completamente felizes um sem o outro, e assim como o nome, completam tudo o que falta na vida do companheiro. Yuuji não teve a sorte desses dois ou de Sukuna. As duas almas gêmeas que ganhou já são felizes e não precisam de um intruso, e depois que fez a remoção da marca, não sente que está ligado internamente a alguém. Há um vazio na sua alma, mas aprendeu a ignorá-lo com o tempo, pode viver sem essa coisa folclórica chamada de amor.
Apaixonados, felizes ou não, nada muda o que Jin o fez passar. Ou o que Kaori o fez passar. Desculpas e lágrimas de arrependimento não irão mudar o que aconteceu.
Encostou-se no banco de couro preto e segurou um suspiro, ruas e pessoas passaram pela sua vista rapidamente, até chegarem a um bairro mais calmo e organizado. A essa altura, Jin e Toji trocaram palavras entre si, tentaram envolver Yuuji na conversa, mas foram ignorados com sucesso. (Não é obrigado a falar com eles apenas porque vai morar com eles nos próximos seis meses) Sim, está sendo irritantemente infantil, mas tem todo direito de agir de acordo com sua idade e ter surtos adolescentes (Todos entre 13 e 19 anos passaram por uma fase rebelde, e isso é um fato) Não é obrigado a ser responsável o tempo inteiro. Desde que se mudou com Kaori, há sete anos, tem sido o "adulto" que mantém a casa em ordem.
Limpava, cozinhava e lavava, ia às compras e pagava contas de luz e água, os serviços domésticos ficaram totalmente por sua conta, já que Kaori trabalhava o dia inteiro e quando estava de folga, passava o dia chorando e bebendo trancada no quarto. Era melhor fazer a limpeza do que deixar a casa virar um celeiro de porco. Claro, estava tão cansado quanto ela, e tão triste e depressivo na mesma (ou maior) proporção, mas diferente de Kaori, não teve a chance de demonstrar isso externamente. Pelo menos não depois de ir morar sozinho com ela, estava sempre ocupado, e depois do nascimento do Killer Cat o tempo livre simplesmente não existia.
Não está reclamando, na verdade isso foi muito bom, caso contrário pensa que teria ficado tão acabado quanto Kaori. E diga-se de passagem, apesar da boa genética que a família Kamo possui, a Kaori parece ser uns cinco anos mais velha, (resultado das noites mal dormidas e bebedeiras descontroladas), enquanto o tio Kenjaku apesar de ser o mais velho, parece ser o mais novo. O próprio Yuuji herdou os genes da juventude dos Kamo, todos dizem que ele aparenta ter quinze quando tem dezessete (prestes a fazer dezoito), a pele limpa e macia como a de um bebê (sem precisar de procedimentos estéticos) e grandes olhos de corça (aprendeu que é só bater os cílios para conseguir qualquer coisa que desejar dos caras mais velhos.) E bem, aí está.
Por outro lado, as outras características físicas foram herdadas dos Itadori, o mesmo cabelo rosa de Wasaki, Jin e Sukuna. Pintou o cabelo da nuca de preto, para não ser tão parecido com Sukuna (já que muitos dizem que são uma cópia fiel um do outro), o formato do rosto, nariz, olhos, orelhas. Tudo. É tudo semelhante aos Itadori. O único que é realmente parecido com Kaori é o Choso, (na verdade, ele poderia facilmente ser confundido com o filho do tio Kenjaku, eles tem os mesmo olhos) ele ainda tem o nariz de Jin, entretanto, e a personalidade amável também.
É irritante o quanto todos podem ser tão parecidos. Vai pesquisar tintura de cabelo que o façam se diferenciar deles (não vai optar por uma harmonização fácil porque Junpei o mataria, sem a menor sombra de dúvidas).
O carro parou em frente a casa que conhece muito bem, afinal, passou a infância nela. E uau. Se sente como se estivesse indo direto para a cova dos leões, essa é a sensação que os criminosos sentem ao caminharem pelo corredor da morte? Deve ser. No entanto, diferente deles, Yuuji não tem direito a fazer um último desejo. O que iria pedir? Não tem muita certeza, mas talvez que o deixem ficar com Tio Kenjaku? (O que está pensando?! Tio Kenjaku iria chutá-lo para fora assim que abrisse a porta e o mandaria enfrentar seus problemas como um ômega adulto e responsável) e aí que está o problema, Yuuji não quer ser responsável agora.
Quer ser um pirralho mimado e insuportável, (como Mahito o deixava ser - na cama). Por que a vida tem que ser tão difícil?
— Chegamos. — "Sim, claro, você precisa dizer isso porque sou cego e não estou vendo." Respondeu mentalmente a fala de Jin, que foi animada e alegre. Essa é a voz que ele fazia quando viajavam em família e Yuuji ficava ansioso perguntando quando e se já estavam chegando. A diferença é que não é mais uma criança, muito menos está ansioso para chegar ao seu infeliz destino.
Desceu do carro assim que os dois adultos saíram, indo diretamente para o porta malas pegar seus pertences. Toji o seguiu de perto, abrindo a tampa e se intrometendo em pegar uma das malas grandes (não vai admitir, mas ela realmente está pesada) e o desgraçado faz parecer que não pesa uma grama.
— Não pedi sua ajuda. — Implicou, olhando-o feio.
— Sorte sua que tenho um bom coração então. — Ele retrucou, pegando outra. Yuuji estava prestes a dar-lhe um chute bem no meio das pernas (como Junpei disse para fazer) quando lembrou que não pode fazer isso e sair correndo (que é uma parte do plano). Então reprimiu o rosnado irritado no fundo da garganta e pegou o violão, já que Jin também pegou a mala pequena (sem a sua permissão).
Deuses, por favor, dêem paciência.
Atravessaram o quintal de grama verde e chegaram a porta de entrada, onde Jin abriu e anunciou em alto e bom som:
— Estamos em casa. — Diferente da casa a qual mora a sete anos, as luzes não estão apagadas e o clima frio, e Jin não é deixado falando sozinho. A resposta calorosa vem em questão de segundos.
— Bem-vindos de volta, Jin-san, Papai e Yuuji-kun. — Reconhece essa voz. É a garota Tsumiki, filha mais velha de Toji (ou filha da ex-esposa dele.) Eles não compartilham o mesmo sangue, mas ele ainda cuidou dela após o divórcio. É obrigado a tirar os sapatos e deixá-los no canto ao lado da porta, percebe, com desgosto, que há vários outros sapatos. Um sinal de que há muita gente em casa. — Estão cansados? Estamos quase terminando o jantar. — Quando chegou na sala de estar, viu-a colocar a cabeça para fora da cozinha, mas não prestou atenção nisso. Escolheu olhar a bagunça organizada em volta.
A casa tem muito mais cor do que antes, devem tê-la redecorado.
— Não muito, a viagem não é longa, fica do outro lado da cidade. — Jin respondeu encolhendo os ombros, — O que estão preparando? Tem um cheiro gostoso. — Sem esperar uma resposta, ele foi até a cozinha, e ficou lá por alguns minutos. (Nossa, que belo anfitrião você é, Itadori Jin) pensou, amargamente. E virou-se para o brutalmente (vulgo, Toji) que está parado ao pé da escada.
— Onde vou dormir? — Perguntou desinteressado. Pretende voltar para essa casa apenas na hora de dormir, então o quarto onde vai ficar e o banheiro são as únicas coisas com que se importa. — Ou fico no sofá, já que todos os quartos estão ocupados? — Completou, soltando um pouco de veneno. Isso é inevitável. Foram eles quem começaram com essa rinha quando deram o seu antigo quarto para Megumi. O faz todo sentido. Megumi é o ômega dominante, bonito e inteligente que Jin sempre quis ter como filho.
Não um com cérebro defeituoso como Yuuji.
O fato de ser um ômega recessivo pouco o incomoda atualmente, isso significa que será facilmente confundido com um beta, seu cheiro é inexistente (segundo Tio Kenjaku) e os cios tão leves que não atrapalham em nada sua rotina diária. Não que tenha passado por vários cios, experimentou apenas o primeiro (porque não teve muita escolha) e os outros foram suprimidos por supressores e inibidores. É uma escolha sua, não precisa ficar sensível a cheiros de alfas, muito menos pegajoso e irritantemente carente (mais do que já é).
— Você continua com o seu quarto. — Arqueou a sobrancelha, sentindo-se levemente confuso. Desde quando tem um quarto aqui? Não se lembra de ter visto nenhuma reforma na casa. Jin voltou da cozinha com as bochechas coradas (estava cutucando a comida) ele tem esse péssimo hábito.
— Isso mesmo, Yuuji-kun irá continuar com seu antigo quarto. No entanto, estará dividindo ele com Megumi-kun. — Jin pontuou, assumindo uma postura séria. Que ótimo, não terá mais privacidade. Isso é realmente perfeito. Contudo, já esperava algo parecido, eles tentaram o mesmo há alguns anos atrás, deveriam ter aprendido com o erro. — O quarto é o maior de casa, serve perfeitamente para duas pessoas, da mesma idade e do mesmo gênero. — Acrescentou, tardiamente. Yuuji continuou com a expressão vazia.
Fala sério, a morte é melhor do que essa merda.
— Megumi-kun não é a vadia do Sukuna? Porque não pode dormir com ele? — Perguntou, e viu a sobrancelha de Jin tremer. Oh, ele ficou ofendido porque chamou o novo filhinho de vadia? Nem foi intencional.
— Primeiro, exijo que respeite todos nessa casa, goste deles ou não. E segundo, Megumi-kun ainda é uma criança, assim como você, e não tem permissão para manter relações… íntimas com Sukuna antes de atingir a maioridade. Entendeu? — Continuou com a cara de vento, sem se importar com as exigências. Não é como se respeitasse Jin para atender um pedido seu. E quanto mais quebrar regras, mas motivos terá para ser expulso e ser expulso é exatamente o que deseja. — Essa é a casa da família Itadori-Fushiguro, e quero que tenha isso em mente, temos regras e uma delas é o respeito. Você entendeu, Yuuji-kun? — Encolheu os ombros.
— Como você disse, é a casa da sua família, não a minha. Não devo nada a você, nem queria está aqui. — Respondeu indiferente, dando as costas para subir as escadas, que infelizmente estão bloqueadas por Toji (esse desgraçado filho da puta, não vê que é um incômodo?! Saia da frente!) — Que é? Vai me bater porque ofendi seu filho? — Cuspiu despreocupado, (os braços de Toji são musculosos como os de Mahito, então pode sobreviver a alguns socos e chutes.) Depois é só pedir para Todo-san dar o troco.
— Eu não bato em crianças ômegas. — Ele respondeu como se isso fosse a única coisa que ouviu. Yuuji revirou os olhos, empurrando-o com uma cotovelada nada suave. — Por mais mal educadas que sejam. — Estreitou os olhos, vendo-o sorrir (o mesmo sorriso rasgado de sempre. Ele deveria procurar uma clínica de estética para clarear essa cicatriz de briga de bar!)
— Isso é surpreendente, não sabia que traficantes tinham um código de conduta. — Retrucou, subindo os degraus. (Nunca vai se convencer de que esse cara não está ou esteve envolvido com atos ilícitos. E não está o julgando porque, bem, fez uso de algumas drogas durante shows e festas. Festas que entrou usando documentos falsos. Então não, não está julgando ninguém.)
— Yuuji eu falei para… — Jin começou…
— Deixe-o, Jin, isso não me ofende nenhum pouco. O pirralho é divertido. — Mas foi interrompido por Toji, que falou em tom de riso. Divertido?! Divertido?! Oras, essa merda de situação não é nenhum pouco divertida, quem acha isso engraçado? Apenas eles, por verem seu sofrimento lamentável.
Se fizessem um filme sobre sua vida miserável, sem dúvidas ganhariam o Oscar, e todos que saíssem do cinema estariam afogando-se em um oceano de lágrimas, até morrerem desidratados.
Okay, talvez esteja sendo dramático. Mas tudo bem, tem esse direito. Estão acabando com a sua vida, o que mais pode fazer senão usar o drama e o sarcasmo a seu favor? Simplesmente nada. Essas são suas únicas armas nessa guerra.
O corredor ainda é o mesmo do qual se lembra, espaçoso, com fotos emolduradas nas paredes e bem iluminado. Lembra de correr entre risadas por esse mesmo corredor, apenas com uma toalha para cobrir sua modéstia, enquanto fugia do banho depois de uma tarde agitada no parque. Jin, estaria correndo logo atrás, com um sorriso grande no rosto, mamãe estaria rindo das travessuras dos dois, ocupada entre assisti-lo e cozinhar, e o vovô estaria reclamando do barulho.
Parou no meio do caminho, vendo um Sukuna pré adolescente abrir a porta do quarto no meio da madruga com o cabelo curto bagunçado e uma carranca no rosto, perguntando: "Outro pesadelo?! Eu juro que essa é a última vez que deixo dormir comigo, pirralho medroso." E então, empurra um Yuuji de cinco anos para dentro do quarto, fechando a porta com um chute. Ele deixaria Yuuji invadir seu quarto no dia seguinte. E depois. E depois. Quantas vezes fossem necessárias. Apesar das reclamações, ele foi um bom irmão.
Quando eram irmãos. Agora são apenas desconhecidos.
— Algum problema, pirralho? — Escutou Toji perguntar, engoliu a saliva e ignorou a dor no peito, junto da pergunta feita, e continuou até parar de frente para o seu antigo quarto.
Faz anos que não entre nele. Como está? Sem dúvidas totalmente diferente e sem nenhum resquício do passado. Esse lugar não é mais seu, é normal que tenham redecorado de acordo com os gostos sofisticados de Megumi e retirado tudo que remete a personalidade infantil e doce que o Yuuji de 9 anos tinha.
Como não é mais seu quarto, bateu na porta, esperando primeiro receber permissão para entrar. Pode odiar esse lugar e as pessoas que moram nele, mas não vai simplesmente invadir a privacidade de alguém (principalmente um ômega) porque sabe como é ruim não ter privacidade e segurança no próprio quarto. Sabe disso melhor que ninguém. Sem falar que pode presenciar uma cena desconfortável (embora nada mais o abale atualmente) ainda prefere evitar essas situações.
Na segunda batida, ouviu um suave "estou indo" e passos rápidos vindo até a porta, em seguida um click e o ômega moreno (muito semelhante a Toji) surgiu no seu campo de visão. Ele é alguns centímetros mais alto, provavelmente tem um metro e setenta e cinco, da última vez que se mediu tinha um metro e sessenta e nove (supõe que seja impossível crescer cinco centímetros em quinze dias). Megumi sorri minimamente, seus lábios finos e delicados ficam bonitos assim, combinam com o rosto de feições cristalinas e entricadas.
— Oi, Yuuji-kun. — Não respondeu nem retribuiu o sorriso. Megumi deu um passo para o lado, dando espaço para que pudesse entrar. — Não precisa bater na porta, esse é o seu quarto também. — E mais uma vez, ofereceu um sorriso acolhedor. Ele é tão irritante quanto todos aqui. Tentando fazer a casa parecer acolhedora e amigável.
Mas esse não é o seu lar.
Não tem mais um lar desde que saiu pela porta com Kaori sete anos atrás.
Permaneceu parado na soleira da porta por alguns segundos, antes de adentrar no quarto. Por um milésimo de segundo viu o seu quartinho de infância, a cômoda branca, cama de solteiro fofa, estante cheia de ursinhos de pelúcia e tapete colorido. Viu-se com sete anos deitado na cama coberto com um edredom fofo, Jin e Kaori de cada lado, contando uma história legal e cheia de fantasia. Viu Wasake acariciando seu cabelo e enxugando suas lágrimas, inventando desculpas para justificar a ausência de Jin, Choso e Sukuna. Viu-se sozinho, com as mãozinhas tampando a boca para abafar os soluços. Viu-se olhando para o teto com a expressão cheia de terror e medo, enquanto Jin e Kaori gritavam no andar de baixo. Viu-se acordado durante a madrugada sem conseguir dormir e viu-se jogando as roupas que restaram dentro de uma mochila de costa e saindo pela porta sem olhar para trás.
Deu um passo para trás, colidindo com um peito duro e musculoso. Engoliu em seco, sentindo as mãos suarem e os joelhos tremerem, (Mahito?) Não, não é o Mahito, ele foi embora. Ele foi embora assim como todos vão.
Não quer está aqui. Realmente não quer.
— Yuuji-kun, você está bem? — Virou a cabeça na direção da voz suave de Megumi. Viu-o pela primeira vez, a sete anos atrás, bonito até mesmo em roupas simples. E naquele momento, foi o dia em que perdeu Sukuna para sempre. Ele não iria trazer mais doces, nem perguntar como estava a escola, ou se queria jogar videogame.
Sente-se sufocado. Uma mão pesada pousou no seu ombro, segurando-o no lugar, olhou para cima e arregalando os olhos, viu Toji com uma expressão perturbada.
— Ei pirralho o que… — Não ouviu mais nada. Fechou os olhos e deixou a escuridão tomar conta da sua consciência.
Porque dói tanto perceber que todos seguiram em frente, enquanto ele é o único preso ao passado? Todos estão felizes, exceto ele.
Isso dói. Dói muito.
°•°
Quando acordou, sentiu-se tão vazio quanto o primeiro dia de recuperação pós remoção da marca de alma gêmea, mas diferente daquele dia, o sentimento não vai passar em algumas semanas. Está deitado no sofá da sala de estar e há vozes nervosas e calmantes enchendo o cômodo, o cheiro forte de whisky encheu seu nariz e pensa momentaneamente em agarrar a garrafa (ou copo) que está a sua frente e beber tudo em um único gole, isso iria acalmar as emoções dolorosas.
Talvez precise de algumas pílulas de ecstasy ou fumar um pouco de maconha (que tio Kenjaku nunca possa ouvir esses pensamentos) mas não é fácil encontrar drogas nas ruas japonesas, o distrito da luz vermelha é um ótimo ponto, mas ainda tem uma política forte de "nada disso até a maioridade, garoto" e a maioridade japonesa é de vinte anos, não dezoito (pelo menos para os ômegas) até lá pode já ter morrido, o que honestamente, não é uma opção ruim.
"Queridos fãs, por favor perdoem-me por não presenteá-los com mais um álbum." Pensou dramaticamente. Ainda tem tanto o que escrever e trabalhar, mas com uma casa tão cheia será difícil se concentrar na composição de músicas, e pior, se eles entenderem inglês? Quer arrancar os cabelos da cabeça (já que não tem pelos em outro lugares) e gritar: "Eu não aguento, eu não aguento, eu não aguento", como o pica-pau faz no desenho animado. Tudo isso é tão sufocante.
Não quer se sentir acolhido nesta casa, nem gostar dessas pessoas. Estaria traindo Kaori e todo o sofrimento que suportou nos últimos sete anos. Junpei sabe o que fazer, deve ligar para ele? Mandar mensagem? Ir visitá-lo? Está disposto a qualquer coisa apenas para sair dessa casa e respirar ao ar livre.
Enrugou o nariz com o cheiro ainda mais forte de whisky, caramba, não podem deixá-lo dormir em paz depois de terem empurrado-o de um penhasco gigante (diga-se de passagem, não é lá o melhor em lidar com fortes emoções) e aquelas lembranças são mais dolorosas que todas as vezes que Mahito o fodeu com força ou Kaori tentou matá-lo sufocado. Havia um certo prazer no sexo doloroso, e aceitação ao apanhar de Kaori, mas simplesmente, não consegue encontrar nada de bom nessas lembranças inúteis. Franziu o nariz novamente, o gosto amargo de desgosto enchendo sua boca seca (quando foi a última vez que bebeu água?)
— Se você não tirar essa porra do meu rosto, eu vou arrancar das suas mãos beber tudo. — Avisou ainda com os olhos fechados, e isso é verdade, os deuses sabem o quanto é verdade. Houve um murmúrio e exclamações de alívio, em seguida a voz preocupada de Jin soou muito perto, perto demais para ser considerável seguro.
— Oh, graças aos deuses você acordou! — Foi segurado pelos ombros e levantado do sofá facilmente, como um boneco de pano, e logo em seguida estava preso em um abraço apertado. Arregalou os olhos, sentindo o cheiro de eucalipto e orvalho encher o seu nariz. É o cheiro de Jin, parou de senti-lo aos oito anos, quando as brigas ficaram mais frequentes.
Seu nariz se enrugou inconscientemente. Empurrou-o para longe, fazendo uma careta enquanto dá tapinhas em si mesmo para dissipar qualquer vestígio das digitais de Jin sob suas roupas e pele.
— Óbvio, ainda não estou morto. — Retrucou, mal humorado.
— Como se sente? Aqui, beba um pouco de água, sua garganta deve está seca. — Encarou o copo de água que surgiu de Deus sabe onde com certa desconfiança, e seguiu o braço da pessoa que o ofereceu até ver o rosto gentil e amável de Tsumiki. Ela sorriu, encorajando-o a pegar o copo. — Não está envenenado, eu prometo. — Brincou, fechando os olhos cor marrom escuro. Pegou o copo tomando cuidado para não fazer contato físico acidentalmente, cheirou a água e só então tomou um gole, sentindo o alívio preencher a garganta seca.
Geralmente ela só ficava seca desse jeito depois de uma sessão intensa de sexo com Mahito. (Também durante os shows, mas sempre bebe água durante eles e um remédio para garganta, não incomoda realmente)
— Então, está melhor agora? — Ela voltou a perguntar, assim que bebeu toda a água do corpo.
— Não. — Respondeu simples, porque é realmente verdade, infelizmente. Enquanto estiver nesta casa, as memórias da infância continuaram vindo, e consequentemente a dor no peito vai continuar aumentando. Os murmúrios anteriores voltaram, finalmente levantou os olhos para olhar ao redor da sala, e a viu cheia, cheia demais.
É uma confusão completa. Toji espera encostado na parede, braços cruzados enquanto bate os dedos sob os cotovelos, ele está inquieto.
— Devemos levá-lo ao hospital! — Uma voz grave disparou, virou o pescoço mas direção dela, vendo Sukuna parecendo estranhamente nervoso. — Não é normal ficar mais de dez minutos desacordado. — Completou. Yuuji quase acreditou que ele se importava, quase.
— Pode ser fome? O pirralho é muito leve. — Torceu o nariz com a implicação de Toji, está com fome, mas isso é… normal. Pulou as refeições prescritas pela nutricionista porque estava irritado com Kaori e não queria sair do quarto. Não está abaixo do peso, na verdade, está exatamente no peso ideal. Sem nenhuma grama a mais ou a menos.
— Sempre soube que a mãe não estava alimentando-o direito. — Choso falou com o cenho franzido, braços musculosos também cruzados sob o peito. Ele é do mesmo tamanho de Toji, e Sukuna é um pouco menor. O que eles comem por aqui? Todos parecem tão altos e musculosos.
— Calem a boca. — Vovó Wasake ordenou e todos ficaram quietos, Yuuji soltou um suspiro de alívio ao ver um rosto querido. — Estão atrapalhando, não vêem? — Perguntou, apontando para o sofá em que Yuuji está sentado. Não sabe qual a sua aparência agora, mas para que todos fiquem quietos e calados supõe que esteja parecendo a Blood Mary.
— Bem… Yuuji, o que você está sentindo? — Jin perguntou pacientemente. Há um milhão de respostas para essa pergunta, e nenhuma delas deixaria Jin ou qualquer outro nessa sala feliz. Então apenas encolheu os ombros, cheio de indiferença.
— Não deve fazer perguntas das quais odiaria receber uma resposta. — Disse lentamente, levantando no sofá macio, uma tontura leve o atingiu, mas já está habituado demais com essas coisas para se importar.
— Bem, você desmaiou do nada, acho que não iríamos odiar saber sobre o seu bem-estar. — Choso implicou, meio confuso. Yuuji não conseguiu segurar o pequeno riso que escapou do fundo da garganta, cobriu a boca com a mão para esconder os dentes, e logo se recuperou.
— Por favor, não aja como se importassem comigo. — Falou com desdém, passando pelo meio da sala. — Se realmente se importassem, não estariam me forçando a viver nesse inferno por seis meses. — Completou, subindo as escadas.
Preocupados? Se isso fosse verdade, teriam percebido que passou a vestir moletons até mesmo no verão porque era constantemente perseguido na escola por que segundo as ômegas magras e perfeitas "você tem a bunda muito gorda, como uma vadia, isso é nojento e depravado!" Essas garotas iam se sentir ameaçadas e iam perseguir Yuuji até se cansarem (⚠ ️ alerta de spoiler ⚠ ️: elas nunca se cansaram). Os alfas idiotas iriam se achar no direito de fazer piadas sexuais sobre seu corpo. E claro, as camisas de gola alta, eles nunca perguntaram o porquê também, certo? Eram porque Kaori adorava sufocá-lo até a inconsciência quando estava bêbada, ou porque Mahito achava bonito as marcas de dedos em volta da pele sensível.
Nunca perguntaram porque estava arrastando uma perna e tentando esconder o desconforto ao sentar, porque claramente não iriam querer saber que foi fodido a noite toda e que está com a boceta dolorida e machucada. Ou porque o pulso está enfaixado, ômegas respeitáveis não praticam pole dance, eles fazem balé. Nem questionavam as viagens longas que fez com o tio Kenjaku.
E ainda dizem que se preocupam com o seu "bem-estar?" Essa é a piada do século, sem sombras de dúvidas.
Desde que Jin começou a foder com Toji, Tsumiki e Megumi tomaram o lugar de Yuuji, e isso é um fato. Não há argumentos contra.
De qualquer maneira, não precisa da preocupação ou amor deles, está muito bem sozinho, obrigado. Abriu a porta do quarto de Megumi e entrou, sendo atingido mais uma vez pela dor constante que ameaça matá-lo durante a noite (por favor faça isso logo!) E jogou-se sobre a cama de solteiro que tem cores estéreis, do lado oposto à cama de Megumi. Notou, um tempo depois, que a estante de ursos continua no mesmo lugar, e a cômoda branca e velha também.
Qual o objetivo disso? Megumi gosta de colecionar coisas velhas? Se perguntou, encaixando os fones de ouvido e colocando a música no volume máximo. Foda-se, não é da sua conta. Mandou uma mensagem para Junpei, e foi respondido em questão de segundos, abriu um sorriso genuíno com isso, sentindo-se aquecido.
"Sua descrição de inferno foi muito… dramática." Revirou os olhos, digitando:
"Toda descrição do inferno é dramática." Até viu Junpei parar e refletir sobre isso, antes de responder.
"Você tem um ponto. Mas viver com eles por apenas seis meses ainda não é o fim do mundo, podemos passar os fins de semana aqui em casa." Finalmente uma sugestão aceitável! Pensou momentaneamente que o cérebro de Junpei estava tão defeituoso quanto o seu, mas felizmente foi um engano. A comida da tia é simplesmente a melhor, ela faz peixe grelhado e salada de frutas com arroz para o jantar (e que fique claro, isso é para Yuuji, somente para Yuuji) e suco natural de laranja (ela coloca uma pitadinha de açúcar) e o mundo parece ganhar cor. A tia faz pipoca e se junta a eles na sala para a noite de cinema, rir das suas piadas e trata os dois como seus filhotes.
Yuuji a ama tanto que acidentalmente chamou-a de mãe, ela riu e disse que: "Estou feliz por ter dois cachorrinhos tão fofos! Ouviu Junpei? Você tem um irmãozinho agora, cuide bem dele." Isso fez os olhos de Yuuji encherem de lágrimas, eles ririam, cada um abraçando-o de um lado. "Yuuji bobo" brincaram, mas não o largaram, e dormiram todos juntos naquela noite. A mãe de Junpei é liberal, simpática, engraçada e amorosa, apesar deles passarem por certas dificuldades (Já consertou isso) nunca negou comida as suas visitas.
"Sim, sim, sim!! Vamos dormir juntinhos. Tem feito frio ultimamente." Respondeu imediatamente.
"Isso é porque a janela do seu quarto estava quebrada. Logo logo vai perceber que não está tão frio." Bem, talvez seja verdade. Mas desde que removeu a marca de alma gêmea sente mais frio que outras pessoas, o médico explicou que é normal, então não precisa se preocupar. Os ômegas naturalmente têm a temperatura corporal baixa. E dormir com Junpei é como estar no céu, ele é tão quentinho (não quente como um vulcão em erupção - semelhante a Mahito -, mas quente como uma lareira na sala de estar durante o inverno)
"Não importa, eu adoro abraços e o seu é o meu favorito." Respondeu, virando-se para a parede e ignorando a dor no estômago, é apenas fome. Vai procurar alguma fruta mais tarde.
"Claro é." Junpei escreveu, ele deve está revirando os olhos nesse exato momento. "Eles estão sendo bons com você?" Ponderou um pouco sobre a questão. Jin e Toji não estão sendo malvados, mas ainda é muito cedo para dizer que são bons. Também não interagiu com Sukuna e Choso, muito menos com Tsumiki e Megumi.
"Não tenho uma opinião sobre isso ainda, quase não falei com eles… te darei um feedback na próxima semana." Na verdade, não importa qual seja o comportamento deles, o feedback já está programado para: A péssima experiência de viver seis meses com Jin e sua família. E nada vai mudar isso.
"Nós dois sabemos que você ainda vai difamá-los nas músicas." Riu baixinho com as sábias palavras de Junpei.
"Você me conhece tão bem, sabe tudo o que estou pensando." Digitou, com um sorriso pequeno nos lábios, "Realmente não quer casar comigo?" Perguntou, essa é uma brincadeira que fazem desde sempre. Junpei é um beta, ele adora seu gênero secundário e não dá a mínima para essa coisa de ômega recessivo ou dominante, ou alfas dominantes e recessivos. Ele sabe de todos os detalhes (ou obrigou-se a aprender) desde que conheceu Yuuji e tornaram-se melhores amigos. Mas não se importa com essas discussões idiotas que rolam na sociedade.
"Não, você é meu irmãozinho. Mas obrigado pelo convite." Sorriu com carinho, fechando os olhos e pensando em dormir até amanhã, está tão cansado. Abriu-o rapidamente quando o celular vibrou na palma da sua mão, "Não faça esse tipo de pergunta a Aoi-san, ele vai levar a sério."
"Sim ele vai." Respondeu curto, bloqueando a tela e escondendo o celular debaixo do travesseiro.
No entanto, casar não é um sonho para Yuuji (como é para a maioria dos ômegas japoneses) tem planos maiores e mais gloriosos. Como ganhar mais dinheiro, e se tornar um Bill Gates ômega. Sim, isso é muito mais divertido que um casamento idiota.
°•°
Poderia ter acordado tarde no domingo (como costumava fazer na infância, quando passava a semana inteira esperando pelos sábados e domingos, apenas porque não precisava ir à escola) mas o tempo criou um relógio biológico no seu cérebro (defeituoso) e não permite que durma até depois das cinco da manhã. Esse desenvolvimento indesejado, veio com a responsabilidade de cozinhar a própria comida, caso não quisesse morrer de fome, e serviços domésticos rotineiros (mas que quando colocados sob os ombros de um pré-adolescente torna-se excessivamente cansativo). Nas primeiras vezes que viajou para América, passou vinte e quatro horas acordado, simplesmente não conseguia se acostumar com o fuso horário, tomar energéticos ajudava, mas não era o suficiente. A imprensa ainda podia ver seu cansaço e desânimo, felizmente, conseguiu se acostumar depois de várias e várias viagens pelo mundo.
O fato principal é que não importa quão cansado esteja, não vai fechar os olhos antes da meia noite e não vai dormir até depois das cinco, é algo tão certeiro quanto o mar ser azul. É um hábito e hábitos são difíceis de serem quebrados, (é o que dizem por aí) no entanto, pela primeira vez em sete anos acordou às nove horas da manhã de um domingo.
Primeiro, ficou surpreso com barulho na casa, pensou debilmente: "não sabia que eles acordam pela madrugada", nas pouquíssimas vezes que dormiu aqui não lembrava de vê-los despertando antes das oito horas, principalmente no domingo. Intrigado, agarrou o celular debaixo do travesseiro e ligou a tela de bloqueio, arregalando os olhos quando viu um grande nove brilhando na tela led full hd. Sentou na cama em um pulo tão rápido que viu tudo girar, como isso é possível? Nem mesmo durante a última turnê que fez pela América seu relógio biológico atrasou, (e diga-se de passagem, uma turnê musical é muito exaustiva). No entanto, está supondo que Junpei está certo sobre a carga emocional ser mais pesada que a física, e como ela os efeitos dela são mais claros. Ele deveria investir em um curso superior de psicologia, não cinema ou produção musical.
Segundo, acordar tão tarde descontrolou toda a rotina que tinha prescrita para o dia (de segunda-feira a sexta-feira, vai à academia praticar musculação, sábado é o dia que escolheu para relaxar os músculos e no domingo corre alguns quilômetros) como pode vê, não saiu para correr no domingo. Muito menos comeu quatro ovos cozidos com abacate cru no café da manhã, estava quase na hora do almoço, comer as nove só iria descontrolar ainda mais o seu dia de merda. Apenas aceitou que o dia começou mal (e quando começa assim, a tendência é piorar). Levantou da cama, notando agora que está sozinho no quarto. O que é perfeitamente aceitável, considerando o horário.
Saiu no corredor e foi até o banheiro, batendo na porta para verificar se há alguém lá dentro antes de girar a maçaneta, por mais que a fechadura não esteja quebrada, esse é um hábito que vai manter pelo resto da vida (as pessoas podem simplesmente esquecer de trancar a porta) e situações constrangedoras acontecem. Felizmente o banheiro estava vazio, entrou e trancou a porta, fez a higiene básica e passou uns cinco minutos adicionais fazendo caretas na frente do espelho. O barulho da casa continua alto, há vozes vindo de todos os lados, cheiro de churrasco, cerveja e tabaco (sem dúvidas o cachimbo do Wasake) não está nenhum pouco ansioso para vê-los novamente.
Voltou para o quarto de Megumi e desfez a mala no mini guarda roupa completamente vazio (não precisa ser um gênio para saber que é seu) e a cômoda velha. Surpreendentemente, não há nenhuma poeira nas gavetas e prateleiras, e tem aquele cheirinho de produtos de limpeza permeando o ar. É bom, não são aqueles produtos de baixa qualidade que Kaori comprava, com fixação de cheiro nível zero, essas são marcas Premium que nunca pegaram porque era muito caro e não cabiam no orçamento. Claro, as condições melhoraram muito depois que conseguiram se estabilizar na antiga casa de infância de Kaori e tio Kenjaku, e posteriormente fazer rios de dinheiro com músicas e shows internacionais.
Desconfia que um dos motivos pelo qual Kaori o deixava fazer viagens misteriosas com Tio Kenjaku é justamente porque estava trazendo dinheiro para casa, ela nunca perguntou o que faziam ou o porquê levar Yuuji junto, talvez não se importasse o suficiente (não pode ser porque confia no irmão, se confiasse, deixaria Yuuji ficar com ele esses seis meses). Pensando bem, é provável que ela tenha deixado-o com Jin justamente por causa das viagens misteriosas. Sim, escutou-a desabafando com Mahito uma vez sobre como sua aproximação com Kenjaku é… estranha. Sim, o tio não é o melhor irmão do mundo, mas ela também não foi a melhor irmã que ele poderia ter. Então, acha hipocrisia da parte dela julgá-lo pelo comportamento distante e reservado.
"Seu tio se afastou de tudo e de todos, ele é um homem que não quer laços familiares." E daí? Yuuji admite que o achou idiota na infância (isso claramente foi antes de conhecê-lo) e muito antes que descobrir como o mundo funciona, agora, espera que seja seus "irmãos" quem digam isso aos filhos. Porque assim que completar a maioridade vai desaparecer do Japão e da vista de todos eles, talvez, ainda o vejam em revistas e programas de tv. Mas apenas isso, sem contato físico, muito obrigado. A família Kamo também não é uma das mais unidas, é um clã antigo e tradicional do velho Japão, mas aparentemente o vovô (pai da Kaori e tio Kenjaku) não era nada tradicional e casou-se com uma beta, o que lhe rendeu a expulsão do clã. Honestamente, Yuuji agradece bastante por ele ter se rebelado contra a família Kamo, caso contrário, é provável que teria problemas para ser quem é atualmente.
Kaori ainda detém um certo tradicionalismo, principalmente em relação a gêneros secundários, ela é uma ômega recessiva cuja alma gêmea nunca existiu, (isso é mais do que normal na América) e procurou justamente um alfa recessivo para acasalar. Era esperado que todos os filhos fossem betas e alfas recessivos, no entanto, vieram dois alfas dominantes e um ômega recessivo. Os genes da família Itadori foram mais fortes em Choso e Sukuna, uma vez que Wasake e a falecida esposa eram dominantes, e os genes dos Kamo mais fortes em Yuuji. Kaori acredita que ômegas devem ser recatados e submissos (embora ela mesma não seja melhor exemplo de submissão), além é claro, de manterem a aparência suave e gentil, amorosas e maternal. A coitada deve ter se decepcionado muito com o único filho ômega que teve, porque Yuuj é tudo, menos isso.
Filhos? Não quer dar a luz a nenhum, pelo menos não antes dos trinta e dois anos (porque trinta é a idade do sucesso), em contrapartida, a idade ideal para ômegas terem filhos no Japão é de dezenove a vinte e dois anos. Está sete anos atrasado. Casamento? Yuuji não pensa em casar, pode apenas fazer inseminação artificial para ter um bebê, ou escolher um doador de esperma e ter relações sexuais com ele até engravidar (é de conhecimento geral que ômegas recessivos tem dificuldade em ser fecundados). Recatado? Desculpe, mas as músicas que escreve são tudo, menos recatadas. Suave? Gentil? Amoroso? Pode ser isso, apenas apenas com aqueles de que realmente gosta. Então não, Yuuji não é o filho que Kaori sonhou ter, e provavelmente nunca será o maior orgulho dela.
Nem de ninguém que compartilha seu sangue.
Mas tudo bem, não estava esperando aprovação dela ou de Jin quando começou isso, nunca esperou aprovação de ninguém, na verdade (talvez de Wasake) mas o velho não se importa com o que faz ou deixa de fazer. Ele fica em uma linha tênue entre negligência e liberalismo, é difícil dizer o que se passa na cabeça dele. No final, ele ainda é a pessoa favorita de Yuuji, então não está reclamando. (Além de pouco se importar com essa coisa de famílias e valores tradicionais) às vezes duvida que ele realmente é japonês (ou asiático, em geral). Wasake não é muito de contar história sobre a sua juventude, por isso sabe pouquíssimo sobre ele (ou as loucuras que fez) pela personalidade rude e rabugenta (idêntica a de Sukuna) é meio óbvio que se meteu em muito problemas e foi o motivo de muita dor de cabeça dos pais.
Sukuna surpreendentemente sempre foi um ótimo aluno (ele deixava suas atividades de gangster do lado de fora da escola), sendo nomeado presidente de classe e conseguindo o primeiro lugar na lista de chamada para a universidade de tecnologia de Tóquio logo após o término do ensino médio. As tatuagens e mau humor aparentemente passam a mensagem de autoridade e respeito, intimidação e virilidade, (claro, isso é apenas porque é um alfa. Se um ômega fizer uma tatuagem, ou até mesmo um beta, ele será visto com maus olhos pela sociedade, e será rapidamente associado à vida criminosa.) E mais uma vez, idêntico a Wasake. A diferença é que Sukuna, apesar de toda carga que carrega na personalidade rude, nunca mostrou ser um filho problema para Jin ou Kaori.
Deveria ter sido ele a se rebelar durante o divórcio complicado dos pais, aquele que tinha maior propensão a ataques de raiva e temperamento quente. No entanto, contrariando todas as crenças, Yuuji, a criança dócil, quieta, obediente e educada foi a única que mostrou-se rebelde e… fora dos padrões. Sim, fora dos padrões que a sociedade japonesa criou para os ômegas recessivos e dominantes.
Não é excessivamente magro como eles costumam ser (embora esteja dentro do peso ideal, a nutricionista garantiu isso!), tem a bunda grande demais e sofreu bullying por causa desse infortúnio (não é como se tivesse pedido para nascer com essa bunda), depois, ômegas masculinos não tem mamilos como as ômegas femininas, claro, eles têm mamilos, mas são retos como uma tábua de passar roupa. Yuuji, mas uma vez saindo dos padrões, tem mamilos pequenos e delicados, pontudos como os de uma garota entrando na puberdade, e mesmo que odeie, precisa usar um sutiã (tamanho PP) ou o bico deles vai marcar na roupa (por mais folgada que seja). Também não usa roupas ômegas/femininas frequentemente.
Não é que não goste, é que roupas femininas são… muito mais reveladoras que roupas masculinas, elas marcam intencionalmente a bunda, quadris e cintura. E por enquanto, não quer mostrar essas partes do seu corpo (Tio Kenjaku também não deixaria). Claro, ainda usa vestidos recatados para ir à igreja nos ensaios do coral e culto de domingo, mas eles são tão recatados que ninguém o olha duas vezes (talvez alguns pervertidos que gostam de meninos certinhos, mas só eles.) No fim das contas, Yuuji ainda é o filho menos brilhante da família, e mais propenso a se meter em problemas.
Está tudo bem, não se importa com isso. Eles não esperam nada dele, e ele não espera de ninguém.
Terminou de guardar as roupas e escondeu as malas debaixo da cama, o violão permaneceu dentro da capa, encostado na ponta da cama (não vai deixá-lo sem capa e fazê-lo ficar empoeirado). Durante esse meio tempo, Megumi não apareceu no quarto, nem ninguém, o que é bom. Muito bom. E o barulho do piso inferior aumentou exponencialmente, está começando a incomodar, a casa na qual morou por sete anos era silenciosa e pacífica (na maioria das vezes) e só experimentava agitação quando estava na loja do Tio Kenjaku ou a casa de Junpei. Aqui é como… está no meio da rua, ouvindo as pessoas falarem ao mesmo tempo e esbarrar uma nas outras por falta de atenção.
Levantou da cama, escolhendo uma muda de roupas (compostas) e uma toalha super macia, saiu do quarto e caminhou até o banheiro. Onde tomou um banho longo e merecido, vestiu-se e penteou o cabelo deixando-o preso em uma trança (como sempre) colocou o inseparável boné preto desbotado e saiu no corredor novamente, dando uma rápida passada no quarto para pegar a carteira.
Seu relógio de pulso marca onze e vinte da manhã, não come desde sexta-feira de madrugada (a greve de fome existia somente na frente da Kaori) e bebeu água, muita água, e nada mais que isso. Estava muito ansioso no sábado e dormiu antes do jantar (não que pretendesse comer a mesa com eles) e agora o estômago ronca de fome. No entanto, a última coisa que quer é passar o almoço de domingo com Jin e sua família perfeita.
Desceu as escadas despreocupadamente, ignorando a forma como o coração bate forte dentro da caixa torácica, a dor ainda está lá, não tão forte quanto antes, mas permanece constante. Já na sala de estar, viu duas garotas sentadas no sofá conversando sobre alguma merda com Tsumiki. Elas são rostos conhecidos, filhas de Gojo e Geto, que infelizmente são amigos íntimos de Toji e Jin.
Deveria ter feito um contrato onde eles não vem nessa casa enquanto estiver morando aqui, mas naquela época estava contando com viver na casa de Kaori e tio Kenjaku e nunca mais aparecer na casa Itadori-Fushiguro, quem poderia ter adivinhado que seria jogado no inferno? Pois é, ninguém. Passou por elas, ignorando o: "bom dia Yuuji-kun, está se sentindo bem hoje?" De Tsumiki, oferecendo somente um aceno de cabeça suave e discreto. O barulho da casa é ainda mais alto aqui em baixo. Tão incômodo.
Suspirando, foi até a cozinha, e infelizmente encontrou as duas pessoas que menos queria ver hoje, Geto e Jin, ambos cozinhando e conversando entre si com sorriso e risos enchendo o ambiente. Que nojo. Não tentou esconder a careta que dominou o rosto, e sem falar com nenhum deles abriu a geladeira, verificando o que tem de comestível no interior dela.
— Yuuji, quando você acordou? — Escutou Jin perguntar com a voz cheia de surpresa, não prestou atenção nas palavras dele, agachando-se para ver o suprimento de legumes. — Deve estar com fome, o almoço ainda não saiu, mas os meninos estão fazendo churrasco no quintal, tem vários lanches por lá… se você quiser. — Ofereceu, agora um pouco mais cauteloso.
— Carne de baixa qualidade. — Resmungou, revirando os olhos. Carne cheia de gordura e poucas proteínas. Prefere frango e peixe.
— Bom… nós compramos o que dá. — Arqueou uma sobrancelha, fechando a geladeira e virando-se para os dois alfas. Geto está fazendo uma salada (tem a cara horrível) em cima da bancada, e finge não vê-lo (melhor assim) e Jin estava cortado algo também, só não prestou atenção no que era. — Satoru-kun e Suguru-kun trouxeram uma torta de morango deliciosa, posso pegar um pedaço para você. — Torta de morango? Imagina que sejam uma daquelas que ficam nas vitrines de padaria. Puro açúcar. E o tio Kenjaku odeia que coma açúcar. Jin não esperou uma resposta sua, já começando a se mover para pegar uma louça e talheres.
— Não como doces. — Disse, e Jin parou no meio do caminho, franzido a testa em confusão.
— Mas é a sua torta favorita. — Exclamou, como se tivesse acabado de ouvir a maior perplexidade do mundo.
— Não é mais. Eu mudei, muito açúcar faz mal a saúde. — Deu de ombros, fazendo pouco caso. A verdade é que adoraria comer um pedaço (um enorme pedaço) de preferência, a torta inteira, mas não seria saudável. Considerando que não come nada desde sexta-feira , algumas calorias fariam bem, no entanto, não vai comer nada que venha de Gojo e Geto, obrigado. — E seu amigo está me atrapalhando, mande-o sair da frente. — Apontou para Geto com um aceno de cabeça.
— Oh, desculpe, Yuuji-kun. — Geto, que aparentemente estava inerte, saiu da frente do armário rapidamente, oferecendo um pequeno sorriso envergonhado. Tem a impressão de que viu um rastro de carinho e arrependimento nas íris marrons, mas ele fechou os olhos antes que pudesse observar melhor. De qualquer maneira, não importa mais.
— Um pedaço não vai fazer mal, e não seja rude com Suguru-kun, ele é mais velho que você. — Revirou os olhos diante da repreensão idiota, vasculhando o armazenamento de comida com desgosto. Não tem nada que goste. Simplesmente nada.
— Legal. — Resmungou, desistindo de encontrar algo de bom nos armários. Com um suspiro, levantou da posição agachada em que estava. — Vou sair, não deixe comida para mim. — Avisou, passando por Geto e quase cruzando a soleira da porta quando uma mão segurou seu antebraço suavemente.
— Onde vai? É domingo, nós almoçamos juntos. — Piscou momentaneamente, lembrando da época em que esperava ansiosamente pelo domingo, quando todos estavam reunidos e felizes. Quando ainda eram uma família. Ou quando tinha uma família. As coisas mudaram, faz anos que não se importa com o almoço de domingo ou refeições em família (com exceção as visitas na casa de Junpei). Aliás, que direito Jin tem de exigir sua presença na mesa durante a tarde de domingo quando foi ele quem simplesmente parou de vir? Quem o trocou por outros filhos, amigos e esposo? É preciso segurar a língua para não cuspir todos esses pensamentos, tem certeza que iriam brigar feio novamente.
Não é que se importa, o que Jin iria fazer? Dá-lhe um tapa no rosto novamente? Apanhar a muito tempo deixou de ser um incômodo.
— Você deve está me confundindo com sua família e amigos, Jin-san. Eu não almoço com vocês, tenho outros planos. Agora, se puder me soltar… — Puxou a mão, soltando-se facilmente (o aperto nunca esteve apertado) e deu as costas para a cozinha, passando pelo corredor que dá acesso ao jardim e chegando a sala de estar em questão de segundos.
Encontrou as meninas de antes ainda sentadas no sofá, conversando e rindo, Megumi, Sukuna e outro garoto que não sabe o nome se juntaram a elas e todos parecem se divertir.
— Yuuji… — Correu para o hall de entrada, aproveitando que já está com sapatos nos pés e saiu de casa sem olhar para trás, ou responder quem o chamou.
Ufa. Do lado de fora, atravessou a rua a passos largos e continuou nesse ritmo até chegar à avenida, onde fica a estação de metrô e sentar em um dos bancos de espera. Então finalmente pode respirar tranquilamente.
Isso foi pior do que imaginava. Olhou a hora do relógio e viu marcar doze e dez da manhã, ainda é relativamente cedo, então deve haver mercados abertos. (Não quer cozinhar, no entanto) e cozinhar significa voltar para casa de Jin, pensando nisso, mudou de ideia e pegou o trem para o distrito de Minato. A viagem foi curta, demorou menos de quarenta minutos no total, o trem estava praticamente vazio, assim como as ruas de Minato em si.
Seguiu na direção dos prédios altos e entrou no mais próximo ao parque regional, passando pelo zelador e o comprimentando com um sorriso simpático, pegou o elevador privado que é desbloqueado somente com a digital e encostou-se na parede de metal. Coisas de gente rica realmente é outro nível. Nunca imaginou que bastaria apenas um toque para entrar na casa do tio, sem precisar subir escadas porque o elevador está quebrado ou superlotado.
Não, agora tem um elevador próprio, de alta tecnologia e segurança, e ninguém indesejado pôde entrar.
A sensação é boa, mas o fato de ter comprado a cobertura com o dinheiro que fez é muito melhor. Sem depender de Kaori ou Jin, ou de ninguém que seja, foi algo seu, que conseguiu sozinho. Sem bajulação de superiores ou abrindo as pernas para um velho nojento. Conseguiu o dinheiro com seu talento para fazer música e esforços próprios, sacrifícios e noites em claro. E ninguém pode negar isso. Ninguém. Está orgulhoso de si mesmo por isso, por poder dar uma vida confortável ao tio Kenjaku.
Saiu do elevador assim que as portas abriram, a sala de estar espaçosa decorada no estilo Vitoriano e pinturas avaliadas em milhões de dólares presenteiam seus olhos. O tio sempre foi um homem clássico, cheio de segredos e misteriosos conhecimentos, cada detalhe e artefato da decoração tem um significado único para ele, é triste saber que ele passou tanto tempo privado de conhecer aquilo que queria porque não tinha dinheiro o suficiente. Neste apartamento há uma biblioteca cheia de livros, são tantos e de tantos gêneros que é doloroso olhar (para um preguiçoso como Yuuji, Junpei adora o lugar) , no entanto, o dia Kenjaku parece estar no paraíso quando entra naquela sala assustadora.
É surpreendente que ele não tenha ido para a universidade como Kaori. Ou talvez ele foi? Nunca parou pra perguntar sobre isso, mas o tio precisa ter um pouco de formação acadêmica para conseguir lidar com tantos contratos e dinheiro. Ele sabia exatamente o que fazer e como fazer quando foram a uma gravadora pela primeira vez, e colocou restrições em todos os contratos que fizeram até agora (todos para proteger a identidade de Yuuji). Vai lembrar de perguntar sobre isso depois.
Passou pela sala impecavelmente limpa e seguiu para a cozinha, onde abriu a geladeira e franziu o nariz ao ver frango congelado e outras fontes de proteína. Não quer cozinhar, e o tio Kenjaku dificilmente prepara algo comestível, optando por pedir comida preparada ou só mastigar uma fruta.
Com um suspiro derrotado, pegou um pote de salada de frutas e fechou a geladeira, procurando uma colher na gaveta e sentando-se na cadeira alta do balcão assim que encontrou.
O tio não está em casa? Ele já deveria ter vindo vê-lo, (claro, ele está longe de ser o melhor anfitrião, e Yuuji está longe de ser um visitante, ele é mais como um residente fixo.) Engoliu a colher cheia de frutas e puxou o celular do bolso, abrindo o app do twitter e rolando para baixo e para baixo, curtindo vídeos de gatinhos fofos e retuitando algumas postagens interessantes.
Fez pouquíssimas postagens desde quinta-feira, seu mau humor iria atrapalhar o engajamento na rede (não que tenha melhorado agora) e honestamente, não quer fazer nenhuma live no Instagram ou tiktok. Vai pensar em algum conteúdo legal para gravar durante a semana.
Enquanto rola as postagens, mastiga lentamente as frutas cítricas de sabor levemente amargo, essa sem dúvidas não seria uma refeição aprovada pela nutricionista, principalmente com o objetivo de manter o peso, mas não tem ninguém que cozinhe por aqui. As frutas estão velhas, a salada deve ter sido feita na sexta-feira, esse intervalo de tempo influencia muito no sabor delas, principalmente depois de descascadas e conversadas na geladeira. Mas ainda é muito melhor que as saladas prontas das lanchonetes meia boca e a padaria do mercado.
Tio Kenjaku faz essas saladas e as armazena em pequenos depósitos dentro da geladeira para quando Yuuji vier visitá-lo ter um lanche saudável e ele não precise parar o que está fazendo (geralmente nada) para preparar algo comestível.
Está quase na última colherada quando escuta passos se aproximando e uma voz muito conhecida ressoando pelo longo corredor.
— Sim,claro, nós adoramos os presentes. — Tão falso. Pensou, vendo-o ser excessivamente simpático com quem está do outro lado da linha, mas seu rosto com a testa franzida diz que não está realmente feliz ou "adorou" o tal presente. — … O Killer Cat ainda vai decidir sobre isso, sim, é uma ótima negócio, mas você sabe como são os jovens. — Revirou os olhos, nem sabe sobre o que ele está falando e a é culpado pela infelicidade do momento. No entanto, esse cliente ou possível patrocinador deve ser um homem importante e muito influente, já que o tio está perdendo tempo colocando a culpa no "Killer Cat", não é típico dele fazer isso.
Quando ele não quer ou não gosta de algo simplesmente diz abertamente um bem grosso e rude: "não" mas agora continua dando desculpas e voltas em torno do assunto em questão.
— Tenho certeza que sim, Tsukumo-san. — Arqueou a sobrancelha quando o tio desligou o telefone celular e massageou a têmpora, respirando fundo profundamente. Seja quem for, é importante o suficiente para deixá-lo desgastado. Encolheu os ombros, voltando a cavar a colher no depósito de salada, só agora percebendo que já acabou. — Não vai perguntar quem estava no telefone? — O tio perguntou, claramente achando estranho sua falta de curiosidade.
— Hum… você vai me dizer depois, de qualquer maneira. — Disse, encolhendo os ombros. É compreensível a intriga do tio, normalmente Yuuji estaria bombardeando-o de perguntas, mas hoje… bem, tem muita carga emocional para lidar, prefere não saber de coisas que irão sobrecarregá-lo ainda mais. Pulou da cadeira alta do balcão, indo até a geladeira novamente e pegando um pote grande de doce de leite pastoso.
— Suponho que esteja muito depressivo com os eventos recentes. — O tio comentou, olhando-o com certa diversão.
— Aquela casa é como a mansão Hill, só vejo assombrações em todos os cômodos. — Apontou a colher para o tio, enchendo-a de doce logo em seguida. — Eles me tratam como uma criança, e você acredita que existem regras? Como se eu fosse respeitar aquele vagabundo do Toji ou qualquer um além do vovô naquela casa. — Reclamou irritado.
— Você sabe que Toji-kun é um professor assim como Jin-kun, certo? — Parou de lamber a colher cheia de doce, piscando o olho meio desacreditado. Aquele brutamonte, um professor?? O que iria ensinar? "Como ser o Alfa másculo perfeito?" Deve intimidar todos os alunos. E ele ainda tem o rosto de traficante, qual escola iria contratá-lo? Como se lesse sua mente (o que desconfia seriamente que ele faça) tio Kenjaku disse: — Ele leciona educação física na Jujutsu Teach, sua nova escola. — O que?!!
— Como isso é possível?! Onde ele se formou? — Perguntou (exigiu) afobado, batendo a mão sob o balcão e fazendo um barulho desnecessariamente alto ressoar pela cozinha enorme. Tio Kenjaku riu, encolhendo os ombros.
— Sou seu empresário, não detetive. — Ele disse, rindo das próprias palavras. Yuuji apertou os olhos, tentando parecer ameaçador, (na verdade, não importa o quão intimidante tente ser, o tio sempre vai rir das suas bochechas macias e fofas). Isso é uma droga, quando vai se tornar uma vadia sexy como a Britney Spears e Madonna?! (Algo lhe diz que não importa o quão sexy seja, tio Kenjaku vai continuar achando-o fofo) — Mas, como sou alguém com senso comum e boa memória… — Falou isso dando um leve tapa no meio da testa de Yuuji, para ressaltar o fato que sua memória é perfeitamente saudável (diferente da de algumas pessoas***) — … Sei que ele vem do clã Zenin, e cresceu com alguns privilégios sendo um alfa dominante. No entanto, não sei o que fez abandonar a carreira pelo trono da família. Talvez o amor de Jin? É provável que os anciões não aceitassem a união. Ambos são alfas e já foram casados antes, o ideal seria uma ômega dominante como alma gêmea, mas você sabe, o destino gosta de brincar com as pessoas. — Engoliu o doce de uma vez, entendendo perfeitamente o que o tio quer dizer.
Ainda é surpreendente que Toji não seja um vagabundo completo. Claro que depois de sete anos ouviu falar sobre a ocupação profissional dele em algum momento, mas simplesmente esqueceu, não era uma informação importante para ser armazenada e lembrada. E nunca esteve prestando atenção há nada do que eles falam. No entanto, deveria saber que ele teria um diploma, parece que a única maneira de fazer dinheiro é estudando e sendo um assalariado, ou é o que as bajulações deles sobre as notas brilhantes de Megumi e Mai fazem parecer.
Bem, não chegou aos dezoito e já fez mais dinheiro do que eles fizeram a vida inteira, e não precisou de um diploma para isso.
— Na minha visão ele continua sendo um vagabundo. — Rebateu, desconsiderando a informação fornecida.
— Só está dizendo isso porque ele é a alma gêmea de Jin-kun. — Bem… talvez seja verdade. Mas mesmo se ele não fosse, jamais abriria as pernas para um cara com o rosto de merda (aqueles olhos são muito perigosos) claro, Mahito também era perigoso, mas há algo em Toji que o diferencia. Tem a mesma sensação com Geto e Gojo, até como com Choso e Sukuna. Talvez seja porque infelizmente tem uma ligação com eles? — Acho que deveria superar isso, Yuuji, já faz sete anos. Seguir em frente é o melhor que você pode fazer. — Revirou os olhos, como se superar a ausência do pai na infância durante eventos especiais fosse tão simples e fácil.
— Quem é o tal "Tsukumo-san?" do telefone? — Mudou de assunto, não querendo ouvir uma daquelas palestras chatas sobre "aceitar as coisas que não pode mudar", Junpei já fez isso o suficiente. O tio suspirou, aceitando a mudança de direção e sentou de frente para Yuuji, pegando uma colher para comer doce também.
Você sabe que a coisa é séria quando o tio sai de dieta.
— O maior empresário do ramo automobilístico do mundo. — Arqueou a sobrancelha, para quem acabou de receber uma ligação de um cara aparentemente poderoso, o tio não parece feliz.
— E qual o problema com isso? Você não está feliz? — Perguntou confuso. O tio suspirou outra vez, há rugas se formando nas extremidades dos olhos (ele está preocupado).
— É um grande negócio, estou feliz, mas não acho que devemos aceitar. — Ele foi direito, como habitual. Prestou atenção nas próximas palavras, — A filha dele, Tsukumo Yuki é uma fotógrafa e está fazendo uma campanha para divulgar os novos modelos de carros esportivos que estão sendo lançados no mercado este ano. Eles querem que você seja o garoto propaganda deles. — A única reação que conseguiu ter foi arquear as sobrancelhas.
— Pelo nome, estou supondo que são asiáticos. — O tio acenou com a cabeça.
— Japoneses, embora atuem principalmente na América e Europa. — Isso não o surpreende, é comum que grandes empresas façam transações com países de outros continentes. O tio ainda parece um pouco pertubado com tudo.
— Okay, isso é estranho. Eles são Japoneses e querem um artista como "eu" para ser o garoto propaganda? No mínimo, deveriam escolher algum idol fofo que está em alta na indústria asiática. — Disse confuso (no fundo, não está dando muito ibope para esse assunto)
— Qual parte do mercado internacional você não entendeu, Yuuji? — Deu de ombros, enfiando uma colher cheia de doce na boca. O tio suspirou cansado, coçando a cabeça. — Olha, eles estão dispostos a pagar bem… muito bem, por sinal, para realizarem um contrato. Mas como eu disse, não acho que seja uma boa ideia. — O tio recusando uma proposta que renderá muito dinheiro? Essa é nova.
— Qual é o problema, Tio? — Perguntou cansado de tanta enrolação. — Por que simplesmente não aceita?
— Você ganhou um presente. — olhou-o com olhos que dizem "vai precisar explicar melhor, velho." E o tio levantou da cadeira alta, — Espere aqui um minuto. — Ele não recebeu uma resposta, mas deu as costas e desapareceu no corredor do mesmo jeito. Passaram-se cinco ou oito minutos antes dele voltar com uma sacola azul tiffany na mão, de longe é perceptível que não é uma sacola personalizada barata que se compra na papelaria.
Parece luxuoso.
— Yuki-kun presenteou você com isso, eu não abri, mas a marca é cara. — Avisou, colocando a sacola no centro do balcão, entre Yuuji e o doce. Yuuji pensou um pouco, olhando entre o doce e a sacola bonita, a vontade de continuar comendo é grande, mas a curiosidade e entusiasmo por ganhar um presente é muito maior. A guerra estava vencida antes mesmo de começar. Empurrou o pote de doce com a colher para o lado e trouxe a sacola para perto, desfazendo o laço de seda delicada com um puxão suave. — A Tiffany é uma marca de jóias de luxo famosa internacionalmente, nem mesmo a primeira dama poderia comprar uma das linhas mais caras com o salário do presidente. — O tio explicou, seu rosto continua enrugado enquanto observa Yuuji tirar a caixa também azul tiffany de dentro da sacola.
É toda aveludada, com certeza com o veludo da mais alta qualidade, passou os dedos sob o nome tiffany escrito em um tom prateado no meio da caixa e abriu-a curiosamente. Engoliu em seco, surpreso com a beleza das jóias (claro, tem dinheiro para comprar algumas jóias de luxo, mas sempre permaneceu com um cordão de ouro barato que ganhou na infância) e isso é… outro nível. É um conjunto de jóias preciosas, diamantes brilhantes e perfeitamente lapidados. Um colar revestido de diamantes, o fecho certamente é feito de prata, e os brincos seguem o mesmo design.
São delicados e chamativos ao mesmo tempo, é impossível alguém não notar um colar tão bonito como esse no pescoço de outra pessoa. Os brincos longos devem ter uns quatro ou cinco centímetros de comprimento, parecem pesados.
— Por que Yuki iria me presentear com algo tão caro?! — Perguntou, ainda desacreditado do que ganhou. O tio olhou-o como se estivesse falando com um burro (não o burro do Shrek, ele certamente é considerado mais inteligente que Yuuji nesse momento).
— Você não assistiu as aulas de biologia da escola? — Devolveu, soando indignado e muito, muito cansado. Sim, Yuuji assistiu às aulas, mas não prestou atenção em nada que não fosse "ômegas recessivos tem dificuldade em engravidar; tem cheiros fracos; nem sempre conseguem lidar com o cio de um alfa dominante; dificilmente tem cios." Essas coisas, foi o que julgou ser importante. — Com esse presente luxuoso, Yuki-kun está te cortejando. Se você aceitar o contrato, estará inevitavelmente perto dela, e ela é quatorze anos mais velha que você. — Oh… O QUE?
— Me cortejando?! Mas ela nem me conhece! — Exclamou, meio apavorado, meio surpreso. A idade não é realmente o problema, ela está praticamente na mesma idade de Mahito? E sempre preferiu alfas mais velhos. — E enquanto a alma gêmea dela? — Lembrou-se desse pequeno detalhe.
Japoneses (os que vêm de famílias tradicionais e fazem parte da alta sociedade) têm a tradição de cortejar, namorar e casar somente com sua alma gêmea, provavelmente é por esse motivo que eles têm uma alta taxa de pessoas carregando a marca de alma enquanto as taxas dos outros países são quase inexistentes.
— Yuki-kun não tem uma alma gêmea, ela nasceu sem a marca. — Piscou os olhos. Em outra época iria se sentir triste por ela, mas agora não, agora acha que isso é verdadeiramente uma benção. — E todos te conhecem, não fisicamente, mas se sentem incrivelmente próximos a você graças às suas músicas e conteúdos nas redes sociais. — Isso é um fato. O tio está preocupado com o que, afinal?
— Então, Yuki-kun está tentando me cortejar… qual o problema com isso? — O tio Kenjaku respirou fundo duas vezes seguidas antes de abrir um sorriso paciente. Sente que está a segundos de ser esbofeteado.
— Qual parte do "ela é quatorze anos mais velha" você não entendeu? — Ele perguntou, seu rosto é tão cansado e exausto. — Você não precisa fazer isso, sabe… você tem suas almas gêmeas e ela é tão velha… — Interrompeu o tio.
— Caso tenha esquecido removi minha marca, e gosto de alfas mais velhos. Tipo, se você não fosse meu tio, seria totalmente meu tipo. — Certo, essa última frase ficou estranha. Fez careta inconscientemente e o tio também. —... O que quero dizer é que você não precisa se preocupar tanto com besteiras, faço dezoito em quatro meses. — Encolheu os ombros.
— Você cortou sua ligação com eles, mas eles não cortaram a ligação deles com você. Ainda são alma gêmeas, querendo ou não. — Às vezes esquece que o tio é um pouco romântico sobre essa coisa de almas gêmeas e Akai Ito. Talvez porque o romance dele não deu certo ele tenha essa obsessão de que pode fazer o de outras pessoas funcionar. — E não acho que você esteja preparado para um relacionamento agora, Mahito é muito recente. — Cuspiu o nome de Mahito com veneno.
O tio nunca soube que estava sendo abusado sexualmente pelo Mahito desde os doze anos, quando a Kaori o conheceu e o trouxe para casa. Ele só descobriu que estavam namorando quando Yuuji tinha quinze anos (o que obviamente não aprovou) e então depois, quando brigaram feio e tomou uma surra (também bateu, mas não fez muita diferença). Desde então, o tio tem sido extremamente cuidadoso com relacionamentos amorosos e qualquer possível atividade sexual na qual Yuuji se envolva.
Ele odeia Mahito com todas as suas forças. Às vezes é assustador ver a sua expressão quando o tocam nesse assunto. Então Yuuji prefere desviar sempre que possível.
— Já faz um ano e dois meses, não é tão recente assim. — Na verdade, se olhar para os quatro meses que ficou em estado vegetativo e mais três em profunda depressão, sim, faz pouquíssimo tempo. Pensando nisso, completou: — E não é como se fossemos namorar e casar, você sabe que não quero isso. — Abriu um sorriso tranquilizador.
— É, eu sei. — O tio concordou, soltando outro suspiro. — Você tem certeza que quer assinar com os Tsukumo? — Perguntou por fim, em seus olhos cor de chocolate Yuuji viu o desejo quase desesperado de ouvir um "não". Mas honestamente, nunca tomou as melhores decisões.
— Sim, é claro que vamos assinar. — Sorriu, animado para conhecer a tal Tsukumo Yuki.
•°•
Quando voltou para casa de Jin o relógio marcava oito e quarenta e cinco da noite, fechou a porta com um chute e deixou os sapatos na entrada de qualquer maneira. Ambas as mãos estão ocupadas carregando várias sacolas plásticas do mercado, sempre que tenta recolocá-las, marcas de listras vermelhas mancham a pele pálida do seu antebraço, poderia ter chamado um táxi para trazê-lo ou procurado um entregador, mas a essa hora da noite de um domingo é difícil encontrar alguém honesto e confiável. Sempre preferiu carregar as próprias compras de qualquer maneira, isso não é um incômodo.
Ao entrar na sala, a primeira pessoa que viu foi Jin (uma das pessoas mais indesejadas) sentado no sofá, ombros retos e expressão séria no rosto. Por acaso aconteceu algo durante o meio tempo em que estava fora? Estava planejando ignorá-lo e seguir para cozinha guardar os alimentos que comprou, uma variedade de legumes, verduras, frutas e temperos. Além dos ovos e peixes. Quando foi interrompido.
— Onde esteve o dia inteiro? — Parou no meio do caminho, olhando para um Jin muito sério, não se lembra de vê-lo assim, tentando impor algum respeito (que claramente não merece) talvez seja a pose que faz para os alunos na sala de aula, grande infelicidade a dele então, Yuuji nunca respeitou os professores (pelo menos a maioria).
— Fiquei com o tio. — Respondeu simples, porque é a verdade. Não saiu da casa do tio Kenjaku para nada além do mercado, mas isso foi somente no final do dia e depois do mercado veio diretamente para casa de Jin. A tarde foi gasta fazendo postagens nas redes sociais, em especial o twitter e o Instagram, compartilhou memes engraçados e interagiu com fãs. Foi divertido. Sempre é divertido interagir com fãs. — Algum problema com isso? — Jin respirou fundo, fechando os olhos no processo. Yuuji se pergunta mentalmente porque todo mundo está suspirando tanto ultimamente.
— O domingo é o único dia em que podemos almoçar juntos, uma vez que ninguém está no trabalho. É um momento importante, e eu gostaria que você estivesse presente. — Piscou uma, duas, três, quatro, cinco vezes e ainda desacreditou do que ouviu. É alguma piada, certo? Porque seria muita hipocrisia da parte de Jin pedir algo assim quando ele foi o único que se afastou da família. — Também temos toque de recolher, estudantes universitários devem estar em casa às onze horas da noite, e você e Megumi no máximo, às nove. — okay. Nove da noite.
Nove da noite é muito cedo.
— Jin-san, entendo que domingo é o momento do 'seu' almoço em família, mas não tenha nada haver com isso, então não, não estarei presente durante eles. E às nove horas da noite é muito cedo, posso estar aqui às dez. — Apontou, seguindo para cozinha e deixando-o falar sozinho, tem uns vinte quilos em cada mão e seu braço começando a protestar, essa merda não é musculação.
— Sim, você tem tudo haver com nossos almoços de domingo, você é meu filho, neto de Wasake e irmão de Sukuna e Choso… — Jin o seguiu de perto, falando besteiras em seu ouvido. Se casar com Yuki (embora não a conheça) para sair dessa casa está parecendo um ótimo negócio…
— Você também era meu pai, filho de Wasake, pai de Sukuna e Choso quando começou a pular os almoços de domingo para transar com Toji. — E realmente Tsumiki tinha que estar na cozinha neste exato momento? Ela ofereceu um sorriso sem graça, desviando os olhos rapidamente. — Só para constar, ainda estava casado com Kaori-san. — Sorriu inocentemente. Disse isso apenas para provocar Tsumiki (nada contra ela, mas é engraçado vê-la engasgar com essas palavras)
— Isso não vem ao caso agora, eu e sua mãe não estávamos mais juntos naquela ocasião então… — O interrompeu novamente, colocando as sacolas em cima do balcão.
— Claro, só porque você não estava mais transando com a Kaori tinha que esquecer suas responsabilidades como pai, tipo, assistir algumas apresentações idiotas na escola do seu filho no dia dos pais ou estar presente no aniversário. — Terminou, tirando os abacaxis de dentro da sacola. Eles são grandes e bonitos, pagou caro, mas valeu a pena.
— Eu errei com você, admito isso, mas estou tentando consertar meu erro. — Bufou com essa declaração, embora a expressão de Jin seja de pura honestidade não vai cair nessa.
— Mandar um cheque todo início de mês não é ser pai. — Disse, com um sorriso sarcástico nos lábios. O tio odeia quando faz isso, mas essa é uma ocasião especial. — No entanto, tenho certeza que está sendo um pai muito melhor para Megumi-kun e Tsumiki-san, certo, Tsumiki-san? — Perguntou quando a viu tentando sair sorrateiramente da cozinha. Ela encolheu-se, olhando para Jin como um cervo pego pelos faróis de um caminhão em alta velocidade. — Não precisa ter medo, querida. — Fez uma voz doce, piscando um olho para ela. Percebeu as bochechas dela assumir uma cor avermelhada e os olhos correrem para o chão imediatamente.
Oh, isso é interessante.
— Não torture os outros, Yuuji. Tsumiki-kun, pode ir. — Liberou-a da cozinha, mas o que acabou de presenciar deixou Yuuji pensativo (é capaz de continuar assim o resto da semana) — Eu e Kaori erramos enquanto um casal e envolvemos você e seus irmãos em nossos problemas, nunca irei me perdoar por isso, mas entenda que estamos mais felizes assim. Eu gostaria que você ficasse alegre por meu novo casamento, o fato de Megumi e Tsumiki serem meus novos filhos, não anula meu amor por você. Querido, você continua sendo meu bebê precioso e adorável, ninguém pode ocupar seu lugar no meu coração. — Mais felizes assim?
Meritíssimo,Yuuji não sabe o que é ser feliz desde que as brigas dos pais começaram, ele tinha sete anos de idade quando tudo começou e o único alívio que sente é quando está interagindo com fãs, compondo letras de músicas, dançando, em shows, cantando, qualquer coisa que o mantenha ocupado para esquecer do buraco enorme que há em seu peito. Um buraco que passou a existir quando Jin não apareceu nos domingos de almoço e após o jantar, e só cresceu quando ele nunca estava lá.
E ele tem coragem de vir dizer que estão mais felizes assim? Isso é o que mais machuca. Ele nunca soube como Yuuji se sentia, e vem falar sobre felicidade? Ele nem sabe que seu bebê adorável e precioso perdeu a virgindade para um estupro que aconteceu debaixo do próprio teto enquanto Kaori dormia no quarto ao lado. Muito menos que seu bebê é o "Killer Cat" um artista internacional que é o ídolo de vários adolescentes e adultos nos quatro cantos do mundo.
Ainda sim, abre a boca e diz que o ama? Não, ele não ama.
— Ninguém pode ocupar meu lugar, hein? — Perguntou, rindo nasalado, mas não há nenhum humor em sua expressão ou voz. — Exceto o pau do Toji, eu suponho. — Completou, deliciando-se com os olhos arregalados de Jin por trás do óculos de grau forte. — O que? Vai me bater como daquela vez? — Viu os punhos de Jin tremerem ao lado do corpo, e o cheiro de irritação e decepção encher o ar da cozinha.
Que fofo, está decepcionado por não ter as palavras ensaiadas aceitas de primeira? Isso é realmente satisfatório.
— Já é o suficiente. — A voz estrondosa de Wasake foi ouvida, Yuuji imediatamente abaixou a cabeça, dando um passo para trás. — Jin, você não vai fazê-lo te desculpar com palavras, se realmente está arrependido pelo que fez, mostre isso em atitudes. — Disse, dando passos para dentro da cozinha e contornando o balcão para ficar do lado de Yuuji, fazendo questão de atingi-lo com a bengala bem no meio das costas.
— Aí!! Isso doeu, vovô! — Reclamou, fazendo bico e uma voz manhosa. Wasake não se importou em atingi-lo novamente.
— E você, enquanto morar conosco vai seguir as regras da casa, elas foram estabelecidas para sua própria segurança e bem estar. E nada de piadinhas. — O vovô falou com tanta severidade que é difícil ir contra. Então Yuuji apenas concordou, sentindo-se derrotado.
— Mas podemos mudar o horário das nove para as dez? — Tentou, oferecendo um sorriso inocente, Wasake estreitou os olhos, pronto para dizer um óbvio não. — Tenho aula de dança às nove. — Completou, sentindo o suor escorrer pela têmpora.
— Aula de dança? — Ele perguntou, desconfiado.
— Sim, de dança, é o único horário que posso ir, os outros estão todos lotados e temos uma apresentação em um mês, não posso simplesmente perder os ensaios. — Explicou melhor, e isso não é mentira, só está omitindo o estilo da dança (ou não totalmente, ele não perguntou).
Wasake continuou olhando-o com desconfiança, à procura de qualquer deslize para refutar suas palavras. — Tenho um cartão de entrada do clube, quer vê? — A verdade é que não vai mostrar. O vovô teria um ataque cardíaco se mostrasse o cartão de um clube de striptease para ele.
É uma escola de pole dance, não realmente um clube de striptease, mas é fácil pensar errado pelo slogan e imagem ilustrativa do cartão de visitas.
— Acredito em você, Yuuji. Pode chegar às dez horas, mas se atrasar dois minutos, ficará de castigo por duas semanas. — abriu um sorriso enorme, pulando em Wasake para abraçá-lo e dando-lhe um beijo demorado na bochecha. — Saia, neto dos infernos! — O velho exclamou, tentando empurrá-lo.
— Eu te amo vovô, você é o melhor avô do mundo! — Por outro lado, Yuuji não o soltou, apertando-o e banhando-se no cheiro forte de amêndoas com canela que o vovô sempre exala.
Em um dado momento, Wasake cedeu ao abraço, retribuindo-o (não com o mesmo entusiasmo) e deixou que o neto ficasse pendurado nele como um coala por longos e longos minutos. Ele não é um velho sem coração, como gosta de demonstrar.
— O que estava fazendo com seu tio o dia inteiro? — Não é uma novidade que Wasake desgosta da aproximação de Yuuji com Kenjaku, ou qualquer parente do clã Kamo, ele também não aprovava o relacionamento de Jin com Kaori inicialmente, mas acabou mudando de ideia com o tempo (ou apenas passou a esconder o desgosto). Gostaria de saber a origem da antipatia, mas supõe que por mais insistente que seja, Wasake não estará dizendo.
Às vezes ele é só um velho rabugento que decide não gostar das pessoas e ninguém consegue fazê-lo mudar de ideia.
Soltou-o, percebendo que Jin foi embora durante sua sessão de abraço com vovô (não está reclamando), coçou a nuca distraidamente.
— Nada realmente, comi salada de fruta e conversamos um pouco. — Disse, voltando a guardar os alimentos que comprou no mercado. Vovô encarou-o duvidosamente, mantendo o rosto severo e cheiro amendoado sob controle. Ele é o modelo perfeito de um alfa dominante, se pergunta o quão famoso ele foi nos dias de juventude (provavelmente, tão desejado quanto Sukuna).
— Conversaram sobre o que? — Continuou a perguntar, parado no mesmo lugar enquanto assiste Yuuji guardar e etiquetar os produtos.
— Ah … eu apenas estava reclamando sobre tudo isso. — Encolheu os ombros, dando as costas para o vovô. Ele está sempre curioso sobre os assuntos que mantém Yuuji tão próximo a Kenjaku, principalmente, o que fazem durante as viagens e porque sempre é levado junto.
Ou melhor, desde quando Kenjaku tem condições de viajar tanto e levar um acompanhante.
— O senhor sabe, eu não queria estar aqui. Não me sinto bem nesse lugar, e ainda ser forçado a mudar de escola no meio do ano letivo. — Completou, sem se preocupar em esconder o nariz franzido de desgosto. O vovô é a única pessoa com que manteve contato constante desde a separação dos pais (se é que merecem esse título) e também é um dos únicos com que se permite ser um pirralho mimado.
—... eu estava ao seu lado quando tudo começou, então não o culpo por odiar essa casa ou guardar mágoas de todos aqui. Jin tomou decisões que me fazem questionar o quão boa foi a educação que dei a ele, mas você também não está facilitando, está? — Fingiu-se de desentendido, assobiando despreocupadamente. O vovô bufou, balançando a cabeça negativamente. — Sinto muito que essa casa não pode ser mais um ponto seguro para você, Yuuji. Mas espero que saiba que todos aqui, independentemente das escolhas que fizeram, continuam te amando. — "Amor"? Não acredita muito nessas coisas. Não depois de tudo o que aconteceu.
— Obrigada por tentar me fazer sentir melhor, vovô. — Agradeceu, oferecendo um sorriso genuinamente doce.
— Não estou tentando fazê-lo se sentir melhor, falo sobre fatos. — Revirou os olhos com certa diversão, concordando superficialmente com isso. — Então pare de reclamar sobre tudo com Kenjaku, ele não é seu pai ou avô. — Piscou momentaneamente, pensando se isso é uma demonstração de ciúmes ou só mais uma das exigências sem sentido do vovô.
— Tio Kenjaku é um bom ouvinte, gosto de conversar com ele. — Respondeu cautelosamente, colocando o último abacaxi na fruteira antes vazia. — Ele me entende muito bem, e… não me força a fazer o que não quero. Você gostaria dele se o conhecesse como eu conheço. — "ou iria odiá-lo ainda mais." Completou mentalmente. Tio Kenjaku pode ser incrivelmente e intencionalmente sonso e desrespeitoso quando quer (o que é a maioria das vezes) e o vovô odeia tais características.
— Tsc. Duvido muito. — O vovô resmungou mal humorado, contornando o balcão para sair da cozinha. No entanto, ele parou no meio do caminho, estreitando os olhos para uma sacola em especial. — O que é isso? — Apontou com o queixo para a sacola chique azul tiffany. Yuuji demorou alguns segundos para responder, imaginando que estaria causando uma grande confusão ao dizer que é um presente de cortejo? Nem ele sabe o que isso realmente significa (apesar da explicação do tio, ainda não encontra sentido em ser cortejado por uma alfa que não o conhece), odeia dúvidas, então vai perguntar a Yuki o que o presente significa quando encontrá-la pessoalmente.
— Um presente. — Por enquanto, vai pensar nas jóias como um presente de patrocínio. Já os recebeu antes. (Claro, americanos e o resto do mundo não mantém o tradicionalismo do cortejo, então enviar presentes de patrocínio é algo normal para eles). O vovô apertou os olhos para a caixa, é perceptível que seu humor piorou ainda mais com a resposta curta que recebeu.
— Parece ser caro. — Comentou, tirando os olhos da caixa para encarar os olhos de Yuuji, com quem compartilha a cor âmbar, (embora menos brilhante). Sorriu inocentemente, pegando a sacola pelas alças e preparando-se para sair da cozinha também.
— Parece, não é? Eu realmente não sei, nunca entendi sobre marca de jóias e essas coisas. — Disse distraidamente, pesquisou no Google e as jóias que ganhou estão avaliadas em mais de quinhentos milhões de dólares. Isso é algo que não acha que compraria, mesmo com todo o dinheiro que tem. — Acho que só queriam me impressionar. — Completou, mudando de assunto logo em seguida. — Mas bem, já é tarde e idoso deveriam estar na cama a essa hora, vovô. — Wasake rosnou, e Yuuji pulou para longe.
— O único que já deveria estar na cama é você, pirralho desgraçado! Vá dormir já, amanhã terá aula logo cedo. — Acertou as costas de Yuuji com a ponta da bengala, não dói realmente, mas é um incômodo. — E pare de me atormentar, neto dos infernos. — Resmungou por fim, enxotado Yuuji escada acima.
Não se importa realmente, o vovô está sempre de mau humor, ele não bate para machucar, acredita que essa é apenas a maneira dele demonstrar os sentimentos e preocupações. Japoneses (e asiáticos em geral) tem a tendência de reprimir emoções, até pouco tempo doenças mentais eram vistas como "frescura", desrespeito ou falta de "oração" e para alfas essa crença é ainda mais forte. A sociedade espera que eles sejam uma montanha inabalável, sem defeitos e vulnerabilidades, o mesmo espera-se dos ômegas, mas é em níveis diferentes.
Por exemplo, um ômega pode ter depressão, eles são frágeis e sensíveis, então é normal que doenças mentais o atinjam. Devem receber todo apoio possível dos parentes e cônjuge, para ficar bem e voltar a vida normal. Mas se um alfa tem depressão e tenta suicídio ou qualquer coisa parecida, ele é preguiçoso, irresponsável e fraco. É um problema que infelizmente ainda é frequente na sociedade, e vai continuar sendo por um bom tempo.
Certa vez, enquanto vagava aleatoriamente pela internet viu uma entrevista sobre um psicólogo que oferecia cursos que prometia fazer adultos voltarem a chorar. Isso diz muito sobre a repreensão de emoções que asiáticos passam a vida inteira fazendo. É triste, e infelizmente faz parte da cultura.
Bateu na porta do quarto, ouvindo um abafado "pode entrar" do outro lado, respirou fundo e girou a maçaneta, ignorando a dor no peito por está novamente nesse quarto e entrou totalmente, mantendo a postura despreocupada (que trabalhou muito para aperfeiçoar). Fechou a porta suavemente e caminhou até a cama, deixando a sacola chique em cima do criado mudo e deitando de barriga para baixo. É provável que o vovô fique curioso sobre quem o presenteou, tem certeza que ele estava prestes a perguntar isso quando mudou o rumo da conversa. O que iria dizer?
"Uma alfa que não me conhece está me cortejando, eu aceitei porque ela é podre de rica e quero me divertir um pouco." Isso o faz parecer um interesseiro (não que não seja) mas vamos lá, não precisa do dinheiro de ninguém, entretanto, quem vai querer transar com alguém falido? Ninguém, a menos que sejam tão falidos quanto o parceiro.
Mas o vovô não vai ver isso dessa forma, ele vai pensar que Yuuji é um interesseiro de merda e está namorando uma alfa mais velha (mais velha que Choso) por causa do dinheiro dela e todos os presentes que ela lhe dá. Não tem como ele saber que Yuuji também é um milionário. Está se preocupando demais com baboseiras? O vovô provavelmente é o único que vai notar os presentes, como também foi o único que notou os hematomas (escondidos pela maquiagem) que Mahito deixou inúmeras vezes e como sua voz estava destruída. E bem, se os outros perceberam, preferiram não falar nada, o que é ótimo. Continuem assim, por favor.
— Sabe… — Levantou a cabeça minimamente, virando o pescoço para voz cautelosa e suave de Megumi, ele está vestido em um pijama composto de short folgado e camisa de botões com mangas curtas, pronto para dormir. — Falei ontem, mas não sei se você lembra. Esse quarto é seu, só estou aqui por um tempo, então não precisa bater a porta para entrar. — Dispensou as palavras com um movimento de mão, voltando a deitar a cabeça, dessa vez, afundando o rosto no travesseiro.
Claro que ele diria isso depois de usar o maldito quarto por cinco anos e ter tudo o que um dia já foi de Yuuji. Talvez seja pena? Realmente não precisa disso. Adoraria apenas dormir no sofá da sala, noite passada até foi tranquila, mas desconfia que tenha sido por causa do cansaço. Esse lugar traz lembranças que gostaria de esquecer, não são tão ruins quanto as que têm do seu quarto na casa de Kaori, mas machucam do mesmo jeito. Espera não ser atormentado por pesadelos.
— E… — O Interrompeu, outra vez movimentando a mão preguiçosamente no ar.
— Estou cansado, vou dormir. — Avisou, e ele felizmente permaneceu calado. Demorou pelo menos mais quinze minutos para Megumi apagar a luz da luminária do seu criado mudo e deitar, desejando um "boa noite" que nunca foi respondido.
Deve existir alguma outra maneira
Porque eu acredito em correr riscos
Mas quem sou eu pra ter uma opinião?
O que essa garota deve fazer?
Deus, eu preciso de algumas respostas
Overprotected - Britney Spears
Chapter 3: Capítulo 2: Lucky
Notes:
Hey! Bom dia, tarde ou noite XD
Sim, sabemos que estamos publicando os capítulos lentamente, mas tenham calma! >:p
Não sei o que pôr nas notas já que geralmente a Tata fica com essa parte... Bem, ela que lute para editar isso depois.Eu dei uma pequena revisada nesse capítulo mas não chegou a ser realmente uma betagem, ainda assim espero que esteja confortável de se ler. E, sobre os comentários, eu prometo que ainda vou responder todos; acontece que meus estudos estão me torturando lentamente e não me permitem ter tempo para ABSOLUTAMENTE NADA! Mesma coisa com a Tata, coitada KKKKKKK
Enfim, sem mais enrolações, BOA LEITURA! Amamos vocês.
Chapter Text
Manhã cedo, ela acorda
Bate, bate, bate na porta
É hora de maquiar-se,
Sorriso perfeito
É você que todos estão esperando
Lucky - Britney Spears
°
Hoje conseguiu acordar no horário certo, forçou-se para fora da cama e vestiu-se para a corrida matinal. O clima de outono ainda não atingiu o ápice, então as manhãs continuam frescas, é comum encontrar outros corredores pela calçada (talvez não tanto nessa área da cidade, muito perto do centro comercial) mas a orla da praia com certeza está lotada. Foi apenas uma vez por lá a essa hora e prefere não ir nunca mais, a sensação de correr a beira do mar é ótima, relaxante e suave, mas aquele tanto de alfas dominantes e recessivo com complexo de deus se exibindo como se fossem pinturas de Michelangelo ou Pablo Picasso irrita qualquer um.
Pior, por maior que seja a expressão de aversão e desgosto por compartilhar o mesmo local que eles, eles simplesmente pensam que você está tentando flertar e agem de maneira ainda mais vergonhosa e nojenta. Só de pensar sente ânsia de vômito. Balançou a cabeça para espantar esses pensamentos, esses caras são realmente assustadores.
Por esses e outros motivos, Yuuji faz a corrida matinal pela vizinhança. Até chegar na academia, é um intervalo de vinte minutos de corrida até lá, fazer os exercícios físicos pré estabelecidos pelo treinador e mais vinte minutos na volta, também correndo. Admite que nem sempre as pernas conseguem correr (principalmente depois de um treino pesado de pernas), é mais provável que ande parecendo um cervo recém nascido com o quão mole as pernas ficam, mas, bem, no final o esforço vale a pena.
Musculação é uma atividade que passou a gostar genuinamente, é legal desafiar a si mesmo todos os dias (a dor é só uma consequência para chegar aos ganhos), claro que está ciente de que nunca chegará ao físico de Todo Aoi, ele é praticamente o Hulk com todos aqueles músculos bonitos e fortes (mas isso é natural para um alfa, ainda mais depois de tanto estímulo), e consegue ser ainda maior que Toji. Aoi seria o tipo de alfa por quem se sentiria facilmente atraído, caso ele fosse uns dez anos mais velho.
“A vida não poderia ser mais fácil?” Se perguntou, soltando um suspiro derrotado. Nesse horário, a academia está quase vazia, os idosos vêm das cinco às sete da manhã, desempregados ou estudantes universitários das nove às três da tarde, estudantes do ensino médio e assalariados por volta das quatro, cinco e nove da noite. É comum que tenha escolhido a madrugada para treinar, os avôs e as avós são legais, um pouco engraçados e fraquinhos, eles se impressionam com tão pouco e o elogiam por ser corajoso a ponto de acordar duas horas antes que o habitual para cuidar da própria saúde. Ainda há aqueles velhos chatos e tradicionais que acreditam que um ômega não deve sair de casa desprotegido, a esses, Yuuji prefere ignorar.
Comprimentou a recepcionista e pegou o treino do dia, estará trabalhando os glúteos hoje, é uma das partes do corpo que mais doem, geralmente não consegue sentar direito depois desses exercícios. Arrastou-se até às máquinas, ajustou os pesos e começou a fazer a execução dos malditos exercícios, quanto mais rápido começar mais rápido termina.
Não tem outras pessoas da sua idade na academia nesse horário, uma vez ou outra Todo costuma aparecer, mas é apenas quando tem compromissos para a tarde (ele também é dois anos mais velho) e seus treinos são muito dolorosos para Yuuji conseguir acompanhar.
Quando terminou os exercícios, estava praticamente morto. Deitado sob uma máquina de estofado de couro preto e respirando em baforadas profundas. Seus glúteos doem como uma cadela, assim como as coxas, será difícil levantar depois que estiver sentado (é bom que Mahito tenha sumido, nesse quesito). Foi forçado a ir embora quando o relógio de pulso apitou, apontando trinta minutos para o início do horário de tomar banho e ir à maldita escola.
Na volta, assim como previu mais cedo, não conseguiu correr e chegou até a casa de Jin e Toji se arrastando. Nesse ponto, gostaria de ter idade o suficiente para dirigir, compraria um carro popular (mentira, iria optar por uma Ferrari ou Lamborghini) e não teria que depender tanto do metrô e seus assediadores de meia idade (às vezes os caras tem rosto realmente bonitos, mas todo resto é uma merda).
Por dentro a casa está recheada de vozes e barulhos, passos pesados, risos vindo da cozinha e um cheiro gostoso invade a sala de estar. Isso o faz lembrar do café da manhã animado que tinham na infância. Todos os dias, Choso ou Sukuna iam acordá-lo, claro que era uma verdadeira luta fazê-lo levantar da cama. Mas era divertido. No entanto, depois que as brigas começaram, eles apenas passaram a viver suas próprias vidas e esqueceram da existência insignificante de Yuuji.
Café da manhã? Bem, Kaori estava ocupada com os turnos no hospital e geralmente dormia nesse horário. Uma vez ou outra Mahito cozinhava para eles pela manhã, a comida era deliciosa, mas não tinha a sensação calorosa que sentia em casa, com sua antiga família.
Tirou os tênis e subiu as escadas lentamente, ignorando a dor que voltou a atormentar o coração. Tomou um banho demorado (a ideia de se afogar na banheira foi realmente tentadora, isso o deixaria afastado da escola por alguns dias, certo? No entanto, Junpei iria terminar serviço de suicídio cometendo um assassinato) afastou esses pensamentos e vestiu o uniforme escolar. Aparentemente Kaori passou o tamanho de suas roupas para Jin, as calças não são muito folgadas (do jeito que gosta) e a parte de cima é composta por um moletom vermelho (o tecido não é grosso) e uma jaqueta preta por cima. Não é o melhor uniforme, mas acredita que isso é melhor do que ser obrigado a usar saia, como muitas escolas tradicionais forçam TODOS os ômegas a usarem. Esteve em uma dessas escolas até os quatorze anos e passou por maus bocados com alfas e betas assediadores, ômegas competitivos e pedófilos sem noção.
Deixou a mochila escolar pronta desde a semana passada, com a pequena diferença que precisou trocar os cadernos e livros, fez isso quando embalava as roupas sexta-feira. Não é como se fosse um aluno modelo, dificilmente copia o assunto no caderno ou abre os livros didáticos, as notas falam por si mesmas, e Utahime também. Honestamente, não sabe qual o problema daquela mulher, não lembra de tê-la pertubado em nenhum momento e ainda assim, ela faz o possível para tirar sua paz com comentários maldosos na frente das pessoas e atitudes de merda no corpo docente de antiga escola. Parece ter prazer em vê-lo sentir-se envergonhado — o que é uma pena para ela, porque Yuuji não tem um pingo de vergonha na cara. Ele ainda fica irritado com as tentativas vagas dela de exaltar todos os ômegas a sua volta e rebaixá-lo, afinal, quem não ficaria? Mas retrucar não vai mudar nada, apenas conseguir uma discussão sem lógica (e provavelmente mandá-lo para terapia psicológica por dez anos), então é melhor ficar quieto, como sempre ficou.
Jogou a mochila nas costas e saiu do quarto depois de arrumar a cama, mantendo o celular em mãos para verificar as notificações nas redes. Deveria fazer alguma postagem de bom dia no twitter? Provavelmente ele não faria isso caso ainda estivesse tentando esconder sua nacionalidade, mas depois que duas adolescentes (stalkers) descobriram que é japonês, não vê motivos para negar ou esconder esse fato. Não é como se elas fossem descobrir seu nome e sobrenome, idade, endereço residencial e escolar. É só uma nacionalidade, pode muito bem ser japonês e morar em Tawan, Singapura ou Tailândia. Ou qualquer outro país da Europa, como França ou Inglaterra. Baixou a barra de notificações e arqueou a sobrancelha com um novo seguidor específico.
Tsukumo Yuki.
Essa não é a alfa de quem o tio Kenjaku tanto falava ontem? Apertou no ícone brilhante e entrou no perfil dela, é impressionante que a filha do maior empresário do ramo automobilístico seja uma fotógrafa e designer, ela tem a própria marca de roupas íntimas e roupas de dormir. Uma marca de luxo, comercializada principalmente na América. Interessado, ele abriu as fotos de viagens de férias e fotografias da natureza, ela realmente tem talento para esse tipo de coisa, rolou a tela até chegar nas fotos pessoais da alfa e UAU. Ela é linda, exala sensualidade e masculinidade, mesmo em roupas femininas. Isso o faz pensar o que ela viu nele…
— Bom dia, pirralho. — É despertado desse pensamento com a voz irritante de Toji, ele passou ao seu lado na escada e arrancou o boné vermelho da sua cabeça com a mão. — Desculpe, mas a escola não permite o uso de bonés durante a aula. — Informou, com um sorrisinho irritante.
Tudo nesse homem é odiável. Jura que poderia fazer outra cicatriz no rosto de malandro que ele tem, e se sentir muito satisfeito com isso.
— E daí? — Perguntou, tentando segurar o rosnado de raiva preso na garganta, e esticou o braço para pegar o maldito boné de volta. Mas Toji levantou o braço, com o boné empoleirado no topo nos dedos (essa disputa sempre esteve perdida, ele parece a torre Eiffel perto de alguém com um metro e sessenta e nove). — Devolve isso, seu vagabundo desgraçado! — Exigiu, dando pulos inúteis na tentativa de pegá-lo de volta. O sorriso irritante de Toji só cresce com essa humilhação visual.
— Não queremos que você vá para detenção logo no primeiro dia de aula. — Informou, e isso soou muito sincero para alguém que não se importou com nada até agora. — Eu irei devolver se você prometer que vai tirá-lo assim que chegar no terreno da escola. — Parou de pular, olhando-o com olhos apertados. Está sendo chantageado? Esse é o auge da sua miséria. Nem Mahito faria algo tão baixo.
— Foda-se. — Cuspiu, e Toji abriu um sorriso cheio de dentes.
— Resposta errada, pirralho. — Disse, colocando o boné na própria cabeça e passando na frente como se nada tivesse acontecido.
Realmente, realmente o odeia. Respirou fundo duas, três, quatro, cinco, seis vezes antes de terminar de descer as escadas a passos exageradamente pesados.
Nessas situações, o melhor que se pode fazer é aceitar que esses adultos idiotas fazem o que querem, e implorar não vai fazê-los mudar de ideia. Passou anos lidando com Kaori e ela é exatamente assim, ou até pior.
Fechou a aba aberta no perfil da Yuki e bloqueou a tela do celular, guardando no bolso frontal lateral da calça e indo mal humorado para a cozinha. Não mente para si mesmo dizendo pode ficar sem comida até o intervalo do almoço escolar, depois de treino e corrida isso é praticamente impossível, seu estômago está revirando de fome e o cheiro delicioso vindo do café da manhã feito por Jin (muito provavelmente) não ajuda muito.
Sentados à mesa, todos conversam e comem animadamente, Jin acabou de colocar um bule de chá no meio da mesa e sentou ao lado de Toji, colocando um beijo suave nos lábios dele durante o processo. “Eca, que nojo.” Pensou, passando espremido por trás da cadeira do vovô e contornando o balcão, eles poderiam apenas comer na mesa grande que fica na sala de jantar, assim ficariam fora de vista.
— Bom dia, Yuuji. — Choso o comprimentou, oferecendo um sorriso educado. Ele está fazendo sanduíches e embalando-os, tem um total de cinco embalados e separados, recheados com frango, queijo, alface e tomate. É uma mistura boa, mas o pão não é integral.
— Dia. — Procurou na gaveta de talheres uma faca e começou a cortar o abacaxi que comprou ontem, o ideal seria um mingau de aveia com morangos, mas não está com coragem para fazer isso hoje.
— Bom dia, Yuuji-kun. — Resmungou qualquer coisa em resposta para o comprimento de Tsumiki e continuou cortando o abacaxi em pequenos cubos. Quantos "bom dia" vai receber em um intervalo de trinta minutos? Isso é ridículo.
— Yuuji, fizemos panquecas, venha comer. — Escutou Jin chamar, acenando com uma mão e um sorriso no rosto. Qual é a dessas pessoas? Quem diabos acorda logo cedo com tanta energia e animação?
— As panquecas que o Sukuna faz são as melhores! — Do seu lado, Choso acrescentou, como se estivesse confidenciando um segredo muito importante.
— E hoje estão ainda mais maravilhosas, ele fez especialmente para você, com mel na massa e xarope de bordo no recheio. — Piscou olho, desacreditado que até o Megumi está entrando nessa palhaçada. Ele o olha como se esperasse algo. Algo bom, talvez pense que possam ser amigos?
Pobre coitado.
— Experimente, são suas favoritas. — O próprio Sukuna colocou um prato enorme de panquecas na sua frente, recheado até a borda com xarope de bordo e uma aparência inegavelmente apetitosa.
Lembra que costumavam fazer panquecas juntos (ou melhor, Yuuji observava Sukuna trabalhar na cozinha enquanto ficava na ponta dos pés para acompanhar tudo curiosamente) era divertido, sabor era maravilhoso, com mel, xarope e canela. Esqueceu o sabor em sua totalidade depois que tudo começou, Sukuna estava fora quando acordava, ou simplesmente saia sem comer, nunca havia tempo para brincarem ou cozinhar juntos.
Espera que ele tenha conseguido encontrar tempo para Megumi, e não saia sem comprimentá-lo todos os dias.
Ainda se impressiona em quão rapidamente lembranças boas tornam-se dolorosas e deixam um sabor amargo na sua boca. Nesse caso, o mel e o xarope nas panquecas não podem ajudar muito.
Primeiro encara o rosto de Sukuna, cheio de tatuagens e sobrancelhas levemente franzidas, assim como Toji, ele parece um membro de alguma facção criminosa. Há uma emoção de ansiedade em seus olhos dourados opacos, na verdade, todos estão em silêncio à espera de uma resposta.
— Eu não como panqueca. — Disse, franzindo o cenho, fazendo uma expressão de nojo. — Isso é puro açúcar. — Completou, voltando a cortar o abacaxi.
— Tenho certeza que apenas uma não vai fazer mal. — Sim, Sukuna infelizmente tem razão, só uma não vai fazer suas medidas aumentarem e o tio certamente também não iria reclamar. Mas não quer. Não quer comer ou ter nada que seja relacionado ao passado.
— Então deveria dá-la para o seu garoto— Encolheu os ombros, engolindo um pedaço grande de abacaxi. — Não como açúcar, boa sorte na próxima vez. — Deu as costas, pegando o depósito que comprou ontem e enchendo-o com os cubos de abacaxi cortados.
Para o café da manhã, terá ovo cru e leite.
— Que palhaçada é essa de não comer açúcar?! — Arqueou a sobrancelha com a pergunta inesperada de Sukuna. Ele está irritado, resta saber se foi porque chamou Megumi de "garoto" e não pelo nome (mas isso não foi nenhum pouco desrespeitoso) ou porque seus esforços idiotas foram jogados no lixo sem o mínimo de consideração. — Já se olhou no espelho? Você parece um moribundo de tão pálido. — Justificou, e Yuuji quase se sentiu mal.
Preste atenção, a palavra chave é: quase.
Sim, quase. Porque é realmente uma ocorrência rara sentir o cheiro de preocupação em Sukuna, ou em qualquer outro alfa além do tio Kenjaku. No entanto, para que demonstrar preocupação agora por causa de uma leve palidez? Quando já apareceu com pulsos e pescoço coberto e ninguém se importou em perguntar o motivo?
— Faz um tempo que não tomo sol. — Falou resignado, e isso não deixa de ser verdade. A palidez é só uma consequência dos anos de péssima alimentação (nada nutritiva) e a última vez que tentou suicídio perdeu muito sangue, as crises de ansiedade e insônia. Nada demais.
— Que desculpa de merda, é óbvio que Kaori não estava te alimentando corretamente. — piscou o olho, procurando entender o motivo para essa acusação injusta. Não faltava comida no armário, ele estava sempre cheio, mas faltava tempo para cozinhar, então acabava comendo qualquer coisa. — Vamos, senta e come isso. É falta de educação rejeitar algo que fizeram especialmente para você. — Viu pelo canto do olho que Choso e Wasake estão prestes a interromper a explosão de Sukuna, antes de ser puxado bruscamente pelo braço e forçado a sentar à mesa, entre Megumi e Tsumiki, de frente para Jin e Waseke. Abriu a boca para reclamar, mas Sukuna simplesmente enfiou o garfo por entre seus lábios e se tentasse cuspir iria fazer uma bagunça na mesa ou se engasgar, na pior das hipóteses.
Fervendo de ódio, aceitou o ato ultrajante e mastigou o pedaço de massa. Sentindo o peito doer ainda mais forte quando o sabor doce encheu sua língua.
Viu um mini Sukuna com as mãos na cintura, sorriso arrogante no rosto, colocar um prato em cima da mesa posta. E um mini Yuuji atacando tudo ansiosamente, "Eu sei que está delicioso, sou o melhor de todos os chefes." Ele disse, sonhadoramente. É fácil esquecer depois de tanto tempo, mas o sonho de Sukuna era ser um chefe de cozinha. Um famoso. O melhor de todos. E Yuuji estava sempre provando suas novas receitas.
Isso foi antes de tudo. Muito antes da sua família cair em desgraça. Antes de perderem a conexão de irmãos e o amor fraterno, antes de nunca estarem perto um do outro. Antes de perderem a inocência. Só mais um dos sonhos esquecidos.
— Está bom? — Ele perguntou, com o mesmo sorriso arrogante de antes. Olhando-o assim, quase chega a acreditar que ele ainda é o mesmo Sukuna da sua infância, ele tem os mesmo olhos perigosos e sorriso malicioso (sem precisar fazer esforço nenhum), ainda parece alto demais e inalcançável.
Talvez o único que tenha mudado tenha sido Yuuji? As circunstâncias o forçaram a mudar para sobreviver, ele não teve escolha. Sukuna cresceu, mas a aura rude, rabugenta, arrogante, insensível e mal humorada apenas se intensificou com o tempo. Ele está feliz. Todos estão felizes.
O incômodo no estômago se torna insuportável, ele abre caminho por entre as vias estomacais, subindo lentamente pelo esôfago e… merda, arregalou os olhos, levantando de supetão e empurrando Sukuna para o lado (claro, não faz muito diferença), ele mal se move.
— O que foi agora? — Perguntou, com uma carranca no rosto. Yuuji não se digna a responder (não é como se conseguisse abrir a boca sem despejar uma mistura nojenta no chão) então desviou do caminho de Sukuna e correu para o banheiro mais próximo, ouvindo passos logo atrás. Assim que abriu a porta do cômodo, jogou-se sobre o vaso sanitário e vomitou tudo o que comeu nas últimas oito horas.
— Merda. — Escutou Sukuna reclamar, mas está muito ocupado tentando não se engasgar com o próprio vômito. O esôfago força ainda mais a evacuação, provocando involuntariamente uma dor chata na garganta e o ardor nos olhos. Isso é horrível. Uma péssima maneira de começar o dia, deve acrescentar.
Sente uma mão grande esfregar suas costas suavemente e afastar os fios rebeldes que escaparam da trança para balançar na frente do seu rosto.
— Calma, vai passar logo logo, você está indo bem. — Murmurou delicadamente ao pé do seu ouvido, mantendo os movimentos suaves e calmantes de círculos em suas costas. Quando foi a última vez que alguém (que não seja Junpei ou Kenjaku) esteve ao seu lado em momentos como esse? Não se lembra, talvez porque não tinha ninguém, talvez porque escondeu seus problemas muito bem. O reconhecimento disso trouxe um sentimento de solidão para cutucar seu cérebro defeituoso, que enviou a mensagem para o coração e o coração enviou para o estômago, fazendo vomitar ainda mais.
Nesse ponto, não há nada dentro do estômago, e o líquido amarelo que sai é amargo e quente. Tossiu, forçando a garganta ainda mais do que antes, ignorando a dor atual e que virá futuramente. A mão suave continua esfregando círculos em suas costas, quase, QUASE o faz sentir-se melhor.
— Okay, você mandou bem, Yuuji. Estou orgulhoso. — Ainda tossindo, olhou de soslaio para Jin, que está com um sorriso falsamente animado no rosto e mostra os dois polegares para cima. Idiota. Ele parece patético assim. — Agora vamos levantar e limpar a boca, não queremos ficar com um sabor estranho na língua, certo? — Porque ele está agindo como se Yuuji fosse uma criança? Isso é tão, tão ridículo. Quer rir da cara patética dele (porque realmente é engraçado) e apontar que pode se levantar sozinho, muito obrigado. Mas antes que diga algo (demora porque a tosse continua persistente), é levantando facilmente pelos braços fortes de Jin e colocado de pé, em seguida conduzido até o lavatório.
Isso é déjà vu? Acha que passou por uma situação parecida quando criança…
Bem, de qualquer maneira, não é mais uma criança, empurrou Jin com o cotovelo.
— Eu… Posso fazer isso sozinho. — "Não, você não pode" é o que Junpei ou o tio Kenjaku diriam, mas Jin é apenas o Jin, então ele aceita e se afasta. Embora seus olhos preocupados nunca deixem os de Yuuji. Tsc. Irritante. Fechou a porta do banheiro na cara dele (e de todos os filhos da puta intrometidos que estão atrás espiando por trás, pensando que estão sendo discretos). — Porra. — Reclamou, mergulhando o rosto no lavatório bem embaixo da torneira.
Não vai perguntar se tem como piorar, conhecendo a sorte que tem, a resposta obviamente será sim. Escovou os dentes novamente, lavou o rosto e para substituir o boné roubado colocou uma touca preta na cabeça, esse Toji não pode dizer ser proibido na escola. Certo?
Voltou para a cozinha, todos já se dispensaram (amém) restando apenas Choso, que parece está correndo de um lado para o outro com os nervos à flor da pele. Fez um barulho proposital, esbarrando na cadeira de madeira, (honestamente, não quer ficar perto de nenhum lunático, então se ele poder agir normalmente iria agradecer muito), isso chamou atenção de Choso, e o fez diminuir o ritmo.
— Yuuji! Como está se sentindo? Seu estômago dói? — Quase riu do rosto preocupado dele, é engraçado vê-lo fora do personagem calmo e controlado. Dispensou a pergunta com um aceno despreocupado de mão, pegando o depósito grande cheio de abacaxi que deixou em cima do balcão.
— Estou bem. — Disse simplesmente, às vezes, quando o peito está doendo muito e mesmo assim insiste em comer, põe tudo para fora. Esse é um dos motivos pelo qual o tio Kenjaku o força a manter a alimentação o mais saudável possível, perdeu muitos nutrientes nos últimos meses por causa dos problemas intestinais e precisa repor todos eles em menos de um ano. A expressão de Choso é desacreditada, e Yuuji está prestes a ir embora.
— Espere. — Ele é mais calmo que antes, no entanto, suas sobrancelhas estão quase juntas. Não sabe dizer se é frustração ou preocupação, talvez os dois juntos. A remoção da marca afetou algumas características normais de um ômega, o olfato foi uma delas, como pertencente a classificação recessiva sempre cheirou menos que os outros e teve sentidos fracos, mas eles caíram para 5% depois do procedimento. Isso significa que não pode sentir o cheiro das emoções de Choso, a menos que elas estejam muito fortes, ou esteja extremamente perto das glândulas odoríferas dele (o que por razões óbvias não vai fazer). — Aqui, leve para escola e beba no lugar da água, vai sentir melhor. — Piscou os olhos para a garrafa térmica que deve ter no mínimo quinhentos mls. — Ou seria melhor ficar em casa? Está com febre? — Intrometido, Choso pousou a mão fria na sua testa, afastando um pouco a touca de tricô.
— Não tenho febre, pare com isso. — Deu um tapa na mão dele, afastando-se sem pegar a garrafa. Choso o seguiu de perto. — E não quero seu chá. — "Afogue-se no seu veneno" pensou, andando mais rápido.
— Por favor, pegue. Vai ajudar na dor do estômago. — Pelos deuses, não há dor no estômago nenhuma. Segurou o suspiro cansado, porque ele também não fez um chá assim quando Mahito esqueceu-se de usar camisinha e simplesmente gozou dentro? Passou semanas com o estômago doente. "Talvez por que ele não sabia?"
Parou um segundo, considerando a resposta lógica da consciência. Ela tem razão. Que ódio.
— Tudo bem, me dê logo essa porcaria. — Acabou aceitando a contragosto.
— Não é melhor ficar em casa hoje? — Ele perguntou, estranhamente preocupado. E sim, adoraria ficar em casa, mas não aqui, não numa casa que não é sua e onde não se sente bem. Por mais insuportável que seja a escola, é melhor ficar por lá. — E se passar mal novamente? — Insistiu, como uma mãe galinha. Ele sempre foi assim?
— Estou incluso no plano da funerária do tio Kenjaku. — Disse normalmente.
— Estamos indo? — Encontrou Jin e Megumi na sala, ambos preparando-se para sair. Arqueou sobrancelha, desentendido. — Não é melhor ficar em casa, Yuuji? — Isso de novo?!
— Se estiver se sentindo mal, deve descansar. — Megumi completou seriamente.
Eles são uma seita?
— O pirralho tá indo pra escola? É melhor ficar em casa e descansar. — Mordeu a língua para não retrucar a fala de Toji, que está descendo as escadas vestido em roupas diferentes, ainda esportivas, mas muito menos desgastadas que as antigas.
— Também acho que deveria ficar, sua frequência escolar é péssima de qualquer maneira, um dia a mais não vai fazer diferença. — Deixou-os falando sozinho, essa última frase vinda de Sukuna foi o fim da picada. Calçou o sapato e saiu no jardim, verificando a hora no relógio de pulso.
Pegar o metrô para escola nesse horário vai ser um pé no saco, ainda mais para a Jujutsu, um táxi faria mais sentido.
— Onde pensa que vai sem a gente? — Toji chamou, aquele sorriso irritante ainda brilhando no rosto. Jura que vai matá-lo algum dia. Como se sua presença não fosse um problema por si só, ele ainda mantém o boné vermelho na cabeça. O odeia. Verdadeiramente o odeia. — Estamos todos indo para o mesmo lugar, entra no carro. — Deu um tapa na cabeça de Yuuji quando passou, bagunçando a touca e o cabelo embaixo dela.
— Está indo conosco, mas se se sentir mal fale comigo, Toji ou Megumi-kun imediatamente, entendeu? — Foi segurado no lugar por Jin e suas palavras muito tranquilizantes. Ele deveria saber que qualquer um desses que acabaram de ser citados seriam as últimas pessoas que iria procurar se precisasse de ajuda.
— Pode me soltar agora? — Perguntou, puxando o braço.
— Você entendeu, Yuuji? — soltou um suspiro, quando a voz de Jin fica séria assim, ele só vai desistir quando conseguir o que tanto deseja.
— Sim, eu entendo. — Respondeu arrastado, e para sua surpresa, Jin abriu um sorriso. Não aquelas sorrisos inseguros, extremamente doces, ou nervosos que vem mostrando desde a semana passada, é um sorriso deslumbrante e brilhante, amoroso e quase aliviado.
Antes que tivesse qualquer reação, recebeu um beijo no topo da testa coberta, e foi deixado sozinho.
…
QUE PORRA ACABOU DE ACONTECER?! Piscou, parado debilmente no mesmo lugar de antes, com a boca aberta e olhos arregalados. Desde quando deu liberdade para Jin beijá-lo?! Isso é ultrajante, humilhante, a pior coisa que poderia acontecer! O que ele pensa que Yuuji é? Um estudante do maternal que precisa de beijinhos o tempo todo?! (Beijinhos idiotas!) Ou um omega indefeso que precisa de carinho e proteção?!
— Vai ficar parado aí? — Acordou dos devaneios com a voz suave de Megumi, ele está encarando-o com o mesmo rosto delicado, expressão calma e olhos esverdeados como esmeralda. Tão lindo. Não é surpresa que Sukuna tenha trocado-o por ele.
— Não. — Balançou a cabeça para espantar tais pensamentos e seguiu-o até o carro, entrando e colocando o cinto de segurança. Passou o caminho inteiro preso em devaneios, “PUTA QUE PARIU!! Quando foi que ganhou um beijinho inocente na testa? Talvez a nove anos atrás?” Kaori e Waseke nunca foram fisicamente carinhosos (no caso de Wasake, nenhum tipo de carinho explícito) então… está surpreso.
Bem, Jin sempre foi alguém do tipo que gosta de contato físico, isso provavelmente não significa nada para ele. E também não significa nada para Yuuji.
Simplesmente, não significa nada.
°
Não importa se é uma escola antiga ou nova, o primeiro dia de aula sempre vai ser uma merda (e nem sempre isso está relacionado ao fato de ser um novato) por mais surpreendente de seja, Yuuji realmente não gosta de ser o centro das atenções (de adolescente maldosos e desocupados do ensino médio) e isso é um dos motivos pelo qual continua protegendo a identidade do público. Existem muitos casos assustadores de stalkers japoneses que não conhecem a palavra: "Limite" e aparentemente estavam apaixonados (lê-se: obcecados) por idols de grupos musicais ou solo.
No seu caso, é improvável que o stalker seja japonês ou de qualquer outro país asiático, a grande maioria não é simpatizante do "Killer Cat", ou como eles chamam, "a vagabunda sem vergonha" que dorme com qualquer um (uma grande mentira), mas vamos lá, realmente não quer ser perseguido pelos paparazzis como Britney Spears e Michael Jackson.
Claro, está ciente de que uma hora ou outra terá que mostrar o rosto descoberto para o público, mas enquanto esse dia não chega, quer continuar vivendo o mais normalmente possível, isso significa, sem chamar atenção. No entanto, esse plano — assim todos os que fez para o resto do semestre —, foi arruinado por Kaori e Jin, principalmente por Jin, porque é meio óbvio que ser filho de um professor muito amado pelo corpo discente de uma escola é motivo de fofoca em todas as rodas de conversa. E infelizmente, não há como negar a ligação sanguínea que compartilham, seja por causa das características físicas ou o fato de que saiu do carro dele ao chegar na escola. Ser acompanhado até a sala de aula como se fosse um bebê também deve contar.
Outro ponto importante, é a proximidade de Megumi durante as aulas, ele fez questão de compartilhar o assento e escreveu cartinhas durante as explicações (completamente idiotas, não conseguiu se concentrar em nada) enquanto ignorava todos os alunos que tentaram falar com ele. Yuuji adoraria ter ficado em uma turma diferente, ou melhor, uma escola diferente, onde nenhum dos seus piores pesadelos estivessem presentes. Rabiscou a folha em branco com palavras inelegíveis, mal absorvendo as palavras do professor de história, completamente perdido no mundo da lua, onde navega no próprio desgosto.
Minutos ou horas depois, é o tão esperado intervalo do almoço, permaneceu onde estava, fazendo rabiscos ainda mais proeminentes na folha antes limpa. A escola deixou de ser um lugar legal e sociável a muito tempo atrás, na verdade, apesar de ter uma personalidade extrovertida e gentil na infância nunca foi bom em manter amizades, então era comum que ficasse sozinho durante o intervalo. E depois… bem, acostumou-se a está sozinho e a presença de Junpei apareceu do nada, foi uma ótima aquisição, não pode negar, mas o fez ficar ligeiramente dependente. Como se não pudesse ir à escola se Junpei estivesse doente e acamado, ou suportar os olhares repulsivos das ômegas (competitivas) se o garoto não segurasse sua mão.
É assim que se sente agora, não quer sair no corredor e ver o desprezo no olhar de outros ômegas (que estão com ciúmes dos seus alfas), como se fosse culpa de Yuuji ter uma bunda grande e chamativa. Isso o fez pensar como será quando finalmente revelar ser a Killer Cat. Os ômegas, betas e alfas ainda o verão como uma ameaça? São todos tão idiotas. Não está interessado em adolescentes inexperientes que sequer sabem foder ou fazer um oral, nem tomar o namoradinho de alguém por diversão. Não precisa desse tipo de coisa. E definitivamente não transa com pessoas comprometidas.
Por enquanto, os boatos e fofocas estão controlados porque é parente de Jin, Toji e Megumi, eles não são tão óbvios quando na escola do fundamental — e não é porque são maduros, mas porque querem manter as aparências no mais alto nível. A aparência e reputação é tudo o que as pessoas mais prezam na alta sociedade, uma hierarquia juvenil seguem os mesmo princípios (influências dos pais ou porque querem ser como os ricos), e quanto mais focam na aparência e reputação, mas nojentos ficam.
Seus sorrisos falsos, cabelos bem cuidados, maquiagem leve e simpatia fingida é uma maneira de atrair idiotas para suas rodas, e quando percebem que o tal idiota não se encaixa, fazem dele o bobo da corte. Na melhor das hipóteses, o idiota pode ser alguém rico e logo está cheio de amizades vazias e falsas. O tanto de gente tentando socializar com Yuuji diz por si só.
A adolescência sem dúvidas é a pior fase da vida.
De saco cheio, saiu da sala e entrou no corredor, apesar de ser horário de almoço ainda havia muitos estudantes conversando despreocupadamente encostados nas paredes (sem dúvidas imitando os badboys dos filmes), não fez questão de dar uma olhada neles, e continuou andando corredor adentro. Quase se amaldiçoou por ter rejeitado a oferta de Megumi de acompanhá-lo à cantina, estava pensando nisso quando uma mão disparou e segurou-o pelo antebraço, forçando-o a parar e olhar para trás.
— Fugindo de alguém? — Olhou da mão cheia de anéis envolvendo seu antebraço até o rosto de maxilar marcado, o sorriso atrapalhado espalhado nos lábios e olhos cinzas escuros com pequenas rugas nas bordas. Junpei. Ele está vestido em calças pretas e camisa branca com as mangas arregaçadas até os cotovelos, deixando a tatuagem de tigre e a pele incrivelmente branca como a neve à mostra. O cabelo negro que vai até o queixo está preso em um coque bagunçado e alguns fios rebeldes balançam com seus movimentos ágeis.
— Alguns colegas fofoqueiros com quem estou compartilhando a sala. — Respondeu, oferecendo um sorriso cansado, os dedos de Junpei foram recolhidos e ele ficou ao seu lado. Ombro e ombro. — Impressão minha ou não seremos colegas de assento? — Fez uma pergunta retórica, enfiando as mãos dentro dos bolsos da calça.
— Talvez impressão sua, apenas cheguei atrasado para o primeiro dia de aula. — Acenou, sentindo-se internamente satisfeito e aliviado. — Desculpe… — Pediu humildemente, é claro que Junpei iria sentir a tensão zumbindo sob sua pele e as mordidas violentas dos lábios. Mas não é culpa dele, então ele não deveria se desculpar.
— Está tudo bem, o importante é que você está aqui agora. — Olhou-o com o canto dos olhos, dando um sorriso sincero. Junpei acenou, concordando. — E, ainda não estou sabendo como conseguiu uma transferência tão rápido… — Foram apenas dois dias? É incomum que tenham aceitado, provavelmente não chegaram a fazer o exame de admissão.
— Minha mãe deu um jeito. — Junpei disse, encolhendo os ombros. Isso explica muita coisa, a tia é alguém com muitos conhecimentos, e agora com dinheiro, as coisas ficam ainda mais fáceis. — E você não parece bem… como está se sentindo? — Seu tom é cheio de preocupação genuína, semelhante a quando se conheceram a quatro anos atrás. Ele não mudou nada.
— Honestamente? — Virou o pescoço na direção de Junpei, esticando-o um pouco para alcançar a altura dos olhos. Recebeu um "humrum", e soltou um suspiro, dizendo: — Me sinto uma merda. Tem ideia de quantos "bom dia, Yuuji." Recebi hoje pela manhã? Aquilo me deu nos nervos! Eles pensam que depois de tudo o que fizeram, alguns comprimentos irão me fazer voltar a amá-los?! — Exclamou indignado, sem segurar a raiva no tom de voz.
— Bem… sim, considerando que você nunca deixou de amá-los. — Deu uma cotovelada em Junpei, que facilmente desviou, mantendo um sorriso pequeno no rosto. — Okay, eu parei, mas… você só não está acostumado a viver em uma casa cheia, eventualmente irá se acostumar. — E aí é que está um dos problemas, não quer se acostumar com Toji, Tsumiki e Megumi, eles não são sua família. Junpei parece ler seus pensamentos e muda de assunto. — Estamos indo comer? Não trouxe meu Bento. — Perguntou, colocando um braço sobre o ombro de Yuuji e trazendo-o para perto.
— Não tenho fome, mas posso fazer esse sacrifício por você. — E quantos outros sacrifícios já não fez por esse garoto apenas porque são melhores amigos? (Melhor dizendo, irmãos de pais diferentes). Junpei é como uma âncora que mantém o seu barco perto da margem da praia, puxando-o sempre que as ondas ameaçam levá-lo para longe.
— Não me venha com essa, sei muito bem que você não comeu direito pela manhã… — Junpei resmungou, cutucando-o na bochecha.
— Culpe Sukuna que fez uma panqueca terrivelmente doce e me causou uma indigestão. — Disse com dificuldade, empurrando a mão de Junpei com um tapa.
— Panquecas doces? — Ele perguntou surpreso, piscando os olhos quase debilmente. — Mas você não come açúcar. — Afirmou, perplexo.
— Me forçaram a comer. — Confessou entre suspiros cansados. — Acabei vomitando depois de engolir uma garfada. — E falando nisso, ainda sente a garganta contrair em busca de alguma coisa (que definitivamente não sabe o que é), ela está seca e dói, deveria beber um pouco do chá que Choso fez.
— … o que vale é a intenção, certo? — Revirou os olhos, está mais do que claro que Junpei, apesar de tudo, ainda acredita que Yuuji pode se reconciliar com Jin e os Itadori-Fushiguro. Isso não vai acontecer, algumas coisas simplesmente não tem conserto, mas ele prefere insistir e acreditar nessa ideia boba.
— Se a intenção era me matar, ele está de parabéns. — Murmurou, sem nenhum humor na voz. Chegaram no refeitório e pararam no saguão, ambos com a expressão vazia, enquanto encaram o tanto de alunos conversando e brincando com seus amigos. — Lembre-me o por que odiamos adolescentes. — Pediu, soando quase desesperado.
— Eles são imaturos, manipuláveis, idiotas, escrotos, burros e arrogantes. A lista é enorme, eu poderia passar o resto do dia nisso, se você quisesse. — Junpei ofereceu, com o cenho franzido.
— Vamos apenas pegar sua comida e procurar um lugar longe daqui. — Ignorou a última parte, balançando a cabeça para os lados. Mantiveram-se colados um no outro, isso aplaca um pouco a ansiedade de ambos.
A vitrine da cantina é bonita e organizada, em compensação, as comidas têm um preço abusivo, nada semelhante aos lanches comprados em um Konbini aberto por vinte quatro horas. A aparência é melhor, então não está reclamando.
Junpei pegou meia dúzia de comida, sob a desculpa de que não tomou café da manhã, apesar de manter a sobrancelha arqueada, Yuuji não disse nada. Conhece muito bem o apetite insaciável do amigo para questionar seus hábitos alimentares.
Pagou pelas comidas (foi ao céu e voltou com o valor total das compras), mas o que realmente o deixou divertido foi a expressão do caixa ao ver um cartão negro.
Supõe que nem todos os estudantes tenham um.
Com todas as mesas ocupadas, não tiveram escolha senão sair do refeitório, o que realmente considera algo bom, aquela barulheira de vozes altas e risadas despreocupadas estavam deixando-o no limite. Junpei concordou em sentar na área externa, debaixo de uma árvore com ramos enormes e galhos que fazem uma sombra deliciosamente relaxante.
— Então… é realmente tão terrível assim morar com eles? — Ele perguntou, abrindo o pacote de sanduíche natural. Encarou o pão de forma de fatias fina e os poucos vegetais no recheio, decidiu que é melhor fazer o próprio ao invés de comprar na escola. É caro e não vale a pena.
— Trás lembranças. — Murmurou, desviando os olhos do sanduíche para o céu azul livre de nuvens, o vento é refrescante, não frio ou congelante. Em algumas semanas estarão precisando usar blusas de frio para virem aqui fora.
— Boas ou ruins? — Soltou um suspiro cansado, honestamente, não quer ter essa conversa. Só quer reclamar e reclamar, não resolver o problema, até porque esse está fora dos seus limites. Junpei o olha de lado, esperando a resposta.
— Preciso dizer? — Devolveu a pergunta, inconscientemente fazendo bico com os lábios.
— Acho que sim, é melhor que guardar tudo para si mesmo e ficar depressivo mais tarde. — Odeia quanto os argumentos de Junpei fazem sentido (e infelizmente, todos fazem), desfez a careta emburrada do rosto, ainda olhando para o céu azul.
— Eu só… lembro de quando éramos uma família feliz, e então depois vem os gritos e a casa vazia. Tenho a sensação de eles continuam os mesmo, que superaram as brigas de Jin e Kaori, ou que os almoços de domingo nunca foram pausados. Eles parecem tão… felizes. — Junpei escutou tudo atentamente, mastigando o pão e bebendo refrigerante com preguiça. Sorriu, um sorriso triste e quebrado. — Sinto que eu fui o único que mudou, não para melhor, você sabe. — Encolheu os ombros.
—... Sente que está preso ao passado, é isso? — Acenou suavemente, e o silêncio seguiu por alguns minutos, apenas o som das conversas e risadas alheios ao fundo e o farfalhar das folhas ao vento. — Não sou um terapeuta, mas acho que você só precisa relaxar. Dê uma chance a eles, tenho certeza que não será tão ruim. — A ideia de se aproximar de qualquer um deles é nojenta. Da ânsia de vômito. — Você foi capaz de perdoar Kaori-san por todas aquelas coisas, o que seria diferente com Jin-san? — Junpei insistiu.
— Você não entenderia, porque seu pai nunca esteve lá. Ele nunca existiu na sua vida, e você nunca se sentiu amado por ele. — Falou o óbvio, e é claro que Junpei não se importa. Ele sabe o nome do pai, onde ele mora e como vive, mas nunca tentou nenhum contato. Diz que está muito satisfeito com a pequena família que tem, a mãe e Yuuji. — Eu tive um pai, e ele me abandonou, me trocou por uma alma gêmea idiota. — Esse não é o verdadeiro ponto, mas Junpei entende de qualquer maneira.
— Seus problemas de abandono são muito para eu lidar, aconselho ir a um terapeuta. — Escutou depois de um tempo, bufou, rindo em seguida.
— Prometo que irei, assim que terminamos nossos trabalhos. — É uma mentira. Ambos sabem disso, mas se permitem esquecer esse assunto momentaneamente.
O resto do intervalo é gasto com piadas sarcásticas, comentários julgadores sobre todos os estudantes que estavam dentro do seu campo de visão e comida. Passar o tempo com Junpei é sempre gratificante, não se encontra alguém que compartilhe o mesmo senso de humor (muito duvidoso) tão facilmente, eles são praticamente almas gêmeas platônicas, nasceram para ser melhores amigos eternamente (e quem sabe, até a vida após a morte) e nunca, nunca ficarem longe um do outro. Junpei o conhece melhor do que o tio Kenjaku, completa todas as suas frases (por mais inusitado e imprevistas que sejam) e apesar de todas as vezes que foi rejeitado e chutado, ainda está apoiando-o.
Não sabe o que faria sem a companhia dele todos esses anos.
Quando o sinal tocou, finalizando o final do intervalo de almoço, voltaram a sala de aula juntos, (porque de alguma forma, a tia descobriu antecipadamente qual a turma de Yuuji e deu um jeito de encaixar Junpei) deve presenteá-la com algo caro, de preferência um vestido ou sapato de luxo, ela adora essas coisas, para retribuir o trabalho perfeito que realizou em pouquíssimo tempo. Junpei ocupou o assento vazio atrás de Yuuji, e Megumi chegou minutos depois com duas garotas, uma loira e outra morena. Eles parecem ser bastante próximos.
Bem, que seja, realmente não se importa. Embora se pegue pensando onde já as viu antes, tem certeza que já se encontram em algum momento. Talvez no cruzamento da rua ou na estação de trem? Pior, poderia ser de um dos eventos na casa de Jin (os quais foi forçado a ir)? Existem muitas possibilidades, mas as descarta, elas não são pessoas relevantes em sua vida.
Megumi sentou ao seu lado novamente, dando uma rápida olhada desconfiada em Junpei antes de ocupar a cadeira. É normal olharem duas ou três vezes para Junpei, sua aparência nem sempre é uma das melhores, na maioria das vezes, ele parece mais desgrenhado que o próprio Yuuji.
Não é isso que realmente chama a atenção, mas sim a tatuagem de tigre no antebraço esquerdo e as rosas que contornam o desenho. É cheio de detalhes, pagaram extremamente caro no melhor estúdio de tatuagem de Malibu nas férias passadas, mas olhando agora, valeu muito a pena.
Acontece que Japoneses ainda têm visões distorcidas de pessoas com tatuagens, especialmente betas e ômegas, e por Junpei ser um adolescente ele é ainda mais marginalizado. É divertido ver o olhar de apreensão nas pessoas que acreditam veementemente que ele é um gangster, quando na verdade Junpei é somente um garoto apaixonado por cinema, produções cinematográficas, cenários naturais e roteiros. Um verdadeiro nerd.
No entanto, é bastante claro que os novos colegas de turma não o vêem desse jeito. Estão longe de reclamar, intimidar adolescentes arrogantes foi um dos motivos que levaram-o a fazer essa tatuagem, porque assim como Yuuji, Junpei foi vítima de bullying durante todo o ensino primário (um pouco mais violento e físico, enquanto Yuuji passava mais por tortura psicológica) ele está fazendo terapia no momento, se recuperando bem e a cada dia desenvolvendo mais e mais a autoconfiança. Sente-se orgulhoso dele. No entanto, isso não muda o fato de que fazer a abençoada tatuagem os livraram de muito valentões, e deixou a autoestima de Junpei nas alturas.
Pagou caro, mas olhando para esses aspectos, não se arrepende de nenhum centavo gasto.
— Te vi na cantina… — Fez um som de reconhecimento para o murmúrio de Megumi, um pouco excitante, ele prosseguiu. — Acenamos para você e seu… amigo, mas parece que vocês não nos viram. — A questão é que mesmo se tivesse visto eles não iria compartilhar a mesa. Muito obrigado.
— Realmente não vi. — Respondeu indiferente, com os braços cruzados na altura do peito e sentado ereto na cadeira dura. — Mas teria ignorado caso tivesse visto. — Admitiu, oferecendo um pequeno sorriso doce.
Sente os olhos de Junpei queimando em suas costas, "Isso foi cruel, Yuuji." Pode ouvi-lo dizer, mas esse pequeno fato apenas o deixa mais satisfeito. Megumi, entretanto, não se abala com resposta cínica, seu rosto sereno e impassível continua o mesmo, como se já esperasse por algo assim.
— É uma pena, as meninas querem muito conhecê-lo. — Yuuji Arqueou a sobrancelha, estudando as duas garotas discretamente pelo canto do olho. Isso é estranho. As pessoas geralmente não procuram conhecê-lo, a menos que deseje algo em troca e nesses casos, sempre são alfas. Soltou um suspiro, cortando a linha de raciocínio estúpido assim que o professor entrou na sala.
E…
Espere. Esse não é Gojo Satoru? Uma das suas indesejadas ex-almas gêmeas? O homem também parece surpreso em vê-lo, percebe isso mesmo com os olhos dele escondidos pelos óculos de sol (ridículos) que usa por hábito (presume), há um momento em que sente ser estudado minuciosamente, desnudo até a alma. Mas esse momento vai embora tão rápido quanto veio, e logo Gojo comprimenta a todos usando uma voz enjoativamente animada.
— Parece que temos dois alunos novos. — Continuou, colocando os livros que carregava sobre a mesa sem tirar o sorriso incrivelmente desagradável do rosto. Eca. — Se importariam de se apresentar? Tenho certeza que muitos colegas estão curiosos sobre vocês, admito que sou um deles. — Alguns riram com a frase final, Yuuji apenas arqueou a sobrancelha, desentendido com toda essa encenação idiota.
— Yoshino Junpei, dezessete anos. — Como se para encorajá-lo, Junpei tomou a frente. — Pedi transferência para continuar perto de Yuuji. — Os murmúrios começaram, segurou o revirar de olhos. Ele tinha que falar exatamente essas palavras? Já é bastante insinuante essa declaração, e usar o seu primeiro nome (prefere que usem o primeiro) sem nenhum sufixo só aumenta ainda mais os pensamentos idiotas dessas garotas.
Todos estão pensando que são namorados, almas gêmeas ou algo parecido. O sorriso animado de Gojo vacila um pouco, é tão rápido que provavelmente ninguém percebe além de Yuuji, meio atrapalhado, ele rir.
— Uau, vocês devem ser bons amigos. — Junpei acenou desinteressado.
— Sim, claro, somos mais do que amigos. — Deu de ombros, Yuuji resistiu a vontade de virar o pescoço e encara-lo, para entender qual jogo estão fazendo aqui. Claro que são mais do que amigos, mas não no quesito romântico. É um amor fraterno.
— Okay, certo, vamos passar a vez para o seu… colega. — Gojo mudou o rumo da conversa, pensou que nunca chegaria a esse ponto, mas agradeceu internamente por ele ter feito isso.
— Kamo Yuuji. — Falou em alto e bom som, e sentiu o olhar questionador de Megumi sob sua pele, assim como as duas garotas que chegaram com ele. Ou melhor, todos os intrometidos da turma. Qual o problema disso? Usa o nome de Kaori há sete anos, não é apenas um capricho, é algo que o faz se sentir bem.
— Mais alguma coisa? — Gojo instiga, assim como os alunos, esperando uma continuação.
— Não. — Foi curto. Nunca falou mais do que o próprio nome nas apresentações escolares, acha inútil, e não é como se quisesse ficar mais próximo aos colegas de turma.
Porque definitivamente não quer.
— Okay, tudo bem. Sobre o que estávamos falando bimestre passado mesmo? — Felizmente, entraram no tópico inútil de matemática. Não precisa ser um gênio para saber que a última coisa que Yuuji fez foi dar atenção à aula.
Sempre teve dificuldade nessa disciplina, mas diferente de agora, costumava se esforçar e receber ajuda do vovô para responder às atividades, seu processo era lento, mas as notas nunca estavam no vermelho. Encarando a louça cheia de números e equações no quadro, se pergunta quando foi que começou a achar matemática tão impossivelmente difícil, ou melhor dizendo, passou a dizer que não conseguia sem ao menos tentar.
Gojo explica de maneira descontraída e divertida, envolvendo os alunos e chamando-os para responder a algum exemplo na louça, (prestando auxílio e recapitulando o que já foi dito, sem fazer o aluno parecer desatento ou burro). Entretanto, apesar de toda descontração, não consegue se ater ao que está sendo dito, e há vários motivos para isso. 1) Gojo Satoru, sua ex alma gêmea é o professor. 2) é matemática. 3) gostaria de estar longe daqui. 4) tem muitas ideias na cabeça. Sim, muitas ideias, a ansiedade gera um turbilhão de ideias e com elas a pressa de fazer tudo rapidamente, obviamente não consegue e isso o deixa roendo as unhas (literalmente).
A pressão sob sua cabeça imposta pelo tio Kenjaku também é um bom motivo, ontem não tiveram conversas do tipo: "quando vai sair novas músicas?", "Algum single em vista para os próximos meses?", "Qual o tema do próximo álbum?" Ele não tem más intenções, contudo, é estressante da mesma maneira.
Vai produzir quando conseguir produzir. Existem artistas que passam três ou quatro anos sem lançar álbuns novos, a Lorde é um belo exemplo, ela só vem a cada quatro anos, e sempre é um acontecimento tão maravilhoso quanto a copa do mundo. O tio Kenjaku não pode deixá-lo ser como ela? A resposta é não. Um grande e explícito não. O Killer Cat (Yuuji) é um artista recém-nascido, com apenas seis anos de carreira (menos de uma década!) Não pode se dar ao luxo de descansar e sumir, isso fará os fãs ficarem desanimados e futuramente acabará caindo no esquecimento. Discorda dessa linha de pensamento, mas discordando ou não, tio Kenjaku permanecerá firme.
Precisa produzir… tem escritas e sonoridade prontas, mas falta algo. O que falta? Eis a questão, também não sabe.
Fechou os olhos e massageou a têmpora nada suavemente, soltando a respiração pesada presa na garganta, está na escola, pensamentos sobre trabalho não deveriam ocupar sua cabeça nesse momento, já disse isso tantas vezes a si mesmo que tornou-se um slogan. Gojo finalizou a aula repassando uma lista de exercícios, não olhou o conteúdo da folha, apenas guardou-a na pasta cor vermelho cereja e esqueceu-se dela. Junpei provavelmente irá mandar a resposta quando terminar de resolver os problemas. As próximas aulas passaram-se tão rapidamente quanto a de matemática, não lembra de absolutamente nada (nem o nome do professor).
Agradeceu a Deus quando o sinal tocou novamente, sinalizando o final das aulas escolares. O relógio de pulso marca três e quarenta da tarde, levantou da cadeira e jogou a mochila nas costas de maneira desleixada, olhando para Junpei dor cima do ombro.
— Você vem? — Perguntou, sem muita vontade de esperá-lo terminar de copiar o texto desnecessariamente grande no quadro branco.
— Só um minuto… — Ele pediu, fechando o caderno apressadamente e jogando tudo dentro da mochila desgastada de qualquer maneira, conseguindo ser ainda mais desorganizado que Yuuji. — Pronto, terminei. — Anunciou, levantando da cadeira e ficando do seu lado.
— Eu vejo. — Murmurou, indo na frente. Junpei obviamente o acompanhou, mais uma vez passando um braço por cima do seu ombro e puxando-o para perto, Yuuji retribuiu o meio abraço segurando-o pelos quadris, prendendo o dedo no bolso da calça dele. — Não entendi nada do que aquele cara falou… — Comentou, apenas para ter algo que falar.
— Teria entendido se não estivesse no mundo da lua, outra vez. — Junpei implicou, com um sorriso carinhoso no rosto. — Sabe, não estarei te dando as respostas de todas as atividades sempre, durante os exames e testes é difícil colar. — Completou, há um tom preocupado e autoritário nisso, mas Yuuji realmente pouco se importa.
— Tanto faz… eu aprendo melhor sob pressão, de qualquer maneira. — E isso é um fato. Procrastinar até o último minuto e depois passar a noite em claro aprendendo o que poderia ter aprendido lentamente em três meses é um hábito inquebrável que se estende da vida escolar até a vida profissional.
Por esse lado, é até compreensível a pressão que o tio Kenjaku faz para receber musicas novas, ideias, conceitos e figurinos, ele conhece Yuuji tão bem quanto Junpei, e ele sabe que o sobrinho deixará tudo para última hora se não for pressionado a fazer antes, (e diga-se de passagem, tio Kenjaku é o pior nisso) certa vez ele passou o prazo de entrega antecipado, com duas semanas antes da data de entrega original sem que Yuuji ou Junpei soubessem. Resultado: foi a primeira vez que conseguiu trabalhar tranquilamente em algo, sem nenhuma correria.
Inicialmente ficou bravo, mas entendeu o ponto dele, e hoje o agradece por ter feito aquilo. (Anteriormente, Junpei precisou acalmá-lo para que não agredisse fisicamente o tio Kenjaku, insistindo que os xingamentos de baixo calão eram o suficiente).
— … de fato. Contudo, esse não é um hábito saudável. — Desviaram de alguns alunos, os corredores estão cheios nesse horário, todos os estudantes loucos para irem aos clubes (alguns obrigatórios) e outros para irem embora do terreno escolar. — E você acaba se sobrecarregando desnecessariamente. — Completou quando passaram pela maior parte da multidão, finalmente chegando ao corredor de saída.
— Posso lidar com isso. — Dispensou as preocupações de Junpei, cansado de toda essa conversa inútil. — Você vem comigo ou… — Deixou a questão no ar, não sabe a programação de Junpei, mas ele sem sombras de dúvidas está livre o resto do dia. O cursinho de inglês avançado é apenas às quartas-feiras, entre às cinco da tarde e sete da noite, o resto da semana é gasto com revisão de material escolar (ele é um verdadeiro nerd) e segue Yuuji incansavelmente (eles estão presos pelo quadril).
Junpei não respondeu imediatamente, como normalmente faz, ao invés disso olhou para um ponto e fixou-se nele durante tempo o suficiente para Yuuji seguir o olhar dele e fazer o mesmo. Encontrou Gojo Satoru (esse desgraçado está o perseguindo agora?!) encostado no capô do carro preto tamanho família, braços cruzados e expressão despreocupada, enquanto conversa animadamente com Jin.
Sem desviar o olhar, questionou Junpei.
— O que estamos olhando? — Isso pareceu tirá-lo de um transe, sentiu-se ser puxado para mais perto, ficando quase colado no peito plano de Junpei (que inveja, queria ter peitorais lisos assim também!).
— O moreno não para de encarar, é Geto Suguru? — Piscou confuso, procurando-o discretamente, e finalmente o encontrou dentro do carro no assento do motorista, a porta está aberta e Gojo e Jin conversando do lado de fora chama bastante atenção. — Posso sentir que ele e o Gojo me odeiam, querem me matar, tenho certeza. — Franziu as sobrancelhas, achando engraçado o comportamento destemido de Junpei quando sua voz expressa um sentimento totalmente contrário.
— Que foi? Está com medo? — Provocou, com um sorriso malicioso tomando conta do rosto. Junpei desviou os olhos do carro a poucos metros de distância e fez uma expressão indignada, parecendo realmente ofendido.
— O que? O que pensa que eu sou?! — Perguntou alto, ainda com os olhos arregalados. O sorriso malicioso de Yuuji passou a ser falsamente complacente, e ele fechou os olhos, abraçando-o com os dois braços.
— Não precisa ficar assustado, eu vou te proteger. — Afirmou, usando um tom enjoativamente meloso.
— Eca! — Junpei riu, tentando se desvencilhar dos braços de Yuuji. Claro que ele não está realmente tentando, pois se quisesse, já teria afastado-o com um chute. — Não sou uma donzela em perigo. Saia de cima de mim, vadia. — Negou com um aceno de cabeça.
— Oh, vamos lá, não fique ofendido! Até os príncipes precisam ser salvos às vezes. — Insistiu, apertando ainda mais o aperto.
— E desde quando você é um herói? — Retrucou, parando os motivos em prol de encará-lo com uma sobrancelha arqueada.
— Bem, eu nunca disse que era, posso está te resgatando para fazer algo pior… Muito pior. — Abriu um sorriso cheio de dentes, Junpei engoliu em seco, e rapidamente se soltou do abraço (mortal) de Yuuji e correu. — Ei, volte aqui… — Correu atrás dele, rindo e ouvindo a risada humorada de Junpei a frente.
— Me deixe em paz, vadia descarada. — Colocando mais velocidade e força nas pernas, Yuuji o alcançou facilmente (academia dá bons resultados) e pulou em suas costas, passando os braços pelos ombros largos e abraçando-o por trás, enquanto as coxas apertam-se ao redor da cintura. — Okay, eu me rendo. Pode fazer o que quiser comigo, oh grande senhor da maldade. — Entre longas baforadas de ar, Junpei assumiu ter pedido a pequena disputa, levantando as mãos em sinal de rendição.
— O que eu quiser? — Perguntou, sussurrando ao pé do ouvido pequeno e livre de piercing (apesar de insistir para que ele os faça), deu uma lambida e em seguida uma mordida suave no lóbulo da orelha, causando arrepios involuntários em Junpei, riu disso. — Acho melhor estar preparado então, não vou pegar leve, querido. — Avisou, soprando à respiração quente onde acabou de morder.
— Puta merda, você deveria testar isso no Aoi. — E assim, Junpei conseguiu trazer uma imagem engraçada à mente de Yuuji, a ponto de ambos caírem na gargalhada juntos.
— Aposto que ele iria ficar paralisado! — Disse entre gargalhadas, e Junpei acenou, também rindo.
— Ou iria desmaiar. — Oh, sim! Todo consegue ser tão dramático. É uma surpresa que aquele grandalhão seja um romântico que espera pacientemente encontrar sua alma gêmea para juntos fazerem pela primeira vez o "ato físico de amor", é engraçado, fofo e muito engraçado de se ver. Por esse motivo, provocá-lo com piadas de duplo sentido é tão divertido.
Junpei já está acostumado demais para se importar (ele faz piadas piores e quase sempre de moral duvidosas).
— Ei, crianças, sei que o amor jovem é selvagem, mas demonstrações desse tipo na escola é proibido. — Foram interrompidos por Gojo, ele não está mais encostado no capô do carro e seu rosto perdeu o sorriso brilhante e genuíno de antes, parece excessivamente educado e… forçado.
— Yuuji? Quem é esse? — Jin completou, lançando um olhar estranhamente desconfiado para a figura de Junpei. É possível que tenham corrido nessa direção no meio de toda brincadeira? Fala sério, precisam ter mais atenção às pessoas que estão por perto, elas podem ser um verdadeiro pé no saco.
— Oh, desculpe-nos Gojo-sensei, mas como o senhor mesmo falou, o amor jovem é selvagem, nem sempre conseguimos nos controlar e manter as mãos recolhidas para nós mesmos. — Não entendeu o jogo de Junpei, mas manteve a expressão neutra quando ele passou as mãos por suas coxas, dando leves apertos. O sorriso de Gojo não vacilou, mas teve a impressão de que seus olhos estavam em chamas. — No entanto, iremos procurar lugares mais… discretos para nossa selvageria na próxima vez. — Concluiu, com um sorriso gentil. Yuuji segurou a vontade de rir alto, escondendo o rosto vermelho entre o ombro e pescoço de Junpei.
— E você deve ser Fushiguro Jin-san, certo? O pai de Yuuji. — Perguntou/afirmou, tirando a atenção de Gojo e encarando Jin suavemente. — Querido, precisarei colocá-lo no chão agora. — Avisou, dando um tapinha na coxa de Yuuji. Desprendeu-se dele, voltando para o chão e dando dois passos para o lado, ficando a uma distância segura dos adultos.
— Sim, eu sou, e você seria? — Jin continuou com os olhos apertados, exalando desconfiança.
— Yoshino Junpei, prazer em conhecê-lo. — Curvou-se respeitosamente, e isso fez Yuuji revirar os olhos. Um brilho de reconhecimento atravessou o rosto de Jin, e qualquer névoa de desconfiança foi embora.
— Yoshino-kun, o prazer é todo meu, sempre ouvi falar sobre você, mas nunca tive a sorte de conhecê-lo pessoalmente. — (O que??) Yuuji arqueou a sobrancelha, tem certeza que nunca mencionou o nome de Junpei para ninguém da casa Itadori-Fushiguro antes. — Obrigado por cuidar de Yuuji. — Agradeceu, curvando-se também. Okay. Algo está errado aqui.
— Não precisa agradecer, Fushiguro-san, na verdade é o Yuuji quem tem cuidado de mim desde sempre. — Junpei mentiu (e riu) descontraidamente. — Desculpe pela bagunça que estávamos fazendo na frente da escola, buscaremos ser mais reservados futuramente. — Assegurou, e essas palavras pareceram agradar Jin.
— Tão educado… — retira o que disse, ele está completamente apaixonado pelo cavalheirismo (falso) de Junpei, pode até ver estrelas em seus olhos. Eca. Piscou os olhos, não conseguindo conter a expressão de nojo, e Gojo faz o mesmo (mas provavelmente por razões diferentes). — Gostaria de convidá-lo para um jantar em nossa casa, todos ouvimos falar de você em um algum momento, e seria certo admitir que sentem-se curiosos sobre seu relacionamento com Yuuji. — Estava prestes a questionar QUANDO e ONDE falou sobre Junpei, mas Toji o interrompeu.
— O que temos aqui? Reunião de família? — Ele perguntou divertido, trazendo Megumi e as duas meninas a tiracolo.
— Toji-san, acredita que esse é o Yoshino-kun de quem Kaori-san tanto fala? — Então a culpa é daquela vagabunda? Yuuji pensou, observando o desenrolar da situação (desagradável, muito desagradável) a sua frente. Nenhum pouco surpreso, Toji examinou Junpei dos pés a cabeça com um olhar crítico.
— Hum, o pirralho tem um namorado do rock e ainda diz que eu sou o traficante?! — Exclamou, apontando o dedo para Junpei de maneira rude.
— Prefiro pop clássico, como Michael Jackson, senhor. — Junpei se defendeu, oferecendo um sorriso falsamente simpático. Yuuji escondeu o riso, levando a mão para cobrir a boca. — Embora o rock não seja desagradável de ouvir. — Acrescentou tardiamente. Toji continuou estudando-o minuciosamente, pode dizer que se Junpei fosse um alfa recessivo estado se sentindo intimidado pelo comportamento passivo-agressivo dos alfas Toji e Gojo.
Felizmente ele é um beta alheio a essas idiotices.
— Ainda sim, pensei que o pirralho teria um namorado mais sofisticado. — Comentou, com uma careta de desgosto.
— Toji-san, isso foi rude. — Jin o repreendeu, em seguida, deu um sorriso constrangido para Junpei.
— Pai! — Megumi também disse, ao mesmo tempo que Jin.
— Posso garantir que sou sofisticado o suficiente para manter Yuuji satisfeito, senhor. — Junpei, no entanto, piorou a situação trazendo um comentário cheio de duplo sentido. Toji apertou os olhos, dando um passo para frente e inacreditavelmente, Jin não tentou impedi-lo.
— Bom, as apresentações terminaram, nós estamos indo. — Puxou o braço de Junpei e o arrastou para longe daquela gente doida. — Digam adeus. — Falou, já longe, vendo Junpei acenando para eles com uma mão e um sorriso maroto no rosto. — Eu vou matar você. — murmurou entre os dentes.
— Foi divertido vê-los acreditar que somos namorados. — Okay, isso é verdade, não pôde negar. Mas eca! Namorar Junpei? Ele é bonito, gentil, fofo, tem gostos maravilhosos, mas não, namorar com ele é nojento. São melhores amigos, ou melhor, irmãos! Seria o mesmo de se imaginar com Choso ou Sukuna. O pensamento é… perturbador.
— E agora irão encher o meu saco por causa disso! — Reclamou, mas não está realmente irritado. Junpei fez cara de paisagem, puxando para perto e apoiando o queixo na sua cabeça. — Leve isso mais a sério, é sobre minha vida que estamos falando. — Exigiu, fazendo um bico manhoso nos lábios.
— Nada do que eu faça irá estragá-la ainda mais. — Ele disse divertido. Revirou os olhos, resolvendo descartar todas as acusações que preparou de antemão, ou ficará nisso até o final do dia.
— Vai de foder. — Resmungou ao invés.
— Não, mas obrigado pela oferta. — Sorrisinho bonito e irritante.
Junpei é… simplesmente perfeito.
°
sexo
substantivo masculino
Nos animais, incluindo os seres humanos, conjunto das características que diferenciam, numa espécie, os machos e as fêmeas e que lhes permitem reproduzir-se.
Nos vegetais, conjunto de características que distinguem os órgãos reprodutores femininos e masculinos.
Conjunto das pessoas que pertencem ao mesmo sexo.
Sensualidade, lubricidade, sexualidade.
Conjunto dos órgãos sexuais; genitália.
Essa é a definição que qualquer pessoa encontrará se pesquisar pela palavra no Google, além da infinidade de sites e vlogs que serão apresentados para acesso rápido. Com apenas um clique, o mundo do prazer sexual e suas inúmeras fantasias estará escancarado para quem quiser vê-lo (e quem sabe, talvez participar), essa é uma das facilidades que a modernidade trouxe ao mundo (devemos agradecer a globalização, ela mudou o planeta!). Antes da internet possibilitar o acesso a essas informações básicas sobre o prazer sexual, os ômegas obrigatoriamente conheciam apenas o que era conveniente aos olhos julgadores dos alfas. E é claro que eles iriam odiar fazer algo que envolve o conhecimento dos ômegas sobre isso, porque na cabeça retrógrada deles os ômegas devem ser inocentes e intocados, quanto menos experiente melhor, mais fácil de manipular.
E se eles não sabem uma maneira melhor de ter prazer, não irão questionar os métodos usados pelo cônjuges.
Talvez seja esse um dos motivos que faz Killer Cat e tantos outros artistas ativistas serem alvos do ódio da comunidade conservadora e anti-progressista. Supõe-se que cantar sobre sexualidade, abusos e injustiças seja fácil no meio do século vinte e um, mas essa é uma suposição completamente errada, e existem muitos motivos que comprovam isso.
Educação sexual para crianças e adolescentes não é sobre "Ah, vocês estão querendo trazer essa imoralidade para nossas crianças, destruindo nossos valores e família…" e blá, blá, blá.
Não, não tem nada haver com isso. É mais sobre: "Fui abusado sexualmente e não sabia que estava sofrendo abuso sexual.", Yuuji entende o sentimento angustiado que vem depois da descoberta, porque quando ele fez sexo pela primeira vez, não sabia o que realmente estava acontecendo com o seu corpo. O porquê doeu e sangrou, mas ainda assim, foi tão bom no final.
Às vezes a ignorância é uma benção, esse não é o caso, no entanto.
E acreditar nisso e defender publicamente a educação sexual nas escolas o faz ser visto como uma vagabunda, vadia, prostituta, poço da promiscuidade, desavergonhada, descarada e todos os outros adjetivos que remetem a uma figura de um ômega pecaminoso, pode-se resumir tudo isso em: Destruidor de lares ou filhote de satã. A educação sexual não pretende levar um vibrador para uma escola do maternal e ensinar as crianças como usá-lo (isso ultrapassa os limites do repulsivo), também não vai colocar um filme pornográfico para rodar na projeção holográfica durante o intervalo para todos assistirem.
Não. Absolutamente não, não irão fazer isso. Inicialmente, consiste apenas em dizer onde pode ser tocado por um adulto e se esse toque incomoda (ou não, mas ainda é estimulante), palestras sobre abuso sexual e temas NECESSÁRIOS, crianças são crianças, ninguém quer traumatiza-las. Na adolescência, quando estiverem no ensino médio, introduzir a sexologia pode sim ser interessante, principalmente para os ômegas. Existem garotos que nem sabem como colocar uma proteção vaginal… isso é inadmissível. Ou desconhecem as variedades de tsd circulando pelo globo e a facilidade na transmissão delas, sequelas, tratamentos e até mesmo aquelas que chegam a ser um problema para o resto da vida. Os adultos conservadores aparentemente querem esconder isso dos jovens (ômegas) e betas (fêmeas), e uma onda de artistas falando sobre o tema tão abertamente é nada menos do que irritante.
Graças aos avanços da rainha mãe do pop, a estrela internacional Madonna (e a maior ídola de Yuuji, antes mesmo até da Britney Spears e Beyoncé), é comum ver ômegas se apresentando em palcos vestidos dentro de roupas consideradas vulgares, falar sobre sexo e sexualidade, ganhar espaço não somente no meio artístico, como no mundo dos negócios e respeito da sociedade. Ela deu passos de bebê, Britney Spears caminhou e Beyoncé e Rihanna correram, a nova geração agora pode tirar os saltos, calçar um tênis e cruzar a linha de chegada sem grandes empecilhos (ou pelo menos, essa era a ideia). As pessoas se esquecem que sempre, sempre terá alguém, um grupo específico que será contra os avanços progressistas e liberalistas dos ômegas.
Eles dizem: "Que direitos mais vocês iriam querer? Já alcançarem a igualdade, tem liberdade e livre arbítrio." Uma grande mentira. A sociedade pode ter sim evoluído, mas ainda permanece com os mesmos velhos preconceitos enraizados na mente dos velhos, que passam para os mais jovens e espalham a semente de geração em geração. É uma luta interminável, nunca vai acabar. Yuuji sabia disso desde o início, desde que nasceu e foi diagnosticado como um ômega recessivo suas escolhas foram tiradas do seu alcance. Não tão brutalmente como nas décadas passadas, foi um processo sutil e delicado, ele não teria percebido se fosse distraído.
O fato de Jin ficar tão sem reação com a insinuação de duplo sentido sexual que Junpei fez hoje mais cedo só alimenta ainda mais essa ideia, talvez ele tenha reagido desse jeito inconscientemente, é esperado que um ômega japonês (recessivo ou dominante) seja recatado a ponto da ignorância sobre o sexo, e mais, sem demonstrações públicas de afeto físico em público. Os japoneses definitivamente não gostam muito de contato físico, e tendem a ver essas demonstrações públicas como vulgares e obscenas (principalmente entre um casal beta/ômega), ômega e ômega é algo normal, devido a natureza sensível do gênero, mas agora com a normalidade (algo que deveria ter sido normal desde sempre) de um relacionamento romântico entre ômega/ômega, até isso tem sido evitado e visto com repulsa.
Jin e Toji sem dúvidas já foram vítimas de piadas sem graça e olhares de ódio, embora duvide muito de que alguém seria corajoso o suficiente para enfrentar Toji.
De qualquer maneira, o rosto chocado deles ao ouvir o comentário de Junpei expressou muito dos seus pensamentos em relação a Yuuji. Devem pensar que assim como Megumi, ele é um ômega intocado? Essa crença provavelmente foi por água abaixo depois de hoje. Poderia bufar e ficar estressado com Junpei, mas o que ele fez de mal? Absolutamente nada, e Yuuji está longe de ser virgem (apesar de só ter tido um parceiro sexual até agora), é experiente o suficiente para saber como e onde tocar um alfa para enlouquecê-lo, e conhece o próprio corpo o suficiente para saber onde gosta ou não de ser tocado. Claro, sua experiência não pode ser comparada a de Mahito (ele deve ter fodido umas quatro dezenas de garotos e garotas antes de conhecer Yuuji), e também depois, o mesmo se aplica para Jin e Toji. Mas se comparar a esses adultos é injusto, colocá-lo de frente para Megumi e Junpei faz mais sentido (e sim, Junpei é totalmente virgem).
Ou talvez não, uma vez que seria injusto com os dois virgem do lado oposto.
Contudo, esse não é o ponto. O ponto é: quando Junpei fez um comentário "duvidoso", Toji tornou-se implacavelmente ameaçador. Até aquele momento ele estava sendo passivo-agressivo, estudando, provocando, dando as boas-vindas enquanto mantinha a guarda alta, e inesperadamente, o ar ficou pesado e seus olhos gritavam: "Perigo, afasta-se" como um verdadeiro assassino. E Jin, o tão doce e compreensivo Jin apenas assistiu o esposo ficar quase selvagem sem tomar nenhuma atitude sensata. Na verdade, ele tinha um quê de aprovação no olhar. Yuuji pensa seriamente que Jin deixa Toji fazer o serviço sujo porque ele não tem coragem de fazer, mas sente muita, muita vontade e extrema satisfação em vê o companheiro sendo violento. E enquanto isso, Junpei riu animadamente na cara do perigo, e saiu vivo para testemunho.
Revirou os olhos com o pensamento, voltando ao início outra vez, qual é o motivo exagerado dessa reação? Adolescentes não podem ter uma vida sexual ativa? (Honestamente, sua vida sexual não está nada ativa, faz meio ano que Mahito foi embora e desde então, não sente nenhum pingo de tesão por ninguém, absolutamente ninguém.) Esperavam que fosse apenas um garoto problemático?
Bem, não pode realmente culpá-los. Sempre os manteve à margem, nunca permitindo uma aproximação ou aprofundando-se em conversas, nunca revelou nada sobre si mesmo durante as visitas (forçadas), muito menos deixou-os a par de alguma situação difícil. A pessoa a quem recorre em momentos inoportunos é sempre o tio Kenjaku, que na verdade é muito mais do que um "tio", ele consegue ser um amigo paciente e sábio (quando quer), um empresário inteligente e meticuloso, seguindo inabalavelmente o caminho do sucesso, um pai confiável e respeitável, e um cúmplice de um crime perfeito. Ele é a primeira pessoa na vida de Yuuji, aquele que o ocupa a posição mais alta na sua lista de responsabilidades.
Quando entra no aplicativo de mensagem, ignora trezentas e dez conversas atrasadas para dar atenção ao tio Kenjaku (Junpei também tem prioridade) seu chat tem o privilégio de não está silenciado ou arquivado, e melhor, ainda é fixado. É mais do que natural que ele saiba tudo sobre Yuuji, uma vez que recebeu espaço para isso.
Em contrapartida, Toji e Jin nunca foram bem recepcionados, nem ninguém relacionado a eles. Os amigos de Sukuna e Choso, Tsumiki ou Megumi. Nenhum deles receberam suporte para manter um espaço ao lado de Yuuji, e posteriormente, dentro do seu coração. Então, também é comum que não saibam nada sobre ele. Também não é como se Yuuji saísse falando sobre sua vida sexual para as pessoas, detalhes a aparte, o único que escuta suas frustrações é Junpei.
Sexo nunca incomodou profundamente tio Kenjaku, na verdade, acredita que o que realmente o incomodava era com QUEM estava fazendo (foi assim quando descobriu). Ele odiou a grande diferença de idade, status e a construção (nada saudável) do relacionamento. E depois da última briga, a aversão dele por Mahito passou dos limites considerados humanos (ainda acredita que o tio mandou matá-lo). Fugindo desse contexto, o tio Kenjaku pouco se importa se Yuuji está transando com alguém ou criando teias de aranha entre as pernas (o que é uma realidade), contanto que não engravide de um vagabundo (definitivamente, Yuuji não transaria com um cara falido!) e mantenha o pescoço fora de alcance, ele não vê problemas em um adolescente descobrindo os prazeres da vida adulta e apesar de não terem tido esse tipo de conversa, ofereceu um livro com o título: "O que é sexo?" A um Yuuji de quatorze anos.
Foi surpreendente… mas supõe que ele fez isso porque percebeu o seu desconforto ao sentar, as tentativas de esconder as marcas deixadas por Mahito e especialmente as letras das músicas do álbum XXI, que falam explicitamente sobre sexo, drogas, abusos, festas e infidelidade. Qualquer pessoa acharia estranho um adolescente de quatorze anos escrever sobre esses temas com tanto domínio, é meio óbvio que há uma experiência por trás de tudo, ninguém vai ler um livro sobre sexo para em seguida fazer uma música sobre ele. É algo que precisa necessariamente de experiência, e Yuuji não teria escrito nada do que escreveu se não tivesse passado por aquelas experiências (algumas desejadas, outras nem tanto).
Tio Kenjaku foi esperto em perceber o que estava acontecendo e tentar ajudar, talvez dá um livro explicativo sobre o sexo entre a espécie humana não tenha sido o melhor plano de curso, mas o que vale é a intenção.
Eles nunca chegaram a ter essa conversa que geralmente funciona melhor entre mãe e filho, ou pai e filho, mas ainda assim tiveram. É complicado de explicar. Kaori nunca chegou a perguntar o motivo dos barulhos em que vinham do seu quarto no meio da noite, embora as paredes fossem finas e o ranger da cama alto, a melhor pergunta seria: quem está no seu quarto à noite? Ela nunca veio, entretanto. Imagina que ela acredite que o invasor era Junpei, já que estão grudados pelo quadril desde que se conheceram. Ou talvez, tão alheia quanto (intencionalmente) é, prefira acreditar que Yuuji ainda é um ômega inocente e intocado, esperando pacientemente por uma apaixonante alma gêmea.
Sim, admite que era um romântico incurável quando criança, mas então a vida aconteceu e mudou toda a sua visão sobre relacionamentos. Não é que tenha aversão por eles, definitivamente não, mas acredita que para manter uma relacionamento saudável em pleno funcionamento exige atenção e esforço de ambos os lados, às vezes o amor acaba por falta de manutenção ou é só um desvio de caráter da pessoa que traiu ou deixou o companheiro de lado. Não tem condições de dar atenção a alguém, muito menos se esforçar para mantê-lo feliz, nem tem paciência para isso. Pelo menos, não no momento. Conscientemente, também sabe que nem todo casamento acabará de maneira trágica como o de Jin e Kaori, e nem sempre uma das partes vai se machucar além do imaginado, contudo, mesmo sabendo disso, há um pouco de medo no seu interior.
Esperava superar esse medo ao conhecer sua almas gêmeas e construir um relacionamento saudável, muito diferente do que viu no casamento dos pais, jurou que nunca iria brigar com o cônjuge na frente do seu bebê e dá a notícia do divórcio abruptamente (nunca passou pela sua cabeça se divorciar depois de casado), mas esses planos foram jogados fora quando os conheceu.
Inicialmente, pensou que Gojo e Geto seriam sua salvação, mas eles apenas o levaram para mais fundo. Eles certamente nunca fizeram nada para machucá-lo, foram gentis e educados, não tinham a intenção de fazê-lo sofrer, vê isso nos olhos preocupados de Geto (ele pensa que sabe ser sutil?). Mas ter uma alma gêmea, duas na verdade, e não poder se envolver romanticamente com elas é… deprimente, ainda mais quando esses dois estão em um relacionamento. Você se sente excluído, porque eles têm uma intimidade maior por se conheceram e estarem juntos a mais tempo, sente-se indesejado e deslocado em certas situações.
A escolha de não se aproximar deles sem dúvidas foi a melhor que já tomou na vida, evitou mais dor e sofrimento, ao custo de não ter um amor incondicional. (Mas quem poderia garantir que eles fariam um relacionamento a três funcionar?)
As crenças que tem sobre o amor são genuínas, mas acreditar no amor e ser romântico são duas coisas separadas e diferentes.
Talvez ainda apareça alguém capaz de despertar esse seu lado novamente, mas até que esse dia chegue, continuará sendo o Killer Cat destruidor de lares que os conservadores amam odiar. Kaori pode continuar no seu mundinho fantasioso onde Yuuji ainda é uma criança ansiosa e inocente, desesperado para agradar (ele é tudo menos isso) e seguir vivendo pacificamente onde quer que esteja. Enquanto Jin e Toji? Eles são um caso à parte, pareciam muito preocupados com seu desenvolvimento sexual com Junpei mais cedo, e terá sorte se não for encurralado e forçado a confessar crimes horríveis (que nunca cometeu). Ou talvez só esteja sendo excessivamente dramático?
Bem possível que seja a segunda opção.
Sim, deve esquecer sobre as estranhezas do dia e tomar um banho gelado para diminuir a dor nos músculos, o instrutor de pole dance pegou pesado nos exercícios e mais uma vez, deu atenção exagerada para Yuuji, não conseguindo esconder seu flagrante favoritismo. Não estaria reclamando se esse maldito favoritismo fosse algo favorável (o que definitivamente não é) apenas significa que será obrigado a ser melhor que os outros alunos porque SEMPRE, sem exceção, será usado como exemplo. A cobrança é realmente algo irritante, e com certeza, desgastante. Suspirou, chutando o chão coberta de grama verde.
Não quer entrar, mas ficar do lado de fora não é a opção mais inteligente, já está começando a esfriar e as roupas que está usando são recomendadas para o verão, não o outono ou inverno. Short legging curto e camisa masculina (tamanho alfa) que vai até metade das suas coxas e tênis vans velhos, pegar um trem para casa do tio Kenjaku seria cansativo, não por causa da pequena viagem até o distrito de Minato, sim por causa dos velhos pervertidos caminhando pela rua a essa hora da noite. Além, é claro, de ter prometido ao vovô Wasake que chegaria em "casa" antes do toque de recolher, que é às dez.
Soltou um suspiro profundo, deixando os ombros caírem e girou a maçaneta da porta, entrando e já tirando os tênis. Dentro de casa está quente, sem vento frio e ar levemente pesado, todas as luzes estão acesas e isso infelizmente significa que tem pessoas acordadas. (Claro que tem! Ainda não é meia noite) caminhou pelo pequeno corredor e logo chegou à sala, onde avistou o vovô dividido entre ler um livro (ou seria jornal?) E assistir um programa culinário de tv?
— Bem-vindo ao lar, Yuuji. — Piscou um tanto confuso, o que há com essa saudação? Parou onde estava e virou o pescoço na direção do vovô, vendo-o abrir um pequeno, quase imperceptível sorriso. É como se estivesse com saudade de dizer isso…
— Ah… boa noite?? — Respondeu, sentindo-se confuso. O que deveria dizer nessa situação? Faz anos que não recebe nenhum comprimento ao cruzar a porta de casa, Kaori nunca estava, Mahito o comprimentava com beijos e abraços, e Junpei … Junpei é Junpei, não precisam de cumprimentos quando podem apenas entrar e dizer: "Esperou muito?" No caso de Yuuji, que sempre chega atrasado, ou um: "A tia está em casa?" Não que saber se ela está em casa faça alguma diferença, ainda vai se jogar no sofá depois de vasculhar o armário em busca de comida. O vovô não parece se importar com isso, entretanto.
— Tem jantar na cozinha, se estiver com fome. — Ofereceu, voltando a ler o jornal. Ainda sentindo-se deslocado, Yuuji acenou com a cabeça, mesmo que não estivesse sendo assistido.
— Tudo bem… — Murmurou, continuando a subir as escadas.
Quando foi a última vez que tinha jantar esperando-o em casa? Realmente não lembra. Tio Kenjaku geralmente faz, mas não é a mesma coisa, e Yuuji nem sempre pode passar a noite na casa dele. Mahito costumava levá-lo para comer fora durante os fins de semana, ele era um péssimo cozinheiro, não seria nenhuma surpresa se sua comida causasse uma intoxicação alimentar. Acabou meio que comendo fora todos os dias, frutas ou alguma refeição saudável que vende na padaria do centro de Shinjuku, e se estiver com forças o suficiente, depois de um dia inteiro na escola, treinos e trabalho, pode cozinhar algo simples e fácil e dormir em seguida.
O que quase nunca aconteceu, cozinhar é bom, mas comprar uma comida já preparada é muito mais fácil.
Terminado de subir as escadas, andou despreocupadamente pelo longo corredor, seus passos são pesados e desleixados, e isso é o melhor que pode fazer, ser silencioso nunca foi sua praia. Chegou antes do toque de recolher, não fez nada de errado, então não precisa necessariamente se esconder (embora seja bom não ter que ver Jin ou Toji), por outro lado, o treino de pole dance foi exaustivo a ponta de sentir os músculos dormentes, se conseguir ir a academia amanhã cedo, merece um prêmio por sua força de vontade e disciplina.
Bateu na porta do quarto, esperou e esperou, bateu novamente, e então Megumi abriu-a.
— Posso entrar? — Perguntou, certificando-se de manter o rosto neutro.
— É o nosso quarto… não precisa bater. — Ele repetiu pela milésima vez e saiu da frente, abrindo espaço para Yuuji passar. Deu de ombros, entrando no quarto e indo pegar uma muda de roupas (um conjunto moletom, nenhuma novidade nisso)
— Não, esse "era" o meu quarto, isso foi antes de você aparecer, agora ele é seu, mas nunca será nosso. — Implicou, com um sorriso pequeno e malicioso, olhou para os ursos idiotas pendurados na estante branca de madeira. — Deveria ter jogado-os no lixo. — Comentou, apontando com um dedo para a estante. Megumi continuou plácido, e disse calmamente:
— Imaginei que eles tinham um valor simbólico para você, não achei certo jogar um pedaço seu fora. — Arqueou uma sobrancelha. Valor simbólico? Uma parte sua? Esse garoto é mais sentimental do que deixa transparecer.
— Olha, Fushiguro-kun… — Foi interrompido.
— Pode me chamar de Megumi. — Odeia ser interrompido. Fechou os olhos e respirou fundo, então abriu o sorriso mais falso que conseguiu convocar.
— Não obrigado, não somos próximos o suficiente para isso, nem acredito que seremos um dia. — Apontou o óbvio, por que quem é amigo do amante do seu "pai"? Ele ser um ômega dominante não tem nada haver com isso, está pouco de fodendo para as classificações de gêneros secundários e como eles devem se comportar. Ele também não tem culpa nas escolhas de Jin e Toji, ainda assim, prefere manter distância. — E continuando, não tente ser legal comigo só porque você e sua família pensam que faço parte dela. Não pense que poderemos ser amigos, isso nunca vai acontecer, nem se você estivesse carregando os bebês de Sukuna faria alguma diferença para mim, você, ele, e todos nessa casa, não tem nenhum valor simbólico para mim, entendido? Vamos encerrar a encenação agora e viver normalmente, por favor. — Estalou os dedos, e saiu do quarto antes que escute uma réplica.
Valor símbolo? Ele deixou todos aqueles ursos atrapalhando a decoração do próprio quarto porque presumiu que tinham um valor simbólico para Yuuji? Eles não trazem nenhuma lembrança quente e que deseje manter. Claro, a vida na infância nem sempre foi uma merda, mas a maior parte dela está repleta de lembranças onde Jin e Kaori estavam brigando, e Yuuji abraçava um urso fofo com força, tentando afastar a dor que corroía o peito.
Lembra-se brevemente que adorava abraços (ainda gosta deles, honestamente) e à medida que crescia, todos os adultos estavam sempre ocupados (exceto Wasake), Sukuna e Choso também. Sem muitas opções, agarrou-se às pelúcias para preencher o vazio e solidão que tanto o atormentava. Olhar para elas o faz lembrar o quanto era patético, até mesmo para uma criança. Então não, Megumi não tomou uma boa decisão em escolher manter as pelúcias ou manter qualquer coisa que já pertenceu a Yuuji. As memórias e sentimentos que elas carregam dificilmente são bem-vindas.
As intenções dele podem ter sido genuínas, mas ainda não foram bem recebidas.
Deveria ter esquecido de tudo relacionado a essa casa e a família que um dia teve, e a melhor maneira de fazer isso é manter-se longe de tudo e todos, graças a Kaori, conseguirá realizar seu desejo apenas em seis meses (se não morrer de desgosto até lá).
De volta ao corredor, bateu na porta do banheiro e felizmente ele estava vazio. Tomou um banho quente e demorado, esfregando-se de maneira rude.
É bom que aqui as trancas das portas estejam em bom funcionamento, na casa de Kaori, quase todas estavam quebradas e era comum ter Mahito invadindo o banheiro enquanto tomava banho. Isso o faz lembrar o quanto sexo debaixo do chuveiro é bom, a parede fria em contato com sua pele quanto é esmagado entre ela e o corpo quente e musculoso de Mahito, os sons sujos e bons apertos em sua bunda, mordidas e tapas. Involuntariamente, soltou um gemido arrastado, esfregando as coxas juntas. Mordeu o lábio inferior com força, pensando seriamente em deslizar a mão entre as pernas e dar prazer a si mesmo, (já faz um bom tempo que não se toca), mas esse plano desce pelo ralo junto com a água quando escuta uma batida forte na porta.
— Ei, preciso usar o banheiro! — É a voz de Sukuna, grave e alta, toda o tesão que sentia a poucos minutos atrás esvaziou-se rapidamente. Quando demorou para responder, Sukuna bateu na porta de novo, com mais força dessa vez. — Ei, quem está aí dentro?! — Soltou um suspiro frustrado, engolindo a saliva e acalmando os nervos, a última coisa que quer é deixá-lo ouvir sua voz trêmula (por nenhuma razão lícita).
— Sou eu… já vou sair. — Silêncio. Talvez não tenha mascarado bem a voz? Desligou o chuveiro, sentindo o coração bater forte dentro da caixa torácica, enxugou-se rapidamente e vestiu-se, saindo do banheiro. Sukuna está parado na frente da porta, e consequentemente, atrapalhando a passagem. — Com licença…? — Pediu, evitando olhá-lo nos olhos.
— Está tudo bem? — Engoliu em seco, forçando um sorriso cínico. É claro que ele iria perguntar isso, a voz de Yuuji sempre fica… frágil depois de umas sessão de sexo, ou qualquer coisa relacionada a atividade sexual. O que tinha na cabeça?! Essa não é a casa de Kaori, Mahito não vai invadir o banheiro e fode-lo contra a parede, nem pode se mastubar e gemer alto como uma cadela no cio, (não se importa em ter espectadores, mas prefere manter a modéstia na frente da família Itadori-Fushiguro, pelo menos por enquanto). Quer se bater por ser tão idiota. — Digo, sobre hoje mais cedo, não queria causar nenhum mal estar e… me desculpe, Yuuji. — Arqueou a sobrancelha, perplexo com esse pedido de desculpas fora do contexto. Mas supõe que seja melhor não ser questionado sobre o quê estava prestes a fazer no banheiro.
Contudo, esse pedido de desculpas recarrega sua bateria de sarcasmo diário, e é impossível segurar o comentário ácido que escapa por entre os lábios.
— Uma pequena indigestão não é nada comparado a alguns socos, você não se desculpou por eles, no entanto. — Sukuna arregalou os olhos levemente, antes de uma carranca adornar o rosto de expressão naturalmente severa. Sorriu inocentemente, fechando os olhos para dar um ar ainda mais inocente (nenhum alfa mais velho resiste aos seus pedidos quando sorri desse jeito).
— Nesse caso, você é o único que deveria se desculpar. — Sorriu ainda mais, já esperando essa resposta. A relação que manteve com Choso e Sukuna na infância foi totalmente destruída durante as brigas de Jin e Kaori, eles nunca estavam por perto, então é normal que em algum momento, tenha parado de vê-los como uma figura confiável. O vovô é o único em quem confia (nessa casa). Com o casamento de Jin e Toji essa relação piorou, eles ficaram ao lado de Jin, e repreendiam Yuuji por fazer comentários ácidos e espirituosos.
A situação piorou quando descobriram que Sukuna e Megumi eram almas gêmeas. Aquele garoto está desde sempre tentando encontrar maneiras de se aproximar, e Yuuji está desde sempre afastando-o propositalmente, um pouco rude às vezes, outras nem tanto.
E em uma dessas vezes, acabou empurrando-o e chamando-o de vadia, claro que Sukuna não gostou disso e "ordenou" que Yuuji se desculpasse. Ele iria se desculpar? Nunca, não viu onde errou, ou o que fez de errado. Megumi, Tsumiki e Toji são seus substitutos e ele é quem deveria se desculpar? Yuuji riu, realmente riu com as palavras de Sukuna, mas aquilo foi apenas uma maneira de esconder a dor que estava espalhando-se pelo peito e ameaçava transbordar em lágrimas. Talvez, xingar Megumi e o vínculo de alma deles não tenha sido a melhor escolha, Sukuna reagiu como qualquer alfa dominante reagiria ao ter seu ômega recém descoberto atacado (fisicamente ou não) e avançou em Yuuji.
Luta corpo a corpo nunca foi o forte de Yuuji, e a diferença de três anos entre ele e Sukuna o colocou ainda mais em desvantagem. Apanhou feio, foram vários socos e rosnados assustadores, a briga estendeu-se por vários minutos (parecerem horas) até que vovó Wasake ouvisse os gritos de Megumi e tirar Sukuna de cima de um Yuuj ensanguentado.
Honestamente, apanhar não foi o que realmente doeu, mas sim o olhar de puro ódio nos olhos vermelhos de Sukuna.
Naquele dia, não aceitou os cuidados de Wasake, apenas foi para casa de Kaori e escondeu-se no quarto. Mahito remendou seu rosto no meio da noite, deu-lhe beijos suaves e acariciou seu cabelo até que dormisse.
Nunca pediram desculpas por aquele dia. Sukuna é um alfa dominante feroz e estava defendendo a honra do seu companheiro, ele se arrepende, mas não vai voltar atrás. Enquanto Yuuji… bem, ele foi o único que saiu machucado, não vê o porquê de se desculpar. Querendo ou não, sente receio em ficar perto de Sukuna, não por medo, mas como um ômega, é normal que queira ficar longe de algo ou alguém que já o machucou de alguma forma. E naquele dia, algo quebrou entre eles.
Não vê Sukuna como um irmão. E não vê como podem consertar isso.
— Vou passar, mas obrigado pela oferta. Agora sai da frente. — Empurrou-o, e sem surpresa nenhuma, Sukuna permaneceu exatamente onde estava. A presença de Sukuna impõe dominância e respeito, é quase difícil manter o rosto erguido na presença dele.
Yuuji diz a si mesmo que classificações secundárias não importam, e seguindo essa linha de raciocínio, nunca vai se submeter a nenhum alfa, por mais dominante que ele seja.
— Tem ideia do quanto machucou ele com aquelas palavras? — Machucou? Yuuji sente a dor no coração aumentar, junto dos batimentos cardíacos. Sukuna pergunta isso com descrença, como se não conseguisse imaginar o porque Yuuji odeia os Fushiguro (e ele não os odeia, não realmente, mas não quer tê-los por perto) ou porque um ômega diria algo que iria machucar outro ômega propositalmente. Ele ficaria surpreso ao saber o quanto omegas não tem nenhum senso de companheirismo para com seus iguais.
— Não, até porque não sou um empata para saber dos sentimentos das pessoas, nem gostaria de ser. — E também porque já tem muita confusão emocional própria para lidar, não precisa de mais uma. Sukuna estreitou os olhos, eles já são estreitos naturalmente, algo que herdou de Kaori, assim como Choso. — Agora, tem ideia do quanto aqueles socos foram dolorosos? Imagino que não, então pare de fazer perguntas idiotas e saia da frente, tenho mais o que fazer. — Viu arrependimento e raiva (provavelmente de si mesmo) passarem pelos olhos de Sukuna. Ele afastou-se com um pequeno grunhindo, e Yuuji finalmente pode respirar tranquilamente.
— Não era minha intenção… apenas..- — Interrompeu, completando a frase dele.
— Apenas agiu por instinto, claro, vocês alfas agem como animais na maioria das vezes. Acho que é idiotice esperar algo que não seja decepção vinda da sua classe. — dispensou-o com um comentário maldoso, dando as costas para ele.
Yuuji conviveu com alfas desde que nasceu, e não tem as melhores experiências com eles. Jin, Choso e Sukuna são bons exemplos, Mahito juntou seus pedaços apenas para quebrá-lo novamente… os únicos alfas de respeito são tio Kenjaku e Wasake, os outros são apenas desculpas de um.
Alfas servem apenas para aquecer uma cama e serem descartados posteriormente, mantê-los em um relacionamento gera muita dor de cabeça, e já tem isso o suficiente.
Desceu as escadas, dessa vez, sem encontrar o vovô assistindo ou lendo no sofá da sala. É uma pena, deveria ter falado melhor com ele quando chegou. Foi até a cozinha e descascou um abacaxi grande, colocou-o em um pote fundo e começou a comer, enquanto rolava o feed de atualizações de postagens no twitter. Parou na foto do Rapper Tabeck, também conhecido como THC, ambos os apelidos remetem a maconha e o uso de drogas ilícitas, nada surpreendente vindo de um rapper. Yuuji, por mais inacreditavelmente que pareça, simpatiza com o rapper, cujo nome de batismo é Zenin Naoya, um japonês de família tradicional que mudou-se para os EUA após terminar o ensino médio e acabar se envolvendo demais com os garotos de rua.
A história dele é um tanto trágica, perdendo o apoio da família e tudo mais, (as pessoas dizem que o afastamento dos parentes se deve a personalidade escrota dele), mas ele não é um artista que está frequentemente envolvido em escândalos públicos. Na verdade, nunca o viu envolvido em nenhum escândalo, e tem pensado seriamente em fazer um feat com ele no álbum em que está trabalhando atualmente.
Curtiu a foto (muito reveladora, por sinal) dele sem camisa na praia, e teve uma ideia que sem dúvidas irá deixar os internautas loucos e paranóicos (e o tio Kenjaku furioso)
Rindo diabolicamente, procurou uma imagem de um abridor de garrafa no google e salvou no dispositivo móvel, voltando para a abrir o twitter e colocando as fotos (do Google e do Naoya) lado a lado, com a seguinte legenda: abridor de garrafa/abridor de pernas e publicou. Em menos de dois segundos, os comentários e curtidas começaram a aparecer.
Prontinho, agora só precisa esperar por alguma mensagem privada ou um discurso do tio Kenjaku, sobre como estão envolvidos com os Tsukumo e essa pequena postagem nas redes sociais pode fazer os Tsukumo terem a ideia errada sobre quem é o verdadeiro Killer Cat, (ou melhor, sua personalidade imoral). Yuuji pouco se importa, ele não está à beira da falência para mendigar o interesse de riquinhos idiotas.
Faz o próprio dinheiro e nunca precisou de um alfa para pagar as contas do cartão de crédito(Na verdade, usa apenas o cartão de débito, o de crédito funciona como uma reserva). Muito obrigado.
Os comentários dos fãs de várias partes do globo começaram a ficar demais, fazendo o celular vibrar interminavelmente, achou melhor silenciar as notificações e verificar a repercussão dessa brincadeira inocente amanhã. Estava tão distraído comendo os pedaços grandes de abacaxi e de olho na tela do celular que mal notou a chegada silenciosa de Jin, percebendo a presença dele apenas quando foi comprimentado.
— Está comendo abacaxi a essa hora da noite? — Parou o que estava fazendo, olhando entre a tábua de cortar carne cheia de abacaxi e o rosto de Jin. Ele parece preso em uma mistura de confusão e indignação. — Deixamos jantar para você na geladeira, posso esquentá-lo se quiser. Não é saudável comer abacaxi a essa hora da noite, é uma fruta ácida, fará mal ao seu estômago. — Reclamou para ninguém em especial, com as sobrancelhas franzidas. — Costumava comer isso no jantar? — Perguntou, e Yuuj tem certeza que ele está transferindo essa irritação para Kaori.
— Jantei fora. — Disse ao invés de responder a pergunta feita, e isso pareceu acalmá-lo um pouco.
Ninguém precisa saber que sempre jantou fora, seja em uma padaria que serve refeições saudáveis, a casa do tio Kenjaku ou a casa de Junpei.
— Fora onde? — No entanto, aparentemente desviar do assunto não é tão fácil com Jin, ele continuará fazendo perguntas e mais perguntas. Enrugou o nariz inconscientemente, Kaori apenas aceitaria a resposta anterior e iria embora, deixando-o em paz assim como deseja e o silêncio tomava conta do cômodo.
Admite que por muitas vezes quis que ela insistisse nos assuntos inexplicados entre eles, para conhecê-lo melhor e apoiá-lo, mas ela nunca fez isso. Nunca se preocupou o suficiente ou se importou. Ela estava tentando dar espaço a ele ou apenas… realmente não se importava? É difícil saber o que se passa na cabeça de Kaori, ela é muito boa em mascarar as emoções (quando não está bêbada).
— Uma padaria de Shinjuku. — Comentou, encolhendo os ombros.
— O que comeu em uma padaria? — Olhou feio para Jin, começando a ficar irritado com tantas perguntas. — Desculpe, é que geralmente jantamos todos juntos… talvez você não tenha esse hábito. — Jin ofereceu um sorriso pequeno. É claro que não tem esse hábito, Kaori cozinha de vez em nunca, e apesar de ser um bom cozinheiro, Yuuji não tinha tempo ou energia para passar horas na cozinha. — De qualquer maneira, queremos conversar com você, eu e Toji-san. — E agora, ele realmente parece nervoso.
— Não temos nada para conversar. — A menos que seja uma reclamação sobre as notas vermelhas no boletim escolar ou a falta de atenção nas aulas
— Sim, nós temos. — Jin afirmou, tentando manter-se firme. — Termine de comer e venha até a sala, estaremos esperando por você. — Assistiu-o sair do cômodo a passos rápidos, perguntando-se o que diabos fez. Comportou-se bem, bem até demais no primeiro dia escolar e ainda não foi mandado para detenção.
Então o que é?
Bufou, jogando pedaço por pedaço de abacaxi na boca e engolindo quase sem mastigar. Terminou em questão de segundos, levou a tábua de carne e a faca que usou para cortar a fruta e foi até a sala. Assim como imaginou, Jin e Toji estão sentados lado a lado, e a julgar pela expressão sombria no rosto de Toji, não estarão tratando de um assunto muito amigável.
— Iaê. — Chamou, acenando com uma mão. Logo, os olhos verdes esmeralda de Toji estão sob seus ombros, assim como os dourados opacos de Jin (esse desvia rapidamente). — Sobre o que é isso? Cheguei dentro do toque de recolher. — Defendeu-se antes de ser acusado de algo.
— Senta, pirralho. Não é sobre isso que queremos conversar. — Toji falou, o tom dele não deixa espaço para discussões, então Yuuji jogou-se no sofá macio e confortável, em uma posição desleixada.
— Tudo bem, sobre o que é então? — Questionou, encarando-os impaciente. Toji bufou, colocando a mão no bolso e puxando uma cartela de preservativos, colocando-os em cima da mesa de centro. Piscou os olhos, perdeu algo por acaso? O que isso significa? Olhou para Jin, mas ele mantém os olhos no chão, suas bochechas estão quase roxas de tão vermelhas.
— Vamos conversar sobre sexo. — "O QUE??" Perguntou-se mentalmente, sentindo o mundo girar a trezentos e sessenta graus. Continuou sem reação, e Toji tomou isso como uma deixa para continuar. — Você provavelmente conhece bem sua própria biologia e sabe que há riscos de engravidar, assim como contrair doenças sexualmente transmissíveis, ao fazer sexo desprotegido, certo? Os preservativos servem exatamente para isso, para mantê-lo longe de doenças indesejadas e… pode não ser a mesma sensação ao fazer pele a pele, mas é melhor proceder com cautela. — O desconforto de Toji é visível, ele parece irritado em ter que falar isso. Seu maxilar está trincado e as veias do braço saltado.
— As escolas geralmente evitam falar sobre esses assuntos, mas achamos que é importante que você saiba, para que tenha uma vida sexual segura. — Jin completou gentilmente.
— Ao fazer sexo… oral, recomendo usar o preservativo também, você ainda pode contrair alguma tsd pela boca. — Sim, sabe disso, mas qual a graça de fazer sexo oral com preservativo? Mahito estava limpo, isso não tinha necessidade. E não vai transar com alguém que não esteja totalmente limpo, saudável e seja rico. — Essa revista explica melhor os casos de tsd e como eles são repassados de pessoa para pessoas. Por enquanto, vamos focar nos cuidados que você deve ter ao fazer sexo durante o cio, seria preferível se o seu namorado estivesse aqui para ouvir também. Ele é um beta, pelo que pude ver, pode não saber como agir em algumas situações. — Piscou novamente.
Isso tudo é sobre a maldita insinuação de Junpei? Tentou segurar o riso, mas no final não conseguiu e acabou gargalhando alto, para perplexidade dos dois adultos. Toji o encara com a sobrancelhas seguidas e sua expressão é imitada por Jin.
— Olha, eu aprecio sua genuína preocupação com a minha vida sexual, mas eu já sei de tudo sobre tsd e sexo protegido, e não, não gosto de chupar um pênis coberto com um preservativo. Qual a graça disso? A ideia de fazer um oral é sentir o sabor do pênis na língua e o calor da cavidade , então acho que não poderei seguir esse conselho, não seria totalmente prazeroso para mim e para o meu parceiro. — Jin ficou horrorizado com essas palavras, ainda mais vermelho do que antes, e Toji parece a ponto de explodir. — Além de que não estou transando com o Junpei, ele não é meu namorado, é apenas um amigo e não estamos envolvidos dessa maneira. — Sentiu a necessidade de esclarecer esse mal entendido, sentindo que Junpei estaria em sérios problemas se não desmentir a brincadeira dele.
— Mas…- — Interrompeu Jin.
— Sim, é fácil nos interpretar mal, ele gosta de fazer piadas sexuais e está tudo bem, eu realmente não me importo em ser o alvo delas na maioria das vezes. — Deu de ombros, até porque as piadas que faz suas mil vezes piores que as Junpei. Revirou os olhos, continuando: — Não estou transando com ninguém no momento, então, sem chances de gravidez. Vou no ginecologista regularmente e tomo anticoncepcionais feitos sob medida, sem chances de gravidez na adolescência também… não transo com um vagabundo qualquer, gosto de fazer sexo pele a pele e eles me provam que estão livres de qualquer tsd antes de continuarmos. — Pensou um pouco, falta algo? Coçou o queixo. — Ah, e eu não gosto dessa marca de preservativos, é muito barata. Sabe aquelas com sabores diferentes? Elas são exóticas, eu adoro as com sabor de morango, me disseram que é parecido com meu sabor natural. Mas outra vez, aprecio sua preocupação. — Sorriu suavemente.
Gostaria de tirar uma foto da cara deles agora, é tão engraçado.
— Bem, se isso é tudo, eu estou de saída. — Levantou do sofá, passando por dois alfas paralisados e subindo as escadas calmamente.
Deveria ter mantido a imagem de garoto alheio e inocente? Não, acha que isso não iria funcionar. Garotos inocentes não usam calcinhas que entram na bunda, nem rebola no pau de um alfa até perderem as forças das pernas. Ah, garotos inocentes não têm a pilha e pensamentos obscenos na cabeça nem escrevem sobre sexo.
Subiu as escadas e caminhou até o quarto, Megumi ainda estava acordado, quase debruçado sobre a escrivaninha cheia de lixos e a luminária ligada sobre a mesa. Não disse nada, apenas se jogou na cama e fechou os olhos, vagando sobre como está surpreso pela iniciativa de Jin e Toji. Pelas regras impostas sob o relacionamento de Megumi e Sukuna, pensou que ele iriam deixar os ômegas dessa casa totalmente alheios ao mundo sexual, (e isso infelizmente envolve Yuuji), mas eles se superaram.
O livro sobre Tsd tinha a aparência velha e desgastada, é fácil presumir que já passaram por esse tipo de conversa com Megumi e Tsumiki, talvez até mesmo com Choso e Sukuna antes. Sentiu-se tocado pela preocupação deles, ainda mais pelo fato de ter falado tão abertamente sobre sexo e não ser imediatamente repreendido (Kaori com certeza teria lhe dado uns bons tapas), essa atitude seria melhor apreciada se não tivesse descoberto sobre a vida adulta tão cedo.
Eles também não pareciam nada felizes em ter aquela conversa, principalmente Toji, ele estava inegavelmente irritado. Mas irritado com o que exatamente? O assunto ou a suposição de Yuuji está namorando com Junpei?
Perguntas e mais perguntas surgem na sua cabeça, no entanto, não vale a pena perder tempo pensando nisso tão tarde da noite. Dormir por agora é a melhor opção, terá que levantar cedo amanhã e faltam poucos minutos para meia noite, fechou os olhos e fingiu dormir… até realmente está dormindo.
Foi uma noite sem sonhos.
Não é sortuda, essa garota de Hollywood?
Ela é sortuda, mas por que ela chora?
Se não há nada faltando na vida dela
Por que caem lágrimas à noite?
Lucky - Britney Spears
Chapter 4: Capítulo 3: Minha Prerrogativa
Notes:
Oii pessoal, vocês estão bem?
Já faz algum tempinho, certo? Desculpem por isso, os últimos meses do ano sempre tão são corridos (╥﹏╥), compromissos inadiáveis entre faculdade, trabalho e família, e ficamos no meio disso tudo tentando encontrar o equilíbrio perfeito.Também tive um imprevisto com meu ex-namorado desgraçado, filho da puta e infeliz, (por que necessariamente ele ainda está vivo? Eu honestamente não sei, painho só não teve a oportunidade de matá-lo ainda (✿^‿^) estamos trabalhando nesse caso, prometo!)
Enfim, passei alguns dias com o olho roxo, e isso acabou atrasando o cozimento o cap, e enquanto a Tsuki?Bem, a pobrezinha tem enfrentado problemas familiares nada legais, por favor, mandem energias positivas, ela precisa.
Enfim, DEPOIS E SÉCULOS conseguimos revisar o cap3, peço desculpas desde já, revisão não é a minha especialidade - geralmente a Tsuki fica com essa parte - então, caso encontrem erros aqui e ali, ignorem.
Sim relação aos comentários ainda não respondidos, prometo que iremos separar um tempinho especial para interagir diretamente com cada um de vocês.
No momento é só, espero que gostem do capítulo 3.
Beijosssss da Tatá e Tsuki, ♡(> ਊ <)♡
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
CAPÍTULO 3
As pessoas podem tirar tudo de você
Mas elas não podem tirar a sua verdade
Mas a questão é
Você pode lidar com a minha?
My prerogative - Britney Spears
Não é porque disse que seria uma noite sem sonhos que os pesadelos iriam ficar longe, tem sido atormentado por lembranças ruins a tanto tempo que a linha entre o que realmente aconteceu e o que são frutos da sua imaginação está totalmente distorcida em uma bagunça sangrenta, a ponto de não conseguir diferenciar fantasia da realidade. Pega-se perguntando se os escritores de livros de ficção científica e outros gêneros semelhantes sofrem de distúrbios parecidos, (a diferença é que não estão sendo constantemente assombrados por eles, digo, suas próprias criações de vilões maléficos tipo o coringa) e se sim, como convivem com essa merda? Precisa dessa resposta para ontem.
Talvez a conversa esquisita (que foi obrigado a ter) com Jin e Toji na noite passada trouxe velhas lembranças e sentimentos a muito tempo perdidos, ou que forçou-os ao esquecimento na esperança de livrar-se deles permanentemente, deveria saber que empurrar os problemas para baixo e ignorá-los não vai fazê-los desaparecer ( por mais que seja tentador). Falar de sexo não é e nunca foi um incômodo, está longe de sentir vergonha ou timidez diante dos adultos por isso, (oras, não é como se eles fossem virgens inocentes) mas ainda deixa um sabor amargo na língua, porque apesar de toda a diversão de ver os rostos horrizados, tem pleno conhecimento que é sexualmente experiente (diga-se, experiente demais) para a sua idade, e um adolescente de dezessete anos não deveria saber tanto.
A maioria das pessoas o olham como se fosse uma vadia descarada que está ansiosa para abrir as pernas para o primeiro alfa que aparecer (como se eles fossem dignos), apenas ao descobrirem que ele não é um ômega virgem, como a sociedade japonesa espera que seja. Outros podem olhá-lo com pena, deduzindo que é uma infeliz vítima de abuso sexual (ponto para esses, eles não estão completamente errados), e existem os idiotas como Jin e Toji, que não conseguem expressar nenhuma reação e ficam paralisados por longos e longos minutos.
Ou por horas.
No caso de Jin e Toji, eles ainda estão atônitos, agindo como robôs no café da manhã e lançando olhares nada sorrateiros em sua direção. O que mais querem perguntar? Quem foi o seu primeiro? Quando, onde e como aconteceu? Vamos lá, Yuuji não é tímido, todos já sabem disso, mas existem certas experiências que prefere manter escondidas, até porque sua primeira vez fazendo sexo foi no mínimo… assustadora, tem arrepios só de pensar. E não seria desconfortável para os auto-intitulados pais saberem os detalhes? Tio Kenjaku nunca quis ouvir seus resmungou sobre como Mahito tinha sido rude durante o sexo e sempre batia em Yuuji por reclamar de dor nas costas (por motivos nada castos) quando insistia em continuar resmungando e resmungando.
Então, o que se passa na cabeça desses dois? Seria muito mais fácil perguntar do que ficar encarando cada movimento seu, a péssima noite de sono (ou e falta dele) já o suficiente para estragar o seu dia (que provavelmente vai ser uma merda), não precisa de uma cereja no topo no bolo, obrigado.
A atenção indesejada de Choso também é um fator agravante, o que ele espera ganhar sendo tão gentil? Um abraço e um beijo do seu adorável irmãozinho mais novo? (Sinta a ironia) Ele não estava tão preocupado com a sua saúde seis meses atrás, quando passou meio ano sem visitá-lo (a força), nem ligou ou enviou uma mensagem perguntando o que tinha acontecido.
Junpei teria feito isso, não importa quantas vezes fosse rejeitado e maltratado, ele iria ligar e mandar mensagens, e caso não tivesse um retorno, iria bater à sua porta sem nenhum aviso prévio. Nenhum deles se importou, entretanto (apenas o vovô), e agora agem como mães galinhas sempre que o veem. Tão irritante. Pelo menos hoje não tem as panquecas mortíferas, nem está sendo obrigado a comer o mesmo que eles, embora seu café da manhã composto por cinco ovos cozidos e suco de laranja esteja sendo alvo de desgosto. Bem, admite que sente falta da comida de Kaori (não a sem sabor) aquela que existia antes de tudo cair em desgraça, e a trocaria facilmente por esses ovos, mas as coisas mudaram, e naquela época, as emoções não mexiam tanto com seu estômago. Também tinha apetite, algo que perdeu ao longo dos anos.
Não é que não posso comer porcarias nada saudáveis que irão prejudicar sua saúde fragilizada posteriormente, pode, tem permissão para comer o que quiser, mas precisa aguentar as consequências diante da régua do tio Kenjaku e ficar caladinho enquanto recebe solução intravenosa no hospital. Seu estômago não aceita muito comida, de qualquer maneira, e rejeita a maioria delas, então o tio defende que se vai comer pouco tem que comer saudável, assim mantém os níveis de açúcar no sangue e nutrientes necessárias em dia (ainda precisa repor vítimas tomando pílulas) mas continua sendo a opção mais viável no momento.
Jin e sua família desconhecem as pequenas complicações estomacais e falta de apetite de Yuuji, e provavelmente Kaori também, ela só sabia abrir a geladeira e pegar a comida que estava congelada, esquentar no microondas e ir dormir, nunca procurou saber se Yuuji já tinha jantado ou poderiam jantar juntos naquele dia. Cada um fez sua própria refeição separadamente, e secretamente, agradece por isso, pôde pular quantas refeições quisesse e ninguém iria repreendê-lo.
Aqui, tem a sensação de que se pular o café da manhã (algo que faz muito frequentemente) terá uma manada de hienas na sua cola o resto do dia.
As sobrancelhas franzidas de Choso encarando seu prato falam tudo, é óbvio que ele acha que comer cinco ovos é insuficiente (mas a nutricionista garantiu que tem a quantidade certa de nutrientes que precisa e isso é tudo o que importa), Sukuna e Tsumiki olham do seu prato para o prato de Megumi (que mais parece uma pirâmide) e sem dúvidas chegam à mesma conclusão de Choso. Yuuji só consegue pensar no quanto todos eles são intrometidos e hipócritas, acusando Kaori de deixá-lo sem comida. Vovô, que está sentado do seu lado soltou um suspiro cansado ao ver o conteúdo do seu prato, mas não disse nada nem tentou acrescentar mais ingredientes (como o iogurte de morango que costumava amar quando criança que está bem a sua frente, colocado lá estrategicamente por Jin), sente vontade de revirar os olhos, mas uma vez, pensando que eles são algum tipo de seita (muito pior que a satânica).
Com um suspiro interno, engoliu os ovos preguiçosamente, empurrando o suco de laranja sem açúcar garganta abaixo logo em seguida e ignorando todos à sua volta, não precisa fazer parte dos assuntos que conversam, nada disso lhe diz respeito. A mesa é tão barulhenta quanto as lembranças amargas que tem da infância, aparentemente, o único que deu uma pausa nessas reuniões foi ele e Kaori, todos os outros continuam com sorrisos bonitos e animados no rosto, além do barulho há a bagunça desordenada, pedidos de: "passa a manteiga para mim" ou "o último pedaço de bolo é meu!", são tão semelhantes as brigas birrentas que tinha com Sukuna pela caixa de leite que estava sempre pela metade. Tsumiki repõe comida no prato de Toji a cada cinco minutos e Megumi come como se o mundo estivesse prestes a acabar, os três juntos são os substitutos de Kaori, mas parece que sempre estiveram aqui. Essa dinâmica dá a impressão de que a única intrusa era Kaori, e quem sabe, o próprio Yuuji.
Parou de mastigar o ovo com esse pensamento repentino, sentindo o coração doer tão forte quanto no dia em que Mahito foi embora, o abandono não deveria continuar doendo tanto depois de sete anos. Mas olhar esses três todos os dias é como um lembrete de que não foi bom o suficiente, um lembrete de que quando precisou de Jin, Choso e Sukuna, eles escolheram ajudar Toji, Megumi e Tsumiki, deixando-o sozinho para de afogar nos seus próprios sentimentos. Um lembrete de que não fez verdadeiramente parte dessa família.
Sentiu um toque levemente áspero na sua mão, assustou-se um pouco, mas conseguiu recuperar a compostura rapidamente, mascarando o desconforto de ser tocado repentinamente. Olhou para o lado e encontrou a mão enrugada do vovô massageando seus dedos o mais delicadamente possível, ele não o olha, continua comendo despreocupadamente enquanto mantém a carranca rabugenta no rosto, talvez, esteja ciente de que o deixaria ainda mais desconfortável se o questionasse silenciosamente qual o problema.
Um pequeno sorriso de canto tomou conta dos seus lábios involuntariamente, e a dor no peito deixou de ser tão insuportável, esse é o mesmo toque discreto e espero que recebia na infância, seja depois de um dia cansativo na escola ou para acalmá-lo do choro persistente no meio da noite, ficavam horas em silêncio, apenas esfregando as mãos uma nas outras e ainda assim, essa consegue ser uma das suas memórias mais preciosas (apesar de ser construída em meio a dor). Voltou a mastigar os ovos preguiçosamente, deliciando-se com o toque quente do vovô (que consegue ser ainda melhor que os toques do tio Kenjaku). Esse é o único que nunca o abandonou, seu toque significa um: "Sempre estarei aqui para você", e pode parecer idiotice para os que veem de fora, mas é simplesmente tudo para Yuuji e seu coração doloroso.
Terminou de comer primeiro que os outros (levando em consideração a pequena porção) e afastou-se do vovô lentamente, levantando da cadeira de madeira que mais parece a cadeira elétrica dos EUA e lavou a louça que sujou, um hábito adquirido após tantas idas a casa do tio Kenjaku, ele diz que: "Se você está comendo de graça na minha casa o mínimo que pode fazer é lavar a louça, vadia preguiçosa." Com o acompanhamento de um cascudo no meio da cabeça se reclamar que está sendo tratado como uma empregada doméstica. Agradece pela educação nada delicada que recebeu dele, tem bons hábitos hoje em dia, sejam comportamentais e alimentares (esse último pode ser um pouco duvidoso) mas o ajudam muito a manter uma aparência apresentável (não que se importe em como as pessoas o vejam).
Retirou-se da cozinha o mais rápido possível, apenas escutando o barulho de família feliz ao fundo ficando cada vez mais distante à medida que sobe as escadas, outra vez passando pelo corredor, tem a sensação de que ele está prestes a se fechar e espremê-lo antes que possa chegar ao quarto. É desconfortável. Antes tudo era familiar e aconchegante. Entrou no quarto que (infelizmente) compartilha com Megumi e pegou a mochila escolar, não olhando uma segunda vez para o lado direito, que é onde estão os pertences dele. Jogou a mochila nas costas e ajustou a touca na cabeça, (já que o traficante Toji mantém o seu boné no topo da sua cabeça suja), honestamente, não acha que aceitaria-o de volta caso ele decidisse devolver, o tecido já absorveu seu fedor de alfa dominante e definitivamente não quer cheirar como ele. Não. Nunca. Fez uma careta de nojo com o pensamento.
Saiu do quarto, passando pelo corredor e descendo as escadas aos pulos, verificando no relógio de pulso e certificando-se que ainda dá tempo de pegar o trem (e consequentemente, dispensar a carona indesejada de Jin e Toji), fez questão de programar o dia para acordar mais cedo e adiantar todas as atividades da manhã apenas para pegar o trem e não depender do transporte de Jin. O carro está cheio do cheiro de alfas e ômegas, o cheiro de família Itadori-Fushiguro. Até sete anos atrás, seria o cheiro doce de Kaori que estaria enchendo o banco do passageiro, não o de o odor forte e agressivo de um alfa dominante.
Atravessou a sala, calçando os tênis vans vermelhos desgastados pelo uso constante, os laços são sempre uma bagunça horrorosa. Mahito costumava ajoelhar-se e fazer um nó bonitinho, como Jin, Choso ou Sukuna fariam na infância, mas Yuuji não tem paciência (e também nunca aprendeu) então fica essa coisa grotesca mesmo.
— Onde vai? — Escutou a voz confusa de Choso, revirou os olhos, ainda agachado no chão, aparentemente eles tem um problema com controle. Querem saber onde está, com quem está e o que está fazendo, não, não parecem assustadores como Mahito ao fazer isso, mas continuam sendo… incômodos. Quase acredita que realmente se importam. — O pai e Toji-san já estão indo, espere mais um pouco, não vai chegar atrasado. — Completou. Yuuji não respondeu, terminou o trabalho (mal feito) no cadarço do tênis e levantou, esticando as pernas. — Ah, também fiz sanduíches para o lanche da tarde, estudar pode ser cansativo às vezes. — virou-se minimamente, examinando o pequeno depósito que abriga dois sanduíches cheios e de boa aparência (não pode negar).
Pensou que o abençoado com talentos culinários tinha sido Sukuna, mas estava enganado, Choso também é bom na cozinha (ou pelo menos é o que parece). Mas não adianta pegá-los quando sabe que vai esquecer de comê-los, e mais uma vez, porque todos estão agindo como mães galinhas?
Encarou o depósito e o rosto de Choso sem expressão nenhuma no rosto, esperava que isso o fizesse perceber que não vai pegar os malditos sanduíches. Entrentanto, ele é um idiota que continuou do mesmo jeito. Imóvel.
— Bonitinho da sua parte, mas isso não é uma novela mexicana e eu não vou começar a gostar de você porque estou ganhando comida. — Viu as sobrancelhas de Choso se juntarem e ele apertar o depósito entre os dedos. Sorriu, satisfeito com o efeito que causou usando meras palavras, — Deveria dá-lo para seus irmãozinhos ômegas, Megumi e Tsumiki certamente adorariam a refeição. — Deu as costas, abrindo a porta e passando por ela despreocupadamente, sem esperar uma resposta.
— Jin e Toji ainda irão demorar um pouco, sente e espere, Yuuji. — O vovô avisou, com a voz rabugenta e severa. Tsk. Como se fosse ficar no mesmo espaço que eles por vontade própria.
— Vou pegar o trem, tchauzinho vovô. — Despediu-se com um aceno de mão, ignorando propositalmente a presença de Choso ainda parado na porta.
E claro, também ignorando os resmungos do vovô de que Jin e Toji estão quase prontos para ir, então deveria esperar pela carona. Admite que se fosse qualquer outra pessoa, iria esperar, ninguém gosta de andar no metrô (principalmente nesse horário, onde a maioria dos assalariados saem de casa) mas acredite ou não, prefere ser molestado por um velho nojento do que sentir a mistura de cheiros da família de Jin empregada no carro.
Como morador do centro de Shinjuku por muitos anos, está habituado ao ritmo da vida cotidiana de quem não tem carro próprio ou falta dinheiro para pagar por um táxi todos os dias da semana, é fácil chegar a linha de metrô mais próxima e pegar um assento vazio, encaixando os fones no ouvido e trazendo o celular a superfície, pronto para analisar as repercussões da última postagem que fez.
A comentários de todos os tipos possíveis, alguns concordam e compartilham da sua opinião sobre a beleza do Naoya, enquanto outros não poupam palavras para demonstrar o desgosto, embora não dizem em momento nenhum que ele é feio. As ofensas estão ligadas a sua "personalidade de merda" e sobre como o Killer Cat precisa usar óculos para enxergar o demônio que está chamando de "bonito".
Sempre tem aqueles seguidores chatos que pensam que podem mandar nas escolhas de um artista, e pior, nunca se esquecem de algum erro dele.
Não vê nenhum problema em Naoya, ele não bateu em nenhum parceiro ou parceira (indireta para o Chris Brown) nem traiu a esposa (como Jay-z), muito menos trata mal os fãs dos países subdesenvolvidos (isso remete ao Drake). Então, qual exatamente é o defeito que faz todos odiarem-o tanto? Está genuinamente curioso sobre o caso. Rola os comentários para baixo e para baixo, encontrando uma pergunta divertida, o nome do usuário é: NanaCat, e o ícone do perfil é uma foto sua em uma premiação em Londres no ano passado. "Existe alguém que você não considera um abridor de pernas?", riu baixinho, pensando que tem vários alfas fora da sua lista. O velho de mais ou menos cinquenta anos do seu lado é um deles, barrigudo, corte de cabelo horrível e sem dúvidas dois netos. Mas ainda olha maliciosamente para todos os ômegas que encontra no vagão, tem absoluta certeza de que se estivesse em pé, ele teria se arriscado a apertar sua bunda.
É deprimente que ele procure um amante quando não tem dinheiro o suficiente para manter a família vivendo bem, porque diz isso? Bem, homens ricos dificilmente (lê-se nunca) pegam o metrô e não precisam trabalhar oito horas por dia até depois dos cinquenta anos, eles estão ocupados com viagens internacionais ou descansando a bunda gorda em uma poltrona aconchegante a essa hora. Então sim, tem várias pessoas para que NUNCA abriria as pernas (a menos que fosse forçado), assim como tem muitos para quem faria isso de bom grado (Naoya é um deles). Digitou uma resposta rápida e curta, dizendo: "Bem, não transo com pessoas falidas.", os espectadores não precisam saber que está em abstinência sexual a meio ano.
Sim, poderia ter alguém aquecendo sua cama, mas por algum motivo, ninguém é bom o suficiente. Esses velhos são nojentos e pobres, com certeza não tem a mesma disposição de Mahito (e é difícil encontrar alguém parecido fisicamente com ele na casa dos trinta anos), os jovens da sua idade não sabem como tocá-la adequadamente, segurá-lo e levá-lo à loucura, ainda são inexperientes e infantis, sairão compartilhando com os amigos como foi a noite "transando com uma vadia", e não quer que conversas obscenas cheguem aos ouvidos da família Itadori-Fushiguro, (não se importa, não realmente, mas acha que seria desconfortável para todos).
Mahito disse que estragaria-o para todos os outros, e isso não foi uma promessa vazia, aparentemente. Se fechar os olhos ainda pode sentir o calor do seu corpo grande e pesado abraçando-o, os dentes de presas afiadas mordiscando qualquer pedaço de carne à vista, escutar os risos falsamente inocentes e se arrepiar com a lembrança dos olhares obscenos que recebia quando se encontravam em público. Não importava qual roupa estivesse usando, fosse um vestido colado (que seria rasgado minutos mais tarde) ou um conjunto velho de moletons, Mahito ainda estaria lambendo os lábios descaradamente. Era estranho. Deveria se sentir assustado com toda aquela atenção e desejo perverso brilhando nos olhos heterocromáticos, mas aquilo o fazia sentir especial, indispensável e insubstituível, fazia-o acreditar que Mahito nunca iria embora, repetir as ações de Jin e trocá-lo por alguém melhor.
No final, nenhum dos seus esforços foi o suficiente, ainda seguiram caminhos diferentes. E enquanto Mahito provavelmente está fodendo com outro, Yuuji continua preso a um romance fantasioso, onde eles nunca brigaram e vivem felizes para sempre. Mas isso é a vida real, não um filme da Disney e os romances nem sempre irão dar certo. Às vezes se pergunta qual ameaça terrível o tio Kenjaku usou para fazer Mahito desaparecer, ou se simplesmente mandou matá-lo (tio Kenjaku teria coragem de fazer algo tão ilícito?) porque não importava quantas vezes o mandasse embora, ele voltaria como um cachorrinho triste e pediria perdão.
Sabe que não havia arrependimento nos seus olhos, ele só queria transar, e estava tudo bem, Yuuji também queria transar e esquecer os sentimentos perturbadores que estavam assombrando-o. E no fundo, nunca mandou-o embora verdadeiramente, Mahito sabia disso, ele sabia que nunca seria dispensado permanentemente e que quando voltasse (não importa com quanto tempo passasse) seria recebido de braços abertos. Odeia admitir, mas ele está certo, aceitaria-o de volta sem pensar duas vezes (quem se importa com alguns tapas? Nenhuma agressão doeu mais do que o soco que recebeu de Jin), mas existem dois empecilhos humanos, tio Kenjaku e Junpei, eles jamais deixariam-o chegar perto de Mahito outra vez. E podem ser assustadores quando querem, principalmente quando o assunto é o Mahito.
Agradece que o vovô não saiba as nuances do seu relacionamento amoroso fracassado (e a depressão que o afligiu quando foi forçado a romper), ele consegue ser muito mais assustador que o tio e Junpei.
Existem motivos mais do que justificáveis para mantê-lo no escuro sobre a sua persona pública no mundo da música pop, o vovô iria odiar ver influences digitais conservadores chamando-o de vadia, vagabunda e todos os apelidos de baixo calão existente no vocabulário universal, ainda tem os fiéis que acusam-o de ser um illuminati e todas essas merdas do satanismo (nem sabe o que significa a seita illuminati e o que eles fazem, embora o Junpei tenha explica meia dúzia de vezes). É difícil imaginar, mas supõe-se que ele também não gostaria das músicas que escreve, quase nenhum adulto asiático (alfa) suporta ouvi-las, segundo eles é uma falta de vergonha um ômega falar tão abertamente sobre sexo.
Não é como se fosse um ninfomaníaco (sim, gosta de transar - com Mahito - mas é tudo dentro na normalidade), e diferente do que todos pensam, seja a imprensa ou pessoas que o conhecem como Yuuji, não se sente particularmente orgulhoso de ser sexualmente experiente. Gosta de falar sobre relações sexuais porque a maioria dos ômegas acreditam que não podem fazer isso (nem sabem como o ato funciona), nunca estiveram no controle e pensam que permanecerão assim eternamente, quer dismistificar essas crenças tradições arcaicas e mostrar que ômegas podem, e tem o direito a liberdade assim como betas e alfas. Nada tem haver com ser um poço de promiscuidade (mas não vai negar que pode ter atitudes imorais às vezes) ou incentivar os ômegas adolescentes e das demais idades a pular de cama de cama em cama com um vagabundo qualquer, mas mesmo que tente esclarecer isso (o que já fez muito) a imprensa ainda vai dá um jeito de pintar uma imagem distorcida de quem é o Killer Cat e criar uma onda de Fake News sobre algo que ele nem falou.
Para artistas é normal ser perseguido, então não se sente particularmente preocupado, não é como se houvesse provas para incriminá-lo em uma briga judicial, e ninguém pode tirar o seu direito de expressão (isso não seria crime?), mesmo que aquilo que expressa seja indesejado (para alguns). É tipo, existem vários comentários sexistas e claramente preconceituosos que pessoas autodenominadas "fãs do Killer Cat" fazem em suas postagens e em publicações pessoais (sim, abre o perfil dos seus fãs sempre que tem tempo sobrando), não concorda com nada do que dizem, mas é um direito deles falarem o que pensam (ainda é a favor de que certas pessoas deveriam manter suas opiniões para si mesmas), e assim como a imprensa não pode calar o Killer Cat ou silenciar suas músicas, também não pode banir os fãs preconceituosos que infelizmente o segue.
Ou os haters, que diga-se de passagem, são mais do que realmente pode lidar. Tio Kenjaku diz que deveria apenas ignorá-los e seguir em frente, e queria conseguir pôr em prática esse conselho, entretanto não é tão fácil quanto ele faz parecer. Por exemplo, há um comentário na sua última postagem (que fez ontem a noite) que diz: "Abre as pernas para tantos que tem a vagina frouxa." Franze o cenho. Não, não está realmente ofendido, já ouviu tanto esse tipo de coisa que acabou acostumando-se, sabe que transou apenas com uma pessoa a vida inteira (obviamente ninguém acredita nisso, exceto o tio e o Junpei) e apenas a própria opinião importa, não podem tirar a verdade dele. É só que… algumas palavras o fazem parar e pensar: "A família Itadori-Fushiguro diria o mesmo sobre mim? O Killer Cat?" Oh melhor, "O vovô concordaria com essas palavras?"
Eles iriam acreditar que transou apenas com uma pessoa a vida inteira ou se deixariam levar pelas mentiras da mídia e vê-lo como um poço da promiscuidade? Revirou os olhos, bloqueando a tela do celular e guardando no bolso da calça. Não é preciso pensar muito para ter uma resposta.
Levantou do assento duro quando o trem parou na estação pretendida, empurrando nada gentilmente o alfa de meia idade (pobre e falido) da sua frente. O desgraçado passou a viagem completa parado na sua frente olhando-o de cima, provavelmente fantasiando receber um boquete em público, não é um leitor de mentos como o doutor Charles Xavier dos X-men (aliás, precisa voltar a ler os quadrinhos) contudo, é tão fácil saber o que esses merdinhas estão pensando, eles não fazem nenhum esforço para disfarçar. Saiu da estação de metrô subterrânea, subindo os degraus de volta à superfície aos pulos, o horário de pico pela manhã está no auge e homens e mulheres de terno vão de um lado para o outro apressadamente. Yuuji faz uma nota mental de que precisa adiantar mais alguns minutos seu alarme interno se não quiser ser pego no meio da bagunça de Tóquio.
Caminhou mais alguns quarteirões, cruzando semáforos e passando por uma avenida comercial que vende exclusivamente bijuterias e lingeries por um preço acessível a todas as classes, não olhou duas vezes para nenhuma vitrine. Anteriormente teria parado e até mesmo entrado no estabelecimento, vermelho é uma cor quente e sexy, também a cor favorita de Mahito (em algum momento, acabou sendo a favorita de Yuuji também), já comprou umas três dúzias em um único dia, um esforço idiota e infrutífero, considerando que foram rasgadas pelas mãos impacientes e selvagens de Mahito na primeira e única vez que as usou. Desistiu de comprá-las depois da vigésima terceira tentativa. Junpei insiste que deveria continuar usando conjuntos sexys para se olhar no espelho e dizer: "Porra, eu sou muito gostoso." É um bom passo para trabalhar a autoestima (já está cansado de dizer que não tem a autoestima baixa, seus problemas de abandono e insuficiência estão mais ligados a… bem, nada que envolva a aparência física.) Junpei, para variar, não aceita essa verdade.
Pode contar nos dedos das mãos quantas vezes aceitou uma verdade (segunda a visão de Yuuji) e pode contar nos dedos quantas vezes ele estava errado. É meio deprimente que mesmo quando as probabilidades estão ao seu favor Junpei sai triunfante, exibindo um sorriso de comedor de merda com orgulho. Tão irritante. Atravessou a última avenida, infelizmente, entrando no terreno da escola.
Sente a pele queimar. Curioso, não? A pele não queima quando está na igreja, mas essa escola o faz sentir como se estivesse a três passos do inferno. Os alunos daqui são tão diferentes da sua antiga escola, todos impecavelmente vestidos e com colunas eretas, sapatos caros e gloss brilhante nos lábios (de boa qualidade). Escolas de Shinjuku ficam no meio do maior centro de prostituição do Japão e estabelecimentos de caráter duvidoso, logo, os alunos também tem uma origem duvidosa, pelo menos metade deles. Yuuji tem um punhado de garotos e garotas metidos em atividades ilícitas, (como se supõe que ele conseguiria experimentar um pouco de maconha?) A maioria são legais e tranquilos, eles apenas odeiam a ideia de ter um intruso no "território" e tem quase ou nenhum respeito pelos mais velhos, ou melhor falando, eles não respeitam nenhuma classe.
Yuuji estaria mentindo se dissesse que não se acostumou a ser chamado de vadia por causa deles, é uma palavra usada frequentemente para se referir aos ômegas no bairro de Shinjuku e ninguém se sente ofendido por ela. Existem prostitutas assumidas por lá, e bem… porque elas iriam ficar ofendidas por alguém apontar a maneira de ganhar dinheiro que escolheram? É verdade, são vadias, mas não transam de graça (como as patricinhas fazem) ganham por isso e estão orgulhosas de pagar as próprias contas e viver de forma independente. Olhando desse ângulo, uma vadia é um ômega que escolhe viver de acordo com as próprias regras, (assim como os alfas fazem), então não, não vê problemas em ser chamado de vadia, na verdade, nunca entendeu porque todos discriminam tanto o adjetivo. Junpei tentou explicar uma vez, mas não deu muita atenção.
E tem a impressão de que estaria ganhando um puxão de orelha se chamar um desses ômegas esnobes de vadias (eles realmente são tão nojentos!) Gostaria de voltar à antiga escola onde a estrutura é mil vezes inferior, à maioria dos alunos são aprendizes de Yakuzas, e os professores pouco se importam com a educação dos alunos (porque estão muito ocupados fodendo com eles), mas ainda é um ambiente familiar. Onde pode brincar e rir com seus amigos (superficiais) sem ser julgado, pular o muro da escola com Junpei e fugir para o centro da cidade, dormir no meio das aulas e ser acordado por alguma piadinha sem graça de um colega sem noção.
Melhor ainda, é o lugar onde cresceu e criou raízes, possui lembranças boas e ruins, e teria adorado completar o ensino médio com todos aqueles… abutres fedidos (note que não está realmente tenhamos ofendê-los, embora definitivamente não sejam amigos íntimos), estava muito mais confortável por lá do que aqui, onde é atentamente examinado por olhares curiosos e um trio satânico assustador (refere-se a Toji, Jin e Megumi), estão esperando o primeiro traço de comportamento rebelde para apontar o dedo e dizer que é: "impossível que aquele garoto seja filho de Itadori-sensei" ou "ele é tão vulgar, deveria ser comportar mais como Megumi-chan". Sim, ainda não começaram, mas já está revirando os olhos com antecedência.
Realmente não pode apenas voltar, pegar o metrô novamente e se esconder debaixo das cobertas do tio Kenjaku? O mundo é muito cruel para lidar, prefere ficar no escuro e deixar o tio cuidar de tudo, como ele sempre fez.
— O que há com essa cara azeda? — Virou o pescoço um tanto assustado, surpreso com a aparição repentina de Junpei. Ele tem o péssimo hábito de ser silencioso e quase sempre causar um mini ataque cardíaco em Yuuji, seja por surgir do além como um fantasma ou porque seus dedos estão incrivelmente gelados durante a madrugada, enquanto assistem um filme compartilhando cama e cobertas. Não é surpresa nenhuma que seu gênero favorito seja o terror/Horror.
Franziu o cenho, vendo-o passar o braço por cima do seu ombro em um abraço lateral (algo que fazem frequentemente), o cabelo mais bagunçado do que ontem e olheiras debaixo dos olhos escuros.
— Eu quem deveria está fazendo essa pergunta. — Apontou, mantendo a expressão morta e desanimada. — Você tem olheiras piores que as minhas. — E sempre foi assim, olheiras e Junpei são um par quase predestinado. E não é por causa de pesadelos, ele simplesmente tem péssimos hábitos noturnos.
— Sim, sim, eu passei a noite trabalhando em um projeto que poderia facilmente te fazer ganhar o Oscar sem suar a camisa. — Disse, parecendo orgulhoso. — Acho que mereço um aumento… — Completou, como quem não quer nada. Tão cínico. Yuuji bufou, balançando a cabeça para os lados.
— Não vou te dar um aumento. — Determinou, cansado, e Junpei teve a audácia de fingir indignação. — Você torra todo meu cartão de débito e crédito em comida, isso pode ser considerado um vale alimentação, portanto, também é uma forma de aumento. — Concluiu o raciocínio (muito coeso para alguém com o cérebro defeituoso.) Não está realmente reclamando de gastar dinheiro com Junpei ou melhor, em Junpei, mas o tio não acha que precisam dar um aumento aos funcionários e ambos sabem que isso é uma brincadeira.
— Okay. — Junpei concordou facilmente. — Então o que acha de férias? — Abriu um sorriso malicioso e mexeu as sobrancelhas, como se estivesse sugerindo algo obsceno.
— Se eu pudesse, daria férias a mim mesmo. — Porque sejamos sinceros, precisa de férias, umas férias bem prolongadas nas praias de Singapura ou quem sabe as montanhas do Canadá. Sente-se flutuando nas nuvens só de pensar nisso. — Em um lugar bem longe daqui, para que eu não precisasse olhar na cara de ninguém. — Suspirou, sonhando acordado.
— Tenho a impressão de que estamos falando de pessoas específicas. — Abriu um olho, esticando um pouco o pescoço para poder olhar Junpei diretamente. — Como a família Itadori-Fushiguro. — E não, ele não tem a impressão, ele simplesmente sabe. Ganhou um sorriso pequeno, e um beijo carinhoso no topo da testa. — Mudando de assunto, parece que o Killer Cat acha o Rapper Tabeck gostoso, você viu? É o que todos falam nas redes. — Riu, abraçando-o de volta.
— Sim, sim, ele é apetitoso, mas não tem o cabelo longo e olhos heterocromáticos. — O que quis dizer foi: "ele pode ser gostoso, mas não é o Mahito", Junpei entendeu de qualquer maneira. Seus dedos cavaram um pouco mais fundo nos ombros de Yuuji, mas fora isso, não houve nenhuma retaliação verbal. — … Pelo menos é alto e musculoso.
— Seus padrões estão ficando cada vez mais inalcançáveis. — Junpei respondeu, franzindo o cenho.
— Por favor, querido, não se preocupe, eu abro uma exceção para você. — Garantiu, piscando os cílios inocentemente e assistiu as bochechas pálidas de Junpei ganharem uma coloração avermelhada rapidamente. Oh sim, é tão fácil fisgar um infeliz desavisado com apenas os olhos. É só que…
— Juro que você ainda vai perder os olhos! — Junpei não é um infeliz desavisado, ele é o seu melhor e único amigo, e por mais que fique momentaneamente envergonhado com seus charmes sedutores, nunca vai cair nessa. — E agradeço por não ser o seu tipo ideal. Tabeck, por outro lado, pode gostar da ideia de um feat, o problema é: Tio Kenjaku vai aceitar? — Desviaram de alguns alunos no caminho, finalmente saindo do terreno coberto pela grama verde e subindo as escadas da entrada.
— Provavelmente não, já estamos envolvidos com os Tsukumo e adicionar o Tabeck na mistura fará as pessoas verem o Killer Cat de uma maneira pior. — Fez careta, no fundo, imaginando vários argumentos que poderiam fazer o tio Kenjaku mudar de ideia.
— Mas o Tabeck é apenas uma parceria artística! — Junpei exclamou, — E estou presumindo que os Tsukumo também, além de o Killer Cat já é visto como uma vadia. — Às vezes, ele não sabe a hora de calar a boca. Yuuji suspirou, gostaria que o tio pensasse desse jeito, já teriam revolucionado muito o mundo musical se compartilhassem ideias e conceitos semelhantes. — Digo…
— Não precisa tentar se explicar, eu entendo. — Parou-o no início da frase, de repente, se sentindo cansado. — Posso tentar conversar com o tio, mas devemos está esperando receber um maravilhoso não, como o habitual. — Pelo canto do olho, observou a expressão de Junpei ficar um tanto desanimada. Sorriu suavemente, segurando os dedos da mão pendurada sob seus ombros.
Os corredores da escola não estão exageradamente cheios, o que é bom, podem continuar caminhando a dois sem a necessidade de se espremer entre um e outro para chegar onde desejam. A maioria dos ômegas que identificou estão olhando-o como se fosse um alienígena, talvez por causa da bagunça que é o seu uniforme ou pela aproximação física com um beta. Realmente não sabe, mas ainda é o segundo dia de aula em uma escola nova, então é normal que seja o assunto do momento, principalmente se levar em consideração a preocupação descabida de Jin ontem.
Não se pode negar as semelhanças físicas que compartilham, infelizmente, o cabelo rosa é uma delas. Isso o faz pensar que..
— Eu ficaria bem de cabelo loiro? — Perguntou, aparentemente do nada. Junpei Arqueou uma sobrancelha, olhando-o de cima( essa pequena diferença de tamanho é sempre tão humilhante!) Faz parecer que todos são gigantes enquanto é o único anão do mundo.
— De onde veio isso? — Respondeu com outra pergunta.
Desviou os olhos, abaixando a cabeça para focar no corredor novamente. Há grupinhos de fofocas que conseguem ser mais discretos, outros, não fazem nenhum esforço em esconder que estão falando dos "novatos", particularmente não se importa, o que realmente incomoda é ter a própria imagem ligada a Jin e sua família.
— Só quero mudar. — Deu de ombros, desinteressado e obviamente, Junpei não acreditou nisso.
— Vamos conversar sobre isso depois. — Gemeu internamente, odiando o tom autoritário que diz: você vai falar por bem ou por mau. Está começando a pensar seriamente que todos à sua volta são uma seita satânica. — Por enquanto, vamos para a aula de Biologiaaa ... — Cantou, totalmente desafinado.
É nessas horas que Yuuji percebe que Junpei jamais poderia seguir a carreira artística como cantor… a voz dele é péssima, os deuses fizeram bem em abençoá-lo com inteligência e imaginação cinematográfica, caso contrário seria difícil ganhar dinheiro ou não, considerando que entre contratar um ômega e uma beta, os empregadores sempre irão escolher o beta, por mais qualificado que o ômega seja (pelo menos, é assim que funciona no Japão). Admira ômegas que conseguiram se estabelecer financeiramente sozinhas morando neste país de merda, infelizmente, Utahime é uma delas. Bonita e bem sucedida, ela é o que várias garotas e garotos desejam ser, poderiam ser amigos, mas por algum motivo desconhecido está sendo sempre atacado nos jantares "familiares" que a família Itadori-Fushiguro faz nos fins de semana. Honestamente, não faz a menor ideia do que levou-o a ser tão odiado pela mulher, nem sabia o nome dela até o início do inverno e nunca tratou-a com desrespeito na escola antiga.
Sim, Utahime é uma das professoras da antiga escola na qual estudou, (não tão antiga assim, estava lá até o bimestre passado), e embora nunca tenham partilhado uma sala de aula, respeitava-a como adulta (e ômega), isso foi até ela começar a vigiar suas notas e comportamento para delatá-lo a Jin e sua família, nos raros almoços que Yuuji era forçado a ir.
O que ela esperava ganhar com isso? Deixá-lo com raiva e forçá-lo ao comportamento selvagem descrito nos comentários ácidos e maldosos? Fazê-lo se sentir inferior a Megumi e Mai por aparentemente ser um ômega inadequado? "como se o fator recessivo" não fosse o suficiente. É uma pena para ela que Yuuji é desprovido de qualquer vergonha na cara (a mídia pode provar isso!) Dificilmente estaria sentindo-se ofendido por comparações bobas, na verdade, perdeu completamente a capacidade de se ofender com xingamentos a muito tempo, mais precisamente desde que apresentou-se como Killer cat ao mundo, é preciso ser insensível para sobreviver na indústria - afinal, takano não estava completamente errado.
Mas ainda é muito mais fácil se estabelecer na indústria do que passar horas e horas ouvindo um professor falar e falar um monte de informação que será dispensada logo depois das realizações dos exames. Ninguém realmente vai usar fórmulas de matemática na vida real, ou o conhecimento de química na cozinha. As escolas deveriam se focar mais em como a vida é dura lá fora (para todos, sem distinção de classes secundárias), e prepará-los para líder com a merda.
Eles não fazem isso, no entanto. Não se importam o suficiente para fazê-lo, e em contrapartida, ninguém cobra o básico. Parece que já estão acostumados a comer migalhas. Não vai perder tempo odiando Utahime, nem nutrir algum sentimento hostil, uma vez que assim como a maioria dos ômegas do país, ela foi ensinada a competir e rebaixar os outros para se sentir melhor. Tudo o que sente é pena.
Pena por ela se sentir tão inferior a ponto de ter que atacar um adolescente "inocente" para se sentir melhor consigo mesma e obter a validação da sociedade. Não é novidade nenhuma que está fora dos padrões japoneses para um ômega recessivo e apresentável, mas tudo bem, realmente não se importa, a sociedade pode chupar o seu clitóris ao invés de ter um pau no céu da boca. É um ômega livre, diferente de Utahime e Mai, que estão presas à ideologia das classes secundárias dominantes onde alfas e betas ocupam o topo dos cargos bem remunerados em um empresa e os ômegas devem se contentar em ser um "assistente", recepcionista e todos essas ocupações menos complexa, porque não são inteligentes o suficiente para liderar um punhado de pessoas.
Essas idéias são mais implícitas que antes, no entanto, o desrespeito e preconceito é real, e torna-se ainda mais evidente em países pequenos e tradicionais como o Japão, onde todos os políticos que se dizem lutar pelos direitos do povo são alfas e betas. É óbvio que eles não se importam com os ômegas e seus direitos, e graças a mulheres como Utahime e Mai, obtém êxito nesse jogo sujo.
Pergunta-se se Megumi segue o mesmo parâmetro… Corta essa linha de pensamento assim que chegam a porta da sala de aula, o sabor amargo toma conta da sua boca com a percepção de que não estará encontrando o bando de porcos com que estudou desde o primeiro ano, e sim uma dúzia de filhos de mamãe e papai esnobes. Respirou fundo discretamente, pronto para ser alvo de todos os olhos encarando-o atenciosamente. Junpei outra vez deixou um beijo no topo da sua testa, é um beijo seco e rápido, mas trás uma sensação boa de segurança e companheirismo. Seria difícil estar aqui hoje sem ele.
Sem mais delongas, passam pela soleira da porta e caminham até o final da sala, onde Megumi está sentado e as duas meninas de ontem (são ela, não são?) que aparentemente mudaram de lugar acompanham-o em uma conversa animada. A animação no caso é somente da parte delas, Megumi continua com a expressão impassível no rosto.
Infelizmente, não tem assento vago ao lado de Junpei, e vê-se forçado a sentar ao lado do seu amado meio-irmão novamente (sinta a ironia). Jogou-se na carteira preguiçosamente, foi um movimento suave, uma vez que o treino na academia de hoje deixou-o com dores por todo lugar no corpo, mas externamente pareceu rude.
Talvez porque está com as pernas abertas e não sentado elegantemente como os três ômegas a sua frente. Honestamente, prefere mil vezes ser chamado de mal educado e deselegante e está confortável, do que ser bonito e desejável e está desconfortável. É uma escolha individual de cada um.
— Bom dia, Kamo-kun. — As meninas o comprimentaram em uníssono, com sorrisos simpáticos e doces no rosto. Contraiu o olho involuntariamente, pensando se deveria respondê-las ou deixá-las falando sozinhas. Não seria falta de educação se nada do seu dia está indo bem, certo? Além de que já recebeu muitos "bom dia, Yuuji-kun" por hoje, é o único comprimento que as pessoas conhecem? Bom, ao menos elas o chamam de Kamo e não de Yuuji (quando obviamente não tem proximidade o suficiente para chamá-lo pelo nome de batismo, diferente da família Itadori-Fushiguro), eles confundem laços sanguíneos com amor e companheirismo.
— O que está achando da escola? — Percebeu que não respondeu quando elas continuaram com as perguntas, e por incrível que pareça, sem nenhum sinal de aborrecimento por serem ignoradas.
— Deve ser difícil se acostumar com a mudança repentina, principalmente quando estamos quase no final do ano letivo. — A outra completou, parecendo genuinamente triste pela situação.
— Pelo menos você tem o seu amigo e Megumi-kun, não está sozinho em um lugar novo e desconhecido. — Continuou, como se entendesse metade do que está sentindo por ser forçado a estudar em uma escola que definitivamente odeia (e a presença de Megumi só aumenta o seu desgosto), somando a existência dispensável de Gojo, sua ex-alma gêmea.
— Conheço vocês? — Perguntou, percebendo que elas não iriam desistir de conversar nem tão cedo, e nesses casos é sempre melhor jogar junto.
— Eu sou Gojo Mimiko. — A de cabelo castanho declarou, levantando a mão como se não estivesse na frente de Yuuji e sim no meio de uma multidão.
— E eu Gojo Nanako. — A morena apresentou-se, muito mais contida que a irmã. — Somos irmãs gêmeas. — Explicou quando tudo o que recebeu foi silêncio. Olhou de uma para a outra, procurando qualquer semelhança que denuncie ligação sanguínea, mas não há nenhuma. Fisicamente elas são completamente diferentes, e a julgar pelo comportamento, as personalidades também.
— Ok. — Encolheu os ombros, sem saber exatamente o que elas esperam que diga.
— Elas são filhas de Gojo-san e Geto-san, estão frequentemente nos almoços e jantares da nossa família. — Megumi falou pela primeira vez. Internamente, agradece pela informação, sabia que já tinha visto elas, mas não conseguia lembrar de onde. No entanto, sua mente focou apenas nas palavras "nossa família", nossa? Os Itadori-Fushiguro não são nada seu a muito tempo, nem os considera pessoas queridas (com exceção de Wasake), e ele tem a audácia de dizer nossa?
— Você quer dizer da "sua família". — Corrigiu, cheio de desdém. Megumi estava prestes a retrucar quando o professor de história entrou na sala e exigiu a atenção de todos, e claro, como um aluno modelo, ele fechou a boca e olhou para frente.
Yuuji, por outro lado, abriu o caderno e ao invés de copiar as anotações do quadro rabiscou palavras desconexas, dando pouca ou nenhuma atenção à explicação do professor. Ele não parece ser um homem ruim, na verdade, é o tipo perfeito que procura para aquecer a cama. Alto, musculoso, forte, cabelo castanho que batem nos ombros e sorriso contido, mas ainda… não, não é o suficiente. Embora sua bunda seja uma gracinha, se pergunta se são macias ou duras, seriam boas de apertar?
Afasta os olhos do corpo bonito do adulto e volta aos rabiscos, percebendo que as palavras não são tão desconexas quanto pensava. "Me force, me enfoque, dê-me um apelido e eu te chamarei de papai", arqueou uma sobrancelha, esses são os pensamentos impuros que a bunda do professor de história está despertando? Pelos deuses, precisa transar imediatamente e de preferência com Mahito, por favor. Engoliu o barulho angustiado que ameaçava escapar da garganta e deslizou ainda mais na carteira, desejando desaparecer da face da terra. Por que é tão difícil esquecê-lo? O professor é gostoso e com certeza fode bem, mas pensamentos invasivos sobre como Mahito faria tudo ser melhor nunca vão embora. Está amaldiçoado pela eternidade.
Sentiu Junpei acariciar sua orelha suavemente, brincando com os piercings de prata e puxando-os para baixo e para o lado, não dói, todos já estão cicatrizados (a anos), é algo que ele faz quando está entediado. Isso o lembra que precisa trocar os piercings, usa esses a duas semanas. E talvez, fazer alguns novos.
Não nas orelhas, não há mais espaço por lá, estava pensando em colocá-los nos mamilos, as fotos que encontrou na internet são tão sexys e sedutoras, combina perfeitamente com o projeto do próximo álbum (que já deveria ter entregado para o tio Kenjaku), menos de sete meses e continua na estaca zero… sente-se um verdadeiro fracasso.
A aula de história passa rapidamente (rápido demais para o seu gosto, queria ter encarado a bunda do professor um pouquinho mais), e logo começa a de biologia… quem se importa com as espécies de alga marinha? Ou melhor, quem precisa desse conhecimento além de biólogos? Bufou, contando os minutos para a professora ir embora.
Infelizmente, mesmo após o término das aulas da manhã não teve paz pois Megumi e suas amiguinhas o seguiram até o refeitório. Tem certeza que está sendo perseguido! Pagou o almoço de Junpei e fugiu deles, escondendo-se debaixo das árvores (a mesma de ontem) e quando pensou que estava finalmente livre, Nanako (a gêmea aparentemente normal) surgiu do além como um sorriso animado no rosto e perguntou:
— Podemos sentar com vocês? — Teria dito um grande, belo e maravilhoso "não" o que de fato estava se preparando para dizer, mas Junpei é educado demais para deixá-lo ser hostil gratuitamente.
— Sim, eu acho… — Murmurou a última parte olhando para Yuuji de lado, esperando-o retrucar. Soltou um suspiro cansado e desbloqueou o celular, determinado a não dar atenção a esses intrusos indesejados.
— Maravilha. — Nanako cantou alegremente, sentando no chão de grama verde com as pernas cruzadas. — O clima está ótimo, não acham? Em algumas semanas estaremos congelando aqui fora. — Riu descontraidamente, e sua irmã gêmea concordou com um aceno de cabeça.
— Bem, o frio não é um problema quando você tem alguém para te aquecer. — Bufou, revirando os olhos para as palavras de Junpei, quem ele tem? É solteiro desde que nasceu, e já deveriam ter parado com a brincadeira idiota de serem namorados (ou amigos com benéficos), não que se importe, mas o pouparia de conversas estranhas com Jin e Toji. Fez careta com a lembrança de ontem. Tão incômodo.
— Hum… suponho que você tenha razão. — Concordaram, ocupando o espaço à sua frente. Megumi procurou o lugar mais próximo de Yuuji (ele não vê que é indesejado?!), e começaram a abrir seus depósitos de comida (muito cheirosa, por sinal), mas ainda não é o um cheiro gostoso o suficiente para despertar o interesse do estômago de Yuuji.
— Então… vocês se conhecem a muito tempo? — Levantou a cabeça minimamente, permitindo-se estudar as gêmeas de perto, algo que não fez até agora. Mimiko, percebeu que ela gosta de falar e é muito mais sociável que sua irmã Nanako, também extrovertida e atrevida.
— Sim, nós nos conhecemos no fundamental, pensei que Yuuji era só uma vadia mal amada, mas ele chutou o traseiro de uns garotos que faziam bullying comigo e garantiu que todos ficariam longe até a segunda ordem. — Deixou Junpei responder, e sem surpresa nenhuma, ele continua com essa resumo patético de herói e vítima. Não fez nada demais, apenas chutou as bolas daqueles garotos e fugiu, depois, fez os amigos da vizinhança de Shinjuku lidarem com os pirralhos. Mas um ato tão pequeno quanto esse significa uma prova de amor incondicional para Junpei. — E bem, acabei me apegando a ele e nunca mais o deixei sozinho, apesar de ser xingado a cada cinco minutos. — Sorriu, dando uma mordida na torta de atum que comprou (com o cartão de Yuuji), uma pergunta que nunca vai embora é: o que ele faz com o salário GORDO que ganha?
— Vocês ficam bem juntos. — Franziu as sobrancelhas, Nanako, diferente da irmã, é contida e diga-se de passagem um pouco sombria. É um tipo influenciável. Talvez tímida? Não tem certeza, talvez ela apenas não seja boa em conversas.
— Não estamos fodendo. — Disse preguiçosamente, e observou os olhos dos três intrusos se arregalaram, surpreso? Horrizados? Rápido, logo estavam de volta às expressões normais, mantendo apenas as bochechas vermelhas. Abriu um sorrisinho malicioso, achando-as fofas.
— É o que todos estão pensando. — Megumi murmurou, plácido.
— Sim. — As meninas concordaram.
— Deixe que continuem assim, eu não ligo para o que pensam. — A menos que esses pensamentos estejam ligando-o a família Itadori-Fushiguro, nesse caso, aí sim teria motivos para ficar preocupado. (O que por sinal, está acontecendo), é bom que o final do ano letivo esteja mais próximo do que longe.
— Exatamente! Não esclarecemos rumores, onde está o senso de humor de vocês?! — Exatamente, e esse método se torna ainda mais divertido quando aplicado na imprensa, levando-os à loucura sobre o Killer Cat e sua vida promíscua. Junpei não tinha esse senso de humor duvidoso antes de conhecer Yuuji e principalmente, o tio Kenjaku, (que consegue ser mil vezes pior), bem, a experiência vem junto da idade, certo? Nanako entortou a cabeça, um tanto confusa.
— Mas isso não é desconfortável? Digo, e se um de vocês se interessar por alguém aqui na escola? Como irão tentar cortejá-los se todos pensam que já estão em um relacionamento? — É uma pergunta válida, e faz Junpei parar para pensar antes de responder.
— Hum… é impossível. — Disse, encolhendo os ombros. — Não quero um relacionamento agora e Yuuji está no mesmo barco, temos coisas mais importantes para lidar no momento. — (como apressar o andamento do próximo álbum se quiserem continuar com a cabeça em cima do pescoço), nunca pensou em um relacionamento romântico (que não fosse com suas ex-almas gêmeas ou Mahito), mas ambos foram embora e agora não resta nada, nem nenhum pretendente à altura das suas exigências. Transar loucamente com qualquer um deve ser o suficiente para suprir o vazio que se instalou no seu coração desde que removeu a marca, e manter-se ocupado vinte e quatro horas por dia faz a sua cabeça seguir em linha reta, sem desviar a atenção para os momentos felizes (e infelizes) que passou ao lado de Mahito.
E enquanto a Junpei… bem, Junpei é Junpei, ele nunca esteve interessado em ninguém, e está preparado para ser rejeitado quando encontrar a alma gêmea que o espera do outro lado.
— Entendo. — Nanako murmurou, acenando suavemente com a cabeça. Não há julgamento em seus feições, apenas compreensão e aceitação, normalmente, estariam perguntando sobre suas futuras almas gêmeas ou duvidando dessas palavras porque "vocês são apenas crianças, podem mudar de ideia", e Yuuji não discorda desse ponto. Ainda é jovem e sim, está propenso a mudar de ideia sobre vários assuntos, mas prefere mil vezes ser uma metamorfose ambulante do que ter um velha opinião formada sobre tudo.
Tem uma mente aberta e as ideias e opiniões circulam livremente, é livre para escolher um lado hoje e amanhã abandoná-lo.
— O que vocês gostam de fazer no tempo livre? — Deixou que conversassem depois disso, preferindo recolher-se ao mundo virtual do twitter e responder comentários, lê-los e quem sabe, repostá-los. As gêmeas entraram em uma conversa animada com Junpei, e Megumi contribuiu com comentários sensatos um vez ou outra, mas seus olhos verdes esmeralda estavam fixos (a maior parte do tempo) em Yuuji, seu meio-meio irmão e cunhado (ECA!!).
Poderia brincar, perguntando se é realmente tão atraente assim, lançar uma piscadela e puxar um sorriso diabólico, mas Megumi é comportado demais, dificilmente cairia nesse jogo de sedução (diferença da sua irmã, Tsumiki), também deve levar em consideração que ele já tem alguém para quem correr (Sukuna) e uma brincadeira simples como essa poderia ser vista como um insulto (aos olhos de Sukuna), não tem energia para brigas inúteis, nem quer mais desentendimentos com aquela família. Precisa de paz, não de puxões de orelhas e lições de moral (indireta para Jin!!!), obrigado.
E que fique bem claro, ser encarado por Megumi não é um sinônimo de paz, sente-se sob os holofotes de uma câmera ou pior, quando o tio Kenjaku definitivamente quer falar algo, mas não sabe por onde começar.
Megumi se comporta da mesma maneira, só menos explícito, sua frustração é levada para dentro de si mesmo, e não exposta em bufos irritados e pés batendo frequentemente no chão. Junpei e as gêmeas parecem presos em um universo distante, (nunca imaginou que eles se dariam tão bem), mostrando fotos "??" Que tem nos celulares e rindo empolgados. Essa é a hora em que normalmente estaria se levantando e levando-o embora, mas por algum motivo não consegue, talvez por que é satisfatório vê-lo sorrir sem nenhum motivo oculto? Ou porque realmente, realmente simpatiza com as garotas? É estranho. Mau as conhece, no entanto, gosta delas como se fossem amigos distantes que em algum momento perderam contato e voltaram a se encontrar recentemente. É um sentimento nostálgico.
E muito, muito estranho. Não é bom nem ruim, há saudade e carinho, pensa que se sentiria assim se visse Mahito na rua, e é uma emoção que prefere não ter, porque de certa forma dói. Dói ter algo ou alguém por minutos e em seguida, ela ser arrancada de você. Provavelmente, é apenas um dos aspectos da marca de alma, talvez esteja ligado a essas garotas, uma vez que elas são filhas de Gojo e Geto, e como o Tio Kenjaku disse, o procedimento de remoção não pode retirar todos os mínimos detalhes que acompanham a marca de alma gêmea. É uma ligação que está além da compreensão humana (mesmo com os avanços da tecnologia), portanto, está amaldiçoado a ficar preso nesse ciclo tortuoso onde o único destinado a terminar sozinho é ele.
Sorriu sem humor enquanto os observava, é um sorriso vazio e desprovido de emoção, mas isso é o que ele é, um estranho vivendo nesse corpo humano e quente. Perdeu-se no meio do caminho e ninguém estava lá para puxá-lo de volta, provavelmente, ninguém percebeu o exato momento em que deixou de existir para da lugar a um esquisito que está longe de ser o Itadori Kamo Yuuji de quatorze anos atrás.
— Você está bem? — Acordou do devaneio repentino ao escutar a voz preocupada de Megumi, fechou o sorriso, virando-se para olhá-lo e encontrou-o com o rosto enrugado. Viveu muito tempo com pessoas falsas para perceber quando estão mentindo, e pode dizer que a preocupação expressa na voz dele é genuína. Eles deveriam ser inimigos declarados depois do que disse ontem, porque continuar insistindo em se aproximar de alguém que claramente desgosta de você?
— Por que eu não estaria? — Devolveu com outra pergunta, enterrando a vontade de soltar um comentário ácido acerca da relação de Jin e Toji. Sim, Megumi não tem culpa de nada, mas ainda é difícil segurar a língua e não culpar a todos pelos infortúnios da sua miserável vida. Assistiu-o suspirar, aparentemente cansado, e oferecer um depósito (o mesmo que Choso ofereceu mais cedo).
— Talvez porque está com fome? Não te vi comer nada, não é um hábito saudável. Choso-nii-san tentou entregá-lo, mas não deu muito certo, então resolvi trazer. — Explicou e okay, agora ficou surpreso. Todos pensam que é desnutrido e precisam entupi-lo de comida? — O pão é integral, ele fez questão de comprar um com baixas calorias e fazer o sanduíche especialmente para você, seria rude rejeitar. — Absorveu as palavras, lembrando de quantas vezes foi rejeitado por Choso e Sukuna. Eles não pensaram o quanto era rude rejeitar o irmão mais novo traumatizado pelas brigas dos pais, então porque deveria ser empático nessa situação? Só por causa de um sanduíche? Desculpe, mas os joguinhos psicológicos não funcionam mais.
— Parabéns pela tentativa, espero que tenha mais sorte da próxima vez. — Disse, levantando do chão e batendo a grama que ficou presa na calça, — Você e seu "Choso-nii-san". — Sorriu, vendo o braço antes esticado que segurava o depósito ser recolhido de volta à posição inicial.
— Já estamos indo? — Junpei perguntou, cortando imediatamente o que as garotas estavam falando e dando total atenção a Yuuji, preparando-se para ir embora também.
— Só vou ao banheiro, volte para a sala sem mim. — Informou, dando as costas e indo embora. Há um bolo preso na sua garganta, atrapalha os pulmões a trabalharem e o deixa sufocado. Precisa de tempo, sem Junpei dessa vez.
Correu até o banheiro, desviando dos alunos no meio do corredor e finalmente conseguiu se trancar em uma das cabines. Sentou no vaso com a tampa abaixada e escondeu o rosto nas mãos, forçando-se a respirar normalmente. É uma merda que isso esteja acontecendo logo no segundo dia de aula, (ainda não é tão ruim quanto desmaiar do nada) mas é tão incômodo. Tudo porque escutou Megumi chamando Choso de Nii-san? Tsk, é tão infantil e mesquinho.
É claro que iriam construir um relacionamento fraterno em todos essa fodidos anos, Choso sempre esteve orgulhoso de ser o "irmão mais velho" de Sukuna, porque seria diferente com Megumi? Apenas não se aplica a Yuuji, um ômega burro que não consegue manter boas notas na escola e sempre precisou de ajuda em matemática, recessivo e ainda fora dos padrões. Quem iria se orgulhar de ser seu irmão mais velho? Dúvida que mudem de opinião se descobriremos que é o Killer Cat, é mais provável que o rejeitem completamente dessa vez e tudo bem, é aceitável, já entendeu que não deve esperar nada da família Itadori-Fushiguro (ou de ninguém em especial), está mais do que acostumado a ser abandonado. Substituído por um alguém melhor e mais bonito, apresentável e condizente com os gostos japoneses.
Não é grande coisa que Megumi chame Choso de Nii-san, não é grande coisa que Choso chame Megumi de irmãozinho, e não é nada demais que Megumi chame Jin de pai. Não é nada demais. Nada. Não se importa com essa merda.
Está tudo bem, realmente, não há nada errado.
Sentiu o celular vibrar no bolso da calça, ainda com as mãos trêmulas, pegou-o e leu uma prévia da mensagem pela tela de bloqueio. "Eu te amo" riu, um riso nervoso e choroso, Junpei sempre sabe o que dizer e quando dizer. "Adoro seu sorriso, então não chore." Desbloqueou o celular, abrindo o chat e responde o um:
"Quem está chorando?! Nunca derramei uma lágrima, meu coração é feito de pedra!" E não é mentira, não chora a meses, desde que Mahito foi embora. Parece que gastou todas as lágrimas com ele e agora não há mais motivos para chorar, realmente… realmente não há.
Perdeu a família, perdeu as almas gêmeas e perdeu Mahito, o que mais há para perder? Apenas Junpei e tio Kenjaku, mas esses dois não irão embora mesmo que os expulse da sua vida.
"Estamos no meio da aula… você pode não querer voltar agora." Ofereceu, e imediatamente Yuuji pensou que estavam na aula de matemática, respirou fundo, bloqueando o celular novamente e baixando a cabeça. Nunca desejou tanto voltar à antiga escola. Verdadeiramente não sente nada por Gojo e Geto, sofreu por meses (o que lhe rendeu inspiração para escrever músicas), mas após a remoção da marca não sente absolutamente nada… há o vazio intenso e ondulado que se move preguiçosamente no seu interior, tomando cada vez mais espaço, às vezes é sufocante (como agora) e outras vezes é apenas indiferente. Nada comparado aos sufocamentos de Kaori, pode afirmar.
Entretanto, quando está cara a cara com Gojo e Geto é diferente, menos doloroso do que ficar nostálgico com as lembranças de Mahito e mais agradável que beber café sem açúcar, não o deixa nervoso ou ansioso, nem o faz prender a respirar e esperar ser visto. Eles são como pessoas desconhecidas normais, e ainda assim, tem uma corda invisível que puxa o seu estômago na direção deles, fica cada vez mais complicado de ignorar, então pensa que melhor maneira de continuar seguindo em frente (como tem feito até agora) é manter-se o mais longe possível. Um plano estragado com sucesso por Jin e Kaori, como podem ver.
Todos estão empurrando para o fundo do poço, aparentemente, pouco satisfeitos com sua desgraça.
Bufou, respira fundo várias e várias vezes antes de levantar e abrir a porta da cabine, torcendo os lábios para a sua aparência refletida no espelho. Está bem, melhor do que pensou e essa é uma escola, não quer parecer apetitoso para estudante imaturos explodindo hormônios adolescentes e tesão descontrolado (quando não sabem ao menos como fazer um omega gozar usando apenas a boca), quanto mais feio parecer, melhor será. O atraente, gostoso e delicioso é o Killer cat, nesse momento, é apenas Yuuji.
Lavou o rosto, enfiando a cabeça debaixo da torneira e passando longos minutos assim, isso o faz pensar no quão agradável seria se jogar na represa e morrer afogado. É sempre uma guerra interna cruzar a ponte e simplesmente não se jogar, e é tão doloroso assistir o trem se aproximar e permanecer os pés colados no chão, sem poder correr e pular na frente dele. Tem certeza que a morte seria tão rápida que nem sentiria dor, o melhor é que seu corpo ficaria irreconhecível, portanto, sem velório e pessoas falsas (família***tosse**** Itadori**** Fushiguro) choramingando sua morte trágica.
Acredite ou não, eles teriam a cara de pau de se perguntar o que o fez cometer suicídio, o que analisando bem é um tanto válido, eles não o conhecem realmente, não sabem sobre Mahito e desconhecem sua segunda persona. Mas ainda, o fruto de todo o mau começou com eles, certo? Então por que perguntariam o motivo do suicídio? Não passaria pela cabeça deles nem mesmo por um segundo que ser substituído por Megumi, Tsumiki e Toji seria doloroso? Obviamente não. Afastou o rosto da pia, observando o rosto molhado no espelho. Odeia espelhos. É um reflexo idiota de alguém que morreu a anos, sente-se um intruso dentro do próprio corpo, a pele formiga desconfortávelmente e a vontade de arranhar as bochechas e arrancar os olhos é demais para suportar.
Abaixa os olhos, fechando-os com força. Odeia esse rosto. Odeia ser tão semelhante a Jin e Sukuna. Odeia ser o Itadori Yuuji.
Odeia…
"Pare com isso!" Disse, uma voz arrastada e preguiçosa, o hálito quente soprando sua nuca e dedos quentes deslizando por seus braços e coluna, "Meu Yuuji é tão lindo que nunca vou me cansar de olha-lo." Mahito? Abriu os olhos rapidamente, mas tudo o que encontrou foi a porta da cabine entreaberta. Ótimo, está ficando louco, era só o que faltava. Mas Mahito estava certo, apesar da semelhança com Jin e Sukuna, tem traços únicos delicados (que apenas ômegas tem) e um sorriso inocente e adorável que os alfas adoram, Itadori Yuuji é lindo. Não pode estragar esse rosto. Como Mahito poderia encontrá-lo caso fizesse isso? E se não o amasse mais? Impossível, Mahito irá amá-lo para sempre, certo? Certo! Mas e se…? Pare, pare com pensamentos intrusivos e idiotas, não quer deixar Junpei e o tio preocupado. Apertou os dedos nas bordas da pia e inspirou, respirou e voltou a abrir os olhos.
Futuramente terá permissão para aderir a procedimentos plásticos e estéticos, vai refazer o nariz, afinar as bochechas e preencher os lábios. E tudo vai ficar bem. Não vai mas ser um estranho no corpo de um morto.
Desligou a torneira e enxugou o rosto com o papel toalha de baixa qualidade, respirou fundo uma última vez e saiu do banheiro aparecendo no corredor vazio, tão vazio que poderia facilmente se tornar o cenário de um filme de terror (aqueles que o tio Kenjaku odeia e morre de medo). Enfiou as mãos nos bolsos da calça e continuou caminhando despreocupadamente, é bom que não tenha ninguém passeando por aqui, é sempre preferível andar sozinho do que mal acompanhado e certamente não há fantasmas vagando pela escola (⚠️ atenção ⚠️: fantasmas são mais suportáveis que Jin).
As paredes daqui são limpas e com cartazes bonitos, diferente da sua antiga escola, que tinha paredes sujas e cheias de cartazes rasgados datados da década passada (nunca houve uma reforma em vinte anos desde a construção). Arrastou os dedos pelo mural de alunos estrelas notando (não intencionalmente) o nome de Megumi no topo deles, Mai e Maki, não deu atenção a isso, é só mais um motivo que faz Jin amá-lo tanto. Arrastar os passos em um ritmo lento e preguiçoso é um estratagema funcional que usa para atrasar sua chegada à sala de aula, ela fica no final do outro corredor de qualquer maneira e se já estava atrasado não fará diferença apressar o passo, só vai se cansar inutilmente. Além de que não se sente particularmente ansioso para assistir a aula, gostaria de pular o muro do terreno e fugir para o centro de Shinjuku, quem sabe passar a tarde ajudando o tio na loja e voltar ao inferno no final do noite (de preferência, apenas não voltar) mas fugir renderá um puxão de orelha logo na primeira semana de aula.
Normalmente não é tão comportado, nem faz nenhum esforço para ser, mas a vontade de manter o mínimo contato com Jin o força a andar na linha.
Dobrou a penúltima esquina e quase foi derrubado no chão por uma parede de livros, a pessoa por trás dos livros não teve tanta sorte, no entanto, caindo igual um fruto maduro no chão e levando o que estava carregando junto, fazendo um barulho que ficou exageradamente alto no meio do corredor vazio. Franziu a testa, vai à academia todos os dias e corre nos finais de semana, mas tem certeza de que não é forte o suficiente para derrubar um adulto no chão com apenas uma pequena colisão, e se esse realmente foi o caso, o referido adulto precisa comer mais feijão.
— Você está bem? — Olhou de cima a pessoa afastar os livros do rosto e encará-lo de maneira confusa, o reconhecimento brilhou nos olhos claros e um sorriso educado surgiu no rosto dele.
— Oh, sim, não foi nada demais. Desculpe, eu não te vi chegando. — O próprio Yuuji reconheceu a voz do professor de história, e uau. Está surpreso consigo mesmo, prestou tanta atenção na bunda desse cara pela manhã e sequer decorou o rosto dele, o que a falta de sexo não faz, hein? — Você está bem? — Repetiu a pergunta feita a ele, levantando e já juntando os livros. Sozinho.
— Não fui eu quem caiu. — Apontou o óbvio, pensando se o professor é gentil ou apenas burro. E não, não está fazendo o favor de ajudá-lo a juntar a bagagem espalhada no chão.
— Acho que tem razão. — Disse, e finalmente se levantou em toda a sua glória de um e… bem, não sabe, mas ele é muito alto (como todos) — Você é o filho de Jin-sensei e Toji-san, certo? — E assim o brilho que ele tinha esvaziou-se completamente. Fez careta, ignorando a mão esticada para um aperto educado.
— Meu nome é Yuuji. — Ofereceu, cheio de desinteresse. O professor recolheu a mão, as bochechas ficando vermelhas de vergonha por ter sido descaradamente rejeitado.
— Bem, Yuuji-chan, você não deveria estar no meio dos corredores no horário de aula. — Implicou, tossindo para disfarçar a vergonha. Yuuji revirou os olhos, muito acostumado a ouvir esse tipo de discurso para se importar. — Será mandando para detenção se alguém pegá-lo. — Avisou, olhando de um lado para o outro.
— Acabei de ser pego por você, não vai me mandar para a detenção? — Perguntou, quase divertido, o homem balançou a cabeça, o mínimo sinal de um sorriso surgindo em seu rosto bonito.
— Não, não, não farei isso. — Assegurou, — Por que você estava me ajudando a carregar todos esses livros até minha sala, certo? — Sugeriu, e Yuuji pensou por alguns segundos antes de concordar. É melhor ir ver Gojo falar besteira sobre assuntos dos quais não entende ou acompanhar esse rapaz da bunda bonita? O puxão irritante no seu estômago diz que deveria seguir em frente, mas às vezes é necessário ignorar seus instintos.
— Certo. — Sorriu inocentemente, e o professor desviou os olhos rapidamente, ainda com as bochechas vermelhas.
Fofo. Mas não o suficiente para foder, honestamente, ninguém é fofo o suficiente para foder, todos parecem tão sem graça (exceto Naoya) e não conseguem molhar sua calcinha. Pergunta-se se um dia os deuses enviaram um iluminado capaz de tirar todas as teias de aranha que está o acomulando.
Conversar com o professor de história, cujo nome é Takeru, foi divertido, o homem é totalmente diferente do que demonstra ser em sala de aula, atrapalhado e tímido, corando em todas as frases de duplo sentido que Yuuji jogou nele. E seria um grande desperdício não se aproveitar disso, provocando-o cada vez mais, adultos geralmente são mais flexíveis aos seus encantos e correspondem à altura ou são moralmente corretos e o barram logo na entrada, Takeru não se encaixa em nenhum dos dois lados. Pode dizer facilmente que ele não tem experiência em flertes e não sabe se Yuuji está falando sério ou apenas brincando, então só se deixa levar. É adorável. Tão adorável que mal percebe o tempo passar e quando se dão conta, o sinal para o intervalo da tarde tinha tocada a cinco minutos.
Despediu-se Takeru-sensei com um aceno de mão e uma frase de moral duvidosa, rindo com a certeza de que a cabeça dele está pegando fogo nesse exato momento. Pegou o celular no bolso da calça, vendo uma mensagem de Junpei na tela de bloqueio, "Onde você está?" Ignorou-o a fim de encontrá-lo pessoalmente. Agora, mesmo no intervalo, vários alunos escolhem permanecer esperando na sala, então os corredores não estão exageradamente cheios, facilitando sua caminhada.
Chegou rapidamente e avistou Junpei cercado por Nanako e Mimiko, quis franzir a testa, mas forçou-se a continuar indiferente. Não é como se Junpei fosse trocá-lo por essas duas esquisitas, nem todo mundo é igual o Jin.
— Você perdeu a explicação de japonês moderno. — Escutou assim que sentou ao lado de Megumi, respirou fundo discretamente, cogitando seriamente a ideia de voltar para a sala particular de Takeru, seduzi-lo e foder loucamente. — Fiz anotações simples, pode copiá-las se quiser. — Obviamente, não vai copiar. Desde que iniciou o ano letivo seu caderno está limpo, rabiscado apenas com palavras vagas (e pervertidas) e desenhos estranhos (bonecos que parecem alienígenas), seu talento sem sombras de dúvidas é apenas a música.
— E ser estiver com fo… — Cortou-o.
— Pare de tentar ser legal. — Implicou, olhando-o seriamente, — É um incômodo. — Completou, e Megumi calou-se imediatamente.
Por favor, não o veja como um monstro sem coração, Yuuji garante que tem um coração enorme e muito, muito caridoso, mas essa caridade não é estendida para um Fushiguro ou Itadori, eles estão longe de merecê-lo, prefere ajudar pessoas que realmente são pobres coitadas e não estão envolvidas (de maneira nenhuma) na desgraça que a sua vida. Egoísmo? Adultos estão sendo egoístas o tempo todo, qual o problema de um adolescente imitar o comportamento deles? Não em todas as ocasiões (obviamente) porque apesar de ter o cérebro defeituoso, é esperto o suficiente para saber agir de acordo com a situação, isso significa ser maduro quando necessário e empático, a fim de não machucar profundamente os sentimentos das pessoas.
Nesse exato momento, não vê motivos para ser empático ou maduro, está convivendo com pessoas que gostaria de ficar longe para o resto da vida (só de olhar os seus rostos deixa-o doente), ser gentil com eles é no mínimo o cúmulo das calamidades. Mesmo Megumi sendo inocente. Caso se sintam mal com o tratamento recebido, deveriam mandá-lo embora, jura que não ficaria triste com tamanha crueldade! Poderia até esquecer todas as brigas inconvenientes que tiveram no passado, (e olha que não foram poucas) e quem sabe, viver livremente.
Fechou os olhos, jogando a cabeça na direção do teto e bateu os dedos dos pés no chão, quem está tentando enganar? Ainda que consiga se livrar de Jin e sua família, continuará um escravo dos próprios sentimentos dolorosos que o atormenta a anos, a raiz do problema não é de fato Jin e os Fushiguro, e sim, esse coração quebrado em mil pedaços (pode ser mais). A única maneira de acabar com essa dor é… bem, meio extremo e ainda mais doloroso (apenas para as pessoas que ficam), espera ansiosamente pelo em dia que terá sucesso em se matar, porque diferente do tio Kenjaku e Junpei, desacreditada que exista uma maneira melhor de encontrar alívio, paz e tranquilidade.
Por exemplo, se estivesse morto, não precisaria passar seis meses na casa de Jin. Já um bom ponto, correto?
Aparentemente a resposta é: não.
Por que? Porque segundo o tio Kenjaku, morrer sem fazer as pazes com Jin e sua família o colocará em um ciclo de reencarnação onde sempre irá encontrá-los, até que finalmente consiga perdoá-los e descansar na vida pós morte, sem precisar reencarnar para resolver os assuntos inacabados da vida passada.
Fala sério, quem de fato acredita nessas história ridículas? Só os pregadores loucos dessas religiões ainda mais esquisitas, não tem preconceito com nenhuma religião, muito pelo contrário, gostaria de ter tido uma educação religiosa, pelo menos em momentos difíceis saberia para quem rezar (ou melhor, saberia COMO rezar). Vai à igreja frequentemente? Sim! Mas nunca esteve prestando atenção aos sermões de domingo, as visitas a igreja na verdade foram apenas uma maneira de aprender a tocar instrumentos totalmente grátis, nada mais, todas aqueles hinários ensaiados e palavras de ânimo nunca o fizeram se aproximar da divindade cristã, e as rezas introdutória e conclusivas do culto, jamais aqueceram o seu coração frio. Há relatos de pessoas que sentem-se flutuantes, ou dão testemunhos de receber uma ajuda celeste para sair da depressão (não que seja depressivo), no entanto, essas ajudas e emoções mantiveram-se longe dele.
Supõe-se que seres celestes não tocam em almas podres, a sua nesse caso, já foi completamente corrompida pela perversidade desse mundo, e dúvida que haja salvação. O padre da igreja que vai (ou seria pastor? Afinal, qual a diferença entre os dois?!) diz que Deus ama o pecador, mas aborrece o pecado, portanto, por mais que peque todos os dias contra os mandamentos das escrituras sagradas, continuará sendo amado incondicionalmente. É uma bela história de conto de fadas para fazer as crianças dormirem. Nunca acreditou nisso, se nem mesmo Jin conseguiu amá-lo porque um Deus iria? Fica ainda pior quando lembra que zomba das crenças religiosas de quase todo mundo e escreve músicas sexualmente pervertidas. O padre/pastor certamente explodiria se soubesse que contribuiu (de maneira muito ativa) para o surgimento do Killer Cat e a nova era da música pop, ele tiraria as palavras de que: Deus ainda te ama.
Costumava acreditar nisso, se apegar a essas palavras e guardá-las bem fundo no coração, mas então Mahito aconteceu e… Yuuji não queria pecar porque quanto mais pecasse, mais aborreceria o tal Deus e consequentemente, deixaria de ser amado (como aconteceu com Jin), entretanto, pecar dessa maneira nunca esteve dentro do seu direito de escolha, aconteceria mesmo se declarasse sua devoção a igreja (justificativas para não transar nunca funcionaram com Mahito). Então, qual a finalidade de seguir pecando e pedindo perdão incessantemente? Voltaria a fazer o mesmo no dia seguinte e após isso, e depois, e depois e mais um pouco.
O pecado é um ciclo vicioso e infinito. Talvez, haja um Deus que o perdoe um dia, que olhe seus passos e tente entender que não teve chance de fazer as coisas de um jeito diferente do que fez, mas por enquanto, prefere acreditar que ele não existe.
Ou o padre/pastor está completamente errado.
Tio Kenjaku insiste que não. Ele definitivamente não é religioso, nem frequenta a igreja ou um grupo de qualquer outra "seita" espalhada por aí, mas desde que leu um livro espírita a dois anos atrás, tem surgido com essas idéias malucas de vida pós morte e reencarnação. Desconfia que toda trama seja um meio (nada legal) de induzi-lo a reatar a relação com Jin e sua família, ou o tio só está louco mesmo. A idade costuma cobrar o seu preço das maneiras mais inusitadas possíveis. Deveria levá-lo ao psiquiatra antes que um surto psicótico maior aconteça? (Melhor não deixá-lo saber disso!).
Voltou a atenção para a lousa cheia de rabiscos irritantes, bem, pense pelo lado bom, ainda não é nada de exatas, é apenas inglês e sempre se sai maravilhosamente bem nessa disciplina. Junpei diz que é trapaça, uma vez que é fluente em inglês e tem uma longa lista de cursos de formação no idioma (isso não é de conhecimento público), mas é uma das únicas disciplinas que consegue manter as notas no verde, então não se sente mau por está "trapaceando". Megumi faz anotações diligentes em seu caderno, com letras cursivas e elegantes, quase não tirando o olho do professor. É fácil ver o porquê o nome dele está no topo dos alunos estrelas. Não sente inveja, também já foi nomeado aluno estrela (embora tenha sido na escola primária, quando seu cérebro ainda era funcional), é bom e trás um sentimento de orgulho, mas as pessoas esperam que você se mantenha no topo o tempo todo, tratando-o mais como uma máquina do que como uma pessoa. A cobrança só piora para os ômegas.
Talvez Megumi não se sinta particularmente orgulhoso de ser o aluno estrela e esteja se esforçando tanto apenas para atender as expectativas que todos têm colocado sob seus ombros. Essa percepção quase (LÊ-SE: QUASE) o faz sentir empatia, quase!, mas então lembra que ele tem o apoio da família Itadori-Fushiguro e a empatia é jogada no ralo.
Acabou observando-o tanto que chamou atenção e ele virou o pescoço para encará-lo, perguntando silenciosamente se: está tudo bem? "Oh sim, está tudo na mais perfeita ordem, assim como sua beleza, querido ômega." Yuuji pensa, voltando a olhar o professor (inútil) falar coisas (inúteis) na frente da louça. Megumi suspirou, parecendo cansado e escreveu um bilhete (algo que fez o dia inteiro ontem), deslizando entre os livros até chegar a sua mesa, leu-o de longe, arqueando uma sobrancelha, "Se sente bem? É fome?" E cara, Yuuji está começando a ficar irritado com a implicância em torno da sua alimentação, já não é o suficiente o tio Kenjaku encher o saco sobre carboidratos, proteínas e açúcar no sangue?! Pelos deuses! Por outro lado, não consegue ficar totalmente bravo, Megumi só está tentando ser legal (Ele não precisa ser legal!! Faz sentir-se um pouquinho mau por tratá-lo com indiferença), e parece genuinamente preocupado.
Vai perguntar ao instrutor (de pole dance) se está realmente tão magro e pálido a ponto de mobilizar a comunidade nacional de saúde japonesa em prol da sua alimentação (ou seria uma causa humanitária cuja a ONU tem se empenhado em resolver?!).
Amassou o bilhete e jogou no caderno de Megumi, justamente quando ele estava escrevendo, recebeu um olhar de lado, nada aborrecido por incrível que pareça (esse garoto tem a paciência de um santo???!), ao que retribuiu oferecendo um sorriso inocente enquanto mostrava discretamente o dedo do meio. Ambos assistiram o resto da aula sem mais nenhuma interação.
— O que vocês irão fazer agora? — Jogou a mochila por cima do ombro, considerando a pergunta de Nanako por alguns segundos antes de responder.
— Não sabemos, quem sabe foder? — Os alunos que estavam por perto olharam-o horrorizados, ao que os ignorou completamente. As gêmeas, no entanto, riram, guardando os próprios materiais na mochila. — Bem, nós realmente temos que ir. — Deu as costas, sabendo que Junpei está logo atrás.
— Espere… — Dois passos e foi parado por uma mão segurando seu pulso, estreitou os olhos, estudando os dedos finos e magros de Magumi apertando sua carne suavemente (mas ainda há urgência no toque). — Ah, você não vai esperar pelos nossos pais? Podemos ir para casa todos juntos. — Piscou, se perguntando o porque iria querer voltar para "casa" com eles. Sim, já desejou muito que Jin estivesse esperando-o do lado de fora dos portões, bagunçasse seu cabelo e perguntasse como foi o dia. Mas ei, isso foi o quê? Oito anos atrás? Não importa o quanto esperasse Jin, o único que estaria esperando-o seria o vovô (e apesar de amá-lo com todas as forças, não era ele quem Yuuji queria naquele momento). Então, depois foi Mahito e logo em seguida, havia apenas Junpei do seu lado.
É assim que a vida é.
Abriu um sorriso complacente, falsamente carinhoso, o que surpreendeu Megumi, se seus olhos verdes arregalados e bochechas levemente rosadas dizem algo.
— Oh, querido, eu não acho que seus pais ficariam felizes em me deixar na porta de um motel. — Ao seu lado, Junpei engasgou com a própria saliva, e as gêmeas pareciam que tinham acabado de encontrar a décima maravilha do mundo. Afastou-se do aperto de Megumi educadamente, (não precisa apanhar de Sukuna novamente), e completou: — Quem sabe outro dia, sim? — Entortou a cabeça, esperando por uma resposta, ainda mantendo o sorriso carinhoso no rosto.
— É melhor irmos logo, não podemos perder o horário do check-in, Yuujiiii. — Quando não houve uma resposta imediata, Junpei sussurrou em seu ouvido, arrastando propositalmente seu nome no final. — Até mais, meninas, agora eu realmente preciso afogar o ganso. — Engoliu o riso diante dessa frase, e foram embora rapidamente, abraçando-se no meio do meio do corredor.
— Deixamos elas confusas? — Perguntou, cobrindo a boca com a mão para esconder o sorriso divertido. Junpei balançou a cabeça, parecendo pensar…
— Tínhamos dito que não estamos fodendo. — Lembrou, coçando o queixo, — Mas quando você falou daquele jeito com o Megumi-chan, fica difícil de acreditar. — Completou, não fazendo nenhum esforço para esconder o próprio sorriso divertido.
— Deveríamos testar isso no Todo? — Pararam exatamente onde estavam, ideias malignas ganhando forma em suas mentes poluídas. Compartilharam um sorriso, que é no mínimo, assustador e verdadeiramente digno de aparecer no filme do coringa, ou melhor ainda, It: A coisa.
Os palhaços do gênero terror sentem medo desses dois juntos.
— Com certeza deveríamos! — E assim, um novo plano para atormentar Todo e sua digníssima virgindade foi formado.
•••
Não foram para o motel, embora seja óbvio que jamais transaria com Junpei (eca), na verdade, pegaram o metrô para o distrito de Minato e visitaram o tio Kenjaku, já que aparentemente precisavam conversar pessoalmente sobre assuntos "sérios". Não está reclamando, iria visitá-lo de qualquer maneira, as aulas de dança começam apenas às 18h horas e saíram da escola às 16h, restam 2h vagas, o que fariam com elas? Trabalhar? É um ótimo palpite, mas hoje não sente vontade ou inspiração de escrever letras de música e desenvolver sonoridades, pode fazer isso outro dia (para a grande infelicidade do tio). Tenta pensar que restam seis meses até o lançamento do novo álbum (meio ano) e que tem tempo de sobra para produzir, assim não fica louco e paranóico passando noites em claro a fim de entregar o trabalho antes do natal.
Seguir essa linha de raciocínio, no entanto, o deixa preguiçoso e procrastinador, uma vítima perfeita para as garras do tio Kenjaku fisgar, e caso queira continuar com todos os cabelos no couro cabeludo, é melhor se esforçar mais e concluir o trabalho. A pressão e o medo giram as engrenagens do seu cérebro e milagrosamente, consegue atender aos pedidos do tio dentro do prazo estipulado (mesmo que passe noites em claro), é um péssimo hábito (destacado frequentemente por Junpei) mas hoje realmente não quer escrever, promete que vai se esforçar amanhã, hoje não. Tudo o que deseja é ignorar os programas indispensáveis (como aula de dança) e se jogar na cama fofa do tio, se esconder nos lençóis e cobertas cheirosas e descansar, sente-se impossivelmente cansado, vive com os Itadori-Fushiguro é uma tortura, olhar para eles é cansativo, e só piora quando ainda precisa suportá-los na escola.
Era menos explícito porque não ia aquela casa todo final de semana, mas agora, mesmo que façam apenas três dias que mudou temporariamente de residência, a dor no peito ficou tão intensa quanto a de sete anos atrás. Parece que há milhões de facas perfurando seu coração sempre que vê um sorriso nos rostos deles e lembra-se de que um dia também fez parte das brincadeiras idiotas e abraços calorosos, que costumava chamar Choso de choso-nii-san, e Sukuna e Suku-nii ou era o centro da atenção de Jin. Evitar ir vê-los escondia essa dor, era uma maneira de se preservar emocionalmente, sem enfrentar desmaios aleatórios e dores no estômago, além de pesadelos (que honestamente não sabe serem lembranças ou frutas da imaginação). Quando senta à mesa com eles, é como se houvesse uma mão enorme apertando o topo do seu estômago, impedindo-o de comer ou simplesmente ter fome, ouvir seus humorados cumprimentos de bom dia é doloroso. Eles devem pensar que estão indo bem, mas só conseguem deixá-lo enjoado.
Náuseas. Elas o acompanham o dia inteiro, seus sentimentos pararam de serem expressos por lágrimas e risos em algum momento, não sabe exatamente qual, mas o agora é comum não ter fome (ou apenas vomitar) quando está triste e raivoso, e desejar comer tudo o que vê pela frente se estiver alegre, o que é uma merda. As constantes mudanças de humor que enfrenta (e enfrentava, muito mais intensamente durante o relacionamento com Mahito) o deixaram em um estado deplorável, no que diz respeito à saúde estomacal. Não é de se admirar que o tio o force a uma dieta saudável, ele provavelmente não quer vê-lo sendo alimentado por sondas novamente. O próprio Yuuji se arrepia só de pensar em ter uma mangueira descendo garganta abaixo e ficando lá por dias a fio. Horripilante. Pensando nisso, o tio não poderia argumentar com Kaori a influência que suas emoções têm sobre o estômago e claro, adicionar o quanto é emocionalmente exaustivo conviver na mesma casa de Jin e sua família? Aparentemente não, porque todos superaram o que aconteceu e seguiram em frente, "Yuuji deveria fazer o mesmo e parar de ser uma criança mimada."
Pega-se se perguntando, é realmente uma criança mimada? Nunca chorou por ter um pedido negado, exceto quando Junpei o trancou no quarto de hóspedes para que não fosse atrás de Mahito, mas bem, essa é uma situação completamente diferente. Sempre compartilhou brinquedos na infância (não que as outras crianças brincassem com ele), e a única vez que ficou irritado foi quando anunciaram que iria dividir o quarto com Megumi.
Não teve uma crise de raiva por ter que compartilhar o quarto, nunca se importou com bens materiais, é só que viu aquilo como maneira de substituí-lo. Não era isso que estavam fazendo? Substituindo-o por Megumi? Jin já vinha trocando-o por Megumi, um ômega bonito e dominante em muitos aspectos, esse era apenas mais um. Sua reação talvez tenha sido extrema, mas é justificável.
Todas as suas ações são justificáveis. Nunca fez nada de mau sem ter um bom motivo, não é um sociopata, psicopata ou qualquer um desses malucos (as implicações do seu nome artístico tem um sentido sexy e fictício, por favor). Mas bem, ninguém está disposto a olhar a confusão pela sua perspectiva, é sempre a narração dos adultos que importa.
Seria o mesmo se decidisse denunciar o envolvimento com Mahito, por mais que tenha provas concretas e testemunhas dispostas a ajudá-lo, a palavra de quem é mais importante? A de um médico adulto renomado ou a de um adolescente com um péssimo histórico escolar? Não é preciso pensar muito para obter uma resposta. E não, não está pensando em denunciar Mahito, iria alegar o quê? Que ele roubou seu coração (e vagina) e depois fugiu? Existem vários casos de abuso sexual contra menores de idade arquivados, não por falta de provas, mas porque é sempre culpa da vítima. Ômegas foram feitos para satisfazer alfas sexualmente, então o que há de errado em transar com um menor? Nada. As autoridades pouco se importam com essas crianças, ninguém se importa, se você nasce com uma vagina automaticamente é considerado inferior e incapaz, mas se nasce com um pau, todos vão querer chupa-lo. É assim que funciona. Ser uma criança rica, filho de pais influentes pouco interessa, a merda continua e ninguém está disposta a mudar.
Trazer Yuuji, o filho mais novo de um casamento fracassado e comportamento "rebelde" para o júri, acusando um médico rico de abuso sexual é quase como contar uma piada na tv aberta, todos irão rir, aplaudir e dizer: foi uma ótima performance garoto. Mas não irão em momento algum levá-lo a sério. E a palavra mimado volta aos holofotes, pode até prever os jornais falando disso nas semanas seguintes, os apresentadores fazendo piadas e os olhos julgadores dos adultos, tão cortantes quanto umas faca de dois gumes.
Eles ainda tem coragem de reclamar sobre os filhos manterem tudo em segredo. Como não fariam isso, quando veem o jeito que as vítimas são tratadas? É mais fácil sofrer em silêncio.
Apesar de tudo, prefere desconsiderar as nuances desse discurso já muito conhecido atualmente, sabe que Jin e sua família não dariam a mínima, e os únicos que se importam são o tio, Junpei e claro, o vovô. Eles com certeza iriam ajudá-lo e não chamá-lo de mimado, (de todas as pessoas do mundo, Yuuji é o menos mimado), porque sempre entenderam que sua dor não é somente por causa de um divórcio, o vovô em especial, entende melhor do que ninguém.
Abrindo a porta da geladeira para verificar o que tem de bom (e comestível), arrisca dizer que o vovô entende melhor do que ele próprio, o quê muito válido, considerando que não compreende seus sentimentos na maior parte do tempo.
— O que tem para comer aí? — Escutou passos se aproximando, pegou dois potes de salada de fruta e colocou em cima da bancada de mármore. Junpei aparece na entrada da cozinha, o uniforme bagunçado e cabelo desgrenhado, já desistiu de tentar penteá-lo, os fios são rebeldes demais para ficar no lugar, a menos que usem gel cola ou gel fixador. Mas então, estaria ouvindo reclamações sobre como o cabelo perdeu o movimento e está duro.
— Temos salada de frutas. — Disse, pegando duas colheres de sopa e sentado na cadeira alta de estofado de couro. Deveria cozinhar um almoço (mas quem almoça às 16h da tarde?), e não quer comer, entretanto, é melhor por um pouco para dentro do estômago antes que o tio apareça e Junpei fofoque que seu melhor amigo Yuuji passou o dia em jejum.
— O tio não poderia comprar porcarias uma vez ou outra? Não apenas de salada viverá o homem, sabe… — Resmungou, sentando na sua frente e deslizando o pote de salada para mais perto, mexeu no conteúdo do pote e fez um bico emburrado. — E eu não preciso de dieta. — Continuou, mas ainda mergulhou a colher na salada e levou a boca, gemendo satisfeito com o sabor.
— É melhor manter esse pensamento longe dele. — Ou o tio pode forçá-lo a ir no nutricionista.
— Manter o quê longe de mim? — Pulou assustado com o surgimento da voz profunda do tio ressoando bem nas suas costas, as mãos grandes e pesadas caíram sob seus ombros, segurando-o no lugar, é um toque quente e caloroso, um contraste com as formas calejadas dos dedos. — Será que posso saber? — Perguntou, e não precisou virar o pescoço, o conhece bem o suficiente para saber que seu sorriso é assustador. Como se tivesse acabado de pegá-los fazendo uma pegadinha maldosa.
— Nada! Apenas comentando sobre como sua cozinha é bem decorada. — Junpei respondeu nervosamente, abrindo um sorriso pouco (ou nada) convincente, enfiando mais uma colher de salada na boca e engolindo sem nem mastigar. — Estava pensando em pedir o contato do decorador, a decoração da minha cozinha é a mesma desde o meu nascimento, eu acho… mas Yuuji disse que o senhor é um tanto ciumento. — Acrescentou, tardiamente. O tio massageou seus ombros suavemente em movimentos circulares, arrancando-lhe um suspiro satisfeito.
— Hum… Posso fazer isso, embora tenha certeza de que escutei alguém reclamar do conteúdo da minha geladeira. — Disse, mantendo o sorriso conhecedor escondido pelo bigode charmoso. Junpei balançou a cabeça, negando rapidamente, e Yuuji sentiu os dedos pesarem nos seus ombros magros, — Tudo bem, suponho que adolescentes sempre irão preferir porcaria a comida saudável. — Soltou um suspiro cansado, recolhendo as mãos. Quase protestou, mas se conteve, voltando a comer a salada preguiçosamente.
— Desculpe… — A pedido de desculpas foi descartado facilmente, e o tio sentou com eles, colocando os braços fortes sob o balcão.
— Não os chamei para falar sobre alimentação, terei uma conversa separada com Yuuji sobre isso mais tarde. — Sentiu um arrepio maligno subir pela coluna, girou o pescoço mecanicamente na direção direta e abriu um sorriso sem graça, que foi recebido por um olhar severo do tio. Murchou instantaneamente. Está fodido. — Por hora, estamos discutindo o nosso encontro com os Tsukumo sexta-feira à noite. — O que?? Tão rápido assim? Pensou que iriam demorar uns dois meses para se encontrar.
— Tão cedo?? — Junpei perguntou surpreso, arqueando as sobrancelhas.
— Também estou surpreso, mas aparentemente, Yuki-kun quer conhecer Yuuji o mais rápido possível. — Franziu a testa, ainda mastigando. Por que tanta pressa? Não é como se fosse fugir, ainda nem chegaram a formalizar os documentos do contrato. — E Tsukumo-san deseja formalizar oficialmente o contrato, aliás, pretendem começar a campanha ainda no início do próximo mês. — Será que estão com medo que ocorra uma quebra de contrato? Não está acostumado a campanhas longas, o tio dificilmente as aceita justamente por que atrapalham sua vida de estudante comum. O máximo que assinam são contratos de seis meses, os do Tsukumo é longo, muito longo. Bom, considera dois anos um período longo.
— … O que estarei fazendo nessa campanha mesmo? — Não é que não tenha dado atenção às explicações anteriores do tio, é que realmente não recebeu nenhuma informação além de que os Tsukumo são a maior potência do ramo automobilístico. Junpei revirou os olhos, batendo a mão na testa.
— Anúncios de carro, não é óbvio?! — Mostrou a língua para ele, preparando-se mentalmente para dar-lhe uma boa resposta, entretanto, o tio intrometeu-se na conversa antes que ela virasse uma confusão.
— Na verdade, a campanha não é sobre carros. — OI? Ambos olharam o tio, confusos e desentendidos. Sabendo que precisa oferecer uma explicação (porque Junpei não é tão esperto quanto gosta de demonstrar). — Yuki-kun tem uma marca de roupas íntimas famosa internacional, e Yuuji tem o tipo de rosto que ela gosta. — Entortou o pescoço, mais confuso do que irritado por saber disso SÓ AGORA. Claro, o tio mostrou-se incerto em aceitar a oferta, mas disse que era por causa do presente (extremamente caro e bonito) que poderia ser encarado como um cortejo, não deixou claro em nenhum momento que precisaria ser fotografado vestido dentro de roupas íntimas. Ele pode ter esquecido? São tantas obrigações como agente empresarial e dono de uma floricultura (pequenininha) que é normal ficar aéreo uma vez ou outra.
— Por que só estamos sabendo disso agora? — Não está irritado, não, só um pouco confuso e… inseguro? Yuki gosta do seu rosto, mas isso é com a máscara, e é necessário ter um corpo bonito para esses tipos de fotos, certo? Mahito o elogiava o tempo todo, mas… era diferente. Enquanto está preso nesse dilema, Junpei tem uma expressão dura e acusatória no rosto. — Não acha que deveria ter explicado a Yuuji os detalhes do tipo de campainha que ele estaria fazendo? E se ele não se sentir bem? E se fosse algo muito extremo? E se… — Foi interrompido.
— O que está insinuando, Junpei-kun? Acredita que eu não disse propositalmente a Yuuji o tipo de campainha que ele estará fazendo? É isso? — Perguntou, mantendo-se calmo e controlado. Junpei estreitou os olhos, mostrando ainda mais desconfiança.
— Bem, o que mais eu deveria pensar em uma situação como essa? — Levantou os ombros e os braços, arqueando as sobrancelhas em uma mistura de zombaria descarada e sarcasmo. — O senhor disse todos os pontos importantes, mas esqueceu completamente o fato de que Yuuji, um menor de idade, precisa tirar a roupa na frente das câmeras e mostrar o corpo para várias pessoas, e pior, a uma fotógrafa alfa que aparentemente tem tentado cortejá-lo. Não entenda mal, tio, mas isso é no mínimo, estranho. — Completou, cruzando os braços na altura do peito.
— Deixei claro meu desgosto em relação ao contrato, nunca incentivei Yuuji a aceitá-lo, tanto que ele ainda pode voltar atrás. — O tio explicou, soltando um suspiro cansado. Yuuji afastou a salada, sentindo o sabor amargo tomar conta da língua e contaminar todo o sistema digestivo, não apenas por causa do pequeno desentendimento do tio e Junpei, mas também pela insegurança repentina. E se Yuki achá-lo gordo? Um porco de bunda grande? Um corpo muito vulgar? Balança a cabeça, espantando esses pensamentos (ou pelo menos tentando). — Eu nunca colocaria Yuuji em uma situação desconfortável propositalmente. — Os olhos de Junpei continuam estreitos, procurando o menor sinal de mentira, ele é assim, cauteloso e desconfiado, ninguém consegue enganá-lo facilmente. Mas agora ele não está exagerando? Digo, é do tio Kenjaku que estão falando, porque há tanta suspeita?
— E o fez aceitar uma proposta sem saber todas as implicações, estou genuinamente admirado com sua preocupação, tio. — Retrucou, sem piscar os olhos em nenhum momento.
— Eu já disse que… — Tomou a frente, interrompendo o tio, antes que isso se torne uma discussão acalorada. Não é de hoje que Junpei e o tio Kenjaku discordam, na verdade, eles fazem isso frequentemente, vivem em pé de guerra, é raro vê-los agir pacificamente quando estão no mesmo ambiente, a tensão circula no espaço fechado igual gás venenoso. É como se dois predadores estivessem disputando uma presa.
— Vamos parar, sim? — Pediu, tocando o ombro do tio e olhando dele para Junpei o mais humildemente possível. — Não queremos brigar, tenho certeza que o tio não quis fazer nada de mau, Junpei. E tio, o Junpei não queria ofender, ele só está preocupado. — Sorriu incerto e inseguro, pedindo silenciosamente que Junpei concorde. — Certo? — Insistiu, mas não houve desistência por parte do seu melhor amigo, ao invés disso, o tio foi o único que voltou atrás (mesmo que não tenha feito nada).
— Não estamos brigando, Yuuji, só temos uma divergência de opinião aqui, nada demais. Eu entendo que Junpei está preocupado, e é perfeitamente compreensível, dado a todas as ocorrências passadas, mas ainda não assinamos nenhum contrato, você pode cancelá-lo a qualquer momento. — Sorriu, movendo os dedos sob o tecido de algodão da camisa verde musgo.
— Cancelar? Mesmo se precisar pagar uma multa? Ainda estaria voltando atrás? — Junpei provocou, usando um tom incrivelmente duro e frio. Estranho. Sente-se intimidado, mesmo que não esteja sendo o alvo da pergunta, nem haja feromônios alfas agressivos cutucando-o no nariz. O tio colocou a mão sob a de Yuuji, dando tapinhas leves antes de movê-la do seu ombro e levantar.
— Naturalmente sim, dinheiro não significa tudo para mim, Junpei. É triste que mesmo depois de anos você me entenda mal. — Disse, parecendo cansado.
— É fácil te entender mal quando tudo o que o senhor faz é nos forçar a trabalhar como escravos. — Riu, apesar do arrepio esquisito subindo pela espinha dorsal.
— Bom, precisamos nos manter no topo, certo? — O tio respondeu bem humorado, mas há algo entre ele e o Junpei que definitivamente está fora do lugar. O clima tenso ainda não foi embora. — Dito isso, por que não traçamos um plano B para se caso o jantar de sexta-feira dê errado? Yuuji ficará mais confortável assim? — Mudou de assunto.
— Claro, acho uma boa ideia. — Concordou imediatamente.
— Por mim, cancelamos o jantar. — Junpei pontuou, mantendo o rosto sério. Emburrado. Sorriu suavemente,
entendo perfeitamente a preocupação dele.
— Eu… eu realmente quero tentar antes de desistir. — Pediu (implorou), lançando aqueles olhinhos brilhantes e cílios longos que ninguém consegue resistir.
— Se você disser que não, ele vai chorar. — O tio provocou, e rapidamente a determinação de Junpei quebrou.
— Tsk. Tudo bem. — Gritou animado, pulando fora da cadeira e contornando o balcão para abraçá-lo, apertou-o forte, esfregando suas bochechas juntas. — Mas… ao mínimo sinal de desconforto o contrato será quebrado. E não quero saber o valor da multa. — Avisou, olhando diretamente para o tio.
— Sim, sim, sim, como você quiser. — Ofereceu um sorriso cortês, observando-os silenciosamente. Sorriu, beijando a bochecha macia e escondendo o nariz no pescoço limpo. Sem glândulas odoríferas. Apenas a colônia levemente amadeirada com essência de algodão.
Isso é bom, poderia ficar assim o resto do dia. Entretanto, tem compromissos inadiáveis e como um bom profissional competente, irá resolvê-los primeiro, nas férias do próximo ano talvez consigam se aconchegar um no outro por dias a fio, agora não é momento. Afastou-se, batendo palmas para chamar atenção.
— Muito bem, qual roupa devo usar? — Esse é o ponto principal, por favor. Não vai a um jantar de gente rica (sim, também é milionário, mas não nasceu rico, ganhou dinheiro depois) vestido em roupas relês. Preciso causar uma boa impressão, e Yuki estará vendo-o sem máscara pela primeira vez, é necessário surpreendê-la desde o início.
— Vestido vermelho. — Rapidamente, Junpei jogou a resposta, pescando o celular no bolso da calça e provavelmente procurando um modelo de vestido nessa cor.
— Terno preto. — Do outro lado, o tio trouxe uma possibilidade totalmente controversa. Sim, esses dois nunca poderiam estar em concordância, não é mesmo?
— O Terno dá a ideia de que ele é mais velho, queremos mantê-lo na faixa dos dezessete, que é exatamente a idade dele. — Sim, faz sentido. Já quis ser mais velho, mas era apenas porque pensava que com a idade e o passar dos anos, ficaria forte e maduro, consequentemente, esquecendo a dor e todas as lembranças amargas da infância (ou que ainda o atormentam), contudo, se caracterizar como alguém mais velho pode fazer Yuki (e os outros clientes do restaurante) terem a ideia errada de que está tentando seduzi-la.
— E o vermelho é sexy. — Fez careta, não quer ser sexy. Não agora. Junpei sorriu, mostrando uma foto de um vestido que encontrou no Pinterest.
— Depende do vestido que escolher. — Aproximou-se, estudando os recortes baixos e geométricos, não é formal, mas também não diria que é casual, fica balançando no meio termo. Alças grossas, uma fenda minimalista na coxa esquerda e decote quadrado. — Esse, por exemplo, é perfeito para ocasião. Não estamos tentando arrumar um casamento. — Balançou a cabeça, aceitando as palavras de Junpei.
— Deixarei que decidam as roupas. — O tio desistiu, sabendo que Yuuji não vai mudar de ideia, Junpei sempre leva a melhor nesses casos. — Agora, será que podemos realmente trabalhar? — Perguntou (exigiu), recolheram o celular e colocaram-se de prontidão, a tensão anterior finalmente dispensou-se e pode respirar sem irregularidade. Seria bom se continuasse assim, confortável e calmo. Mas é claro, sua vida jamais poderia ser normal, o mesmo se aplica às pessoas que fazem parte dela.
Faz anos que tem esses dois ao seu lado e até hoje não consegue descobrir o motivo de serem tão contrários, discordando até mesmo nos mínimos detalhes, se não os conhecesse melhor, poderia dizer que agem dessa maneira apenas para deixá-lo confuso, contudo, é óbvio que existe um assunto inacabado entre eles. Qual? Realmente não sabe, e já tentou mil vezes interrogar Junpei a respeito, as respostas que ganha são apenas justificativas preocupadas e sentimentais, como: "Você deveria questionar mais as decisões do tio e tomar mais a frente do seu negócio" e "Estou preocupado, nada demais.", o tio segue espelhando essas palavras e atitudes, às vezes sente que todos estão escondendo algo.
Sua imaginação não é boa em criar cenários do que poderiam estar escondendo. A primeira possibilidade que pensou foi que os dois são amantes (ou melhor, amantes passados), o quão hilário (e terrivelmente) nojenta a relação seria? O tio trata Junpei como um sobrinho na maioria das vezes, e o Junpei jamais se sentiria atraído por um homem que tem idade de ser seu pai. Conhece-o suficiente para saber. Então, opção descartada, pule para próxima. Haveria um envolvimento entre o tio e tia Nagi que terminou mal? Todos os relacionamentos que presenciou tiveram um final trágico, (e nem está sendo dramático), e sempre, sem exceção, uma das partes saíram quebradas além do reparo, é possível que o péssimo final tenha afetado indiretamente Junpei, ele tenta parecer durão, mas é um verdadeiro bunda mole.
No entanto, a suposição ainda é contraproducente com a realidade, o tio Kenjaku e a tia Nagi (apesar de terem um péssimo relacionamento) agem amigavelmente um com outro, como se não estivessem a ponto de se matarem sempre Yuuji desvia os olhos.
É frustrante ser mantido no escuro, mas perguntar nunca resolve o problema, o que resta fazer é observar tudo silenciosamente. Como diz um provérbio alemão: "o diabo mora nos detalhes", e é uma grande desgraça e infelicidade que Yuuji seja cego aos detalhes. Cego para os sinais discretos e até os mais explícitos, ou apenas queira inconscientemente se manter no escuro por medo de descobrir a verdade.
Acabou afastando os tais pensamentos e focou a atenção no discurso (lê-se: advertências) da semana, há algo sobre comer corretamente todas as três refeições do dia e fazer lanches saudáveis entre pequenos intervalos, descartou-os assim que ouviu, quer comer, só não sente fome e se sente, vomita minutos depois. Vai melhorar quando for embora da casa dos Itadori-Fushiguro, é nisso que quer acreditar. Sobretudo, a conversa se resumiu a: "preciso de novas músicas ou irei procurar um compositor, e você, Yuuji, será somente o intérprete", ele não vai fazer isso, aonde iria encontrar um compositor de barbáries em pouquíssimo tempo? Adora o tio, ama-o verdadeiramente, mas às vezes ele não entende que apesar do talento para a música, Yuuji precisa de tempo, espaço e emoções (sejam boas ou ruins) para escrever.
Compor uma música não é apenas pegar uma folha em branco, enchê-la de palavras sem sentido, colocar um som legal e prontinho, lançá-la no mercado e esperar que vire um hit da noite para o dia. É muito mais complexo. Talvez não para algumas pessoas, no entanto, a música e a arte de compor está profundamente relacionamento aos sentimentos e percepção de mundo (funciona assim na cabeça do Yuuji), e em cada estrofe que escreve, há uma pequena parte do seu coração derramando tudo o que sente sobre aquelas pequenas letras embaralhadas, esperando que alguém (por favor) escute o seu pedido de ajuda, compreenda sua dor e não o julgue pelo comportamento considerado rebelde. Está desabafando. Sim, é claro que poderia escrever uma música descrevendo a merda que é viver com Jin e sua família e tem certeza que no dia seguinte todas as rádios do mundo iriam ouvi-la.
No entanto, qual a profundidade emocional disso?
Não quer compor músicas sem sentimentos. Não quer se tornar só mais um dos artistas de sons genéricos que agradam as multidões e perdem a si mesmos.
Quando aceitou as ideias do tio levá-lo à gravadora, pensou que estaria sendo livre para falar o que quisesse, desabafar e xingar (em forma de melodia), mas agora, depois de seis anos, sente-se preso e incapaz de subir de nível. É como se estivessem segurando seus ombros e o forçasse a ficar no paradinho no lugar, sem fazer movimentos bruscos, limitando as suas escolhas e tomando o seu tempo. Sabe que o tio só deseja o melhor, mas isso está começando a ser sufocante, pedindo música novas a cada semana e exigindo cada vez mais excelência.
Só quer descansar.
Honestamente, nem lembra quando foi a última vez que dormiu sem preocupações, correu pela orla da praia com os cabelos soltos balançando ao vento e tomou sorvete sem medo de vomitar igual um condenado, ou pior e mais assustador, passar dos limites diante da fita métrica (MALDITA) do tio. Está cansado de dietas saudáveis. Suco Detox. Medidas exatas. Só precisa que entendam que não quer ser perfeito, ter a bunda bonita e cintura fina como a Barbie, tudo o que deseja é ser aceito do jeito que é, sem precisar se esforçar tanto para manter um físico legal. Tenta dizer, transmitir esses pensamentos, mas ninguém se importa.
Mahito, pelo menos, nunca exigiu que comesse as três refeições do dia e certamente, também nunca apontou o quão prejudicial é enganar a fome mastigando chiclete e bebendo água. Gosta de pensar que ele dava-lhe espaço, e não encara esse espaço como negligência e falta óbvia de preocupação com a sua saúde. Por favor, tem dezessete anos, pode muito bem cuidar de si mesmo, não precisa de uma comitiva perseguindo-o vinte e quatro horas por dia. Enfiando pratos e pratos de comida no seu rosto. Lembrando-o de escrever. Forçando-o a compor. Sempre mais rápido, acelerar o ritmo, manter-se na pista de dança, sem descanso, não, não descanse, respire fundo e mantenha o sorriso no rosto, seja perfeito, não os deixe esperando. Eles não veem que precisa de espaço?
Praticamente correu para fora da magnífica casa do tio quando concluíram o trabalho do dia, Junpei, é claro, acompanhou-o sem fazer perguntas. Dentro do elevador, soltou um suspiro longo e pesado, talvez esteja sendo dramático (e mimado)? Querendo fazer tudo no próprio tempo e desrespeitando as datas estabelecidas inicialmente? Há essa preocupação rondando sua mente. Deveria agradecer o tio (seu empresário) por pressioná-lo tanto, caso contrário, já teria caído no esquecimento como tantos outros artistas.
— Pare de pensar merda. — Acordou dos devaneios com a voz dura de Junpei, ele tem o rosto cansado e severo. Cansado e severo demais para um adolescente de dezessete anos, supõe que não é o único com problemas por aqui, certo? Mas é o único que precisa ser tão dramático e egoísta. — Eu e o tio só somos quem somos por sua causa, nossas vidas continuariam sendo um lixo se você não existisse. Todas as nossas conquistas e realizações, são mérito seu, e ninguém pode dizer o contrário. Entendeu? — Apontou o dedo no seu rosto, bem na altura do nariz. O fogo queimando nos olhos castanhos escuros é aconchegante, confiante e amoroso, quer mergulhar neles e esquecer a confusão de pensamento e emoções que fazem o seu estômago borbulhar (e não é borboletas).
— Entendi. — Acenou, e rapidamente foi puxado para um abraço de urso. Escondeu o rosto no peito macio, inspirando o cheiro do amaciante de essência doce (lavanda) que a tia Nagi compra, é só o cheiro de um amaciante, nem é a melhor marca do mercado e diferente dos outros, não há comercial dele passando na tv. Mas ainda é o cheiro de lar. O cheiro que Tia Nagi e Junpei compartilham.
— Bom. — Fechou os olhos, apertando o aperto do abraço, desejando ser um só com Junpei. Ganhou um beijo no topo da testa, e mesmo sob a touca de tricô preta que comprou no natal passado, o beijo ainda é quente e agradável (muita semelhante aos que recebia de Jin na infância). — Trabalhe no seu tempo, tenho certeza que os fãs irão entender. — Acenou silenciosamente, mantendo o rosto enterrado no peito magro, macio e cheiroso. — Está com fome, certo? O que acha de tomarmos um sorvete naquela sorveteria colorida? — Levantou a cabeça, mostrando as sobrancelhas juntas.
— Você é um leitor de mentes? — Porque ele sempre sabe o que dizer e fazer, como se soubesse exatamente o que ronda os pensamentos turbulentos de Yuuji.
— Não, mas eu sou seu melhor amigo. — Deu de ombros, como se isso explicasse tudo. — Que tipo de melhor amigo eu seria se não soubesse o que você pensa? Estamos conectados, mais conectados que almas gêmeas. — Trouxe uma dedo calejado das aulas de Aikido, trançado do seu nariz até o peito esquerdo. — Nossos corações sempre estarão batendo juntos. Eu prometo que estarão. — Assegurou, olhando tão decidido que é impossível descartar a confissão e esquecê-la no segundo seguinte.
— Isso é um pedido de casamento? — Brincou, sorrindo para mascarar a vontade de chorar (por mais que tente, as lágrimas não irão sair).
— Poderia ser, se você não fosse uma vadia. — Gargalhou, voltando a abraçá-lo com força.
— Obrigado, eu aceitaria, se eu não fosse uma vadia. — Disse, entre risos.
— Oh, então você está finalmente admitindo que é uma vadia?? — Fez bico diante do sorriso travesso de Junpei, esmagando a própria bochecha no peito magro.
— Talvez… eu só queria um pau para chamar de meu. — Choramingou. Não, não é que esteja desesperado por sexo, mas ei, ômegas tem necessidades (sua vagina tem necessidades!) e um pau às vezes não é tão ruim.
— Pobrezinho. — Junpei lamentou, esfregando suas costas suavemente, embora suas mãos sejam pesadas. — Podemos comprar um vibrador ou um dildo, o mais realista possível, se você quiser. — Sugeriu. Bufou, revirando os olhos. Nada contra quem usa e gosta, mas prefere a coisa real.
— Não! Não vou colocar meio metro de borracha na minha vagina. — Exclamou, quase indignado (e enjoado) com a ideia. Junpei balançou a cabeça, expressando compreensão (ainda que não compreenda nada). Aliás, quando chegaram a esse assunto?
— Okay, okay, é perfeitamente compreensível. Não fique triste, sua vagina vai encontrar um pau que seja compatível e a faça ficar molhada. — O consolou. Yuuji espera que o pau chegue logo, está cansado de esperar. São seis meses sem sexo.
Quando o elevador abriu, ainda estavam abraçados e absortos no mundo dos paus e vaginas, tanto, que caminharam pela calça comentando sobre o sabonete do continente sul-americano que promete fazer uma vadia (arrombada) voltar a ser virgem, sem procedimentos estéticos e segredos medicinais. Yuuji se pergunta quem iria desejar voltar a ser virgem, porque bem, não é lá a melhor experiência fazer sexo pela primeira vez e não somente por causa da falta de prática, é desconfortável em todos os sentidos.
Tem louco por todo tipo de coisa.
As pessoas que ouviram metade de suas falas, porque definitivamente, não são mestres da discrição, olharam-os horrorizados e tem certeza que se tivessem permanecido no mesmo ambiente por mais de cinco segundos seriam linchados pela sociedade conservadora e tradicional japonesa ( ou não, contando com a aparência "marginal" de Junpei). No meio do caminho para a sorveteria, deu-se conta que o embrulho no estômago foi embora e não há desconfortos e pensamentos confusos, restando somente o formigamento familiar na ponta dos dedos.
Chegaram a sorveteira colorida, na verdade esse é o nome que apelidaram ela por causa das diversas cores e sabores de sorvete, não é o nome real do estabelecimento. Entraram e montaram os próprios pedidos, Junpei empilhou oito bolas de sorvete no maior depósito disponível, enquanto Yuuji se contentou com apenas um picolé sabor melancia.
— Tem certeza que vai pegar só um picolé? — Ele perguntou, olhando com desgosto para a escolha minimalista do picolé, Yuuji acenou positivamente. Isso é puro açúcar, nem deveria estar comendo (mesmo que apenas um) quando pulou o almoço.
— Sim. — O moço do caixa olhou entre as porções distribuídas desproporcionalmente entre os dois amigos um tanto surpreso. — E você vai realmente comer tudo isso? — Apontou para o sorvete com um movimento do queixo.
— Claro, por que eu não iria? — Talvez porque tenha muito sorvete??? Absteve-se de responder e apenas foram encontrar uma mesa, todas do salão estavam ocupadas, restando apenas as que ficam coladas às janelas de vidro.
Foram até a mesa (Yuuji já passou o cartão) e sentaram de frente para o outro, o que naturalmente não deu certo e acabaram deslizando até ficarem juntinhos, tocando-se pele a pele e assistindo um vídeo da Beyoncé no YouTube.
Descansou a cabeça no ombro magro, chupando o picolé com lambidas de gatinho, o sabor é bom, mas nada é delicioso o suficiente para fazê-lo comer desesperadamente.
Recebeu uma colherada diretamente na boca do sorvete de Junpei, e gemeu com a mistura de sabores maluca que incrivelmente deu certo.
Costumavam vir aqui frequentemente a dois anos atrás, mas então o trabalho ficou muito cansativo e quase não tinham tempo livre. No início deste ano Yuuji estava muito depressivo para querer sair de casa (desmarcou vários shows), e foi nesse período que começou a ser arrastado para a sorveteria novamente, era o único lugar que não o lembrava de Mahito, e Junpei fez bom proveito disso.
Chegou aqui em janeiro, retraído e medroso, ansioso para reencontrar Mahito e com medo de ser tocado, o ambiente familiar, com luzes amarelas e risos infantis vindo de todos os lados o fez relaxar e ficar confortável, sem medo. Agora, é o ponto de encontro que não está disposto a abrir mão.
E existem pouquíssimas coisas das quais não está disposto a abrir mão, considerando que apesar de ter muito dinheiro e influência (na persona pública), as pessoas são instáveis como água, elas vêm e vão, nunca estabelecendo-se em um lugar permanentemente. Junpei é uma exceção. A localização geográfica deles não importa, contanto que mantenham-se no coração um do outro. Quentes e protegidos, como deveria ter sido com Jin.
Deveria ter vindo visitar a sorveteria na companhia da família que um dia teve, mas Jin quebrou-a antes que pudesse conhecer este lugar. Jin quebrou muitas coisas, a maioria delas irreversíveis, e deixou-o sozinho para juntar os cacos. Ainda está tentando concertar o seu coração, entretanto, sempre que pensa ter achado a peça certa, ela mostra-se incompleta e derrotado, precisa voltar a procurar o pedaço para completá-la. Há tantas fitas durex e cola quente remendando os pequenos detalhes que a arte é feia, dificilmente ganharia um concurso (nem mesmo os de arte contemporânea), talvez porque haja mais reparos que os pedaços originais.
Engoliu o último cubo do picolé, mantendo o palito de madeira na boca enquanto assiste preguiçosamente o videoclipe de uma das melhores performances da Beyoncé, Junpei diz que pode ser tão brilhante quanto ela, mas acha que ele só está tentando animá-lo. Quando, onde e em que planeta nascerá uma nova Beyoncé? É impossível, ela é maravilhosa, perfeita, linda e forte. Uma ômega dominante, negra e de origem pobre que chegou ao topo do mundo, o melhor? Ela é livre. Sim, okay, recebeu alguns chifres mas superou isso e seguiu em frente, espere chegar a ser pelo menos vinte por cento do que ela é, um dia.
Assim que a tela do celular ficou preta e os anúncios começaram, verificou a hora e quase pulou, está atrasado para o treino. Junpei levou a última colherada de sorvete à boca e virou a cabeça, olhando-o preguiçosamente.
— Qual o problema? — Indagou, observando-o jogar a mochila nas costas e levantar do assento fofo de couro verde e laranja.
— Preciso ir ou vou chegar atrasado! Mando mensagem assim que chegar em casa, te amo. — Deixou um beijo rápido na bochecha gélida (provavelmente por causa da guloseima gelada) de Junpei e correu, saltando na calçada em segundos e desviando do enorme tráfego de pessoas, são 17 horas e 52 minutos, adicione mais 8 minutos e será uma missão impossível andar sem esbarrar em alguém, afinal, é a hora do rush de Tóquio.
Atravessa a avenida às pressas, pulando na frente dos carros e mostrando o dedo do meio para os motoristas irritados, passou pelo pequeno parque de está cheio de criança, contornando-o pelo caminho mais longo (não quer acidentalmente esbarrar em um pirralho) e acelerou ainda mais o passo quando o relógio despertou, indicando menos de cinco minutos para o início da aula. Droga. Hoje não é o seu dia.
Chegou ao destino pretendido com dois minutos de atraso, o prédio pequeno e apertado entre os demais edifícios espelhados do centro se destaca pelo jogo de cores sensuais da fachada, preto, vermelho e dourado. O designer realmente era bom. Respirando em baforadas pesadas, empurrou a porta e entrou, sendo agradavelmente recepcionado pelo ar frio do ar-condicionado potente. Gostaria de ficar parado como uma planta, exatamente nesse lugar, mas precisa correr se não quiser adicionar mais minutos angustiantes de atraso e consequentemente, perder a cabeça e mais alguns membros no caminho.
Subiu as escadas correndo (novamente) suas pernas tremem igual gelatina, e ao chegar no topo, descansou as mãos nos joelhos, sentindo o suor escorrer pelas costas. 5 minutos de atraso, esse é o total. Inspirou, voltando a postura anterior, esticando a coluna com alongamentos rápidos.
— Atrasado. — Uma das meninas apontou, e Yuuji gostaria muito que ela dissesse uma novidade, porque ele sabe que está atrasado, tem um celular (assim como todo cidadão moderno), obrigado.
Absteve-se de responder, apenas ofereceu um sorriso pequeno e claramente forçado, e foi trocar de roupa no banheiro. As cabines estão vazias, geralmente as meninas ou meninos, não as usam se pretendem apenas trocar de roupa, é comum que vejam fiquem seminus no mesmo cômodo e não sintam um mínimo de vergonha, seus corpos são torneados e com as curvas certas, carne bem distribuída e proporcional, o que é o contrário no caso de Yuuji com sua bunda enorme e redonda (parecem duas melancias), e os peitos (incomuns! Aberrações!!) em um ômega masculino, por este motivo, prefere se esconder nas cabines e se trocar separadamente.
Tirou a calça escolar dobrando-a em um pacote pequeno, fez o mesmo com a blusa social e moletom, caçando o short curto de compressão no fundo da mochila e vestindo-o, substituiu o sutiã de renda (é tão confortável) por um top super apertado que deixem seus peitos achatados e rentes ao corpo, quase imperceptíveis, prendeu a trança em um coque baixo e guardou a touca de tricô. Ainda revela muito do próprio corpo, mas aqui não há ninguém apontando o dedo e dizendo o quão vulgar é o tamanho da sua bunda, ou como parece está implorando para ser estuprado (sim, muitos ômegas diziam isso na escola), seus companheiros de treino vem de uma vida duvidosa ou estão aqui justamente porque não se importam com a opinião da sociedade. Ninguém julga ninguém, entretanto, ainda que tenha pleno conhecimento disso, sente-se temeroso. Só ficou pelado na frente de três pessoas a vida inteira (desde que saiu da infância), e essas são Mahito, o tio e Junpei, os dois últimos foram em situações necessárias e o primeiro, bem, não tinha escolha, quem faz sexo vestido?
Saiu da cabine arrastando a mochila escolar feia e velha, usa a coitado desde o primeiro ano, deu uma rápida olhada no próprio reflexo do espelho e seguiu em frente, jogando a mochila no canto mais vazio da parede. Voltou ao salão e avistou todos em seus devidos pontos, passou por trás de uma das meninas discretamente, aproveitando que a instrutora estava observando o papel em mãos e iniciou o alongamento.
Mei-Mei é uma alfa feminina adulta do tipo b, ou seja, dominante, mas não é nada similar aos alfas dominantes que conhece (e teve o desprazer de conhecer). Sua beleza é ofuscante e atraente, a essência feminina ainda está em suas veias, mas é inegável que ela tem um pau grande e grosso entre as pernas, alguns desavisados (alfas) podem tentar a sorte e obterem sucesso, mas que fique claro: Mei-Mei é a única que estará comendo. Ela odeia que deduzem erroneamente que por ter características femininas automaticamente há uma vagina molhada esperando por um pau. Infelizmente, ainda é comum que vejam mulheres como sinônimo do gênero omega - embora, ômegas masculinos sejam os mais cobiçados para relacionamentos a longo prazo.
O gênero alfa feminino é novo, o último que surgiu, portanto, elas sofrem tanta repreensão da sociedade quanto os ômegas.
Conheceu-a aqui na escola de dança, o estabelecimento é um empreendimento conjunto, ensinam pole dance, balé clássico e contemporâneo e Breakdance, Yuuji passou por todos esses e estabeleceu-se fixamente no pole dance e Break Dance, acha-os divertido. Claro, inicialmente sentia os ossos estalarem e as articulações protestarem devido as flexões repetitivas, mas depois de um tempo (um longo tempo) a dança passou a ser tão libertadora quanto a música. A influência de Mei Mei com certeza foi de grande importância, conhecê-la trouxe uma nova visão sobre o mundo adulto, em especial, voltado a prostituição e vulgaridades que todos tem, mas tentam esconder a todo custo.
Yuuji naturalmente é uma pessoa amável e dócil, sem maldade no coração e com intenções genuínas, tanto que pensou inicialmente não ter um lado obscuro espreitando às cegas, Mei-Mei mostrou-o que estava enganado. Aprender a arte da sedução, usando o próprio corpo para conseguir o que deseja, manipulando os movimentos, olhares, sorrisos e os mais pequenos detalhes que geralmente passam despercebidos, não foi uma tarefa fácil, mas depois de três anos convivendo com ômegas das categorias mais baixas (segundo a comunidade tradicional) passou a ser tão natural quanto respirar. É assustador o quanto consegue intercalar entre um e outro sem esforço, Mei-Mei diz que nasceu abençoado, e que todos os ômegas tem potencial para ganharem rios de dinheiro (só precisam serem espertos).
Pensou que ela era uma acompanhante de luxo (há muito disso fora no continente asiático), mas não, Mei-Mei sempre foi uma amante da vida noturna de Tóquio e principalmente uma gênia em fazer dinheiro. Aos dezoito anos ela abriu seu próprio negócio, uma escola de pole dance durante o dia e a noite, um clube de stripes sexys. O negócio é bom, rende milhões ao ano e recentemente vem sendo expandido para áreas distantes de Tóquio (e talvez do Japão), nenhum dos dançarinos são forçados a nada, uns gostam de usar os quartos privativos (vendedores do sexo) ou podem entrar em quartos privativos para shows particulares (sem sexo), eles escolhem o que fazer quando assinam o contrato, apesar disso, a segurança é de ponta e raramente acontece acidentes indesejados.
Poderia facilmente ser recrutado como um dos garotos stripes, Mei-Mei tem uma fixação (quase doentia) pelo seu corpo, ela adora dar tapas e bons apertos em sua bunda, cheirar o seu pescoço e anseia tocar seus peitos (nunca deu permissão para isso), não é assédio se permite esses toques, certo? E não é como se ela distribuísse tapas em sua bunda em lugares e momentos aleatórios (e impróprios), funciona mais como uma verificação de que é um bom sedutor (como todas as stripes devem ser), um estudo analítico onde permite haver contato físico. Saber que Mei-Mei não está realmente interessada em transar deixa-o à vontade, o cheiro forte de whisky (os feromônios dela) são, surpreendentemente, calmantes e trazem a sensação de que compartilham segredos sujos que ninguém mais sabe, possuem uma conexão estranha, sem dúvidas. O tio odeia essa relação, ele continuará batendo na tecla de que está sendo importunado sexualmente e que deveria procurar uma nova escola de dança, esquecendo-se de quem foi o único a matriculá-lo aqui.
Não vai mudar. Sente-se bem, longe de olhares julgadores e comentários obscenos (que não são nada engraçados!).
Concluiu o alongamento e pôs-se a treinar os movimentos de giros circulares no topo da barra, não precisa necessariamente vir às aulas todos os dias, é um aprendiz rápido (quando o assunto é usar o corpo) e sabe tudo sobre pole dance e movimentos sexys, eróticos e quentes, prática desde os treze anos e recebeu ótimas dicas de Mei Mei e das garotas. Contudo, gosta de vir e ficar entre as novatas, e os dias que o instrutor beta (que infelizmente o adora) não vem são os melhores. Significa que é liberto de realizar execuções malucas para as quais não está preparado apenas porque precisam de uma boa demonstração.
A música de ritmo exótico e lento toca no alto-falante, enchendo a sala e sobrepondo as conversas afiadas dos alunos, é o momento perfeito para fechar os olhos e girar, girar e girar, deixar e se perder no mundo da lua. Os músculos costumavam doer e se desprender facilmente do metal antes, agora sente-se o homem aranha, escalando a barra de cima para baixo, suportando o peso do corpo apenas com uma coxa ou braço e nunca se cansando disso. É bom. Fica melhor quando imagina estar apresentando-se em um palco onde todas as luzes estão focadas em seu corpo, dança sensualmente e escuta aplausos, assobios e elogios, pode sentir seus olhos desejosos e intenções maliciosas, inveja e raiva. Rir internamente, sabendo o quanto seria atacado caso fizesse algo parecido (como o Killer Cat), também não tem coragem de revolucionar a carreira desse jeito.
O problema não é timidez e vergonha, ser tímido nunca foi o seu forte, contudo, anos de bullying fizeram sua autoconfiança ser uma merda, especificamente no que diz respeito à aparência física, a semelhança com Jin e Sukuna podem contar como um ponto negativo também. Acha que seria muito melhor parecer com Kaori, então poderia ser ligado a imagem do tio Kenjaku, mas ninguém olha entre eles e dizem ser parentes. Não compartilham nada. Absolutamente nada. É meio frustrante, mas supõe que não há o que fazer.
Bufou, colocando-se de cabeça para baixo e abrindo as pernas no ar em um ângulo perfeito de cento e oitenta graus, segurando-se somente com os braços. Flexibilidade tem de sobra, e parece que todos ficam excitados com este fato, Mahito adorava dobrá-lo ao meio e Mei-Mei diz que deveria investir em alongamentos recorrentes, a fim de continuar trabalhando na elasticidade do seu corpo, Todo por outro lado, fica terrível assustado e implica que Yuuji tem uma malformação óssea, cutucando-o nas costelas para provar que todos os ossos estão no devido lugar. Faz quatro anos e ele insiste que tem costelas a menos (porque não há como ter uma cintura tão fina caso o contrário), tentou explicar que existem corsets e que o uso constante deles remodela o abdômen, deixando a cintura realmente mais fina, Todo permanece cético e se recusa a acreditar.
Infelizmente, nesse caso, está de mãos atadas.
Muda de posição vagarosamente, novamente girando na barra e acompanhando o ritmo da música. Fica preso nesse ciclo por longos e longos minutos, até perceber que passaram-se mais de cinco músicas e a maioria dos alunos estão indo embora. Deve ser tarde, não quer ir embora. Faz careta, observando a movimentação do salão, sem forças para descer da barra.
Poderia ficar até meia noite, tem uma cópia da chave, entretanto, o toque de recolher é no máximo às dez da noite, não precisa ficar de castigo agora, não quando precisa sair na sexta-feira a noite e possivelmente dormir na casa de Junpei. Persuadir o vovô a estender o horário de entrada é utópico, algo que nunca vai acontecer, e ele é o único capaz de resistir aos seus olhinhos de gatinhos e batida inocente de cílios (até o tio não é imune aos seus encantos, embora gosta de fingir que seja), então é melhor andar na linha.
Desliza da barra pousando no chão suavemente, Mei Mei está fora de vista, o que é uma pena (ou não, levando em conta que receberia um puxão de orelha pelo atraso), atravessa o salão e vai até o banheiro, pegando a mochila e procurando uma camisa enorme de numeração alfa, sempre leva uma dentro da bolsa como reserva, vestiu-se e saiu do banheiro, ignorando os fios de cabelo rebeldes espetados no ar depois que soltou a trança.
Verificou a hora no celular uma última vez e concluiu que têm tempo de sobra para chegar na casa de Jin antes do toque de recolher, guardou-o no bolso externo da mochila e jogou-a nas costas, seguindo pelo corredor largo e pouco movimentado. Estava prestes a descer as escadas na direção do primeiro piso quando escutou alguém chamando seu nome.
— Yuuji? — Virou o pescoço e avistou Nobara, uma ômega dominante que é instrutora de balé, mas ganha a vida verdadeiramente como striper em um dos vários estabelecimentos da Mei-Mei. — Já está indo? — Emendou, desconfiada. É completamente aceitável que vá embora depois da meia noite, mas fora do comum sair antes das onze.
— Ah, sim, acabei de me mudar e agora tenho que cumprir com o toque de recolher. — Explicou, embora não tenha obrigação de esclarecer nada. Nobara não fez questão de esconder o desgosto no rosto, ela é como um livro aberto, todas as suas emoções são fortes e explícitas, às vezes, muito intensas para lidar.
— Nossa, que merda. — Murmurou baixinho. — E como pretende manter o aquele lance em segredo? — Ao falar de "aquele lance", ele está se referindo a vida dupla como cidadão normal e o Killer Cat.
— Ainda estou pensando nisso, posso precisar de um tempo. — Admitiu, oferecendo um sorriso pequeno. Nobara encolheu os ombros, caminhando até ele e descendo as escadas primeiro. — Como você está? — Mudou de assunto, consciente de que há alunos e professores rondando o prédio ainda, descendo as escadas logo atrás.
— Bem, eu acho? Me pergunto todos os dias porque preciso de um curso universitário. Acredita que o professor assediador teve a audácia de me excluir das atividades extracurriculares porque me recusei a transar com ele? — Perguntou, fervendo de raiva. — Tenho vontade de estrangulá-lo com minhas próprias mãos e depois queimar aquele corpo nojento. — Gesticulou uma ação de estrangulamento com as mãos, reparou que as unhas estão pintadas de vermelho.
— Sinto muito, infelizmente precisamos lidar com esses tipos todos os dias. — Nobara bufou, mantendo o olhar indignado no rosto. Sorriu suavemente, conhece melhor do que ninguém o desconforto de assédios, tanto morais quanto sexuais. — Suponho que é um acontecimento recente? — Ela acenou.
— Menos de duas semanas. — Confessou. Terminaram de descer as escadas e atravessaram o saguão, passando por Ui-Ui o irmão mais novo da Mei-Mei. Ofereceu um aceno de mão, que ele retribuiu preguiçosamente, sem tirar os olhos do celular (sem dúvidas jogando free fire). — Bem, que seja, vou arrumar um jeito de me vingar dele. — Deu de ombros, e Yuuji a conhece o bastante para realmente ter um pouquinho (bem pouquinho) de pena do tal professor. Nobara pode ser maligna quando quer.
— Boa sorte. — Disse simplesmente, fechando a porta de vidro e saindo na rua. O vento frio sopra em suas pernas e coxas nuas, provocando arrepios involuntários, ainda não está frio, mas sempre foi um tanto sensível e provavelmente deve começar a usar máscara e trazer moletons quentes.
— Obrigada. — Agradeceu, de nariz em pé. — Você terá algum compromisso sábado à noite? — Pensou um pouco antes de responder, e Nobara parou o passo para ficarem lado a lado ao atravessarem a avenida.
— Acho que não… por que? — Ela pescou um cartão no bolso da mini saia plissada e entregou na sua mão, pegou rapidamente, trazendo-o para perto do olhos a fim de enxergar bem as letras minúsculas.
— Aparentemente, Miwa-chan vai faltar esse final de semana, algo sobre um encontro com sua alma gêmea. Na verdade, nem sabemos se ela vai continuar no negócio, você sabe, alfas são idiotas e possessivos, pensam que somos propriedade deles. — Tagarelou, cheia de desdém e revirando os olhos várias vezes durante a fala. O sinal ficou verde e atravessaram a rua lado a lado. Logicamente, ninguém está surpreso, Miwa nunca gostou do trabalho, estava ali apenas por necessidade e agora que tem a chance de ir embora, não pensaria duas vezes. Yuuji nunca pensou em abdicar da sua liberdade por uma alma gêmea, talvez porque foi traumatizada justamente na época em que os adolescentes começam com esses sonhos ridículos. — Iremos precisar de um substituto, Mei-Mei-San gostaria que fosse você, já que estaremos recebendo clientes exigentes neste sábado. — Acrescentou, enquanto desciam as escadas que levam a estação subterrânea de metrô.
— Ah… — Foi tudo o que respondeu, sentindo o estômago revirar ansiosamente. — Não sei se é uma boa ideia. — Sorriu sem graça, guardando o cartão no bolso do short de compressão.
— E por que não seria? Você é o melhor striper que conheço além da Mei-Mei-san, não sei porque insiste em esconder o corpo. — Ela soltou um suspiro frustrado, — Se eu tivesse esse corpo, estaria faturando milhões todas as noites. — Desviou os olhos, encarando o chão enquanto andava. Gostaria de ter metade da confiança de Nobara.
— Você está me superestimando, Nobara-san. — Disse, em um tom envergonhado.
— Besteira, não sou de elogiar alguém que não merece. Eu digo o que quero dizer porque é a realidade. — Rebateu, abanando as mãos em sinal de pouco caso. — Se você aceitasse, estaria nos salvando, mas não é uma obrigação. Podemos procurar outro, claro, nenhum vai ser gostoso como você, mas iremos tentar. — Explicou.
— Entendo. — Murmurou baixo, respirando fundo. Não é a primeira vez que recebe uma proposta como essa, Mei-Mei tentou arrastá-lo para a boate incontáveis vezes, ela está pouco se fodendo para política de idade, o salário é gordo e rentável, mas além de faltar autoconfiança, não tem tempo. O tio jamais iria aceitar, também. — Prometo que irei pensar com carinho. — Disse, oferecendo um pequeno sorriso. Nobara revirou os olhos, soltando um irritado "Tsk".
— Diga-me algo até sexta-feira, okay? — Pediu, encarando-o em busca de uma confirmação.
— Certo, farei isso. — Ela acenou, sorrindo minimamente.
— Então, tenho desenhos que talvez você goste. — Sugeriu, entortando um pouco o pescoço e fazendo o cabelo castanho ir junto, a franga desprendendo-se de trás da orelha e soltando alguns fios na frente do rosto, um sorriso cheio de segundas intenções surgiu nos seus lábios cobertos de gloss.
— Hum… estou correto em pensar que é igual aos outros? — Levantou uma sobrancelha, falando um tanto inseguro. O sorriso de Nobara cresceu, ficando cheio de dentes (brancos e alinhados). — Não uso esse tipo de coisa, nem tente. — Advertiu, passando o cartão estudantil e empurrando a catraca de metal, Nobara imita seus movimentos, sem perder o ritmo da caminhada.
— Ah, vamos lá, o seu show precisa de novas cores, uma nova era! — Insistiu. Yuuji respirou fundo, pela milésima vez no dia, e continuou andando. — Pelo menos veja, tenho certeza que irá se apaixonar por eles, me esforcei tanto só para fazer um figurino perfeito para você. — Parou-o, ficando na sua frente. Acontece que Nobara é uma estudante universitária de moda, tem dezenove anos e é uma fã do Killer Cat, infelizmente (ou felizmente) também é amiga do Yuuji e Junpei, e deve acrescentar, deixando em destaque o fato dela ser completamente louca.
E claro, também implica com o tio Kenjaku.
— Não. — Foi breve e sem emoção, contornando-a e voltando a caminhar. Já estiverem nesse assunto um milhão de vezes, ela deveria saber que não vai mudar de ideia.
— Não vai nem ver? — Perguntou, fingindo tristeza.
— Não quero. — Respondeu e Nobara bufou.
— Você é tão chato! — Bateu o pé, acompanhando-o de perto. — Nem são tão extravagantes quanto as antigas, estou cansada de montar looks de menino trevoso das trevas. — Reclamou. Olhou-a de canto, se perguntando mentalmente se está se vestido como um emo. Espera que não. — Precisamos de cores! Por favor, me escute pelo menos uma vez. — Pararam na frente da linha de segurança, a essa hora, a movimentação do metrô é menos intensa e existem pouquíssimas pessoas na estação.
— Envie-me por email, prometo que irei olhar. — Cedeu, querendo ser deixado em paz (pelo menos nesse quesito). — Ainda não tenho o novo projeto pronto, então posso demorar para dar um feedback. — Avisou seriamente, e Nobara acenou ansiosa.
— Claro, só quero que você saiba que vermelho é a sua cor. — Estudou o sorriso brilhante no rosto dele, os olhos enrugados nas bordas, quase fechados. Sempre soube, mas Nobara é bonita. Muito bonita.
— Algo me diz que você tem planos malignos. — Comentou, finalmente escutando o barulho do trem se aproximar.
— E eu digo que você é apenas paranóico. — Continuou sorrindo, — Bobinho. — Deu um peteleco na sua testa.
— Ei! Não faça isso! — Reclamou, levando a mão no lugar que foi atingido. Nobara apenas riu, satisfeita com algo que desconhece, e honestamente, acha que prefere continuar assim.
— Certo, meu trem chegou. — Tirou o sorriso do rosto, quase correndo para dentro do vagão praticamente vazio. — Conto com você no sábado, tchauzinho. — Não esperou uma resposta, adentrando mais ainda e sentando no assento distante da porta.
Quando concordou em ir?
Balança a cabeça, espantando o pensamento, mesmo que Nobara diga a Mei-Mei que conseguiu um substituto de última hora e essa pessoa é o Yuuji, Mei-Mei vai ligar ou mandar uma mensagem de confirmação. O trem partiu segundos depois, e retribuiu o aceno de mão com um pequenino sorriso de despedida no rosto.
Nobara é uma garota de personalidade forte e obstinada, nunca teve problemas em lidar com ela, visto que é o poço da paciência e pode lidar com qualquer estilo de personalidade agradavelmente. Conheceu-a na aula de balé, quando tinha doze anos e odiava tudo sobre si mesmo, odiava Jin a família perfeitinha dele, odiava Sukuna por trocá-lo facilmente e odiava, acima de tudo, o mundo por ser tão injusto. Nobara nunca foi a pessoa mais madura de todos, sendo apenas dois anos mais velha, ela tinha somente quinze anos e estava enfrentando os próprios problemas. Entretanto, uma pequena (e estúpida) discussão entre eles mudou a maneira como viam um ao outro.
Enquanto Yuuji estava depressivo por causa do bullying excessivo na escola e o assédio dos alfas na rua sob sua bunda, Nobara o invejava, porque segundo ela, "ter a bunda enorme é um privilégio". O motivo do desentendimento veio da frase: "eu nem queria está aqui" da parte de Yuuji, o que não foi dito com nenhum mentira ou sarcasmo, mas irritou Nobara do mesmo jeito e ela disse que: "tem razão, você deveria ir para aula de pole dance, balé não serve para vadias da bunda grande."
Não era para doer, mas doeu, e Yuuji chorou. No dia seguinte, seguiu o conselho dela e se inscreveu na aula de pole dance, sob instrução da Mei-Mei, Nobara aparentemente se sentiu mal por expulsar uma criança do curso e pediu desculpas, oferecendo-se para comprar guloseimas depois do treino. E assim, começaram a conversar e praticar juntos.
Naturalmente, devido à curta diferença de idade, não estava tão próximo dela quanto de Junpei, mas conseguiram fazer a amizade funcionar e às vezes marcam encontros a três.
Como estudante de moda, Nobara é uma ótima estilista e geralmente monta os looks do Killer Cat do zero, comprando tecido e costurando, obviamente ela está sendo paga para isso, apesar dos protestos do tio. O defeito? Alguns modelos de roupas são… sensuais demais. Sim, as músicas que canta são sensuais, falam sobre sexo, afinal. Mas mostrar o corpo tão abertamente? Não se sente preparado para algo tão extremo. Junpei entende e nunca o pressiona, supostamente ele notou seu desconforto ao saber o tipo de campanha que estará fazendo com Yuki. Nobara não o força, mas ainda continua enchendo-o com desenhos e fotos sugestivas.
Sabe que não tem corpo feio, cresceu e emagreceu, a bunda não está tão gorda quanto antes (embora permaneça grande), tem o abdômen seco e músculos definidos, entretanto, falta confiança. Talvez tenha medo das palavras que tanto o atormentaram na pré adolescência voltarem? Decerto que sim.
Deveria superar e esquecer o que aconteceu e como foi perseguido, mas não é tão fácil quanto parece, não quando ainda é assombrado por pesadelos.
Ficar trancado por horas dentro do armário de limpeza não é nada legal. Horas? Não, na verdade ninguém o descobriu até a tarde do dia seguinte.
Os fotoshophins do seu rosto no corpo de uma atriz porno colados na porta da escola e exibido no slide do primeiro dia de aula, para todos os estudantes verem, foi cúmulo da humilhação. Para piorar, o vídeo rodou por mais de cinco minutos sem que ninguém conseguisse tirá-lo da transmissão.
Então não, não é tão fácil assim superar o pesadelo que foi o ensino fundamental e enxergar o próprio corpo com algo bonito ou uma benção, ele na verdade, foi uma maldição a maior parte da sua vida.
Compreende que Nobara tem boas intenções, entretanto, ainda não se sente pronto.
Deu um passo à frente ao escutar o barulho do trem se aproximando, e para o primeiro passo na direção da cura, dançar em uma boate striper não é um tanto extremo demais? Ela aparentemente usa menos neurônios que ele, é raro encontrar alguém tão burro. O trem pára e as portas do vagão se abrem, não perde tempo e entra logo, sentando no primeiro assento que vê. Tem apenas duas pessoas, ambas ouvindo músicas e quase dormindo.
Franze a testa, tirando a mochila das costas e trazendo-a para o colo, sente o celular vibrar no bolso, mas não está afim de responder a ninguém no momento. A viagem de trem começa, é calma e rápida, contabilizando menos de doze minutos.
Já na entrada no bairro residencial, decide passar em uma padaria que milagrosamente está aberta a esta hora da noite e compra um suco de maracujá sem açúcar, vai ajudar a dormir, ignorando os salgados e doces de aparência maravilhosa nas vitrines. Quando pensa em comer gordura (ou porcarias, como o tio Kenjaku diz), lembra-se que corre o risco de fazer uma dieta a base de frutas e o desejo vai embora rapidinho. Também, não é como se seu estômago conseguisse segurar alimentos pesados.
Saiu da padaria, bebericando o copo enorme de suco despreocupadamente, arrastando os passos pela calçada. A noite está fresca, o faz lembrar da viagem ao Canadá para uma premiação, passou horas brincando na neve com Junpei e o tio Kenjaku, foi divertido e gostaria de repetir, (caso não pegasse uma gripe forte novamente). Levará mais algumas semanas para a neve cair em Tóquio, talvez daqui a um mês e três semanas, entre dezembro e janeiro, quando o inverno é mais pesado. Entretanto, não é todo ano que neva.
É melhor não ter muitas esperanças em relação a brincar na neve, não com Junpei e o tio, a relação deles vem piorando mais a cada dia. Supõe que deve conversar com eles separadamente e tentar entender o que diabos está acontecendo. Nobara, apesar de toda sua implicância, não é uma ameaça, ela está com eles em poucas ocasiões então a quase nenhuma oportunidades para desentendimentos.
Bem, espera que haja neve este ano, vai aproveitá-la mesmo que sozinho.
Jogou o copo enorme de quinhentos mls no lixeiro da rua e andou mais duas esquinas, virando a esquerda e infelizmente, tendo a casa da família Itadori-Fushiguro dentro do campo de visão. Arrastou ainda mais os passos, subindo na calçada e batendo os pés no capacho para dispensar o mínimo de sujeira da sola do tênis, antes que abrisse a porta, ela abriu-se e Choso apareceu na sua frente. Ele não disse nada, mas Yuuji não é idiota, qualquer um perceberia o olhar analítico que seu corpo recebeu dos pés a cabeça.
Agora, está sendo julgado por usar shorts curtos e uma camisa enorme? Deveria colocar uma calça e não mostrar as pernas?
— Seu pijama é horrível. — Quebrou o silêncio, e isso pareceu despertar Choso do transe. Ele pulou para o lado, dando espaço para entrar.
— ah… é o meu favorito. — Disse, debilmente. Encarou a estampada de patos amarelos e só conseguiu pensar: grotesco, mas incrivelmente fofo. Talvez, conseguisse dar um elogio de fosse outro alfa usando o maldito pijama. — Você adorava patinhos, passava horas brincando com eles na banheira. — Comentou, fechando a porta depois que Yuuji passou.
Espera, ele correu para recebê-lo na porta como um cachorrinho fiel ao dono?
— Se estivesse presente, você saberia que eu os joguei no lixo. Me davam pesadelo. — Revelou, sem expressar nenhuma emoção. Tirou os tênis, e entrou na sala, infelizmente, encontrando Toji, Sukuna e Tsumiki assistindo o noticiário. Não sabe o porquê, mas tem a sensação de que isso foi premeditado.
— Bem-vindo ao lar, Yuuji-chan! — Tsumiki gorjeou alegremente, tirando os olhos da tv e abrindo um sorriso de rasgar o rosto.
— Ei, pirralho. — Sukuna levantou uma mão, mas não tirou a atenção do celular. E Toji…
— Está frio lá fora, deveria usar roupas mais pesadas para não pegar um resfriado. — Disse, com uma leve carranca no rosto, provavelmente, tendo pensamentos desagradáveis. — Ou pode simplesmente me pedir para buscá-lo. — Concluiu, como se isso fosse uma idéia maravilhosa, até a carranca feia suavizou.
Piscou, se perguntando o que essas pessoas têm na cabeça. Não deixou claro que quer ficar o mais longe possível desse infeliz??! Porque todo esse teatro idiota, preocupações bestas, quando estavam muito ocupados com suas almas gêmeas e próprias vidas por sete anos?
— Estava pensando a mesma coisa, Toji-san. — Choso concordou em um tom sombrio, fazendo Sukuna levantar a cabeça e também olhá-lo, sendo muito menos discreto em esconder as presas afiadas dentro da boca. Inconscientemente deu um passo para trás, colidindo com o peito duro e musculoso (quando ele ganhou músculos?) de Choso.
— Realmente está ficando frio, é perigoso que pegue um resfriado. — Há um rosnado baixo escapando por entre essas palavras. Qual o problema dessas pessoas?! Sente o coração acelerar dentro do peito, é como se estivesse prestes a ter a garganta dilacerada. Seu estômago embrulha e dói. As mãos pesadas e macias de Choso seguram seus ombros, encolhe-os instantemente, dando passos para o lado e se afastando do toque indesejado.
Não parece tão caloroso quanto era na infância.
— Eu e Sukuna sempre estaremos disponíveis nesse horário. — Choso ofereceu, escondendo o desapontamento por Yuuji ter se afastado tão rapidamente.
— Oh, Yuuji-chan acabou de chegar, pai. — Escutou a voz de Megumi no final do cômodo, olhou na direção dele e o encontrou na entrada da cozinha. Pai?
Jin surgiu atrás dele, com um sorriso enorme e brilhante, e bagunçou seu cabelo negro já tão espetado, carinhosamente.
Do jeito que fazia com Yuuji.
— Bem-vindo ao lar, Yuuji. Estávamos todos esperando por você para jantarmos. — O que??? Jantar? Sempre pula o jantar, e certamente, se comer agora vai vomitar.
— Eu já comi. — Mentiu facilmente, escapou da sua língua como se estivesse dizendo a verdade. Mas ei, não está realmente mentindo, tomou um suco a pouquíssimo tempo, certo? Tem o estômago cheio até amanhã à noite.
— O que? — Sukuna perguntou, olhando-o como se não acreditasse.
— Onde? — Choso completou, desconfiado (ou preocupado?)
— Não deve sair comendo comida de rua, não é muito higiênico, e se prejudicar o seu estômago?! — Poderia retrucar, mas essa é a primeira vez que vê Tsumiki falando tanto.
— Tsumiki tem razão, além de que não é saudável substituir uma refeição completa por lanches de rua. — Toji o repreendeu severamente.
— Fizemos salada, é apenas folhas e frango, baixo teor de açúcar e tem suco de maracujá. — Novamente, olhou para Megumi, que sorri simpaticamente, mesmo que seja quase imperceptível. As mãos de Jin apertam seus ombros, encorajando-o.
— Sim, Megumi-chan insistiu em fazer uma salada especial para você. — Disse orgulhosamente.
Quando foi que Jin ficou orgulhoso por Yuuji? Provavelmente, nunca. Mal lembra do rosto dele nas apresentações da escola, nunca cozinharam juntos. E nunca nesses sete anos recebeu um parabéns por algo, era sempre críticas e reclamações. Mas é tão fácil para Megumi receber um sorriso orgulhoso e toques encorajadores.
Bem, essa é a diferença entre eles. Certo?
— Boa sorte na próxima. — Foi tudo o que conseguiu dizer, muito ocupado em manter o conteúdo que ingeriu durante o dia dentro do estômago. Tentou passar por Choso, mas foi barrado, ele segurou seus ombros com ambas as mãos e olhou-o diretamente nos olhos. Olhos escuros e profundos, como os do tio Kenjaku, mas ainda tão diferentes.
— Qual o problema? Fizemos algo de errado?! — Perguntou, a expressão de preocupação em seu rosto só consegue deixar Yuuji ainda mais enjoado. Algo está errado? Parece piada perguntar isso, ele deveria ter vergonha.
— Me solte! — Pediu, dando um tapa do seu braço, mas ele não se moveu. Seu estômago rola e o frio desconfortável sobe pela espinha, concentrando na caixa torácica e pulmões, trazendo a sensação de afogamento.
— Yuuji, você precisa comer… Megumi nos contou que você passou o dia inteiro sem comer nada na escola, isso não é saudável! — Insistiu, afundando os dedos nos seus ombros. O toque queima, dói, não é caloroso. Não é Junpei. Não é o tio Kenjaku, muito menos Mahito ou Nobara. Tenta se afastar novamente, sentindo o coração bater descontroladamente como um tambor, forte, poderia ouvi-lo a quilômetros de distância. Eles podem ouvi-lo também?
Espere, Magumi disse o quê?
Desviou os olhos de Choso e encontrou o rosto de Megumi, ele parece em conflito, como se se sentisse culpado. Fofoqueiro.
— Entende que estamos preocupados? Queremos genuinamente te ajudar. — Sua voz é muito alta. Ajudá-lo? Tudo o que estão fazendo é provocar esse sentimento horrível no seu estômago, fazendo afogar-se nas próprias emoções descontroladas.
— Tire suas mãos nojentas de mim, alfa imundo. — Murmurou pausadamente, conjurando forças do além para não deixar transparecer o tom cansado na voz. Está ofegante. Choso arregalou os olhos, finalmente se afastando, seu toque ainda queima desagradavelmente.
— Yuuji, querido… — Interrompeu.
— Não me chame de querido, sua vadia desgraçada! — Calou Jin imediatamente, olhando-o feio. — Pegue todo esse seu esforço idiota e foda-se! Não vou comer porcaria nenhuma, cuidem da própria vida, o tio Kenjaku faz muito bem o papel de pai que você não se deu o trabalho de fazer, eu não preciso de você agora. — Cuspiu rispidamente, e no fundo, sentiu-se mal pela expressão quebrada no rosto de Jin, e medo pelo cheiro raivoso dos alfas.
Não esperou mais implicações, contornou Choso e subiu as escadas pisando duro, apesar de apenas querer passar pela porta da frente não voltar aqui nunca mais. Escondeu-se no banheiro, o único lugar que não precisa compartilhar com ninguem (até que batam a porta), e sentou no chão frio do box ainda vestido nas roupas do treino, ligando o chuveiro e deixando a água gelada cair em jatos grossos sob a sua cabeça.
Precisa se acalmar.
Disse a si mesmo, trazendo os joelhos para junto do peito e escondendo o rosto entre eles. Dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fora. O tio disse que respirar ajudaria, mas nem sempre funciona. Às vezes, precisa se machucar, precisa puxar o cabelo ou arranhar as pernas, alguma coisa que o destruía da sensação horrível que toma cada vez mais espaço no seu estômago.
Precisa sentir dor. Onde está o Mahito nessas horas? Ele é o único que estava disposto a bater forte, a beliscar e morder, o único que aliviava a dor. Repete e repete o mantra, respira, dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fora. Nada acontece. Sente-se sem ar, finalmente vai morrer? Vai morrer sem finalizar o álbum que ainda nem nomeou? Espere, por favor espere.
Sim, sabe que já tentou suicídio muitas vezes, droga! Foram cinco vezes apenas no início do ano, mas na verdade não quer morrer, ainda não, por favor, deixe-o aqui um pouco mais. Ainda quer realizar todos os sonhos de Junpei, Nobara, tia Nagi e tio Kenjaku, prometeu ao vovô que faria terapia. Não quer morrer ainda. Respire! Apenas respire! Dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fora. Dentro e fo…. DROGA! Essa merda não funciona.
Nada funciona. Vai morrer sozinho? Não quer morrer. Por favor, ainda não. Mas se morrer será melhor… não vai mais sentir dor. Sem dor. Mas também não vai ver Junpei novamente. Desesperadamente arranhou o próprio peito, quer arrancar esse aperto, tirar a dor, quer viver mais um pouco. Respire. Se acalme. Arranha e arranha, há sangue na ponta das suas unhas, mas sua carne está entorpecida, a dor no peito não consegue se sobressair.
Vai morrer…
Não quer morrer.
— Yuuji!!! — Há batidas fortes na porta, ela parece tremer sob os socos violentos, a voz é alta demais. Dói. — Yuujiiii! — Chama novamente, choraminga, encolhendo-se ainda mais. Dói. Dói. Dói.
— Meu pequeno rolinho de canela, sou eu, o vovô… — Vovô? O vovô está aqui? Vovô Wasake? Ajuda! Choraminga, onde está o vovô? Não consegue vê-lo! — Pode me ouvir? Preciso que você destranque a porta. — Pediu, agora com a voz calma e suave. Tirou a cabeça do meio dos joelhos, a porta… disse para destrancar a porta. Mas ela parece tão longe.
— Vamos, você consegue, eu sei que consegue. — Realmente? Realmente consegue? Quer ajuda, não quer morrer, mas não tem forças. Não tem forças para lutar, não mais. — Acredito em você, Yuuji, sempre acreditei. Você nunca vai me decepcionar, nem mesmo se tentasse. — vovô… — Destranque a porta, amor…
Vagarosamente se desprende do emaranhado de membros no qual se enrolou, todos seus movimentos doem, são pesados, não consegue respirar, dói. A porta é tão longe.
— Você consegue… — Choramingou, arrastando-se pelo chão, ainda é tão longe. — Só mais um pouquinho, você está quase lá, meu rolinho de canela é tão forte, logo logo estaremos juntos… — Juntos. Sim, envolvido no abraço forte do vovô. Ele fará isso passar, certo? Ele vai espantar a dor e protegê-lo, certo? Vovô, por favor, não vá embora
Não vá embora como todo mundo.
— Isso… só mais um pouquinho… — Quando finalmente destrancou a porta, deslizou de volta no chão molhado, e segundos depois o vovô pegou-o nos braços. — Shiii, eu peguei você, eu tenho você. Estou orgulhoso, meu bebê é tão corajoso e forte, meu maior presente de todos. — Embalou-o como um bebê. Yuuji respira. Dentro. Fora. Dentro. Fora.
As batidas frenéticas do coração do vovô gritam em seus ouvidos, o cheiro de canela é forte, as mãos ásperas e a voz rouca e severa, o cheiro de lar. Não é o cheiro do amaciante barato que a tia Nagi compra, mas ainda cheira o lar.
Cheira ao vovô. Um lugar seguro.
— Feche os olhos e descanse, o vovô vai cuidar de tudo agora. — Balançando de um lado para o outro como em um balanço de madeira que pode encontrar em qualquer parque infantil, o nariz do vovô faz cócegas na sua testa, e seus dedos são quentes. Não doem. É aconchegante.
— Vovô… — Murmura sem voz, é um som arrastado e doloroso. — Não vá embora… não me deixe…
— Sempre estarei aqui, promessa.
Fechou os olhos, mas ainda viu a expressão dolorosa no rosto do vovô. Por que ela estava lá? É o único que está morrendo.
•••
Não entenda errado
Eu não sou nem um pouco mimada
Narcisismo não combina comigo
Todos esses relacionamentos estranhos me deixam pra baixo
Eu não vejo nada de errado em me espalhar por aí
Essa é a maneira que eu quero viver (essa é minha prerrogativa)
Você não pode me dizer o que fazer
My prerogative - Britney Spears
Notes:
Ops, capítulo muito grande (ᗒᗩᗕ)
Perdoe-me.
Chapter 5: Capítulo 4: Parte I Pompeii
Notes:
Ei, pessoinhas do meu coração (◍•ᴗ•◍)✧*。
Como vocês estão?
Dessa vez, demorei o mínimo possível para trazer uma atualização. Presente de natal adiantado? Sim!
Então, aproveitam. (◠‿・)—☆O capítulo também está menor, tive que separá-lo em 02 partes, ou teria que colocar quase 50k para vocês lerem de um vez. Pensei que seria cansativo, então separei. ╮(. ❛ ᴗ ❛.)╭
A próxima parte já está quase na reta final, então espero poder trazê-lo para vocês até o ano novo.
Torçam para que eu consiga!! (ʃƪ^3^)Ah, a Tsuki está melhorando... aos poucos.
E eu? Bem, já passei por muita merda. Bem ou não, sigo em frente, é assim que a vida funciona. Certo?
De qualquer maneira, BOA LEITURA (≧▽≦)
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
CAPÍTULO 4: PARTE I
Deixei por conta própria
Muitos dias se passaram sem nada para mostrar
E as paredes apoiaram a desmoronar
Na cidade que amamos
Nuvens cinzas rolam sobre as colinas
Trazendo a escuridão de cima
Mas se você fechar os olhos
Quase parece que
Nada mudou afinal?
Pompéia - Bastilha
•••
Primogênitos são os filhos mais indesejados e menos amados, Choso sabe melhor do que ninguém, principalmente porque esses bebês são, na maioria das vezes, frutos de uma noite de bebedeira e sexo desprotegido. Ele é um desses bebês, e embora seu pai jovem e inexperiente fosse um alfa a caminho da maioridade que teve os sonhos atrasados por um filho indesejado, nunca declarado nenhum arrependimento em mantê-lo por perto e sacrificar a juventude para educá-lo. Jin foi o melhor pai que poderia pedir, compreensivo, paciente e amoroso, talvez um pouco mole demais, o que o fazia receber puxões de orelha do malvado vovô Wasake. Choso também recebeu puxões de orelha do vovô, e estava sempre sendo repreendido, junto com Jin.
Crescer, apesar de ser um filho indesejado (o que sempre ficou muito claro, apesar de não haver implicações verbais em torno deste fato), foi relativamente fácil. Jin se esforçou ao máximo para assumir a paternidade com excelência e dignidade, qualquer um poderia ver que ele estava orgulhoso de si mesmo e de seu pequeno filho, Choso. Mas Kaori não se sentia assim.
À vista de todos, ela era uma boa mãe, atenciosa e dedicada, uma ômega exemplar e cumpridora do papel de dona de casa perfeita, assumindo as atividades domésticas da casa Itadori assim que mudou-se e mantendo todos alimentados e quentes. Provavelmente, fazia anos que Wasake tinha roupas passadas toda semana e sopas de legumes deliciosas nas noites de terça-feira. Choso, entretanto, não era considerado uma criança inteligente equivocadamente, ele se exercitou através da névoa que fez todos ficarem cegos.
Talvez tenha sido tão fácil porque ele era o único a receber o tratamento maldoso e cruel, enquanto o vovô e Jin eram amados. Kaori nunca segurou sua mão, ela odiava que assumisse que era mãe e filho, e constantemente mentia para os estranhos na rua dizendo que estava apenas cuidando do irmãozinho. Choso não tinha permissão para chamar a mãe em público, este era um título especial e deveria ser usado somente quando estivesse em casa.
Quando estavam sozinhos em casa, Kaori não cozinhava e ignorava os choramingos de fome de Choso, mandava-o calar a boca e reclamava sobre como crianças são irritantes e o barulho estava atrapalhando-a estudar. Ficar com fome até um dos seus adultos favoritos chegar era comum. Até os três anos de idade não entendia os motivos da mãe ser tão distante, iria aprender meses depois, quando a notícia de que ganharia um irmãozinho veio à tona, junto de uma briga entre os pais. A primeira briga que você testemunhou.
A folha de papel com um emblema da clínica hospitalar marcava positivo para mais um bebê. Jin, apesar de ainda ser jovem e estar concluindo a faculdade, ficou exultante de felicidade e prometeu a Choso mais coisas do que poderia cumprir. Ele nunca foi a inteligência inesperada (segundo o vovô Wasake), e Kaori… Kaori disse que iria interromper a gravidez. Novamente, ela não queria ter filhos, responsabilidades e envelhecer rápido demais. Choso escutou alto e claro, antes do vovô puxá-lo para um passeio no parque a fim de dar privacidade para o casal discutir, sua mãe gritou que não amava-o e gostaria de tê-lo abortado também.
Contrariando todas as probabilidades, Choso não chorou ou sentiu-se triste, na verdade, o sentimento de liberdade foi o único que acompanhou-o naquele dia. Ele finalmente compreendeu os motivos da mãe ser tão distantes. O vovô pagou um sorvete e inspirado-o brincar no parque com outras crianças até mais tarde naquele dia, e quando voltou, havia sinais de que uma briga muito mais violenta do que gritos insultos tinham acontecido. No entanto, Jin era o único com lesões espalhadas nos braços e óculos quebrados.
Aparentemente, eles entraram em um consenso e Kaori aceitou continuar com o bebê, embora contra a própria vontade.
Nessa mesma época, aprendi na escola o conceito das almas gêmeas e o fio do destino que liga as pessoas umas às outras, cada cultura tem sua própria crença acerca da origem dos destinados, algumas culturas ignorará-las e umas a seguir cegamente, considerando uma forma de viver. Foi fácil perceber que seus pais, Kaori e Jin, não eram almas gêmeas e a partir desse ponto, Choso enxergou o fim antes dele começar. Pessoas que não são almas gêmeas podem fazer um relacionamento amoroso entre elas funcionarem, mas o problema do casamento de seus pais era muito além da incompatibilidade de suas almas.
Eles eram deficientes nos aspectos amorosos dos quais todos os casais transbordavam. Companheirismo. Confiança. Amizade. Segurança. Amor. Essas palavras dançaram acima da cabeça deles, e não fizeram nenhum esforço em esticar as mãos para alcançá-las. Jin se esforçou demais para ser um bom pai e filho, mas negligenciou a esposa e nunca tentou entender o lado dela, procurando compreender o porquê de seus filhos serem tão apavorantes e ajudá-la a superar o que quer que tenha causado o trauma. Choso nunca a culpa por não ser amado. Ele entendeu que nem sempre os pais irão amar os filhos, e nem sempre, a culpa será deles.
Jin, infelizmente, não surgiu assim. Kaori, também não ajudou a si mesma buscando ajuda profissional, e apesar de passar a tratá-lo melhor, nunca ofereceu o calor que uma mãe oferece ao filho, prendendo-o em um abraço.
A gestação de nove meses passou rápido, Sukuna, como foi nomeado seu irmão mais novo, era uma cópia de Jin e Wasake, sempre mau humorado e carrancudo. Choso prometeu cuidar e cuidar dele, para que ele não precisasse ficar com fome quando estivesse apenas com Kaori em casa. No entanto, a dinâmica familiar mudou, e por incrível que parece, para melhor.
Kaori cuidou corretamente de Sukuna e alimentou-o na hora certa, sem reclamação por ter os estudos interrompidos, seu comportamento com Choso passou a ser complacente também, ainda não havia abraços calorosos e carinhosos, mas ela estava… tentando melhorar. Apreciou os avanços. A política e não chamá-la de mãe em público para os dois irmãos, mas logo logo, ela aprendeu que Sukuna não respeitaria isso e pouco se importava em ficar de castigo o resto do dia. Ele se tornou um encrenqueiro nato.
De qualquer maneira, com mudanças boas ou não, Choso continuou sendo um bom irmão mais velho e certificando-se de que seu irmãozinho estava seguro, quente e confortável. Nesse meio tempo, observe que se tornou tão independente que o mau deu-se conta da ausência de Jin em casa, o vovô estava os monitorando constantemente, mas ele não era o pai. Teria ficado triste se tivesse tido tempo, o que não foi o caso, primeiro cuidar de Sukuna e dar um jeito de responder a todas as suas perguntas curiosas, embora, também não relatei a resposta e estive cheio de dúvidas sobre as mais diversas questões que regem o universo.
Choso, aprenderia que não existe nada mais apavorante do que ser o irmão mais velho.
Em um dado momento, Jin voltou para casa bêbado e com marcas de dentes no pescoço, estava roxo e vermelho, mas ele não parecia sentir dor ou está infeliz, na verdade, seus lábios sorriram esplendorosamente e ele fez questão de dormir com os dois filhos sobre o tapete felpudo da sala. A noite foi divertida e Choso não questionou a felicidade palpável do pai, nunca tinha-o visto sorrir desse jeito, exceto nos seus aniversários e programas em família. Mas o seu cheiro era diferente, mais adocicado e suave, mais agradável e aconchegante. Não sabia o que aconteceu, mas desejou do fundo do coração que continuasse apostando.
Sem escrúpulos, Sukuna elogiou Jin por se lembrar de ter dois filhos e fazer o mínimo chegando em casa mais cedo, Choso teria-o reentendido, mas infelizmente ele tem razão. Receberam um pedido de desculpas choroso, ao qual aceitaram rapidamente, e ficaram conversando por horas e horas, até pegarem no sono.
Foram acordados com um balde de água fria recheada de gelo na manhã seguinte e uma kaori furiosa.
— Ficou louca mulher?! — O pequeno Sukuna detalhado, mostrando as pequenas presas que ainda nem tinham nascido corretamente, eram tortas e fofinhas, mal conseguiam partir de uma bolacha crocante ou perfurar a pele humana.
Puxou-o para longe quando Kaori fez menção de batê-lo, esticando a coluna para mostrar que não tem medo dela, (mais por dentro sim, estava morrendo de medo). Jin declarou-se desnorteado, completamente molhado e diante de um confronto entre a esposa e os filhos de quatro e dois anos, ela franziu o cenho, confuso.
— O que está acontecendo? — Perguntou, levantando o chão e encarando Kaori descompreendendo. Segundos depois, algo pareceu clicar na mente dele e envergonhado, retirar a camisa para esconder as marcas estranhas manchadas-o no pescoço. — Eu posso explicar! — Disse, levantando em sinal de paz.
— Explicar que estava na cama com outro enquanto deixava sua esposa grávida em casa? — Os três arregalaram os olhos, (na verdade, Sukuna apenas imitou Choso, ele não sabia o que fez "grávida" e correu para perguntar ao vovô assim que a confusão acabou). — Obrigado, mas não preciso de explicação. — Disse, jogando o balde na direção de Jin e sumindo escadas acima.
— Desculpe por isso, meninos, mais o que acham de irem tomar banho? Não queremos pegar um resfriado, certo? — Queriam protestar, mas seguindo o bom senso, atenderam o pedido e entraram na cabine cheia de água quente e espuma preparada por Jin, onde ficaram brincando por horas, sob a supervisão severa do vovô.
Ouviram gritos e barulhos altos de coisas quebrando, Sukuna soltou um suspiro cansado, apoiando as mãos na boca gordinha e disse ao avô porque a Kaori não ia embora de uma vez.
De olhos surpresos com a pergunta repentina da criança, Wasake demorou um pouco para responder, provavelmente, perplexo pelo neto desejar que a mãe vá embora, ao invés de pedir que o barulho pare pois está assustado. Mas Choso e Sukuna nunca foram tratados com amor e carinho, não dá parte de Kaori, então tê-lo perto ou longe, faria pouca ou nenhuma diferença.
— Ah, bem… ela é sua mãe e esposa do seu pai, não está indo a lugar nenhum. — Essa foi a resposta que recebeu, nada que conseguisse saciar a curiosidade infantil, contudo, Wasake não estava disposto a oferecer mais, ele sempre foi um velho rabugento.
Ficaram horas brincando na banheira, até Wasake chutá-los para fora e vesti-los corretamente, colocando-os para brincar no parque. Aquele lugar tornou-se um ponto seguro para quando Kaori e Jin estavam brigando, a atmosfera da natureza era muito mais leve e confortável do que a de casa. Brincar com as outras crianças nunca chamou sua atenção, e Sukuna se divertia muito mais intimidando-as do que compartilhando brinquedos, eles eram uma dupla esquisita de irmãos, ou essas eram os comentários que as mães e babás faziam, sem se dá o trabalho de esconder o desgosto no rosto.
Houve momentos em que apontaram o dedo e disseram ser culpa da educação desleixada dos pais, Sukuna mostrou-lhes a língua e xingava, defendendo seu pai e o avô, especialmente sentindo-se incomodado quando o alvo das acusações era a mãe, Kaori. Choso fez o possível para manter o irmão sob descontrole, mas nunca desculpou-se pelas ofensas que ele lançou nos adultos.
Ir ao parque, então, era bom, mas o julgamento daqueles que não entendiam nada sobre eles era infernal.
Depois de horas e horas exaustivas de dar puxões de orelhas dolorosas em Sukuna, as cores do céu apagaram-se, tomando uma sombra escura e melancólica, Choso sempre as achou mais bonitas que o sol brilhante e quente. O escuro trouxe um tipo de conforto que a luz não podia dar, a sensação de esconderijo e segurança, onde a fome poderia ser ignorada se fosse dormir, e Jin (seu amado pai) estava chegando em casa após um longo dia fora.
Também é quando o relógio marca a hora de voltar para casa. Wasake falou do banco velho e desgastado de concreto, dobrando o jornal velho com a data do dia anterior e chamou-os em alto e bom som, mas ainda sem gritar desnecessariamente. Choso obedientemente arrastou Sukuna para fora da casinha de madeira, onde ele estava chutando um garoto particularmente alto (talvez, mais alto que o próprio Choso), e calou-o diante dos protestos de que estava apenas começando.
Caminhar ao lado do avô Wasake era calmante de uma maneira inexplicável, Choso gostava de enrolar os dedos na mão grande, pesada e calejada, sentir o calor inunda-lo e saber que não havia restrições de títulos em público. Sukuna por outro lado, recusava-se a andar de mãos dadas com qualquer um dos adultos e o máximo que se permitia era segurar a barra da camisa deles, o pequeno encrenqueiro dizia ser grande o suficiente para cuidar de si mesmo. Entretanto, a pedia ajuda constantemente para chegar à prateleira alta da despensa, onde os biscoitos recheados ficaram guardados.
Tão pequeno, encrenqueiro e hipócrita.
Escutavam arrolhados frequentemente quando passavam na rua, os jovens ômegas elogiavam a beleza deles e desejavam ter filhotes tão lindos um dia, o vovô agradecia educadamente e seguisse o caminho, orgulhoso dos netos. Choso, por algum motivo também se sentiu orgulhoso, e não precisava olhar para Sukuna, ele já estava imitando a postura rude do avô naturalmente.
Quando chegou em casa, ela estava silenciosa e bem iluminada, o cheiro de comida vinda da cozinha era delicioso e fez o estômago dos pequenos rolar de fome. Kaori surgiu no final do corredor com uma concha na mão e cabelo preso em um coque baixo, suas bochechas tinham uma coloração vermelha, quase roxa, e um band-aid cobria o canto da boca. Mesmo assim ela sorriu, parecia doer, mas admiravelmente, Choso não conseguiu reunir forças para se sentir preocupado. Ele apenas pensou que deveria ser cauteloso, algo poderia acontecer com Sukuna.
— Bem-vindos de volta, meninos, Vovô. — Cantou, fechando os olhos. Choso estremeceu com o aperto forte que o avô deu-lhe na mão, e como sua voz saiu severa.
— Onde está meu filho? — Ficaram em silêncio, algo estava errado, você sabia disso, mas o que poderia ser exatamente? Kaori deixou o sorriso morrer nos lábios, e uma expressão dolorosa tomou conta do seu rosto, ela juntou as sobrancelhas e franziu o nariz, encarando o chão. Lutando contra um sentimento desconhecido. Um sentimento de que Choso, pela primeira vez na vida, não conseguiu identificar.
— Eu não sei, vovô. — Uma mentira, veja facilmente. O avô estreitou os olhos, mas relaxou o aperto na mão de Choso, soltando um suspiro cansado e quase imperceptível. — Vamos comer, devemos estar com fome, certo? — Perguntou simpaticamente, já voltando para a cozinha.
Estranho, no mínimo.
Jantaram todos juntos e a partir daquele dia, algo sobre Kaori mudou para melhor.
Choso experimentou o abraço de uma mãe aos sete anos de idade, Kaori tinha um cheiro suave de erva doce, relaxante e viciante, braços seus eram finos e delicados, diferentes dos de Jin e Wasake, imediatamente descobriu que ela não o pegava nos braços porque era briga demais para isso. Foi um abraço longo, começou excitante, desconcertado e frágil, mas logo kaori estava puxando-o cada vez mais e enquanto chorava copiosamente, surrando pedidos de desculpas incoerentes.
Afastou-o lentamente e estudou seu rosto, Choso aproveitou para fazer o mesmo, intrigado pela miríade de emoções turbulentas que esperava uma tempestade dançando dentro dos olhos da mãe, ficou hipnotizado, eles tinham as mesmas cores de íris, pedras negras bizarramente profundas, como um abismo. Narizes arrebitados e cabelos negros com ondulações mínimas. As mãos macias de Kaori seguravam suas bochechas, rolando os dedos em círculos suaves, como se estivessem tocando algo precioso.
— Meu filho… você é meu filho. — Sussurrou baixinho, totalmente em êxtase, ela não se moveu ou se incomodou quando uma das mães que estavam passando para dentro e fora da escola afim de pegar seus filhos reclamaram, mandando-a sair da frente, perguntando se ela estava louca. — Você é meu filho, meu primeiro bebê, meu Choso, eu te amo tanto. Por favor, perdoe a mamãe, por favor, por favor. — Pelo que ela estava pedindo perdão, Choso não soube, mas perdoá-lo não foi difícil, na verdade, achei muito fácil.
Ficar preso no seu abraço apertado e cheio de lágrimas mostrou-se a melhor experiência de toda a sua curta vida de sete anos, ele imaginou que era assim que as outras crianças se sentiam ao serem bem recebidas por suas mães. Afundou ainda mais nos braços delicados, aproveitando o momento mágico o máximo que pode, desejando que ele dure para sempre.
— Eu sempre te amei, Choso, só não sabia disso. Perdoe a mamãe ser uma idiota. — Acenou, mostrando um sorriso gentil. Os olhos cheios de lágrimas de Kaori brilharam intensamente, transbordando deliberadamente.
Talvez sua mãe, a Kaori, não a odiasse tanto.
O novo bebê que estava crescendo na barriga redonda e grande da Kaori fez bem a todos da casa, Sukuna milagrosamente comportou-se como um humano normal (nada semelhante a um lobo selvagem), e as brigas deram uma longa pausa. O cheiro de erva doce espalhado pela casa acalmou os alfas vinte e quatro horas por dia, apesar disso, observou silenciosamente que Jin e Kaori mau se tocavam.
Eles estavam juntos ao mesmo tempo que estavam longe.
Parou de prestar atenção nos pequenos detalhes e focou em ser um bom irmão mais velho, seu irmãozinho quer a nascer precisaria de muito suporte e amor, Choso ajudou a decorar o quarto do vazio no final do corredor (Sukuna se ofereceu também) e foi divertido brincou de tinta com a Kaori, ela sujou os pequenos filhos e riu, conversaram e correram quando eles a sujaram de volta.
Divertido é uma palavra pequena para descrever como se sentiu naquele dia. Havia tantas emoções rodando em torno do seu coração, o calor de ter uma mãe, ser amado e bem cuidado por ela, receber beijos quentes e boas noites carinhosas. Sukuna estava caindo tão rapidamente quanto Choso, completamente apaixonado por Kaori e o bebê na barriga dela. Jin se juntou à diversão das travessuras que se seguiram na decoração do quarto infantil, e nem mesmo Wasake conseguiu escapar das garras afiadas dos filhotes.
Programaram uma viagem à praia no final de semana, e ver o mar e sua imensidão fez o Choso pensar que não conhece ou sabe metade das coisas sobre o mundo. As ondas iam e vinham, o vento refrescante bagunçou seu cabelo grande e trouxe areia aos seus olhos, mas não se importou, sentiu-se em paz. Sem nenhuma preocupação, quase livre das preocupações de manter Sukuna sob controle, e como lidar com a volta da velha Kaori, caso ela repentinamente fosse cruel como era antes.
Contudo, preocupe-se com Sukuna foi um grande desperdício de tempo, ele estava muito ocupado correndo com uma bola atrás de Jin, pulando na água e puxando Kaori de um lado para o outro. A aura rabugenta escondida no meio da felicidade que estava-o preenchendo ao longo de dois meses.
Dito isso, permitiu-se relaxar, sentar do lado do vovô na espreguiçadeira e observar atentamente a movimentação da água, aves e claro, seus pais e irmãozinho. Sentiu os olhares pesados do vovô queimado em suas costas, mas as perguntas que encontraram escondidas, o que foi bom, não queria conversar. Quando voltou para casa, dormiu imediatamente, quase como se estivesse morrendo de cansaço após passar horas debaixo do sol, quando claro moveu um único dedo.
Teve bons sonhos. Apenas para serem interrompidos por gritos de dor no meio da madrugada, clamou grogue, assim como Sukuna que o pediu o que "diabos está acontecendo, Nii-san?" Odiava ficar sem dar uma resposta, contudo, nesse caso realmente não sabia responder.
A ambulância chegou minutos depois e Jin desceu as escadas correndo, com uma Kaori atormentada em seus braços.
Não demorou muito para o barulho ir embora e restaurar o silêncio.
— É melhor irem dormir, precisarão estar bem descansados amanhã. — O Vovô informado, empurrando-os de volta para o quarto. Choso deitou a cabeça no travesseiro e olhou para o teto, ficando longos minutos desse jeito, até realmente conseguir fechar os olhos e pegar no sono novamente.
No dia seguinte, combinadou por volta das doze horas e o almoço cheirava deliciosamente atraente, o vovô cozinhou, e não encontrou nenhum fragmento dos pais pela casa. Acordou Sukuna, escovaram os dentes e sentaram -se à mesa junto do vovô, balançando as pernas curtas para frente e para trás, está ansioso e não sabe o motivo.
Engoliu a comida facilmente, ansiosa ou não, a fome permanece, Kaori diz que deve se alimentar bem pois está em fase de crescimento e precisa crescer forte e saudável. É predominante que ela diga isso agora, antes não havia nenhuma preocupação sobre sua alimentação ser boa ou ruim. O vovô recolheu as louças sujas e lavou-as, organizando a cozinha e ignorando com sucesso as birras de Sukuna.
Choso ocupou-se em assistir e esperar, esperar a hora em que o vovô iria explicar o que aconteceu com Kaori e Jin, e principalmente, com seu mais irmão novozinho. Entretanto, não precisou perder tanto tempo respondendo explicando, seus pais voltaram para casa no final da tarde segurando um bebê pequeno entre os braços, tanto Choso quanto Sukuna correram, ansiosos para ver o irmãozinho.
Suas mãos eram tão macias e gordinhas, pequeninas e delicadas, e seus olhos eram de ouro derretido, esticados e quentes como o sol. Sentiu o coração bater mais forte quando o bebê abriu um sorriso sem dentes e esticou os bracinhos em sua direção, no entanto, não teve permissão para segurá-lo, Jin disse que Yuuji, o nome do seu novo irmãozinho, era pequenininho e delicado demais para caber nos braços de Choso e Sukuna. Foi necessário muita paciência para aplacar a ansiedade das duas crianças, mas ele conseguiu no final.
Os dias e meses seguintes foram repletos de Choso e Sukuna ajudando os adultos a cuidar do bebê Yuuji, e os dois irmãos mais velhos que crianças brigam, estavam em pé de guerra o tempo inteiro, cada qual querendo monopolizar a atenção do bebê gorducho. Apesar do desempenho inicial, Choso entendeu que assim como ele experimentou antes, Sukuna estava aprendendo a ser um irmão mais velho e deixando as birras rabugentas de lado, portanto, não deveria lutar e impedi-lo de agir como tal. Principalmente, considerando o quanto o comportamento dele melhorou.
Yuuji cresceu como uma bela flor sob os holofotes da primavera, iluminando e trazendo felicidades a todos na casa, amigos próximos e familiares distantes. Sukuna finalmente foi ao parquinho com o objetivo de brincar e não bater nas outras crianças, embora, ele estivesse sendo superprotetor com Yuuji à beira da insanidade. Achou que poderia ser prejudicial a todo o desenvolvimento deles, nenhum desconhecido conseguiu se aproximar da dupla, Sukuna rosnava até para os animais na rua.
Choso observou silenciosamente, sem julgar nada porque também estava sendo superprotetor com Yuuji.
Havia algo sobre uma criança que era diferente de Sukuna, algo que despertava um lado sombrio e selvagem que não sabia ter até aquele momento. Wasake precisou desculpa-se muitas vezes com pais revoltados por seus filhos terem sido atacados por: "animais descontrolados" (vulgo, Sukuna e Choso) enquanto brincavam no parque. Em sua própria defesa, aquelas crianças estavam jogando areia nos olhos de seu irmãozinho inocente, e ousavam tocá-la sem permissão.
Não que eles pedissem permissão seria concedida, obviamente.
Os anos passaram rapidamente, uma vez ou outra Kaori e Jin discutiram, mas não era nada que os obrigassem a sair de casa e arrastar Yuuji com eles. O casal disfuncional estava à beira do desenho, Choso viu amargamente, ele pensou que demorou demais para chegar ao ponto de ruptura.
Não é que desgostasse dos pais, mas se eles não estão felizes juntos, deveriam procurar a felicidade sozinhos.
Existem milhares de casamentos fracassados no mundo, a porcentagem desses é muito maior do que casamentos bem consolidados, e como dito anteriormente, não é um fato ligado a almas anônimas e fios do destino, as pessoas apenas não sabem administrar os próprios sentimentos e acabam machucando a si mesmos e os que estão por perto.
Crescer trouxe uma nova percepção de mundo, algo que não tinha antes, era inocente e puro, mas o tempo ensinou-o as nuances que acompanham o amor e suas consequências dolorosas. No entanto, ainda havia muito o que aprender, como o porque insistiam nos almoços de domingo em família quando eram tudo, menos uma família de verdade.
Jin poderia manter o sorriso amável no rosto e fingir animação para entreter Yuuji, mas seus pensamentos não estavam presentes, seus olhos desfocados demonstravam perfeitamente que os relatos da vida escolar de seus filhos durante uma semana não detinha sua atenção. Pensando nisso, Choso se absteve de compartilhar suas experiências na mesa, Kaori, apesar de mostrar interesse genuíno, tinha sorrisos falsos e trêmulos, prendendo a vontade de chorar.
Nesse mesmo tempo, à medida que as brigas de Sukuna na escola se intensificavam, ele foi expulso de duas instituições apenas no início do ano e a dificuldade preocupava-se em respeitar Kaori e os professores, xigando-os com palavrões feios frequentemente. Nunca soube onde ele aprendeu as palavras vulgares. Mas continuava presente nos almoços de domingo, sua rebeldia pausava momentaneamente em respeito a Yuuji, que era o único capaz de fazê-lo se comportar.
Esse pequeno prazer foi tirado dele por Kaori, que acusou-o de desrespeitá-la e bateu nos colegas de escola, e então, impediu os irmãos de brincarem juntos por três semanas, o choro de Yuuji não amoleceu o coração dela, nem os apelos de Choso para que desistisse da proteção foram ouvidos. Assim, Sukuna viu-se obrigado, da maneira insuportável possível, a manter-se na linha.
Usar a proximidade que tinha com Yuuji como ferramenta de controle era um método usado regularmente por Kaori, também aplicado em Jin, forçando-o a viver fingindo ser felizes e encenando uma relação inexistente diante dos olhos das vizinhanças. Nojento. Apesar de afirmar amá-los, sua mãe não agia de acordo com as palavras carinhosas e sorrisos dóceis, ela deveria fingir melhor. Choso não conseguiu odiá-la, mas não sentiu simpatia nenhuma. Estava totalmente apático.
No entanto, não nega que era difícil agir de forma indiferente quando o assunto é Yuuji, seu irmãozinho sempre foi muito dependente dos mais velhos e de uma criança amorosa, rápido em demonstrar afeto físico através de abraços e beijos. Era no mínimo preocupante que repentinamente esses afetos fossem interrompidos, as consequências seriam muito mais dolorosas para Yuuji do que para Coso (que corriia o risco de ficar sem jantar). Jin e o avô Wasake não puderam fazer muito quando estavam alheios à situação, assim como todos, eles pensaram que Choso e Sukuna estavam crescendo e deixando o pequeno Yuuji de lado.
Não era verdade. Nunca foi. Mas por enquanto, as escolhas são mínimas e dar com a língua nos dentes e confessar todas as canções ao avô Wasake, vai apenas provocar a raiva de Kaori, e deixar-la irritada nunca é uma boa ideia.
Dito isso, manter Sukuna longe de brigas é quase impossível, e aparentemente, os acessos de raiva dele tem ficado cada vez mais frequentes graças aos desentendimentos dos pais, às repreensões impróprias da mãe (Kaori) e aos pesadelos recorrentes de Yuuji. Apesar de perguntarem o conteúdo dos pesadelos, ele nunca disse, talvez tenha ficado assustado demais para voltar às lembranças que o atormentam a noite? As bolsas escuras abaixo de seus olhos estendidos e amáveis eram dolorosas de encarar, Choso preferia sair mais cedo de casa do que olhá-lo. Só me lembrava de que era um péssimo irmão mais velho.
Foi fácil para Sukuna colocar a culpa dos pesadelos de Yuuji em Kaori e Jin, acusando-os sempre que tinham uma chance, o que rendeu vários castigos cruéis, o principal deles a falta de comunicação com o irmão mais novo. Entraram em desespero quando voltaram da escola e não viram nenhum resquício do cheiro adocicado de bebê, uma bagunça de brinquedos na sala ou resmungos do vovô Wasake sobre como seu neto é incapaz de entender a matemática básica.
Procuraram pela casa inteira e pela vizinhança, mas ele não estava em lugar nenhum. Ao cair da noite, durante o jantar, quando todos estavam reunidos e Choso e Sukuna tinham os uniformes escolares em um estado deplorável, Kaori bebeu o chá preguiçosamente e anunciou que Yuuji estaria passando um tempo fora.
— Fora onde? E porque só estou sabendo disso agora?! — Seu pai, Jin, exclamou, em um meio termo, entre raiva e confusão. O vovô Wasake comentou-os silenciosamente, a carranca mau humorada nunca saindo do rosto enrugado. Kaori abriu um sorriso falsamente terno, e pousou uma xícara de volta à mesa.
— Você saberia se agisse como bom esposo. — Ronronou perigosamente, Choso abriu as mãos nos punhos debaixo da mesa, controlando o rosnado raivoso que ameaça subir pela garganta. — "Meu" filho está em um lugar seguro e saudável, os pesadelos afetaram mais o que sua saúde deseja, ele precisa descansar e os médicos me confirmaram que a causa dos pesadelos é o estresse. — Ela não atacou Jin, mas ficou claro que tal causa do estresse de Yuuji é o Jin. Choso discorda, seu irmãozinho adora passar o tempo com o pai.
Yuuji ama todos nessa casa.
— Ele não é apenas seu filho, Kaori. Não posso tomar decisões sobre a vida dele sem antes de me consultar, tenho certeza que o manteremos por muito tempo apenas aumentando o estresse. — Jin retrucou, soltando os talheres sob a louça de porcelana com rispidez. — Será que você não pensa?! — Perguntou, olhando-a desacreditado e horrorizado. — Nossos problemas devem ser resolvidos entre nós, sem envolver as crianças em seus planos malucos, principalmente o Yuuji, ele é o único que vai sofrer nessa situação hoje! —Explicado, alterado.
— Yuuji sempre foi uma criança compreensiva, tenho certeza que entende que o pai não tem tempo para ele. — Disse simplesmente, encolhendo os ombros. — Ou melhor, não o ama. — Completou, esbanjando veneno. O que ela está falando? Jin, seu pai, é o melhor pai que poderia pedir. Sim, ele é um homem ocupado e às vezes desmarca os compromissos, mas sempre encontra tempo para remarcá-los. Está presente em todos os momentos importantes (e nem tão importantes), além de ser um ótimo amigo e confiante. Quem mais ensinaria Sukuna o esconderijo dos doces? E daria um dinheiro extra para Choso sair com os amigos? Apenas Jin.
— Não o amo? É você quem tem colocado essas ideias malucas na cabeça dele?! — Jin pediu, dando um soco na mesa, fazendo-a tremer e os meninos estremecerem. É a primeira vez que experimento de primeira mão vê-lo nervoso.
— Crianças, vamos sair. Seus pais precisam conversar a sós. — O vovô Wasake pediu-se, puxando-os para longe da mesa e arrastando-os porta a fora, na direção do jardim.
Queria protestar, mas não precisou, uma vez que Sukuna tomasse a frente (como sempre, assumindo o título de delinquente).
— Não! Não quero ir embora! Isso também nos envolve. — Gritou, puxando o braço do aperto gentil do vovô e bateu o pé no chão, liberando feromônios oferecidos. Ele é uma criança muito precoce, Choso também, infelizmente. — Como ela pode tirar Yuuji de nós?! Como posso saber se não está falando para o meu irmão que ele não é amado?! Que odiamos?! — O avô soltou um suspiro cansado, Choso gostaria de deixar Sukuna continuar com as perguntas (muito válidas, por sinal), mas isso não faria bem à saúde do vovô, poderia mandá-lo para o hospital acidentalmente.
— Sukuna, agora não é hora para isso, vamos embora. — Chamou-os, usando a voz autoritária que faz todos os seus colegas tremerem de medo, mas não se surpreende quando Sukuna resiste muito bem a sua autoridade.
— Não, não Nii-san! Isso está errado! Essa bruxa está tirando Yuuji de nós, inventando mentiras e nos forçando a ser quem não somos. É óbvio que o papai não gosta de você, Kaori, mas quem gostaria de uma bruxa malvada?! — Gritou em pleno pulmões, o vermelho tomando conta das suas bochechas gordas e os olhos escarlates brilhando de ódio.
— Deixe que os adultos se resolvam entre si. — Disse, fazendo o melhor que pode controlar para controlar todos os insultos presos na garganta a muito tempo, expô-los agora só irá causar mais desentendimentos. Esse não é um bom momento. — Venha. — Chamou-o pela última vez, soltando-se do vovô para pegá-lo pelo antebraço.
— EU JÁ DISSE QUE NÃO! — A voz de Sukuna aumentou mais ainda, e seu cheiro desagradável, de sangue e corpos em tranquilidade encheu a sala de jantar. Torceu o nariz, seus próprios feromônios se agitaram em resposta, assumindo uma postura experimental. — KAORI NÃO TEM O DIREITO DE TIRAR MEU YUUJI DE MIM, EU ODEIO, ODEIO, ODEIO, ODEIO ESSA BRUXA DESGRAÇADA! SEMPRE PROCURANDO UM JEITO DE NÓS SEPARAR! VOCÊ NÃO É MINHA MÃE, EU TE ODEIO, KAORI! — Gritou de maneira selvagem, Choso correu para pegá-lo e ganhou um arranhão grande nas mãos, as garras afiadas de Sukuna perfuraram sua pele, rasgando a carne e rompendo alguns vasos sanguíneos. O vermelho líquido e espesso derramou no chão, espirrando nós dois meninos e sujando as camisas dos seus pijamas.
— O que… — Disse debilmente, levando alguns minutos para entender o que de fato aconteceu, foi tão rápido que não teve tempo de fato.
— Oh meu Deus! — Jin exclamou, correndo na sua direção com um pano na mão, a preocupação é explícita nos seus olhos castanhos opacos. — Pai, tire o carro da garagem, precisamos levá-lo ao hospital. — Ordenou, e Wasake sumiu em segundos. Observei silenciosamente o pano branco ser enrolado em torno do seu pulso e ficar encharcado de sangue quase que imediatamente. Dói, é muito doloroso, mas não quer demonstrar fraqueza e fazer Sukuna se sentir preocupado por machucá-lo. É o irmão mais velho, deve suportar qualquer dor.
— Nii-san… eu, eu não queria.. — Escuto-o falar temeroso, suas pequenas garras se retreinando lentamente, assim, ele não parece nada com o garoto encrenqueiro que procura confusão por todos os lugares. Abriu um meio sorriso, tentando acalmá-lo.
— Tudo bem, você não fez por mal. — Encolheu os ombros, sem dúvidas, muito menos apavorado que Jin e Wasake, eles agem como se o mundo estivesse prestes a acabar. Sukuna abriu e fechou a boca várias vezes, como um peixe fora d'água, e acabou fechando a expressão em uma carranca zangada.
— E é exatamente por isso que não é seguro deixá-lo perto do Yuuji, você é como um animal selvagem, como posso saber se não irá machucá-lo? Olha o que fez com Choso. — Kaori mencionou cinicamente, em um tom de repreensão.
— Chega Kaori, Sukuna não fez por mal, foi um acidente entre irmãos. — Jin defendeu o menino bravamente, mostrando as presas para Kaori, e ela soltou um suspiro cansado, balançando a cabeça para os lados em um sinal de desaprovação.
— Façam o que quiserem, mas meu Yuuji não ficará perto de selvagens. — Disse, retirando-se da sala. Choso se disse que há um mínimo que seja de preocupação da parte dela pelo machucado na sua mão, e constata que não, Kaori não se preocupa.
Foi levado ao atendimento emergencial e rapidamente retornaram sua mão, alguns pontos aqui e ali e fui liberado para voltar. Sentiu-se sonolento, então deixou-se cair no colo de Jin e dormir pacificamente, acordando apenas no dia seguinte.
Sukuna mostrou um comportamento curioso, sendo prestativo e gentil (algo que não é nada do seu feitio), poderia pedir qualquer coisa (por mais impossível que fosse) e ele faria sem questionar. Divertiu-se bastante nos dias que se seguiram à sua recuperação.
Receberam Yuuji de volta, no entanto, somente um mês e duas semanas depois, esse tempo pareceu séculos, Choso sentiu o coração quase pular para fora do peito quando o cheiro adocicado levemente tímido encheu a casa novamente. Largou o caderno de japonês moderno e desceu as escadas correndo, vendo-o já sendo embalado por Sukuna em um abraço de urso, não perdeu tempo e se juntou a eles.
Os dedinhos macios de Yuuji seguraram sua mão, olhando preocupados para o curativo velho e desgastado, mas não fizeram perguntas naquele momento. Ele ficou animado em mostrar tudo o que aprendeu a fazer nos meses que ficou fora, também, trouxe doces feios e encolhidos (que escondeu) como um presente. Choso suspirou aliviado, o pensamento de que possivelmente seu irmãozinho estaria sendo maltratado não o deixado por nenhum minuto sequer, contudo, uma inspeção rápida comprovou que está tudo bem, sem nenhum arranhão incomum.
Ter o pequeno irmãozinho por perto espantava todas as preocupações e medos que tinha, ele era como um calmante natural, uma droga a qual estava viciado e não poderia viver sem. Supõe que o mesmo serviço para Sukuna, que talvez fosse muito mais obcecado por Yuuji, mais do que qual um dos adultos poderia ser.
Felizmente, essa foi a única vez que passou tantos dias longe um do outro, mas nada de bom dura muito. Deveria sabre.
As brigas de Kaori e Jin intensificaram-se assustadoramente, ao ponto de que ficar em casa era uma missão impossível, o cheiro de ômega irritado e deprimido era sufocante, principalmente para alfas (como Choso e Sukuna), e com as restrições regulatórias sobre aproximadamente com Yuuji, não tinha muitos motivos para voltar para casa depois da escola. Choso apenas escondia-se na biblioteca e tentava ignorar a dor no peito, a dor de não estar presente para o seu irmãozinho, mesmo quando sabe que precisa apoiar um ao outro.
Culpe Kaori por afastá-lo. E Jin, por ser um tremendo idiota medroso, que não tem coragem de pedir logo o presentes e acabar com esse inferno, ele deixa-se ser manipulado facilmente por palavras ameaçadoras e falsas, é impossível que Yuuji escolha ir embora e deixá-los para atrás. Jin deveria saber disso. Ele não conhece o filho que tem? Yuuji os ama demais para escolher viver com Kaori por boa vontade.
Mas é claro que os adultos nunca escutam os adolescentes e as crianças.
Entrar para o clube de literatura foi apenas uma maneira de fazer com que os professores parecessem importuná-lo, a paixão por livros e grandes filósofos vieram de brinde, conseguindo esquecer um pouco das turbulências que esperava-o em casa ao entardecer. O vovô Wasake repreendia-os todos os dias, pedindo que chegassem mais cedo para fazer companhia a Yuuji, ele não sabia que a ameaça de Kaori ainda estava em vigor.
Com o tempo, ignorar tudo o que estava acontecendo em casa tornou-se uma segunda natureza, e em algum momento, o sentimento de incapacidade e inutilidade tomaram conta do seu peito. Queria mudar. Ajudar Yuuji nas tarefas de casa e sair para brincar, mas não tinha forças. Os desejos vinham e eu, nunca foram realizados. Sentia-se como uma rocha velha à beira mar, cujas marinhas tinham se previstas e tomavam o território lentamente, a água afogava-o, tirando suas chances de luta.
Pior. Não há necessidade de lutar contra o sentimento. Por que o faria, quando não estava vendo um fracasso? Sukuna tinha brigas e mais brigas, ele desistiu de ser um bom garoto e andar na linha, desistiu de Yuuji, e desistiu de ser um bom irmão. Estávamos esperando o momento que mandaríamos para o reformatório. Certa vez, Choso encontrou espancando garotos do ensino médio dentro de um beco escuro, e ao invés de repreendê-lo pelo uso descabido da violência, juntou-se a ele e desferiu socos e pontapés em adolescentes que nada tinham com sua dor.
Sentiu-se um verdadeiro lixo depois, mas não houve tempo para lamentações quando o próximo amigo de Sukuna, Hakari, ofereceu um cigarro com a promessa de que ajudaria a relaxar os músculos. Ele não estava pensando. Entretanto, encarar o olhar decepcionado no rosto do vovô foi demais para Choso lidar uma segunda vez, e então, desistiu do cigarro, procurando incansavelmente algo capaz de preencher o vazio que se instalou no seu peito.
Fez tudo o que podia para manter todos orgulhosos, para continuar sendo um bom irmão mais velho, um exemplo a ser seguido e proteger seus irmãos quando preciso, mas nada parecia ser o suficiente. Jin iria parabenizá-lo por suas conquistas, abria sorrisos enormes e longos, seu abraço quente e reconfortante tirava um pouco do peso dos ombros de Choso, mas não era o bastante. Nunca foi. Às vezes conversavam sobre os problemas que tinham, Jin chutava uma das pedras pelo caminho e olhava para o céu, seu cheiro não estava envolvido-o suavemente como sempre.
Jin também Sofia. Ele é um humano, assim como Choso, a direção é que tem idades diferentes, e maneiras diferentes de lidar com a dor.
— Você não ama Kaori. — Murmurou, pausadamente. Olhando para o horizonte, seus olhos são mortos, sem emoção, a beleza do pôr do sol não aquece seu coração frio. Sente-se paralisado. As emoções vêm e vão, elas passam por baixo dos seus pés e por cima da sua cabeça, mas nunca atingem-no em cheio, se não revelam melhor, diria que elas estão o evitando.
Jin, seu pai, ficou em silêncio por longos minutos, ele poderia continuar assim, Choso ainda entenderia perfeitamente. Nunca foi um segredo que o casamento tivesse defeitos além do reparo.
— Eu já amei um dia. — Começou, com um suspiro cansado. E para Choso, é fácil deduzir que na verdade não, Jin nunca amou Kaori, mas era jovem demais para saber a diferença entre amor e paixão, ou desejos carnais que todo adolescente alfa tem, seja recessivo ou dominante. — Quando eu era jovem e burro. — Riu, sem humor. — Mas sua mãe passou por muitos problemas, ela me culpou por quase todos, talvez, se eu fosse mais maduro, teríamos conseguido superar juntos. O que não foi o caso, como você pode ver. — Encolheu os ombros, escondendo as mãos dentro do bolso da calça.
— Se não a ama mais, porque não pede o mostrado? — Perguntou, arqueando uma sobrancelha. Jin deu um sorriso triste, doloroso e amargo. Choso ver as olheiras abaixo de seus olhos castanhos opacos, o cabelo desgrenhado e roupas amassadas, é óbvio que tem dormido e se alimentado mal nos últimos anos, e é ainda mais óbvio que saiu correndo do trabalho para conseguir chegar nas feiras de ciências da escola um ritmo. Cinco minutos adiantados, na verdade.
— Eu… não quero que ela afague vocês de mim. — Escutei-o atentamente, tendo a leve impressão de que seu pai está prestes a chorar. — Se nós nos divorciarmos, como mãe ômega, ela tem o direito de levá-los embora, se assim quiser. E eu… não suportaria viver sem você, Sukuna e Yuuji. Vocês são meus maiores tesouros. — Admitiu, encarando-o com tanto amor e devoção que Choso sentiu-se quente por dentro. Sorriu, desviando os olhos logo em seguida.
— É por esse motivo que mantém seu amante no escuro? — E então, Jin arregalou os olhos, suas bochechas ficaram tão vermelhas quanto um tomate maduro. Qual é esse fato? Ele realmente pensou que estava sendo discreto com todo aquele cheiro de alfa impregnado na roupa, marcas de mordidas no pescoço e noites fora? Até Sukuna sabe esconder melhor seus crimes escolares. — Não estou te julgando. Mas se sacrificar por mim e meus irmãos, não vai te fazer feliz. Na verdade, só vai causar ainda mais sofrimento, e não só para você, mas para nós, que somos os únicos inocentes dessa história. — Apontou.
— Ah… — Foi tudo o que escutou. Cansado da conversa, apressou o passo, caminhou dois metros à frente.
Você está tão cansado.
Posteriormente, as brigas entre Kaori e Jin se intensificaram, tornando-se insuportáveis até mesmo dormir à noite, nessas noites, trancava a porta do quarto e fugiu com Sukuna para as ruas, ficando por lá até o amanhecer. O que antes era um lugar de paz e tranquilidade, mas parecia uma zona de guerra, o cheiro de ômega triste e deprimido enchia a casa, usar máscara e tentar ignorar funcionava.
Assim, ninguém realmente se importou em cumprir a parte do acordo e fingir estar feliz. Parou de prestar atenção em como as pessoas a sua volta se sentiram, seus próprios sentimentos dolorosos já eram o suficiente para enchê-lo até a borda, adicionar mais a receita faria-o transbordar.
Assim, também não havia permissão para chegar perto de Yuuji, e Kaori poderia ser muito cruel e criativo nas punições, Sukuna parou de tentar e Choso bateu o exemplo.
Deixar seu irmãozinho para trás não parecia certo, mas o que poderia fazer? Nem mesmo Jin tinha permissão para estar presente nos momentos mais importantes da vida de Yuuji, como apresentações escolares e festas de aniversário. Aliás, quando foi a última vez que fez uma festa de aniversário para o menino? Choso desconfia que ele não tenha amigos. Seus brinquedos são todos novos, intactos, alguns ainda dentro da caixa. Nunca via-o brincando, Yuuji estava sempre diligentemente sentado aos pés do vovô Wasake, caderno no colo e lápis nas mãos, estudando e estudando. Sem tempo de ser uma criança normal.
Choso disse quando foi a última vez que ele foi ao parque para brincar. Perguntou se os pesadelos pararam, ele ainda batia a porta do quarto de Sukuna pela madrugada? Mas não havia ninguém do outro lado para abrir. A quem ele recorria? Como lidava com os tremores ocasionados pelas lágrimas derramadas incessantemente?
Não consegui encarar a figura pequena, aliás, não tão pequena quanto se lembra. Quando ele cresceu tanto? Deu um passo à frente inconscientemente, esticando o braço a fim de tocá-la, sentir sua pele quente e abraçá-lo novamente, entretanto, a presença fria de Kaori o trouxe de volta à realidade.
— Pensando em tocá-lo? — Arrepiou-se com a voz tão próxima do seu ouvido, demorou-se rápido, virando-se para ficar frente a frente com ela. Kaori cruzou os braços, entortando a cabeça para o lado, não há olhos tão profundos nela quanto em Jin, apesar de que ela está sem dúvidas, passando noites em claro. — Não tem permissão. — Sorriu levemente, um sorriso falso e nojento.
— Eu- — Foi interrompido.
— Não, você não poderia dizer nada a ninguém sobre nosso acordo. Eu levaria Yuuji para longe daqui, e então, além de não falar com ele, você também não iria vê-lo crescer. — Apertou as mãos em punhos. Queria. Como queria atacar Kaori e mandá-la para o hospital e nunca mais vê-la na sua frente.
Pensou que os filhos deveriam amar os pais incondicionalmente, e vice-versa, mas não tem como amar uma pessoa tão nojenta e asquerosa quanto Kaori. Ela também nunca o amou. Passou anos tentando encontrar uma razão para não receber o amor de uma mãe ômega (como todas as outras crianças da sua idade), e só agora vejo que não há nenhum motivo justificável, a culpa não é sua, não é porque é medíocre e o primogênito indesejado. Kaori apenas… é incapaz de amar alguém.
Ela não o ama, assim como não ama Sukuna, Jin, o avô Wasake e muito menos Yuuji. Isso é uma obsessão doentia, fingindo-se de vítima enquanto prende todos em suas teias de mentiras, manipulando-os para fazer suas vontades. Uma família nunca existiu. Sempre foram vistos como objetos espaciais, meras peças em um jogo de tabuleiro. E Yuuji no momento é a sua maior e melhor ferramenta de controle.
Todos apoiando essas manipulações são baratas para mantê-lo por perto, porque o amam incondicionalmente, e Kaori continua tirando proveito de sua dor.
Sofrendo?
Não. Ela acha divertido que todos estejam arrastando-se para seus pés apenas para ter um vislumbre do sol brilhante e quente que é o Yuuji, escondido e reservado cativo em seu ninho de cobra.
— Deixe-me mostrar algo. — Ela deixou uma folha do bolso da calça, dobrada várias e várias vezes até tornar-se um papel minúsculo e quase imperceptível. — É um presente. Yuuji-chan escreveu. Leia quando estiver com Sukuna por perto, sim? Eu vou precisar de um outro. — As tapinhas no seu ombro foram recebidas com um rosnado de advertências, ela não se importou muito, sorrindo docilmente.
Subiu as escadas a passos pesados, entrando no quarto de Sukuna e trancando a porta. O irmão estava girando despreocupadamente na cadeira de frente para o videogame, fones de ouvido no máximo, e pés descalços arrastados de um lado para o outro, de acordo com o girar de cadeira.
Bufou, puxando os fones de ouvido da cabeça dele e sendo recebido por um par de olhos vermelhos carmesins estreitos.
— O que foi agora? — Escutou-o perguntar, meu humorado. — Eu não bati em ninguém hoje. Ainda. — Reviro os olhos. Honestamente, parou de tentar fazê-lo agir como um humano normal, Sukuna é selvagem e violento, ele vai reagir instantaneamente caso se sinta ameaçado, é aceitável que suas vítimas sejam delinquentes e não pessoas éticas, então não vai repreendê-lo mais.
— Kaori me deu isso. — Mostrou o papel dobrando cuidadosamente, agora, preso entre os dedos. Sukuna arqueou a sobrancelha, esperando uma explicação melhor. — É uma carta do Yuuji. — O nome parece ter trazido vida de volta ao corpo de Sukuna, ele pulou em instantes da cadeira, olhando para a carta como se ela fosse um tesouro perdido do reino Eldorado.
— Me dê isso! — Tentou pegar o papel, Choso, contudo, externamente os braços para o teto impedindo-o de pegá-lo. — Vamos, Nii-san, não seja chato! — Reclamou.
— Tenha paciência. Iremos ler a carta hoje a noite, não aqui, nem agora. — Sukuna fechou a expressão, seus olhos vermelhos carmesins parecem poças de sangue. — É melhor estarmos longe para caso… o conteúdo seja perturbador. — Disse, apoiando uma mão no ombro do irmão.
— …Tsc. — Sua mão foi removida com brutalidade, e Sukuna virou o pescoço para o chão, encarando o nada. Há tantas promessas sangrentas correndo por sua expressão amuada. Teme, por alguns segundos, que ele perca o controle e quebra todo o quarto. Suas crises de raiva são tratadas por terapias com o psicólogo infantil, mas o temperamento continua instável. Irritando-se facilmente. — Yuuji nunca faria nada que fosse considerado desconfortável. — Murmurou entre os dentes. Choso deu um meio sorriso, convocando as palavras.
— Bom, de qualquer maneira, hoje a noite te encontro no lugar de sempre. — Avisou, deixando-o sozinho.
Desejou abrir a maldita carta mil e duzentas vezes, quebrar o acordo com Sukuna e descobrir os planos daquela víbora traiçoeira que é provocada a chamar de mãe. Fez-se meio milhão de perguntas ao longo da tarde, do tipo, a carta é realmente de Yuuji? O que ele escreveria? Por que você não sente o cheiro dele no papel? E o mais importante, porque Kaori compartilharia algo de Yuuji por boa vontade?
Algo não estava se encaixando.
Desceu para o almoço, enchendo o prato de comida até a borda e subindo as escadas novamente, antes que o Yuuji o veja. Comeu tudo silenciosamente, perdido no próprio mundo, respondendo atividades escolares e preso no videogame. Mal observar quando deu a hora do passeio noturno, Jin tinha acabado de chegar e os passos pesados de Kaori descendo as escadas são inconfundíveis, ele conta menos de cinco minutos para que a discussão comece.
Pulou a janela do quarto, agarrando-se a árvore que vai do seu quarto até a janela do quarto de Sukuna, e deslizou nela até o chão de grama verde bem cuidada (graças aos esforços do vovô). Consertou as roupas folgadas no corpo e pulou a cerca de madeira, aparecendo na rua residencial pouco movimentada a essa hora da noite, são quase onze, e os gritos de Kaori podem ser ouvidos da calçada. Não seria nada surpreendente se os vizinhos se ligassem à polícia ou tentassem expulsá-los do bairro, o barulho é incômodo e afetava todos os moradores do condomínio.
Caminhou sete metros até sair do bairro (quase) silencioso e entrar na avenida, então passou por becos e vielas, ruas sujas e escuras até chegar ao ponto de encontro que circula com Sukuna, também é onde Hakari administra seu clube de luta clandestino. Choso acha que ele é uma criança muito emocionada com esses sonhos americanos, sem sombras de dúvidas causadas pelo filme de Rocky Balboa, e o box estilo africano. Provavelmente, a falta de manutenção dos pais tenha contribuído para o desenvolvimento marginal do garoto, sempre metido em confusão e cheio de complexidade.
Hakari não é uma criança feita puramente de maldade, ele mostrou ser cuidadoso de atenção e amor, ficando surpreso quando Choso o repreendeu por ser descuidado e verificando seus riscos feios. Ele só ficou sozinho por muito tempo, mas agora, tem Choso e Sukuna, que não pretendem deixá-lo nunca mais. Eles podem ser uma família, laços sanguíneos não significam nada, sua relação com Kaori é uma prova disso.
Entrou no galpão abandonado, já ouvindo o barulho dos gritos adolescentes, cheiro de bebidas e cigarros, por toda a parte, franziu o nariz, e subiu os degraus enferrujados que levam ao "escritório" ou área "vip" no segundo andar. Encontrou Hakari e Urame contando uma pilha de dinheiro sob a mesa, e Sukuna esparramado no sofá de estofado mofado e cheio de rasgos, a iluminação é boa, e eles não se assustam com sua chegada repentina e silenciosa. Não é como se todos pudessem subir aqui.
— Sukuna… — Não precisou chamar mais de uma vez, ele gritou-se e o som, dispensando quaisquer expressões duvidosas no rosto de seus amigos. Choso foi cortês ao oferecer um meio sorriso, mostrando-lhe as costas no segundo posterior.
Caminharam por uma passagem escura e úmida, repleta de ruídos de ratos, e chegaram a uma varanda que já viu dias melhores, o parapeito pelo menos foi bem projetado e construído, ainda contendo resquícios dos primeiros dias de instalação, embora a ferrugem avançasse centímetro por centímetro para as partes intactas.
— Então? — Instigou, impaciente, de costas para o parapeito. Respirou fundo, tirando a carta do bolso, lutando para manter os dedos firmes, sente-se tão ansioso e não sabe exatamente o porquê. — E um logotipo! — Sukuna reclamou rude. Engoliu em seco, desdobrando o papel lentamente, com medo de rasgá-lo acidentalmente.
As primeiras letras que viram sem dúvida eram de Yuuji, tortas, feias e preguiçosas, sua caligrafia nunca foi uma das melhores, riu com carinho, imaginando-o se esforçar para que as letrinhas saíssem o mais legível possível. Sukuna bufou, espiando por cima dos braços cruzados acima do peito, tentando ser durão.
— Certo… é, vamos lá. — Respirou fundo, uma, duas, três vezes, e trouxe o papel para perto do rosto. — "Minha família é grande e bonita, moramos em uma casa marcante que tem um jardim maravilhoso, ajudamos o vovô a mantê-lo assim, nós regamos e cuidamos das plantinhas todos os dias. Também ajudo a mamãe na cozinha, ela tem estado triste nos últimos meses, então faço o possível para vê-la sorrir, não gosto quando ela chora. E meu pai, bem, é difícil falar dele. Acho que assim como meus irmãos mais velhos, ele gosta de mim. Digo isso porque tipo, não escute mais histórias antes de dormir, nem almoçamos mais juntos nos fins de semana, é raro ir ao parque - mas quando acontece, estou com o vovô - não vejo graça em ir no parque, as outras crianças não brincam comigo, as mães delas não deixam. Acho que dizem que sou irmão da "aberração"? Quem ela estava chamando de aberração? Sukuna, Choso ou eu?
Parei de me importar, ainda dói, eu queria ter amigos. Mas a disse mamãe que tudo bem ser sozinho, ela diz que algumas pessoas nasceram para ficarem sozinhas, porque não merecem ser amadas. Elas não são boas o suficiente para serem amadas. Mamãe diz que sou uma dessas pessoas.
Acho que ela está sendo uma boa mãe, já que apesar de eu não merecer ser amada, ela me ama tanto.
Também não posso culpar Choso e Sukuna por não me amar, eles são tão incríveis, grandes, bonitos e fortes! É natural que não queiram um esquisito como eu por perto.
Eu continuo amando todos eles, e irei amá-los eternamente, mesmo que de longe, porque entendo que o problema não é neles, mas sim em mim.
Para família Itadori,
Com amor, Yuuji.” — Quando… quando ele começou a pensar assim? Um soluço espaça por entre seus lábios, quer pará-los, mas é forte e não consegue conter as lágrimas que descem igual cascata dos seus olhos.
Sukuna puxa o papel com violência, virando as costas e ficando de frente para o parapeito, ele lê e relê a carta milhões de vezes, seu cheiro de sangue ficando cada vez mais perturbador.
Suas respostas são completamente opostas uma da outra, enquanto Sukuna sente ódio, raiva e revolta, Choso chora de dor pela forma com o irmãozinho de sente, como pensa de si mesmo, e principalmente, pela sua solidão. Choso se culpa por ser um péssimo irmão mais velho, e Sukuna culpa Kaori por ser uma péssima mãe.
— Eu vou matar aquela vaca. — Rosnou baixo e ameaçador, as lágrimas de Choso pararam instantaneamente diante do tom usado do Sukuna, sua voz está quase irreconhecível, as garras projetando-se para fora dos seus dedos são dolorosamente selvagens e às presas, agora grandes o suficiente para arrancar um bom pedaços de carne, são longos e afiados. Medonho. — Como ela ousa fazê-lo sofrer desse jeito. — Murmurou, salivando. — Irei matá-la. — Determinado, passando por Choso totalmente fora de si.
Seu cheiro de sangue e corpos em tranquilidade é nojento, intimida qualquer um, é insuportável de aguentar. A comoção no andar de baixo é liderada, escutas, rosnados, e há três dúzias de adolescentes correndo para fora do galpão desesperados. Choso não tem forças para ir atrás de Sukuna e tentar pará-lo, também sabe que não conseguiria, ele entrou em um estado profundo de selvageria, ninguém poderia puxá-lo para fora agora, msm mesmo sua alma gêmea. Não, na verdade, ela poderia facilmente machucar sua alma gêmea se a encontrasse. Todos que não forem Yuuji são encarados como uma ameaça.
Dito isso, deixa-se deslizar no chão e fica na mesma posição, Hakari e Urame ficam longe, eles sabem que não há nada que digam capaz de amenizar os sentimentos confusos de Choso.
É tudo sua culpa.
Um péssimo irmão mais velho.
Deveria ter lido a carta sozinho.
É tão burro.
Essas palavras gritaram em torno da sua cabeça, enchendo seus ouvidos até que tudo o que conseguisse escutar fosse elas. Fechou os olhos e dormiu ali mesmo, entorpecido demais para levantar e caminhar para lugar que deveria ser um lar, mas é tudo menos isso.
Na manhã seguinte falei vagarosamente, os olhos inchados e o corpo pesado, queria continuar exatamente onde estava, mas o céu cheio de nuvens escuras sinalizou que seria uma péssima ideia. Sem escolhas, caminhou para casa como se estivesse no corredor da morte e não tivesse direito a um último pedido. A vizinhança estava mais barulhenta que o normal, eles o olharam como se fosse um encontrado treinado a atacá-los, deram passos em direção a suas próprias casas quando Choso passou por perto.
Percebeu que está com medo.
Abriu as mãos nos punhos, escondendo o melhor que pode o rosnado irritado no fundo da garganta. Não é um animal irracional. Avistou a própria casa a poucos metros de distância, descobriu meio milhão de vezes em dar meia volta, pegar carona em um ônibus e fugir para longe daqui, mas essa não é a atitude que um irmão mais velho e responsável teria. Porra. Permitir as travessuras de Sukuna também não é o que um bom irmão mais velho faria, mas ainda assim permitido. É um verdadeiro fracasso.
Passou pela cerca de madeira e caminhou pelo curto caminho pedregulhoso até a porta de entrada, precisou respirar fundo duas vezes antes de torcer a maçaneta, reunindo forças para lidar com o que quer que o esperasse do outro lado. Enfim, abriu e entrou, sendo recebido pelo silêncio desconfortável e o cheiro pesado de sangue, podridão e dor, sente que está explorando a tumba de algum faraó do Egito, isso agita suas entranhas. Pensei que gostaria de nunca ser recebido pelos gritos de Kaori e Jin, mas agora, é tudo o que deseja.
Enoliu a saliva que se acomulou na boca, adentrando ainda mais na casa, vendo a mancha de sangue ainda fresco no carpete, não se deu o trabalho de tirar os tênis, continuou o seu caminho e finalmente encontrou uma alma viva na sala de estar. E o próprio Jin, ele está sentado no sofá, com as pernas abertas, os pés batendo freneticamente no chão, cotovelos apoiados nos joelhos e mãos escondendo o rosto. Aproximou-se silenciosamente, parando a dois metros de distância, por segurança.
— O que Sukuna fez…? — De alguma forma, teve forças para se pronunciar. Jin tirou o rosto do meio das mãos, seus olhos estavam profundamente cansados, mesmo assim ele abriu um sorriso fraco e amoroso, esticando um braço, chamando-o para perto sem usar as palavras.
Aproximou-se a passos cautelosos, e quando estava a centímetros de distância, Jin deixou-o para um abraço apertado e quente.
— Estou tão feliz por você estar seguro. — Sussurrou, derrubando Choso em seu colo espaçoso, como fez anos atrás, e enfiou o nariz no topo de sua cabeça. Balançando para frente e para trás. Fechou os olhos e permitiu-se ser embalado como um bebê, foi bom, sentiu-se seguro, acolhido, protegido, amado. Tantas emoções boas. — Oh Choso, me desculpe, me desculpe por ser tão inseguro. Prometo que não farei mais nada que os machuque, por favor, acredite no papai, sim? — Pediu, quase desesperado. — Eu te amo tanto, minha alfinha. — Puxou-o ainda mais, apertando tanto que Choso ficou sem ar.
— Pai… eu preciso.. respirar!! — Bateu nas costas duras de Jin, e o abraço felizmente afrouxou um pouco. — Obrigado. — Pediu, ainda ofegante. Jin riu, enchendo suas bochechas de beijos.
Não é mais um bebê. Mas se Jin quer tratá-lo como um, vai deixá-lo fazer isso. Não é tão ruim quanto parece.
— Desculpe, papai está um pouco emocionado. — Disse, um tanto envergonhado.
— Onde está Sukuna? — Perguntou, olhando ao redor e torcendo o nariz para o cheiro desagradável.
— Sukuna atacou Kaori durante a madrugada. — Confessou, nada que já não saiba. Jin, entretanto, não parece irritado ou magoado, ele mantém a calma, pois seu filho não tentou rasgar o pescoço de sua esposa. — Não houve ferimentos graves, felizmente. Conseguirá tirá-lo de cima de Kaori com a ajuda do papai, ela precisou ir ao hospital, e Sukuna… bem, ele trancou-se no quarto e se recusa a falar com todos. O Yuuji está na escola, você sabe, ele dormiu na casa de uma das amigas de Kaori na noite passada, então não escutou ou presenciou nada. — Soltou uma respiração que não sabia que estava presa. Qual notícia deixou-o mais aliviado? Yuuji está fora, Kaori está bem, ou Sukuna não fez algo pior?
— Sinto muito, eu deveria tê-lo impedido. — Pediu, abaixando a cabeça em total humilhação. — Sou um péssimo irmão mais velho, pode me colocar de castigo também, eu mereço. — Jin bufou, pegando seu rosto pelas laterais e levantando-o para olhar-lo nos olhos.
— Você é o melhor irmão mais velho que Sukuna e Yuuji poderiam pedir, e estou muito orgulhoso de ser seu pai. — Afirmou seriamente. Choso mordeu os lábios com força, tentando segurar as lágrimas que ameaçaram cair, seus olhos já estavam tão inchados do choro da noite passada. — Você fez o seu melhor como irmão mais velho, Choso, é normal cometer erros, mas eles trazem boas lições e moldam o caráter. Não deveria se envolver por isso. Eu não tive um irmão mais velho, então não tive um exemplo a seguir, sabe o quanto você é corajoso por liderar o caminho, abrindo um mar de possibilidades e mostrando onde pisar ou não pisar, para Sukuna e Yuuji? Você é incrível, meu amor. Tenho certeza de que eles pensam assim de você também. — Não conseguiram segurar as lágrimas, elas romperam a barreira que imaginou ter criada e caiu em cascata pelo seu rosto, as soluções pesadas vieram logo depois.
— Pode chorar, é bom colocar o que sente para fora, nos faz sentir melhor. — Recebeu tapinhas nas costas, e níveis círculos sendo desenhados pelas pontas dos dedos de Jin. — Estou orgulhoso de você. Nada do que faça ou diga poderia mudar isso, eu garanto. — Afirmou novamente, beijando-lhe a testa.
Não vi quando, mas acabou pegando no sono novamente, sendo embalado no colo de Jin.
Quando acordou, estava dentro de um pijama quente e confortável, era domingo, infelizmente, e o relógio marcava dez horas da manhã. Inscreva-se nos cobertores, desejando tornar-se apenas uma com eles e simplesmente sumir da vista de todos, desaparecer do radar. Mas é claro que não poderia, portanto, falar e escovou os dentes, vestiu uma roupa confortável e desceu as escadas.
O cheiro podrido foi-se embora, substituído por uma leve essência de algodão e canela, os cheiros do avô e Yuuji, facilmente percebidos. Andou um pouco mais e viu Jin na cozinha mexendo em panelas, o aroma da comida estava delicioso, ele sempre teve um tempero melhor que o da Kaori.
Recebeu um sorriso grande e brilhante, abriu os olhos, pensando ser atingido pelos raios solares.
— Quer ajudar Sukuna a pôr a mesa? O almoço está quase pronto. — Sem dizer nada, ajudou Sukuna a carregar os talheres e copos, dando uma rápida olhada em Yuuji tagarelando algo suavemente no ouvido do vovô, enquanto sentava no colo dele e assistiam um programa de tv.
A lembrança ainda fresca do conteúdo da carta fez o seu coração doer, e ele desviou os olhos rapidamente.
Quando terminaram, sentaram todos em seus devidos lugares, e Kaori teve, infelizmente, alguns acontecimentos, mas não havia aquele sorriso asqueroso no seu rosto. Bom. Remexeu-se des confortavelmente na cadeira, de frente para Yuuji. Seu irmãozinho estava sendo cutucado teimosamente pelo avô, que de alguma forma, forçou-o a comer verduras. Costumava aceitar o contrabando dos legumes e verduras, odeia-os? Sim! Mas faz tudo e qualquer coisa por seu irmãozinho.
Começaram a comer silenciosamente, e Jin interrompeu a saída de Sukuna segundos antes dela acontecer oficialmente, anunciando que está se divorciando -se de Kaori. Permanentemente.
Um sonho tornou-se realidade.
De repente, todo o peso e sentimentos dolorosos foram embora do peito de Choso, ele sentiu-se, pela primeira vez em anos, feliz. Livre.
Supõe-se que os filhos sofram com o vídeo dos pais, mas isso não aconteceu com ele, deveria se sentir mal? É um psicopata sem emoção? Abriu um sorriso verdadeiramente feliz, seus feromônios saíramrem agradavelmente, o cheiro puro e saudável. Sukuna também sorriu, mostrando as presas que ainda não voltaram ao lugar.
— Já estava na hora. — É claro que ele também não conseguiu segurar o veneno na língua.
No entanto, Yuuji estava triste…? Não entendi o que aconteceu, todos sabiam que o casamento de Jin e Kaori foi um fiasco, o próprio Choso tinha essa percepção desde os quatro anos de idade. Qual é o problema de Yuuji? Ele não quer ver seu pai e irmãos felizes? Ele gosta de brigas incessantes e clima pesado?
Não entendo. Na verdade, não o entendo.
Ele não é mais uma criança, há nove anos, é grande o suficiente para entender os motivos do desenho. Mas ainda comprei sofrer desnecessariamente. Talvez devessem conversar a respeito? Sim, devo fazer isso. Kaori e Jin explicaram que não se amam mais, e Sukuna zumbiu abertamente, seu rosto cínico cantava vitória. Provavelmente estou pensando que fez uma boa ação em atacar Kaori pela madrugada.
Um sem noção.
O que pegou-o de surpresa, entretanto, foi a escolha de Yuuji ir embora com Kaori e abandoná-los. Eles são irmãos, Jin prometeu que Choso era um ótimo irmão mais velho, então porque Yuuji não os escolheu?
Vovô Wasake impediu-os de ir atrás deles, disse que não deveria interferir nas escolhas do garoto, e então, recolheu-se na própria cadeira de balanço que ficou no jardim. Agora, suas tardes foram passadas solitariamente, sem a presença de Yuuji. Suas risadas. Brincadeiras. Queiro. Não o veria crescer, do mesmo jeito que Kaori prometeu.
Como eu odeio.
Ninguém gostou da decisão, e Jin aparentemente foi o mais afetado, ele decidiu-se a comer por dias e mau saiu da cama. Conseguiram trazê-lo para fora do estado deplorável graças ao homem musculoso, grande e de sorriso malvado, Fushiguro Toji e sua sopa revitalizadora de almas. Ou assim ele chamou-a. Observei Toji cuidar do seu pai com tanto amor e delicadeza que rapidamente chegou à conclusão de que eram amantes a um longo tempo.
Disse isso em voz alta e só antes de Toji ficar irritado, ele riu, respondendo que:
— Jin tinha razão quando disse que você é um garoto inteligente. — Passou por Choso, bagunçando seu cabelo despreocupadamente.
Adaptar-se à presença de Toji foi tão fácil quanto respirar, ele fez programas legais de levá-los para praia, andar de patins, esquiar na neve e jogar basquete. Também ajudou o vovô no jardim, apesar de ser xingado a cada cinco segundos, e Sukuna…. Por incrível que pareça, Sukuna e eles deram-se tão bem quanto os irmãos gêmeos. Eles estavam na sincronia mais perfeita.
Talvez porque Toji também teve problemas em controlar o instinto animalesco quando mais jovem e inexperiente, e foi gentil e prestativo ao auxiliar Sukuna na terapia. Seus dois filhos inicialmente eram crianças tímidas e quietas, mas com o tempo, Tsumiki mostrou-se tão responsável e sério quanto ao próprio Choso, sempre protegendo o seu irmãozinho, Megumi que coincidentemente, tinha a mesma idade de Yuuji. Nove anos. No entanto, era muito mais maduro e abrangente.
Choso os acolheu como sua nova família, os Fushiguro se encaixaram como uma peça perdida de uma quebra-cabeça. Encontrou em Toji o apoio moral de um alfa dominante que tanto precisava, Jin sempre foi maternal e amável, mole demais, sensível demais. Toji o entende melhor. Tsumiki dividiu com ele o peso de serem os irmãos mais velhos, e Megumi de alguma forma, era uma lua pequena e brilhante.
Tão diferente de Yuuji, e ainda assim tão parecido. Tenho a sensação de que eles seriam excelentes amigos no dia.
Estava enganado.
Yuuji odiou a todos, suas palavras duras atingiram em cheio o coração de Choso e Sukuna, e invejou Jin mais uma vez para um estado deplorável. Tentaram fazê-lo mudar de ideia, ver que todos estavam muito mais felizes assim, entretanto, nada o fez mudar o posicionamento.
Amava-o tanto, mas sempre que tentamos se aproximar, foi bruscamente afastado. Yuuji acusou-o de abandonar Kaori, Choso não entendeu. Kaori nunca o amou, nunca amou Sukuna, ela apenas tinha uma obsessão doentia por Jin, e usou-os como ferramentas para manter um casamento de fachada por anos. Por que exatamente Yuuji não conseguiu enxergar algo tão simples?
Burro. Foi a resposta que Sukuna encontrou para toda a confusão que o irmão mais novo estava causando. Choso, apesar de odiar chamar o irmãozinho de burro, viu-se obrigado a concordar.
As visitas de Yuuji passaram a ser curtas e baratas, ele seria ácido, tóxico, sarcástico e cruel, não se importava com a saúde de Jin, nem considerava as gentilezas de Fushiguro. Ainda assim, batê-lo era um assunto proibido. Nunca vi um mundo onde machucaria os próprios irmãos, e tinha certeza que Sukuna pensava da mesma forma. Até que não.
Tem muitas queixas a fazer sobre Sukuna, e são todas válidas, mas em todos os anos da vida nunca bateram um no outro, nem mesmo de brincadeira (intencionalmente). Então, ficou mais do que surpreso ao descobrir que havia de fato espancado Yuuji. Sim, não foi uma briga. Yuuji foi o único que saiu machucado. Perguntou como ele ficou, mas ninguém quis dizer, tentou ir a casa de Kaori para prestar uma assistência e ninguém abriu a porta.
Sukuna precisou passar por um longo tratamento depois disso, culpou-se pela saída de Yuuji, disse que ele escolheu ir embora com Kaori porque tinha medo de viver perto de um animal. Nenhuma dessas palavras tinha sentido, mas Choso não era um psicólogo e portanto, estava de mãos atadas.
Passaram-se longas semanas até receberem novamente a visita de Yuuji, dessa vez, ele não falou com ninguém, nem olhou-os nos olhos. Mal tocou na comida e tinha o olhar distante, como se estivesse em outro lugar. Esse tipo de comportamento tornou-se típico, tão típico que esqueceu-se que um dia ele tinha sorrisos radiantes iluminando a casa.
Seu último desentendimento com Jin foi a gota d'água, aparentemente, ele descobriu-se bom demais para dividir o quarto com Megumi (ou como chamou-o: Vadia), e fez as malas para ir embora. Choso estava farto de tanto mimimi e infantilidades, Yuuji deveria parar de ser tão mimado e agir de acordo com a situação, todos estavam bem e sem motivos para brigas, mas ele continuou insistindo em acusar Jin e Toji de algo que eles definitivamente não fizeram.
— Você está louco, Yuuji, nós não éramos uma família antes dos Fushiguro chegarem, estávamos apenas brincando de casinha. Ninguém era feliz. — Falou a verdade, e Yuuji calou-se imediatamente, apesar de seus olhos estarem cheios de lágrimas, nenhuma foi derramada, pelo menos não na sua frente.
— Sim, não ficamos felizes antes de Toji-san, Tsumiki-kun e Megumi-kun chegarem. Você não pode entender isso? Preferia viver no meio de todas aquelas brigas? — Sukuna disse, com o cenho franzido, cheio de confusão. — Agora que finalmente estamos em paz, você não acha que está sendo mimado demais em estragar isso com seu comportamento inadequado?! — Algo cortado dentro do olhar de Yuuji. Ele deu passos para trás, e abriu um sorriso pequeno, sem graça, quase envergonhado. Encolhendo-se sobre si mesmo.
— Tem razão… — Murmurou pausadamente, rouco de tanto gritar. Quis limpar o sangue que escorre de seus lábios e nariz, graças ao soco de Jin, seu pai, que nunca os bateu. — Estou sendo mimado e infantil, não irei mais incomodá-los com minha infantilidade. Eu garanto. — Disse, dando as costas.
— Yuuji, querido, espere… o vovô vai limpar você… — O vovô Wasake tentou, essa também foi a primeira vez que Choso o viu tremer, sem a carranca séria e rabugenta no rosto.
Bem, Yuuji sempre foi seu favorito.
— Posso fazer isso sozinho, vovô, sei me cuidar muito bem. — Abanou as mãos, encolhendo os ombros e mostrando um sorriso suave para o avô, totalmente diferente do que oferece aos outros. — Vamos, não se preocupe. Já lidei com dores muito piores e sobrevivi, isso não é nada. — Assegurou, passando pela porta.
Dores piores?
Ele estava se referindo a briga com Sukuna? Provavelmente.
— Tem certeza que… — Interrompeu o vovô, sorrindo por cima do ombro. Choso o conhece o suficiente para saber que é um sorriso falso.
— Ficarei bem. — Tão falso quanto o de Kaori.
Fechou a expressão, cruzando os braços.
— Ele e Kaori se merecem. — Resmungou, subindo as escadas e trancando-se no quarto. Jogou-se sobre a cama e olhou para o teto, questionando-se porque Yuuji não pode simplesmente aceitar a sua felicidade. Porque prefere ela ao invés deles.
•••
Arqueou as sobrancelhas diante do aviso repetino de Jin, a notícia de que Yuuji iria voltar a morar com eles foi recebido com alegria, claro, mas acima de tudo, cautela. Durante todos esses sete anos que se sucederam o desenho dos seus pais, ele nunca passou um final de semana completo aqui, apesar de ser o combinado inicialmente, sempre criando desculpas para ir embora no final da tarde, ou nem se dando o trabalho de mentir, apenas despedindo-se do vovô Wasake e desaparecendo minutos depois, como num passe de mágica. Então sim, estão cautelosos com a estadia dele, e muito surpresos com o pedido de Kaori.
Foi explicado que ela está se mudando para outra cidade, Osaka, e levar Yuuji é inviável por causa da escola e do namorado (desde quando ele tem um namorado? E por que não sabiam disso?!) portanto, deixar-lo sob a supervisão de Jin é a escolha mais sábia de se fazer. Entretanto, o próprio Jin não partilhou essa ideia quando chegou em casa na sexta-feira à noite.
— Qual o problema agora, pai? — Sukuna falou sem paciência para os nervosismos que atacam Jin sempre que o assunto é Yuuji. Ele já deveria ter superado isso, faz anos, tem certeza de que o próprio já esqueceu o soco que ganhou essa discussão (diga-se de passagem, ele mereceu).
— Não acho que Yuuji tenha gostado da notícia de morar conosco. — Respondeu, esfregando as mãos na blusa de algodão, a barra já muito amassada graças aos seus apertos. — Ele desmaiou. Assim, do nada, quando Kaori-san o informou da mudança. — Gesticulou nervosamente, batendo os pés no chão. Bufou, tomando um pouco de chá, gentilmente servido por Tsumiki.
— Hum… ele não tem um tio a qual é muito apegado? — Rosnou inconscientemente para as palavras de Megumi, que encolheu os ombros inocentemente. — Foi só um palpite. — Levante as mãos em sinal de rendição.
— Kaori-san acha que a proximidade dos dois é preocupante, ela me disse que Kenjaku-san leva Yuuji a muitas viagens e ela não tem permissão para saber o que eles fazem nesses períodos… consideravelmente longos que passam fora. — rosnou novamente, sentindo-se estranhamente ansioso com essas informações. Mal conheço o Kenjaku, irmão mais velho de Kaori, mas se o vovô o odeia, não precisa conhecê-lo para saber que seu caráter é um lixo.
— Viagens? — Sukuna perguntou, estreitamente os olhos ameaçadores.
– Sim. Viagens longas, geralmente, para fora do Japão. — Confiante, ainda mais nervoso. — Não me lembro de Kenjaku-san ser rico, ele tem apenas uma floricultura no centro de Shinjuku. — E isso é verdade, nem os Kamo, nem os Itadori são ricos. Muito menos o Fushiguro. Vivendo confortavelmente, sim, mas caso não tivesse conseguido uma bolsa para a universidade e um estágio remunerado nas indústrias Tsukumo, uma família estaria economizando até a conta de luz e despesas alimentícias para pagar a mensalidade da faculdade dos três filhos.
Choso, estudante de administração.
Tsumiki, estudante de pedagogia.
E Sukuna, estudante de engenharia.
Todos os três são bolsistas, mantiveram boas notas escolares para conseguir essa oportunidade. Megumi felizmente segue o mesmo caminho, então, provavelmente Jin e Toji terão que pagar apenas pelos estudos de Yuuji, que têm péssimas notas escolares.
— Estranho. — Toji murmurou, olhando para o nada fixamente. — Mas não adianta se preocupar com isso agora, sim? Por que não organizamos o quarto dele e Megumi um pouco para recebê-lo de braços abertos? — Perguntou, com um sorriso animado.
— Pai, ele te odeia. — Tsumiki lembrou, o que só fez o sorriso de Toji crescer.
— Ah, apenas espere e veja. Ainda vou pescar aquele pirralho. — Piscou um olho, confiante. É impressionante que mesmo depois de tantas rejeições ele continue insistente.
— Boa sorte então, cara. Você vai precisar. — Sukuna ofereceu, balançando a cabeça para os lados.
Esperaram a chegada de Yuuji como foi instruído por Tsumiki, cada um no próprio canto, continuando suas vidas normalmente como se não estivessem tentando a arrancar os cabelos, cheios de ansiedade. E outra vez, a aproximação deu errado. Ele apenas… desmaiou? Bom, pelo menos Toji conseguiu pegá-lo antes que atingisse o chão.
Vê-lo ser seguro no estilo nupcial, com membros moles e rosto assustadoramente claro, apenas reforçando a hipótese de que Kaori não estava se alimentando corretamente. Do mesmo jeito que fez com Choso e Sukuna na infância. Ele parecia tão pequeno e frágil, desejou poder roubá-lo dos braços de Toji e se esconde no seu quarto, protegendo-o da vista de todos.
Teriam entrado em pânico se Tsumiki e Toji não fizeram tomado a frente, Megumi mordeu tantos lábios que arrancou sangue, ele pode tentar manter as expressões plácidas, mas é um verdadeiro furacão de emoções por dentro. O cheiro forte de álcool trouxe Yuuji de volta ao mundo dos vivos, embora o cor do seu rosto continue mortalmente doente. E sem surpresa nenhuma, foram atacados gratuitamente.
Na manhã do domingo quase não o viram, e à noite, a mesma coisa, busque-los somente na segunda-feira de manhã, e mais uma vez, O QUE DIABOS KAORI FEZ PARA DEIXÁ-LO TÃO DOENTE? Pode contar nos dedos de apenas uma mão a quantidade de vezes que seu irmãozinho ficou doente na infância, e garantir que não chegue a três dedos. Ele sempre foi um garoto saudável e forte, não pode acusar Kaori de negar comida a ele (pelo menos, não quando era bebê), e o vovô estava supervisionado-o constantemente.
Faça um chá de hortelã, ameniza as dores dos cios de Tsumiki e Megumi, mas também serve para cólicas intestinais. Honestamente, pensei que ele jogaria o líquido quente no seu rosto, então foi uma surpresa agradável vê-lo aceitando o favor.
Em compensação, você descartou completamente seu sanduíche no dia seguinte.
— Não desista, Choso-nii-san, você está indo bem. — Megumi o encorajou, mostrando o confiante e pegando os próprios sanduíches. — Vou um entregar esses para ele. — Confidenciou, e correio para acompanhar os pais. Claro, deixando um beijo na bochecha de Sukuna no processo.
Estão tentando. Tentando genuinamente fazê-lo se abrir novamente, quer realmente entender o que aconteceu, porque ele preferiu ir embora com Kaori, porque ele parou de amá-los, por que tem estado tão doente, que diga onde erraram com ele…
Que os escuta pelo menos uma vez e tenta entender os motivos que o levaram a detestar Kaori. Ocorreu a Choso, que todo esse tempo, nunca procurou de fato compreender as raízes da revolta de Yuuji, talvez, ele tenha tido uma visão diferente de tudo. Afinal, era mais jovem, e possivelmente não recebeu o tratamento hostil da mãe, como Sukuna e Choso.
Mas talvez seja tarde demais? Não consegue ver uma fresta pela qual se infiltrar, suas defesas parecem tão impenetráveis.
Tudo seria mais fácil se não tivesse-o mimado tanto quanto mimaram-o na infância, e estão fazendo de novo, cedendo aos seus caprichos infantis e seguindo o ritmo ditado por Ele e apenas Ele.
Ao cair da noite, esperou-o ansiosamente, já estava com fome, mas Tsumiki e Jin insistiram que deveriam esperá-lo para que todos viessem juntos. Bufou, contando os minutos para vê-lo abrir a porta. Cansado, eu estava a sair e fumando um pouco quando o encontrei prestes a entrar. Não falei nada, estava muito ocupado examinando as roupas curtas e nada modestas que Yuuji vestia, e pior ainda, ousa sair na rua com elas.
Não tem nada contra roupas curtas, mas as ruas estão cheias de pervertidos que máquinas importam jovens ômegas indefesos. Kaori não ensinou isso a Yuuji? O que é perigoso sair vestido assim, principalmente à noite? A camisa é grande, dá a impressão de que roubou do seu namorado, (será que realmente é isso? Uma camisa do namorado? O infeliz que não tem nem a decência de vir trazê-lo em casa!), bate na metade das coxas que nuas, o shortinho está impossivelmente curto não faz nada para cobrir suas pernas delegadas, que parecem brilhar nas luzes incandescentes da rua.
A compreensão de que seu irmãozinho não é mais um bebê por trás de um sabor amargo na boca de Choso, porque possivelmente, está chegando a hora dele conhecer os prazeres do sexo e namorar alfas nojentos, que não querem nada além de usá-lo como uma boneca originalmente com o único objetivo de gozar e cair fora. E não, não está permitindo que nenhum desconforto seja brinque com o corpo do seu irmão desse jeito. Nunca. Yuuji é um anjo e deve permanecer alheio às nuances da vida adulta até atingir os trinta anos, ou melhor, ele poderia ficar solteiro eternamente. Sim, então é muito melhor. (Deve ter uma conversa séria com esse tal namorado, tem certeza de que ele não passa de um verme triste).
É acordado dos seus devaneios por um empurrão nada gentil, não conseguiu se sentir incomodado, está pensando seriamente em matriculá-lo em aulas de defesa pessoal, assim como fez com Megumi e Tsumiki, ou o próprio Toji pode ensiná-lo? Mas primeiro, deveria descobrir quem é o canal que está namorando-o e livrar-se dele. Seu irmão ainda é uma criança, não deveria pensar em relacionamento agora.
Como alfa, tem autoridade para dizer que nenhum deles tem personalidades legais. Obrigado.
Suas ideias foram aceitas por Toji e Sukuna instantaneamente, no momento em que eles colocaram os olhos sob as coxas nuas de Yuuji e toda a extensão de pele nua a vista, brilhando de suor. Aliás, ele estava correndo? Faz todo sentido, já que há músculos definidos nas pernas. Deve se juntar com os outros três alfas (chamam o vovô ou deixar-o de fora?) para elaborar um plano de proteção para Yuuji. Ele parece tão alheio à própria beleza que é um perigo.
Houve pequenas interações no momento em que Jin e Megumi se levantaram da cozinha, talvez tenham sido muito agressivos? Yuuji parece feliz. Mas seu comportamento mimado não deve ser atendido o tempo todo, assim, nunca irá retornar. Não quer forçá-lo a comer, quer apenas ajudá-lo. Quando Megumi falou que não viu o dia inteiro, Choso ficou extremamente preocupado, é de conhecimento geral que Yuuji nunca apareceu durante as curtas visitas que fez a casa nesses sete anos.
Contudo, presumimos que ele estaria se alimentando ao ir embora, passar o dia inteiro sem comer já é outro assunto, muito mais grave e preocupante. Só não imaginava ser chamado de alfa imundo?
Doeu. Não vai mentir. Esse garoto que se retrai ao seu toque, é o mesmo que chamava-o de Nii-san, abraçava-o carinhosamente, enchia suas bochechas de beijos, dizia-o amar incondicionalmente e abria um sorriso caloroso para recebê-lo na porta de casa, depois de um dia cansativo na escola. E agora, ele cospe a palavra "alfa" como se fosse uma praga, Choso não é burro, e não precisa ser muito inteligente para saber que Yuuji está se referindo a Choso e somente a Choso, ao completar "imundo".
O problema dele não é com alfas, é com Choso, em especial.
E então, dizer que Kenjaku faz o papel de pai muito bem na sua vida?
Não foi Kenjaku quem passou anos aguentando um casamento de merda apenas para mantê-lo por perto! Ele deveria ser mais grato a todos os sacrifícios que Jin fez, apenas para não ficarem separados. Estava prestes a segui-lo para fazê-lo se desculpar com Jin por suas palavras duras e insensíveis, quando o vovô surgiu dos fundos da casa, o cheiro de tabaco do seu cachimbo veio junto, trazido pela brisa fresca de outono.
— O que vocês fizeram agora?! — Perguntou, irritado.
— Claro, o pirralho é um desgraçado mimado e a culpa sempre é nossa. — Sukuna resmungou, revirando os olhos. — Deveria ver as roupas com que ele saiu na rua, estava parecendo uma prostituta. Existem pervertidos por todos os lugares, não se usam shorts como aqueles em tempo como esses, os índices de violência sexual estão cada vez mais altos. — Apontou, indignado.
— Ei, calma aí, Sukuna-Kun, as roupas que um ômega usa ou deixa de usar não é uma permissão para ser assediado sexualmente, se você pensa desse jeito, deve rever seus conceitos! — Foi repreendido por Tsumiki.
— Não foi isso que eu quis dizer! — Defendeu-se, cruzando os braços.
— Então o que exatamente você quis dizer, Sukuna? — Megumi atiçou, estreitando os olhos.
— Parem já! — Toji os calou, levantando o sofá. Ele tem uma carranca dura no rosto, — Jin, acho que você deveria tentar conversar com ele… — Aconselhou, humildemente.
— Não, não deve. Eu vou vê-lo, não chegue perto dele agora. — O avô reclamou, atravessando a sala e subindo as escadas.
— Espere, papai, Yuuji é o meu filho, eu deveria… — Eles sumiram escadas acima.
— Que bagunça… — Murmurou para ninguém em especial, coçando a nuca. Precisa fumar um pouco.
— YUUJI, ABRA A PORTA! — Gritos? Não é costume de Jin gritar desse jeito. Alarmados, todos correram escada acima, querendo saber o que estava acontecendo. Encontraram Jin e o vovô Wasake quase colados na porta, e o cheiro ruim de leite estragado saindo de dentro do banheiro.
— O que houve? — Megumi disse, baixinho.
— Não sabemos, apenas… algo não está certo! Meu bebê… parece estar com dor. — Jin respondeu, com lágrimas nos olhos.
— Saia da frente, vou arrombar a porta! — Sukuna tentou, já estalando os dedos, mas a mão pesada de Toji caiu sob seu ombro.
— Deixe isso comigo. — O QUE? ninguém inventou em apenas, sei lá, bateu na porta? É muito mais ético.
— Podemos apenas bater na porta, não há necessidade de quebrar a fechadura. Ele pode apenas estar querendo atenção. — Ofereceu, encolhendo os ombros ao ser alvo de olhares horrorizados. — Tenho todo o direito de estar magoado, fui o único chamado de alfa imundo. — Defendeu-se, e Tsumiki deu-lhe um soco doloroso no braço. — Aí — Gemeu
— Você mereceu, idiota. — A parte ruim de terem a mesma idade, é que não pode repreendê-la agora.
— Calem-se, ele vai abrir a porta para mim. — O avô falou com muita confiança, mas honestamente, ninguém acredita.
— Te dou sete minutos, Wasake-san. — Toji avisou, seriamente.
Acontece que o vovô obteve sucesso em apenas cinco minutos. O cheiro dentro do banheiro é pesado, denso, não é nada parecido com o odor desagradável que experimentei a sentir de Kaori na infância, nem o azedo do Megumi e Tsumiki, é algo… diferente. Não sabe explicar. Mas é incômodo, o incomoda mais do que deveria.
O vovô abraça o apertado, e Yuuji dorme rapidamente em seus braços quentes.
— Eu vou dar um banho nele e colocá-lo para dormir, pode ir agora. — Franziu o cenho, discordando das ordens do vovô.
— Não acho que isso vá funcionar, vovô, é melhor que- — Foi duramente interrompido pela voz alfa do vovô, forte e dura, cheia de autoridade. Muito mais potente que o de Toji e Sukuna.
É fácil esquecer que ele é um alfa dominante quando é um idoso, mas o vovô é um verdadeiro alfa dominante, um alfa nascido e criado em tempos difíceis. A aspereza de seus dias de juventude o fez ser muito mais poderoso que qualquer um, superando até mesmo a boa genética do clã Zenin, do qual Toji veio.
– SAIAM. — E escolheu, apesar de ser um jovem-adulto de vinte e três anos, sentiu-se um filhote novamente. Seus pés ganharam a vida própria, levando-o para fora do banheiro e do segundo andar, quando menos se deu conta, estava no jardim, fumando um cigarro.
Que diabos.
O que deu no vovô?
— Tem mais um cigarro aí? — Tirou a caixa no bolso da calça, entregando para Toji, que pegou apenas um e levou a boca, acendendo rapidamente e levando a boca.
Ficaram fumando em silêncio. Não tinha o que falar, de qualquer maneira.
O vovô desceu as escadas com Yuuji nos braços meia hora depois, ele não falou com ninguém, apenas trancou-se no próprio quarto e ficou por lá o resto da noite.
O que era aquele cheiro e porque Yuuji estava tão… cansado? Não chegou a vê-lo corretamente, mas tem a impressão de que ele tinha acabado de correr uma maratona de novecentos milhas sem fazer uma pausa, sua respiração ainda estava descompensada enquanto dormia, e captou respingos de sangue na ponta dos dedos de unhas longas e bem cuidadas. Ele estaria se machucando?
Por que faria algo assim?
Desembolsou mais um cigarro, levando-o à boca calmante (apenas na superfície), sente que poderia ter um ataque epilético com todas as perguntas sem respostas que su
a mente está fazendo. Não é nada legal.
— Não fique aqui fora até muito tarde, vai esfriar. — Acenou silenciosamente, considerando o aviso genuíno de Toji, e então ficou sozinho. Sozinho e envolveu nossos próprios pensamentos.
••
Oh por onde nós começamos?
Pelo escombro ou pelos nossos pecados?
E as paredes continuaram a desmoronar
Na cidade que amamos
Nuvens cinzas rolam sobre as colinas
Trazendo a escuridão de cima
Mas se você fechar os olhos
Quase parece que
Nada mudou afinal?
E se você fechar os olhos
Quase parece que
Você já esteve aqui antes?
Como posso ser otimista sobre is so?
Pompeii - Bastille
Notes:
Choso: Preciso proteger Yuuji de alfas nojentos! ಠ益ಠ
Enquanto isso...
Yuuji: quero um pau para chamar de meu .·´¯`(>▂<)´¯`·.
Junpei: Tão fofo (✿^‿^)
•••
Obs: Deixem-me saber qual personagem vocês querem um possível futuro POV.
Prometo que irei atendê-los.Estarei respondendo aos comentários ESTÁ PRÓXIMO SEMANA!!! (*^3^)/~♡
Chapter 6: Capítulo 4 Parte II: Daddy Issues
Notes:
Oiiii galerinha (≧▽≦)
Como vocês estão?
Feliz ano 2024 atrasado!!!!!🥳🎉
Desculpem a demora, estávamos tentando atualizar antes do ano novo, mas como podem ver nossos planos foram por água abaixo...E bem, estou de férias após dois longos anos de escravidão (-_-;)・・・ então, apressei um pouquinho o processo. Não é realmente uma betagem, e desde já nos perdoem pelos erros que encontrão no caminho. Essa é mais do que uma estrada esburacada, é uma estrada esburacada SEM ASFALTO!
Apertem os cintos e VAMOS LÁ.
Boa leitura ꒰⑅ᵕ༚ᵕ꒱˖♡
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
CAPÍTULO 4 PARTE II
Vá em frente e chore, garotinha
Ninguém faz isso como você
Eu sei o quanto isso importa para você
Eu sei que você tem problemas com teu pai
E se você fosse minha garotinha
Eu faria tudo o que pudesse
Eu fugiria e me esconderia com você
Daddy Issues - The Neighbourhood
Houve um tempo em que acordar em uma cama quentinha, coberto por um edredom pesado e grosso, e envolto em um abraço apertado era sinônimo de segurança e um motivo muito plausível para voltar a dormir pacificamente, certo de que estaria sendo protegido dos terrores que o assombram durante o sono ou pior, o que espera ao acordar. Esses tempos foram embora a muitos anos, antes das brigas entre Kaori e Jin começarem, e principalmente, antes de conhecer Mahito. Supõe-se que está preso no abraço de uma alfa seja agradável, mas nunca sentiu-se assim entre os músculos pesados de Mahito, talvez porque tinha um pau dentro da sua vagina ou descansando no meio das coxas, talvez por que o cheiro de sexo e sangue ainda estava impregnado nos móveis do quarto e nos lençóis finos e baratos (comprados na liquidação de fim de ano), ou porque aquelas presas afiadas estavam sempre tão perto, a menos de centímetros de marcá-lo eternamente.
Dormir na mesma cama que um alfa deixou de ser sinônimo de segurança e passou a ser um ato feito com muita apreensão, não sabia se iria acordar pela manhã já sendo fodido por trás (não que esteja reclamando, é um ótimo jeito de começar o dia) ou quem sabe, ser reivindicado durante o sono. Claro, os humanos são criaturas adaptáveis e conseguem se adequar a quase todo tipo de vida, assim, acabou acostumando-se a esse sentimento apreensivo borbulhante no estômago e passou a ignorá-lo tão bem quanto possível. Anos e anos sendo alimentado pelo cheiro forte e arisco de Mahito o deixou doente da cabeça, bagunçando ainda mais o seu cérebro defeituoso, e a apreensão tornou-se ansiedade, a ansiedade de acordar e procurar pelo corpo quente que o cobria durante a noite escura e densa (esse mesmo corpo, sendo o protagonista dos seus pesadelos), mas nunca encontrá-lo. A cama estreita estaria tão vazia e fria quanto o seu coração. A ansiedade dolorosa que o fazia se enrolar em uma bola e desejar sumir do universo, imaginando uma realidade onde nunca existiu e como todos estariam mais felizes assim.
Logo essa ansiedade tornou-se saudade. Saudade daquilo que antes odiava e tinha medo. Não percebia que precisava daqueles abraços estranhamente apertados e calorosos, dos sussurros soprados no pé do seu ouvido e a ameaça das presas raspando a pele sensível da sua nuca até perdê-los completamente. Mahito o transformou em algo, ou melhor, alguém que não conhece. Quando ser estuprado e abusado psicologicamente deixou de ser um incômodo? Não sabe a resposta. Certamente, não gosta de ser forçado e odeia os velhos nojentos que se acham no direito de tocá-lo no metrô lotado, esses tipos de fetiche não são sua praia. Entretanto, quando o indivíduo é o Mahito, é diferente…? Tem medo de quem é, e do que está acontecendo com sua mente, tentou conversar com o tio, dizer que está doente, verdadeiramente doente, seu cérebro defeituoso estragou de vez e as engrenagens pararam de girar ou estão girando no sentido contrário, mas o tio não quis ouvir. Ele disse que deveria seguir em frente. Mahito é uma assombração do passado, assim como as brigas de Jin e Kaori, as provocações escolares e as perseguições patéticas dos ômegas inseguros. Por tanto, não pode machucá-lo.
Yuuji discorda, se Mahito e todas essas lembranças são apenas assombrações do passado e não podem machucá-lo, porque continua doendo tanto? Por que a dias em que respirar é praticamente impossível e o estômago revira desconfortavelmente todas às vinte e quatro horas?
As assombrações também machucam, mas não pode culpar o tio Kenjaku por ser ignorante nesse quesito, como ele saberia? Já passou por uma situação semelhante? Com toda sinceridade, espera que não. Não deseja, nem por um milésimo segundo, que a pessoa que mais odeia experimente este sentimento sufocante e perturbador. A sensação de não conhecer mais a si mesmo. De mudar tanto a ponto de não se reconhecer. De sentir-se um alienígena vivendo entre humanos funcionais. De olhar o reflexo no espelho e perguntar debilmente, “quem é você?”
Onde está a criança feliz que um dia residiu nesse corpo humano cansado? Yuuji faz essa pergunta quase todas as noites, as respostas, no entanto, nunca vem. Talvez fosse feliz novamente se Mahito voltasse e o puxasse de volta ao nível mais baixo que um ômega poderia viver, rastejando na lama e implorando por um amor doentio, violento e vil, onde as linhas entre dor e prazer se misturam e seus pensamentos são turvos e inconclusivos, levando-o a todos os lugares e a nenhum ao mesmo tempo. O tio e Junpei nunca aceitariam uma decisão burra como essa, “suicídio” emocional, eles diriam, “o declínio de um humano” apontariam, “se quer tanto morrer, não é melhor comer veneno ao invés de tentar chamar atenção atravéz de músicas depressivas?” Os haters comentariam no Twitter (e em outras redes) e, os jornais estariam lotados das mais variadas manchetes sobre sua queda. Eles não entendem. Ninguém entende o quanto dói.
Queria voltar a época em que dormir e acordar nos braços de um alfa o faria soltar feromônios satisfeitos e felizes, que ao invés de ter um pau invadindo sua vagina, havia mãos ásperas, mas inquestionavelmente gentis e amorosas correndo por seu abdômen fofo, provocando cócegas e arrancando risadas da sua garganta, não gemidos de dor (e pouquíssimos de prazer). Queria, queria, queria tanto. Mas aprendeu a muito tempo que não existe uma máquina do tempo, e mesmo que existisse, o que poderia fazer para mudar seu destino doloroso? Supõe que todo caminho que decida seguir o levará ao fim mais cedo ou mais tarde.
Não há para onde fugir.
Foi o que pensou.
Hoje, depois de meses enrolando em sua própria solidão, encontrando conforto dentro dos seus piores pesadelos e assombrações do passado, acordou sem a sensação horrível de vazio e medo, apreensão, saudade ou ansiedade borbulhante no estômago. Estava em um colchão fofo e cheiroso, o cheiro terroso e arisco que todos o alfa possuem. Contudo, contrariando as reações automáticas do seu sistema ômega defeituoso, não sentiu a respiração acelerar e o coração bater descontroladamente. Há um braço quente e pesado que serpenteia seus ombros e o puxa na direção de um peito duro, mas confortável, os dedos grossos e longos cobrem totalmente o seu braço magro e pálido em um aperto firme, gentil e calmamente. O peito desce e sobe lentamente, levando junto a sua cabeça, que descansa sobre o coração desse corpo quente e aconchegante, os batimentos lentos chegam ao seu ouvido suavemente, como uma canção de ninar. Mais uma vez, não se sente assustado. Aquela péssima apreensão de ser fodido pela manhã não existe, a ansiedade de encontrar Mahito e a saudade nada saudável do seu amor duro e violento somem completamente. É como ter o veneno que o deixa doente, drenado das suas veias sanguíneas, e pouco a pouco, voltar à vida. Lázaro sentiu-se assim quando Jesus o chamou para fora da tumba fria e fedorenta?
A respiração que sopra acima da sua cabeça, atingindo o topo da sua cabeça o leva a tempos pacíficos, e o faz querer voltar a ser uma criança.
Uma criança inocente que poderia correr para o colo dos pais, irmãos mais velhos e o vovô ao menor sinal de que algo daria errado, muito certo de que eles poderiam resolver tudo e qualquer coisa. Cético sobre a crueldade do mundo e ainda alheio a dor de crescer, amadurecer e assumir as consequências dos próprios atos, sem ter para quem correr, obrigando-se a ser a própria cura. Faça seus remédios e lamba as feridas, enrole-os em gases mal feitos e passe antisséptico, engula as lágrimas e ignore a queimação da carne rasgada, faça tudo isso em silêncio, na companhia da solidão que o cerca. É tudo o que você tem, porque não é mais uma criança e não há pais, irmãos ou avós para quem correr.
Mas vêm lambendo as feridas por tantos anos que sua língua tem um sabor amargo, o palato ficou insensível aos sabores deliciosos a sua volta, e é tão difícil aceitar que está sozinho. Não precisa de um zelador em tempo integral, não quer uma babá vigiando-o vinte e quatro horas, também não deseja uma família amorosa, tudo o que quer é uma mão amiga. Uma pessoa que o segure firme e confortável assim, que acaricie seus cabelos com a respiração pesada enquanto dorme e afaste o frio indesejado borbulhando no estômago.
Tem exatamente o que deseja por alguns minutos aqui, deitado nessa cama, abraçado a um alfa que dorme pacificamente, e não há motivos para ficar triste, mas ainda há lágrimas escorrendo dos seus olhos. Ainda há um aperto no seu coração e um nó preso na garganta, e por mais que tente pará-los, os soluços vem rapidamente, lembrando-o do quão quebrado está. Tão quebrado a ponto de sofrer com um ato de gentileza. Porque está chorando? Por que dói?
Em baixo da sua cabeça, o peito se move vagarosamente, e então, não há somente um braço abraçando-o, mas sim dois.
E eles são tão quentes e aconchegantes que poderia morrer agora e estaria satisfeito. O cheiro de tabaco, canela e terra invade o ar suavemente, como uma dança de balé clássico em um teatro da Rússia e ao invés de cessar suas lágrimas, fazem elas caírem ainda mais. É o cheiro de infância. O cheiro que sentia ao ser decepcionado por Jin, o cheiro que o envolvia quando os gritos começavam ou quando Choso e Sukuna saiam pela porta sem cumprimentá-lo. É o cheiro que ama e deveria acalmá-lo… então, por que dói?
— Shiii… está tudo bem chorar, Yuuji, está tudo bem. — Mãos pesadas esfregam suas costas de cima para baixo, e como uma represa transbordando, Yuuji desaba vergonhosamente. O tio Kenjaku odeia que chore. Ele não é uma pessoa ruim, longe disso, apenas não sabe lidar com adolescentes e/ou crianças chorosas. Junpei o abraça nesses momentos, mas é raro que Yuuji chore na frente dele. É raro chorar na frente de qualquer pessoa. É tão humilhante. — Eu estou aqui para você… apenas ponha isso para fora, vai se sentir melhor. — E quantas outras vezes já esteve nesta posição antes? As pessoas sempre presumem que chorar melhora a confusão de emoções, tira o estresse e esperam vê-lo sorrir brilhantemente depois de um momento difícil. Elas podem estar certas, mas chorar nunca mudou muito a forma como Yuuji se sentia um lixo. Um desperdício de espaço. Um ser indesejado e substituível. Desprezível. Chorar não ajuda em nada. Nem a ladainha de respirar devagar, dentro e fora, que o tio ensinou.
— Eu sei, eu sei que é difícil, mas você é tão forte. — O vovô diria que é forte se soubesse quantas vezes foi enviado ao hospital no início deste ano? Quantas vezes dobrou-se sobre o vaso sanitário e empurrou para fora o conteúdo (insuficiente) do estômago, e chorou por um amor arruinado, destinado ao fracasso antes mesmo de começar. Ele ainda diria que está orgulhoso? Provavelmente não. E é vergonhoso escutar essas palavras sabendo disso. É vergonhoso manter o vovô no escuro e fazê-lo acreditar que tem um neto apenas problemático, uma criança mimada e explosiva, não um adolescente forçado a amadurecer cedo demais. Yuuji não é forte, e certamente, ninguém tem motivos para se orgulhar dele. — Meu rolinho de canela. — Soluçou, ainda que desejasse sorrir.
Não merece ser chamado pelo apelido de infância, aquele usado para quando estavam sozinhos e o vovô se permita ser carinhoso, receber e dar beijos e abraços, sem precisar manter a aparência de alfa durão e casca grossa.
Não merece ser amado pelo vovô quando tudo o que faz para ele é mentir, mentir e continuar mentindo.
— Desculpe… sinto muito. — As palavras escaparam da sua garganta seca sem permissão, e recentemente, é surpreendente a quantidade de vezes que pronunciou essa palavra. Não importa se está certo ou errado, ainda pediria perdão a Kaori, iria poupá-lo da dor de uma surra dolorosa. Mahito nunca aceitou a derrota, e a única maneira de fazer uma pausa, esquecer a briga, os tapas e as transas secas era pedir desculpas. Desculpas por algo que não fez. Desculpas por ser burro e idiota. Por estragar algo que já estava estragado antes de chegar às suas mãos. Desculpas por não trabalhar rápido como o tio deseja. Desculpas por não ser o melhor amigo que Junpei precisa.
Desculpa… por mentir. Por fingir está bem quando tudo vem desmoronando ao seu redor. Desculpas por ser fraco e desejar morrer, mas não ter coragem o suficiente para acabar com a dor permanentemente.
— Pelo que está se desculpando, hein? Por ter emoções como qualquer ser humano funcional? — O vovô perguntou, soltando uma risada sem humor logo sem seguida, o seu peito tremeu rudemente, a camisa molhada pelas lágrimas de Yuuji. Ele não pareceu se importar. Tão bom. Tio Kenjaku o faria lavar a camisa e diria para se recompor. “Esqueça as assombrações do passado, você consegue.” Às vezes pensa que ele diz isso apenas para se livrar o mais rápido possível de um adolescente emocionado. Frases genéricas e repetitivas. Sem emoções reais por trás delas. — Chore o quanto quiser, eu ainda estarei aqui para pegá-lo. — Assegurou, o seu cheiro é suave, cauteloso, como se estivesse lidando com um animal selvagem que nunca viu a civilização, e talvez esse realmente seja o caso.
É como se sente.
— Vovô? — Chamou, desprendendo-se do abraço e levantando a cabeça, o vovô tem o rosto duro, mas seus olhos brilham como dois faróis na escuridão de uma estrada deserta. Ele abre um sorriso suave, amoroso, e por segundos, Yuuji está volta aos seus cinco anos de idade, chegando da escola eufórico com um teste de matemática na mão e um sorriso banguela na boca. — Não se preocupe comigo, eu estou bem. — Abriu um sorriso trêmulo, o vovô balançou a cabeça, soltando um bufo cansado. Como um touro depois de um rodeio.
— É claro que está. — Eles se permitirem mentir e dançar em torno dessas mentiras, pelo menos por enquanto, porque sabem que a verdade dói demais para ser dita em voz alta.
— Agora, preciso ir ou vou me atrasar. — Mudou repentinamente de assunto, pulando da cama fofa e dos abraços calorosos do vovô para pisar no chão duro e frio de madeira. — Mais uma vez, me desculpe por toda aquela cena de ontem. Não vai acontecer novamente, e desculpe por hoje também… eu vou tomar mais cuidado. — Seu erro foi pensar que o vovô iria balançar a cabeça e concordar silenciosamente, com uma expressão orgulhosa no rosto. O vovô e o tio Kenjaku são pessoas diferentes.
— Não foi uma cena, Yuuji. Você precisa de ajuda. — Retrucou, a tez mau humorada voltando rapidamente, substituindo as doces lembranças da infância e deixando um sabor agridoce na língua. Ajuda? Não é como se existissem pessoas dispostas a ajudá-lo, e supondo que exista, como fariam isso? — Uma ajuda profissional, a tera.. — Sabe perfeitamente onde essa conversa vai parar. Terapia. Ajuda psicológica. Às vezes tem a impressão de que o vovô consegue ver através das suas mentiras (embora não tenha forças para agir contra elas).
— Vovô, eu realmente estou bem. Adolescentes têm crises existenciais o tempo todo, não significam que preciso de um psicólogo. — Resmungou, encolhendo os ombros. A questão levantada várias e várias vezes, não apenas pelo vovô, mas principalmente por Junpei e a tia Nagi, é descartada pelo tio Kenjaku imediatamente sempre que chega aos seus ouvidos.
“Você só precisa se manter ocupado e essas emoções irão embora, funciona assim comigo.” É o que ele diz, completando com: “Sinto muito querido, mas não temos tempo para terapia agora.”, compreende, realmente compreende. Mas as outras pessoas não. — A gente se fala depois, eu preciso ir… — Se afastou, indo em direção a porta.
— Por que não fica em casa e descansa? Ontem a noite foi agitada, deve querer dormir mais. — Ofereceu, também colocando-se para fora da cama. Apesar da proposta ser tentadora em níveis absurdos, dormir nunca é uma opção durante o dia, e descansar muito menos.
— Vovô, pare de se preocupar tanto, não sou uma criança. — Implicou, forçando um sorriso despreocupado. — Sei me cuidar muito bem. — Abriu a porta e saiu, fechando-a rapidamente.
“Não sou uma criança” tem repetido essa frase desde sempre, “sei me cuidar”, mas a verdade é que sim, é uma criança e não, não sabe se cuidar. Às vezes precisa de um puxão de orelha e uma voz alterada para trazê-lo de volta à realidade, uma mão amiga e um abraço protetor. Mas de que serve essas coisas se ainda estará sozinho quando precisar?
O corredor está vazio, o que não é de se admirar, ainda são cinco horas da manhã e todos devem está dormindo, o sol continua escondido no lado leste e as estrelas começam a desaparecer lentamente. Não está escuro, mas também não é claro. É um bom horário (o mesmo que acorda todas as manhãs) para começar o dia (de merda). Subiu as escadas, passando pelo corredor silenciosamente e entrou no quarto que divide com Megumi. Ele dorme profundamente, soltando roncos suaves ocasionalmente, pernas e braços esbarramos para todos os lados da cama e o coberto deslizando da borda do colchão para o chão frio, deixando-o vulnerável ao vento gélido da madrugada que entra pela janela.
Deu uma olhada rápida e ignorou-o, procurando legging de ginástica cor preta, camisa larga e vestido-se, a janela está totalmente aberta, como sempre fica. Talvez ele tenha esquecido de fechá-la antes de cair no sono. Espiou-o mais uma vez antes de sair do quarto, e decidiu que deveria cobri-lo adequadamente, não quer dividir o quarto com um humano gripado (eca!). Aproximou-se da cama e pegou o cobertor caído no chão, levantou e jogou por cima do corpo bagunçado, apertando os olhos para a posição estranha do braço esquerdo dobrado para dentro e debaixo das costas. Isso vai dar uma dor mais tarde. Suspirando, conduziu o braço, o mais delicadamente possível, uma posição confortável e Megumi aconchegou-se sozinho, virando-se para o lado oposto, soltando resmungos incoerentes.
Segurou o riso, terminando de encaixar o cobertor e saindo do quarto. Desceu as escadas aos pulos e logo estava saindo de casa, o ar é gélido, em poucas semanas será suicídio sair pela madrugada sem agasalhos. Por enquanto, vai aproveitar a liberdade de não precisar usar máscaras. Iniciou a corrida até a academia, desligando-se do mundo exterior.
Chegou na academia em poucos minutos, respirou fundo, passando pela porta de entrada e caminhando até o balcão, comprimentou a recepcionista com um sorriso educado (não excessivamente simpático) e pegou o treino do dia. Honestamente, não tem ânimo para levantar pesos e testar os limites do seu corpo, tudo o que quer é cair em uma cama (de preferência a cama do vovô) e ficar escondido por horas, dias, talvez meses, do mundo real. Está tão cansado, seus membros doem, e as pernas balançam igual à gelatina.
Isso se reflete muito bem na execução lenta e preguiçosa dos exercícios. Acontece que não tomou uma surra ontem, e sem dúvidas não fodeu com ninguém, mas parece que sim, todos os seus músculos doem como se tivesse gritando por socorro, as crises o afetam não somente psicologicamente, mas de alguma forma, fazem seu corpo reagir igual a mente. Estagnado. Tinha combinado com o tio Kenjaku que não as teria durante a semana, crises podem acontecer apenas nos sábados e domingos, se sentir que elas estão vindo, segure-as. Não é tão fácil quanto parece. E nem todas as vezes tem êxito.
Não é como se tivesse controle sobre “isso”, gostaria, mas não tem. Acha que ninguém tem, na verdade, e o tio faz parecer que é tão fácil que sente-se uma anta por continuar dizendo ser impossível.
Fez dois exercícios e jogou-se sob o assento reto da máquina, olhando para o teto bem iluminado e escutando o barulho do maquinário sendo usado pelos demais velhinhos e pouquíssimos jovens-adultos que estão na academia nesse horário. Fechou o olho momentaneamente, buscando forças para levantar e terminar a lista do dia, elas não vieram. Soltou um suspiro exausto, cobrindo a testa com o antebraço.
Talvez o vovô tivesse razão em querer fazê-lo ficar no quarto, está tão cansado, quer voltar a dormir.
— Yuuji? — Estremeceu com a altura da voz, moveu o braço, descobrindo apenas um olho e espiando para fora. — Por que você ‘tá deitado aí? — Voltou a fechar o olho, cobrindo-o novamente com o antebraço. Todo provavelmente continua o encarando com o cenho franzido de confusão, procurando entender o problema.
— Estou cansado, Todo, apenas cansado. — Resmungou, depois de tantos soluços e nós na garganta, sua voz está rouca e arrastada, como se tivesse passado a noite gritando. Está seca. Quer água, mas também não quer levantar e não trouxe a garrafinha.
— Bom, ceder ao cansaço só vai te deixar preguiçoso, descanse quando chegar em casa, agora levante-se e volte ao treino. — Soltou outro bufo, é mais fácil falar do que fazer. — Vamos, Yuuji levante. — Por que exatamente Todo precisa ser insistente? Ele poderia ser só um amigo idiota que não se importa com nada. Mas então, o próprio Yuuji iria chamá-la de falso. Certo? Foi obrigado a se mover quando uma mão grande fechou-se em torno de um dos seus tornozelos e o puxou para baixo e fora do maquinário.
— Todo! — Exclamou, agarrando-se a lateral do assento de couro preto. Todo abriu um sorriso cheio de dentes, não soltando seu tornozelo. A mão dele é tão grande e pesada, pode sentir as rugas da palma grossa roçando a sua pele. Malicioso, substituiu a carranca irritada por uma expressão tristonha. — Eu passei a noite inteira chorando por sua causa e você me trata assim pela manhã… — Virou o pescoço para o lado, fingindo fungar. Alarmes disparam na cabeça cabeluda de Todo e ele rapidamente solta seu tornozelo, correndo para ajoelhar-se ao seu lado, sentindo-se culpado.
— Por mim? Mas o que eu fiz? Te irritei com algo? Fiz uma piada que te deixou para baixo? — Despejou uma penca de perguntas de uma única vez, tocando o ombro de Yuuji o mais delicadamente que suas grandes mãos permitem. — Por favor, me diga o que fiz, juro que não farei novamente. — Pediu, e quase ficou com pena dele. Mas é tão divertido enganá-lo. Todo é sinônimo de drama e exagero, ele tende a levar muito a sério tudo o que dizem (isso já o colocou em brigas desnecessárias).
— Você… você não quer me dar o seu pau. — Choramingou, e assistiu o momento em que as sobrancelhas dele se afastaram comicamente, e as bochechas magras ganharam uma coloração tão vermelha quanto a cor de um tomate maduro. — E ainda usa essas mãos enormes para segurar o meu tornozelo quando poderia me dar umas boas palmadas na bunda. — Fungou falsamente, e Todo ficou sem palavras, gaguejando pateticamente.
— YUUJI! — Gritou, finalmente. Levantando-se e correndo para longe do seu torturador, Yuuji riu alto, vendo-o correr como se fugisse do próprio diabo. É tão fácil provocá-lo, suas reações tímidas e doces tornam tudo ainda mais divertido. Junpei e Nobara simplesmente jogariam junto, eles não são os mais “inocentes” no quesito sexo, todos do seu grupo de amigos tem certa experiência ou conhecem as nuances desse ato. Diferente de demais, Todo é uma exceção.
Saiu do maquinário de couro, seguindo os passos pesados de Todo pela academia, comprimentou alguns velhinhos pelo caminho, e deu uma corridinha até alcançá-lo completamente.
— Ah, Todo, qual o problema? Eu realmente tenho um fetiche por mãos grandes. — Brincou, mantendo um sorriso atrevido no rosto, as bochechas dele ainda continuam vermelhas (quase rochas). — E você sabe, seria legal ter uma certa experiência sexual antes de arrombar sua alma gêmea. — Apontou o óbvio, e Todo olhou-o horrorizado.
— Não vou “arrombar” minha alma gêmea! — Disse indignado, e Yuuji revirou os olhos, acompanhando-o. — Eu nunca machucaria um omega ou qualquer pessoa que não mereça. — Prosseguiu, ajustando os pesos da barra para fazer o agachamento do tipo smith. Qual a necessidade dele continuar treinando as pernas? Elas já são enormes. Sentou em uma máquina que não está sendo usada, observando preguiçosamente Todo começar o exercício.
— Com o tamanho do seu pênis? Acho difícil o pobre coitado levantar no dia seguinte. — Comentou monótono, e Todo atrapalhou-se ao encaixar o peso no Smith.
— Eu… eu vou ser gentil. — Resmungou, gaguejando. Franziu as sobrancelhas, deixando-as quase juntas. Gentil? Nenhum alfa ou beta masculino é gentil ao perder a virgindade, eles nunca estiveram em uma cavidade tão quente antes, não sabem qual a sensação, é natural que percam o autocontrole e fodam desesperadamente, como um cachorro no cio. A história é diferente para ômegas e mulheres, no entanto.
— Sim, sim, sim, claro, porque você é o príncipe encantado que vai conseguir manter a cabeça funcionando quando foder uma boceta molhada pela primeira vez. — Disse, cheio de sarcasmo. E outra vez Todo soltou um guincho, algo parecido com indignação, vergonha e timidez. Abriu um sorriso cheio de dentes, vendo-o agachar com um tanto de peso absurdo, ele seria perfeito se tivesse trinta e cinco anos. Suas coxas grossas e musculosas batem contra o short de moletom, dão a impressão de que estão a ponto de rasgar o tecido, os braços descobertos e a vista de todos… como essas mãos ficaram ao redor da sua cintura? É tão injusto que ele seja jovem e inocente. Fofo. Deseja genuinamente que Todo consiga realizar o seu sonho de viver um romance com sua alma gêmea, e claro, que sua alma gêmea o mereça. Ele não merece menos do que alguém que o ame incondicionalmente.
— No que você está pensando? — Perguntou, entre um suspiro e outro. Encolheu os ombros, fazendo-se de desentendido.
— Nada importante. — Sua voz saiu inocente demais para Todo acreditar. Sorriu suavemente, jogando-se para trás. — Apenas que eu estou disposto tirar sua virgindade, sabe, não me importo com sexo bruto. — O riso, no entanto, foi interrompido quando suas costas colidiram com algo duro…? Esticou o pescoço, entortando-o para trás e encontrou um par de olhos roxos encarando-o de cima, fixamente. Afastou-se sem pensar duas vezes, quase caído do assento.
— Yuuji-kun. — O homem o comprimenta com um sorriso visivelmente forçado, as veias dos seus antebraço e pescoço pulam para fora, prestes a estrangular, sem dúvidas. Não fez nenhum esforço para cumprimentá-lo de volta, por que deveria? Deixou claro que deveriam agir como se não se conhecessem. Porque é isso, não se conhecem. — Não sabia que frequentava essa academia. — Acrescentou tardiamente, percebendo que não obteria uma resposta. Pelo menos, não uma resposta simpática.
Qual jogo ele está jogando? Olhando-o dos pés a cabeça minuciosamente, como se estivesse examinando um pedaço de carne exposto na promoção do açougue e ficando cada vez mais hostil. Está no mesmo local que Yuuji é tão incômodo? Então porque simplesmente não vai embora? É um problema simples de resolver.
Pode lidar muito bem com a fisgada desconfortável puxando seu estômago na direção de Geto, obrigado. Tem feito isso desde que o encontrou pela primeira vez, a diferença é que não era forte desse jeito.
— Sim, até porque não nos conhecemos. — Disse debilmente, entortando o pescoço e olhando-o de maneira inocente. — Deve está me confundindo com outra pessoa, senhor. — Ofereceu, e as veias do pescoço de Geto ficaram ainda mais proeminentes. Talvez esteja a um passo de tomar um soco. Mas quem se importa? Aliás, desde quando sua ex-alma gêmea tem bíceps e tríceps definidos e bonitos? — Todo, acho que precisa ir… — Virou-se para o brutamonte que parou o exercício e escuta quietinho a troca estranha. Um ótimo fofoqueiro. Deve adicionar a lista de boas qualidades desse garoto.
— Ok… eu vou com você. — Murmurou, olhando desconfiado entre Geto e Yuuji.
— Ótimo! Vamos indo. — Bateu palmas, agarrando a mão de Todo e puxando-o na direção da saída. Ele o acompanhou desajeitadamente, olhando por cima do ombro para Geto, que continuou observando-os até passarem pela porta de entrada. Suas costas queimam com o peso daquele olhar frio e calculista, e mesmo quando saíam na calçada, a sensação estranha e o puxão irritante no estômago persistem.
— Quem era aquele? — Todo perguntou, apontando para a academia já longe de onde estão. Seguiu o seu dedo, pensando no que responder, é errado dizer que são almas gêmeas quando já fez a remoção da marca, e com certeza não se conhecem.
— Ele é amigo do Jin-san. — Disse por fim, e Todo aceitou. Não é que não queira admitir que era almas gêmeas, o brutamonte romântico é confiável e gentil, nunca usaria uma informação dessa para atingi-lo. Mas não quer voltar a esse assunto já tão discutido, hoje, não se sente bem a ponto de ter lembranças dolorosas do passado. — Ninguém de importante. — Completou, dando pouca ou nenhuma importância ao assunto.
— Tudo bem… — Abriu um sorriso gentil, sem malícias e piadas obscenas. — Seus olhos estão inchados, estava chorando? — Todo perguntou, dando um novo rumo a conversa e levando uma de suas mãos enormes as bordas dos olhos de Yuuji, esfregando os dedos levemente contra a pele vermelha e irritada. Apertou o olho esquerdo que está sendo esfregado, empurrando a cabeça para o carinho estranho.
— Foi um pesadelo, tenho pavor deles, você sabe. — Encolheu os ombros, voltando o pescoço a posição inicial quando sentiu novamente o olhar congelante encarando-os por trás das paredes de vidro da academia. O puxão no seu estômago doeu, de alguma forma, impulsionando a ir ao encontro com o seu odiável perseguidor.
— Por acaso aquele cara é… um ex-namorado? — Riu, cobrindo a boca com a mão, Todo entortou a cabeça, enquanto seu dedo livre aponta para dentro da academia e diretamente na direção de Geto. Aliás, ele voltou a esteira quando estava no meio do treino? O cárdio se faz antes ou depois dos exercícios de musculação, a menos é claro, que ele tenha ido para a borda intencionalmente. — Não me entenda mal, não estou com medo, mas ele parece prestes a me matar. — Olhou Geto de longe, e ele realmente parece prestes a matar alguém.
O ritmo que estabeleceu na esteira é lento, muito semelhante aos movimentos de um felino selvagem antes de atacar, seus olhos fixos e brilhantes, não existe um mínimo sinal de cansaço. Ele está focado, muito focado, é quase perturbador. Franziu o cenho, arrancando a mão de Todo do seu rosto e o puxando para ainda mais longe.
— Nunca transei com esse cara, não é nenhum segredo que Mahito foi o único a me comer. — Resmungou convicto, e Todo engasgou, permitindo-se ser arrastado como um boneco de pano.
— Poderiam ter namorado sem… fazer amor. — Disse, com uma voz pequena e incerta. Olhou por cima do ombro, às vezes, é cativante saber que ele é tão inocente. Respirou fundo, supondo que querendo ou não, o comentário faz sentido. Muitos relacionamentos demoram anos até chegarem à intimidade sexual, assim como existem outros que chegam primeiro à intimidade sexual para posteriormente avançar ao envolvimento romântico. Não há nada de errado nisso, as pessoas apenas devem seguir seus próprios ritmos, e honestamente, talvez teria se machucado muito menos se o relacionamento com Mahito tivesse sido inicialmente romântico ao invés de sexual.
— Bom palpite, mas esse realmente foi o caso, aquele cara apenas é um amigo próximo de Jin-san, e provavelmente estava me vigiando para ir fofocar tudo o que ouviu e viu. — O que não seria nenhuma surpresa, está costumado, Utahime fez o mesmo durante anos e anos. Usando todo e qualquer erro da sua parte (fosse intencional ou não) para atacá-lo durante os almoços em família (eca) que Yuuji era forçado a ir.
— Isso significa que você está com problemas? — Pensou antes de responder, negando rapidamente com a cabeça em menos de cinco segundos.
— Não, não, não estou com problemas. Pode ficar tranquilo. — Deu de ombros, por que mesmo se estivesse, seria ótimo. Mais um motivo para ser chutado da casa da família perfeita de Jin, e finalmente morar com o tio Kenjaku. — Mesmo se estivesse, isso não é seu para se preocupar. — Apontou o óbvio, e Todo fechou a cara.
— Claro que seria, sou seu amigo, e estaria envolvido indiretamente na causa do seu problema. — Justificativa plausível, de fato. Odeia quando rebatem a altura, e Todo é inteligente o suficiente para retrucar e continuar retrucando até que os argumentos infundados de Yuuji estejam acabados.
— Certo, certo, mas fique tranquilo, sim? Realmente está tudo bem. — Assegurou, oferecendo um sorriso pequeno. — Está com fome? Já que tivemos nosso treino interrompido, acho que devemos comer algo. — Ofereceu, e sendo um brutamonte romântico e Faminto, Todo obviamente aceitou. Yuuji agarrou a mão enorme na sua, entrelaçando os dedos facilmente. É quente e confortável, o lembra de quando era criança e segurava a mão do vovô obrigatoriamente para sair na rua sem correr o risco de se perder. — Muito bem, pode comer o quanto dizer, é por minha conta. — Ops… não deveria ter dito isso.
Às cinco e quarenta da manhã não existem muitas padarias abertas, elas geralmente começam o dia às seis horas, uma hora antes do início do horário comercial e quando os adultos saem de casa para comprar o café da manhã rápido, com pão, queijos e alguns petiscos nada saudáveis para crianças. Felizmente conseguiram encontrar uma padaria pequena e apertada no final da avenida, pertinho de um supermercado (que sem surpresa, ainda está fechado). Como o esperado, não havia muitos clientes nesse horário, apenas alguns trabalhadores da indústria que iniciam a rotina antes do pôr do sol. Sentaram em uma mesa no canto da parede e logo a garçonete veio atendê-los com um sorriso cheio de dentes.
Todo escolheu uma dúzia de aperitivos, enquanto Yuuji contentou-se com uma xícara de chá e um pequeno pão de sal, mastigar e engolir foi difícil, sua garganta dolorida ardia sempre que a massa descia (mesmo com a ajuda do chá) quis descartar o café da manhã discretamente, mas conhece Todo a tempo suficiente para saber ele jamais permitiria tamanho pecado. Este, em contrapartida, come elegantemente, com a graça de um pássaro dando bicadas fofas na ração, é surpreendente que um cara do tamanho dele consiga encantar qualquer um com a delicadeza que possui.
Vê-lo comer é revigorante, poderia ficar o dia inteiro preso nesse cenário e não iria reclamar, na verdade, é bom ver pessoas que comem bem, sente um pouco de inveja, mas não deixa esse sentimento idiota dominá-lo. Gostaria de ter fome o suficiente para engolir todas essas porções enormes que ocupam a mesa, quem sabe em outra realidade isso seja possível.
— Então, fiquei sabendo que você está morando com seu pai e irmãos. — Olhou-o feio por trás da xícara, e Todo desculpou-se rapidamente, um tanto culpado. — Desculpe, desculpe, não queria ofender. — Terminou de engolir o chá e respirou fundo, afastando a xícara do rosto e pousando-a sobre a mesa.
— Não ofendeu, eu só não gosto que diga que Jin é o meu pai. — Franziu o nariz, olhando para o nada. — Suprir as necessidades básicas de uma criança não é ser pai, qualquer idiota pode fazer isso. — Completou, e Todo acenou positivamente, jogando um bolinho de carne na boca. — Mas, respondendo a sua pergunta, sim, estarei morando com eles por seis meses. — Soltou um suspiro cansado.
— Você parece muito conformado… — Murmurou, olhando atentamente. Bem, Yuuji supõe que já manifestou-se o suficiente diante de Junpei, torrar a paciência de todos com esse assunto está fora de questão, pode encontrar outros meios para encher a cabeça deles.
— Não é como se eu pudesse fazer algo. — Disse, encolhendo os ombros, e Todo abriu um sorriso compreensivo e orgulhoso. Provavelmente pensando no quanto Yuuji cresceu nesses quatros anos que se conhecem. — Mas isso definitivamente não significa que estou sendo amigo deles, que fique bem claro. — Pontuou, levantando um dedo.
— Claro, estou completamente consciente, senhor. — Torceu o nariz para a fala cordial e bajuladora, trazendo o chá até a boca novamente. — Agora, sobre o que exatamente foi o pesadelo? Quer falar sobre isso? — Negou, balançando a cabeça.
— Não, mas obrigado. — Todo é um ótimo ouvinte, talvez até melhor que Junpei, e a melhor parte é que ele não insiste. Quer falar? Fale. Não quer falar? Estarei esperando até que esteja pronto. É uma sensação boa, e não tem a impressão de que está sendo ingrato ao se recusar em compartilhar o que o atormenta. — Como vai a faculdade? Muitas atividades? Quase não nos vemos nas aulas de dança. — Perguntou, empurrando o desastre de ontem para o fundo da cabeça.
— Tem sido cansativo. — Riu, a expressão azeda de Todo fala melhor do que palavras, ele poderia apenas fazê-la e todos saberiam a resposta. Ele tomou mais dois goles de suco e empurrou um bolinho de carne na boca, mastigando-o com certa brutalidade, — Sinto falta do meu tempo livre, mas ainda estou estudando dança, então não é tão ruim. Eu apenas pensei que estudar dança estava relacionado a dançar, porém, vai muito além disso. — Explicou, soltando um gemido no final. Sorriu genuinamente, bebericando o chá que está quase no fim.
— O que você faz além de dançar? — E uma ideia veio à mente, — Tem praticado balé clássico também? — Perguntou logo em seguida, e a careta de Todo apenas aumentou.
— Ainda não, mas ouvi falar que iremos praticar no próximo semestre. — Acenou, criando uma imagem mental de Todo, em toda sua glória musculosa dentro de leggings apertados girando e girando na ponta dos pés. É uma imagem cômica. O balé certamente não combina com ele e seus músculos monstruosamente bonitos. — E estamos tudo, desde a origem da dança até suas variações modernas, competições e regras, entre várias outros aspectos que podem ser insuportáveis. — Terminou o chá, mantendo um sorriso pequeno no rosto.
— Parece que não existe um curso universitário fácil. — Pelo menos, não fácil o suficiente para seu cérebro defeituoso acompanhar os conteúdos. Todo riu, sua risada forte e rouca chamou a atenção de alguns clientes no local, e esses olhares permaneceram nele por longos minutos.
— Nada é fácil, Yuuji. Quando você começou no breakdance pensou várias vezes em desistir, estou certo? O mesmo para o balé e o pole dance. — Concordou desgostoso. — Você aprendeu a dançar perfeitamente, até melhor do que nossos professores. A dança nunca deixou de ser difícil, você apenas não desistiu dela, e continuou se esforçando até conseguir o que queria. — Bom, não é como se o tio Kenjaku fosse deixá-lo desistir.
— E…? — Indagou, ainda sem entender o ponto.
— E que a prática é mil vezes mais difícil que a teoria, e ainda assim você aprendeu em menos de cinco meses, tem ideia do quanto isso é impressionante? — Não, não tem a mínima ideia. Até porque existem competidores de Breakdance muito melhores que ele. Todo soltou um suspiro diante da sua falta de reação, assumindo um rosto sério e olhos firmes, — Yuuji, preste atenção, nada é fácil, simplesmente nada, as pessoas têm afinidades com atividades diferentes, apenas isso. Você tem facilidade com inglês, compor letras e produzir músicas, para mim isso já é extremamente difícil. Compreende? Enquanto essas coisas são tão simples e fáceis para você, podem e são mirabolantes para outros, e assim é a vida. — Esse argumento até que faz sentido, se seguir a linha de raciocínio de Todo.
— Talvez você tenha razão. — Disse, olhando pela janela. — Mas continuou achando que todos os cursos universitários são difíceis. — Comentou, encolhendo os ombros.
— Tudo é difícil até você ir lá e tentar fazer. — E como se soubesse os pensamentos de Yuuji, acrescentou seriamente, com um velho professor rígido. — E com isso eu digo: realmente tentar, sem procrastinação. — Revirou os olhos. Isso é estranhamente semelhante ao tio, dando-lhe uma lição de moral sobre responsabilidade com os prazos de entrega.
— Está me acusando de procrastinar?! — Questionou, apertando os olhos. Todo deu de ombros, terminando de mastigar seu último bolinho de carne.
— Não, não, a autossabotagem é diferente de procrastinação. — Comentou, com um sorriso falso. Apertou ainda mais os olhos, pensamentos em uma maneira de envergonhá-lo tragicamente na frente desses clientes enxeridos que o olham discretamente, como se estivessem dividindo o espaço com o deus dos músculos, — No seu caso, terapia seria uma escolha perfeita. — Comentou, pensando realmente no caso.
— Pelos deuses Todo, apenas cale a boca. — Resmungou, chutando-o por debaixo da mesa. — Sua cabeça debaixo deve pensar melhor que a de cima. — Foi o suficiente para calá-lo.
Terapia isso. Terapia aquilo. Todos presumem que precisa de terapia, eles já pararam para pensar que tudo o que realmente precisa é ser compreendido? Digo, completamente compreendido, sem julgamentos e conselhos bem intencionados? Provavelmente não, os adultos pensam apenas em si mesmo, isso não é nenhuma novidade.
Todo não é um adulto ainda, tem apenas dezenove anos, mas é tão chato quanto um (não o tempo inteiro, mas em questões de saúde mental, sim). Sabe que precisa de ajuda, talvez uns remédios que o façam esquecer Mahito e as brigas de Jin e Kaori, um medicamento que amenize as crises e dores que apertam seu peito e roubam seu oxigênio, algo que o deixe entorpecido. Entretanto, como dito várias e várias vezes pelo tio Kenjaku, não tem espaço na agenda para consultas terapêuticas.
Não agora. Quem sabe quando terminar esse álbum e os próximos shows da temporada? Talvez encontrem um espaço.
Terminaram de comer (ou Todo terminou de comer) e foram embora depois de Yuuji pagar a conta, apesar da insistência de Todo em pagar, porque segundo ele e suas crenças cavalheirescas, é obrigação do alfa ou macho beta pagar a conta quando estiver acompanhando um ômega ou fêmea beta. Besteira. Tem dinheiro, qual problema de pagar? Claro, Todo não é pobre, mas também não é rico, e deve sempre levar em consideração que assim como Nobara, ele é apenas um estudante universitário à beira da falência. Alimentá-lo uma vez ou outra não dói nem faz mal.
Despediram-se com um abraço apertado e seguiram caminhos diferentes, Todo precisa passar no apartamento compartilhado, tomar um banho e pegar seus materiais antes de embarcar no metrô e o mesmo vale para Yuuji. Arrastou-se até o bairro residencial no qual a família Itadori-Fushiguro reside, sem corridas hoje, não tem forças nas pernas para isso, o que é uma lástima, gostaria de escalar a parede até o segundo piso (que é onde fica o quarto de Megumi) pegar roupas e usar o banheiro, depois descer pela parede novamente e não precisar encarar ninguém.
Eles poderiam continuar vivendo suas vidas como sempre fizeram, sem tentar forçar nenhuma aproximação descabida, então Yuuji não estaria tão desesperado para manter distância e a convivência seria muito menos incômoda. No entanto, agrados e encenações, imitações dos hábitos que cultivaram na infância continuam sendo jogados no seu rosto, parecem não saber que agora o solo é infértil, usado e abusado por muito tempo, é a hora de partirem em direção a outra terra e cultivar relações saudáveis e sólidas por lá. Depois de tantas queimadas e fertilizantes, é impossível um solo voltar a ser o que era. E isso não é apenas uma metáfora. Compreende? Yuuji não precisa ser um agrônomo para saber disso (viu documentários na tv acerca da questão) portanto, pode ser considerado um especialista no assunto.
Continuar insistindo em algo que já está estragado apenas toma tempo e acaba-os machucando inutilmente, e ninguém quer sentir dor. Não mais. Respirou fundo, parado na frente da porta e em algum lugar no fundo de seu coração, pedindo aos deuses (que definitivamente não acredita) para que não tenha um ser indesejado esperando-o do outro lado.
Esses pequenos gestos são os mesmos que desejou por anos, um abraço quente e acolhedor, risadas altas e perguntas sobre como foi o seu dia, no entanto, o abraço que ganharia seria o frio e apaixonado de Mahito, ou o silêncio ensurdecedor da casa vazia.
Yuuji diria “Estou em casa” e responderia a si mesmo com um “Bem-vindo de volta”, o sorriso dos seus lábios trêmulos desmancharia-se rapidamente e as lágrimas que passou o dia segurando cairiam livremente, certo de está livre dos olhares julgadores. Livre, sim, mas nunca protegido. É estranho que esteja recebendo o que desejou durante anos justamente das pessoas que o abandonaram inicialmente, e não quer se apegar a nada disso, acreditar que eles se importam, realmente não quer, porque no final do dia, eles irão embora novamente e ficará sozinho em uma casa vazia e silenciosa.
Está crescido, cumprimentos idiotas de “bom dia”, “Bem-vindo ao lar”, “até logo” não importam mais, nem fazem parte do seus hábitos diários, então sem motivos para respondê-los. É falta de educação? Sim, mas desde quando é conhecido por ser educado? Sukuna o xinga de ser insensível e sem educação a anos, deveria começar a agir de acordo com as palavras dele, nada mais justo.
Com a mão sobre a maceta girou-a, ainda prendendo a respiração, e abriu a porta, e ufa, dessa vez, nenhuma assombração espera-o do lado de dentro. Tirou os tênis esportivos, colocando-os no cantinho mais afastado da parede, longe da meia dúzia de calçados da família de Jin, e adentrou na casa (quase depressivo). É um alívio que não haja pessoas na sala de estar fingindo assistir quando na verdade esperam a sua chegada, isso o deixa meio desconfortável, e não apenas pela ideia idiota de reaproximação, é algo sobre… se sentir deslocado. Porque é inegável que é um elemento estranho no meio deles, todos são tão calorosos e falantes, e Yuuji perdeu a alegria de socializar a muito tempo.
Risos bonitos e comentários bondosos. Eca. Não combina com sua personalidade atual, talvez fosse compatível com o Yuuji de seis a oito anos, este de dezessete, é cem por cento sincero, sem papas na língua e uma mente suja, cheia de comentários espirituosos e obscenos, nunca se encaixaria nesta família perfeitinha.
Arrastou-se escada acima, pensando em faltar na aula hoje e apenas passar o dia escondido na cama do tio Kenjaku sentindo o seu cheiro natural relaxante, ou quem sabe ficar na loja a tarde inteira. Deixar Junpei na escola sozinho, entretanto, está fora de questão. Ainda tem um pingo de amor próprio e morrer asfixiado não é nada bom, sabe disso depois de suportar os enforcamentos de Kaori e tentar suicídio em um lago congelante no meio do inverno. Uma péssima experiência, deve acrescentar. Enquanto sobe as escadas de cabeça baixa, há passos que descem, pés pesados e grandes.
— Bom dia, pirralho. — E uma mão de dedos longos cobre sua cabeça, bagunçando desajeitadamente seu cabelo preso em um trança horrorosa. Faz careta, dando um tapa forte no pulso indesejado. — Okay, tudo bem, alguém acordou de mau humor. — Toji exclamou, levantando as mãos em sinal de rendição. Se ele ao menos soubesse todos os xingamentos que se passam na cabeça de Yuuji agora…
— Meu humor estaria mil vezes melhor se você não existisse. — Retrucou, mantendo o rosto em uma carranca zangada. — Sai da frente, preciso subir, não está vendo? — E é claro que Toji manteve o sorriso no rosto, sem mover um músculo. Ele é grande o suficiente para ocupar todo o espaço estreito da escada, tão grande quanto Todo e Mahito. Irritante.
— Impressionante como você consegue ser tão azedo pela manhã, parece com um gato que tomou banho frio. — Apertou ainda mais os olhos, deveria apenas chutá-lo no meio das pernas? Junpei garantiu que funciona com alfas e homens betas, o problema é que não pode virar e correr ao infinito e além. — Mas sou uma boa pessoa, por isso, estou disposto a sair da sua frente, contanto que peça gentilmente. — Ofereceu, muito cordial e educado. Yuuji poderia até ter aceitado, caso o desgraçado não estivesse exibindo seu boné (ROUBADO) no topo da cabeça orgulhosamente e tivesse um sorriso falsamente doce no rosto, fala sério, ele parece ainda mais assustador quando sorrir. Como um psicopata prestes a arrancar as pernas da sua vítima. Ou um agiota cobrando uma dívida “amigavelmente” com um taco de beisebol (que definitivamente não será usado para jogar beisebol) na mão.
O bom senso e autopreservação dizem que deve ceder ao pedido (ou intimidação indireta) e pedir educadamente que saia da frente, mas Yuuji não é inteligente, muito menos tem algum senso de autopreservação.
Ele tem coragem.
Por isso, sem dizer uma palavra, abaixou-se e passou por debaixo das pernas de Toji, escalando as escadas rapidamente. Ouviu-o soltar um guincho de surpresa, e abriu um sorriso genuinamente vitorioso, abusando ainda mais da sorte, arrancou o boné da cabeça alheia com um puxão nada delicado. Toji virou-se para trás na velocidade da luz, mas seus reflexos foram lentos demais comparados aos de Yuuji.
— Chupa essa, otário. — Gritou do topo da escada, mostrando a língua. E correu, deixando o alfinha traficante para trás, é uma pena que tenha esbarrado em Choso logo em seguida e caído para trás. — Aí… essa doeu, papai… — Gemeu ainda esparramado no chão como um sorvete de verão derretendo no asfalto quente. Porque os alfas dessa casa precisam ser tão grandes? Há algo especial na comida que comem?
— Oh… desculpe, eu não te vi chegando. — Ouviu Choso murmurar, ainda gemendo de olhos fechados, Yuuji forçou o corpo a virar para o lado, dando espaço para qualquer um passar e encolheu-se em uma bola. — Hum… está tudo bem? Machucou? Onde dói? — Apertou ainda mais os olhos, queria ter quebrado o pescoço e ter ganhado uma viagem só de ida para o mundo dos mortos, no entanto, seu sonho não foi realizado.
— Acabei de ser atropelado por um brutamonte e você me pergunta se estou bem?! — Perguntou, sentindo-se um tanto irritado, oras, ele não vê a diferença entre seus tamanhos?! Okay, talvez esteja sendo dramático, e mais uma vez, a culpa é sua por estar correndo pelo corredor. O tio Kenjaku sem dúvidas já teria dado-lhe um chute na bunda. — Caramba, nem ser fodido a seco doeu tanto. — Resmungou, e é uma tremenda mentira, mas tudo bem, a dor tornou-se suportável alguns minutos depois (que pareceram uma eternidade).
— O QUE?! — Estremeceu com o grito de Choso e o seu cheiro azedo. Parece que não terá paz hoje, assim como não teve paz ontem. — O que acabou de dizer? — Questionou, embora Yuuji tenha certeza absoluta que Choso escutou muito bem, e não, ele não tem problemas auditivos. Aliás, alfas dominantes são conhecidos por terem olfatos semelhantes aos de um cachorro e audição aguçada, eles não são o Superman da DC, mas com tantas qualidades, poderiam facilmente ser.
— Nada. Por que não segue seu caminho e para de tentar fazer parte da minha vida, hein? Te garanto que é muito melhor. — Sugeriu, saindo da posição enrolada que estava a contragosto, seu lado esquerdo dói, provavelmente por causa da pancada. Choso é feito de aço? Encontrou-o agachado na sua frente, olhos negros esbugalhados cheios de preocupação, e sombrancelhas grossas quase juntas. Seu rosto bonito não combina com esse tipo de expressão.
Yuuji quase lembra de como adorava passar horas esfregando suas bochechas juntas e cheirando seu pescoço, o cheiro aconchegante e amoroso, quente e suave. Trazia segurança. Agora, não sente nada. Choso fica calado, estudando seu rosto minuciosamente, ele aperta os lábios, levantando uma mão.
— Não me toque. — Deu um tapa forte, o estalo ressoou alto pelo corredor, sentiu-se um pouquinho mal, mas ignorou o sentimento inútil. Choso não pareceu se abalar com o tapa, entretanto, mas recolheu a mão para si mesmo.
— Desculpe… eu te fiz chorar. — Pediu, abaixando a cabeça. Gostaria de acreditar nessas palavras, acreditar que realmente está vendo a dor nos olhos escuros que o encaram fixamente. — Não sabia que odiava ser tocado por mim. — Completou, mantendo o olhar firme. Franziu o cenho, afastando-se e levantando-se sozinho, ignorando a ajuda oferecida.
— Até parece que vocês se importam com minhas lágrimas. — Zombou, com um sorriso cruel rasgando o rosto. — E eu odeio tudo em você, esse é o ponto, não apenas o seu toque. — Esclareceu, encolhendo os ombros. Choso piscou, em choque, e depois baixou os olhos, abrindo um sorriso triste.
— Me odeia… Mas você ao menos me dá um motivo para me odiar tanto. — Retrucou, e Yuuji precisa se segurar para não jogar na cara dele todos os motivos, e muitos motivos para detestá-los e querer distância. — Talvez supor que você ainda esteja fazendo birra sobre o companheiro do papai seja uma verdade. Você diz que nós odeia, mas não há uma razão plausível para esse ódio, se tranca do banheiro e faz uma cena, deixa o vovô e todos nós preocupados e… — Calou-o com um tapa no rosto. Seu tapa ao menos moveu o rosto dele para o lado, apenas deixou a bochecha vermelha. Choso tem olhos arregalados, mas não há nenhum indício de que pretende retribuir o tapa. Mesmo assim, Yuuji dá um passo para trás, Mahito bateria de volta com um soco poderoso que o faria cair no chão.
Mahito iria rasgar suas roupas agora mesmo e ensiná-lo uma lição. Mahito o morderia cruelmente, arrancando sangue dos seus lábios e sussurrando lentamente o quanto ama-o. Ou talvez apenas iriam trocar tapas e socos, gritos e xingamentos, para logo em seguida ficarem sozinhos com seus pensamentos dolorosos. Mas esse não é o Mahito. E Choso não o bate de volta.
Ele não levanta a mão para acertá-lo no rosto e deixar um hematoma enorme no seu olho.
E Yuuji espera debilmente ser atingido, mas nada vem. Isso está certo?
— Você… me bateu? — Ao invés de retribuir a altura, Choso pergunta, desacreditado e massageando onde foi atingido. Engoliu em seco a saliva acumulada na boca, dando mais um passo para trás, fechando as mãos em punhos e enchendo os pulmões de ar. Seu coração bate freneticamente dentro do peito. Em parte por ter agido no modo automático e batido em Choso, e em parte pelas palavras que ouviu antes de tê-lo calado à força.
— Eu… eu não estou fazendo birra. — Gaguejou, olhando para qualquer lugar, menos para Choso. Tem a sensação de que uma mão vai acertá-lo na bochecha ou apertar sua garganta, cortando seu suprimento de ar e levantando do chão, empurrando-o contra a parede e fazendo o sangue espirrar por entre seus lábios. Espera ouvir xingamentos. Vadia. Vagabunda. Puta. Desgraçada. Prostituta. Lixo. Todos os adjetivos usados por Mahito e, muitas vezes, por Kaori também. Nada vem. É estranho, a ansiedade da espera deixa-o doente.
— É exatamente o que está fazendo agora, você me bateu por que quer está certo mesmo estando errado, e fez o mesmo ontem a noite, chorando por querer atenção e que todos peçam desculpas por algo que nunca fizemos. Tão mimado e birrento a ponta de desrespeitar os mais velhos, você acabou de me acertar, Yuuji, eu deveria devolver na mesma moeda, mas não bato em ômegas e principalmente, não bato nos meus irmãos porque diferente de você, eu sei o que significa família, e sempre me sacrifiquei por eles… — Essas palavras… elas doem mais do que qualquer possível soco, preferia ter apanhado, seria mais fácil de superar.
Devolver na mesma moeda? Yuuji nem queria batê-lo inicialmente, nunca foi a intenção, apenas agiu automaticamente. E não é desrespeitoso com os adultos, mas como deveria tratá-los quando nenhum deles o leva a sério e vivem envergonhando-o na frente de todos? Agir de forma submissa e aceitar as mentiras que inventam no seu nome? Sacrificar pela família? Quem nesta casa já fez algo parecido? Pois bem, se se sacrificaram, fizeram isso muito mal feito, porque Yuuji certamente não recebeu as graças desse sacrifício que supostamente foi feito para o seu bem.
— Eu me sacrifiquei por você, eu e Sukuna, e ao invés de apreciar o que fizemos… — Deu estômago doeu, não deixou Choso terminar, apenas correu para o banheiro e bateu na porta freneticamente, o sabor amargo vômito atingiu seu palato e o nojo quase o fez abrir a boca e despejar a mistura nojenta sob os próprios pés, desperado bateu mais forte na porta.
— Já estou indo, calma! — Escutou um rosnado irritado do lado de dentro, continuou batendo, a boca enchendo cada vez mais com o líquido nojento faz os seus dedos dos pés se contorcerem desconfortavelmente no chão, o estômago dói tanto, sente que vai morrer. Não pode abrir a boca e despejar a mistura no chão, o tio Kenjaku ficaria tão irritado, Kaori sem dúvidas iria bater e Mahito… Mahito chamaria-o de nojento. Com lágrimas presas nos olhos, bateu mais forte e finalmente a porta abriu, — Pronto, porra, já estou sai… — As palavras morreram na garganta de Sukuna quando Yuuji passou correndo por ele, jogando sob o vaso sanitário e despejando o vômito como se estivesse morrendo.
— O que caralhos aconteceu, porra?! — Perguntou (gritou), Yuuji está muito ocupado para escutar alguém ou responder. Sente que está colocando até o que não comeu para fora, seus órgãos se contraem, e a força por trás da excreção forçada o deixa com a garganta dolorida. Dessa vez, não há mãos gentis massageando suas costas nem palavras de encorajando sussurradas no seu ouvido, e de certa forma, parece certo assim.
Levantou sentindo as pernas trêmulas e o sabor amargo dançando na língua causando náuseas, fechou a porta do banheiro, trancando-a de chave e caiu na pia. Um tanto aéreo, ainda conseguiu ouvir a conversa de Choso e Sukuna do lado de fora, eles não são tão discretos o quanto pensam ser,
“—... ele é igual Kaori, Sukuna, manipulando todos em torno de mentiras, estou cansado de lidar com essas atitudes infantis, não quero machucá-lo, mas da próxima vez que ele me bater, eu vou bater de volta. Nós tomamos algumas palmadas na infância e isso não nos matou, acho que a ausência dessas palmadas nele o fizeram ser rebelde assim. — Choso reclamou, e embora sua voz não contenha resquícios de aborrecimentos, o cheiro irritado é forte e penetra as paredes do banheiro. “
Com o estômago revirando novamente, correu de volta para o vaso sanitário e continuou vomitando por longos minutos, até não ter absolutamente nada para sair.
Sente-se uma merda. Não quer sair hoje. Mas definitivamente não quer ficar aqui. Sem outras opções, levantou do chão frio e tomou um banho congelante, vestiu o uniforme escolar e desceu as escadas como se nada tivesse acontecido. É um especialista em fingir que está bem, tem feito isso a vida inteira.
A cozinha está barulhenta, risos e conversas animadas enchem seus ouvidos assim que passa pela entrada.
— Bom dia Yuuji-kun!! — Tsumiki o cumprimenta alegremente, quase pulando para fora do assento.
— Bom dia Yuuji-kun, dormiu bem? — E seu adorável meio-irmão, o amor de todos nessa casa, Megumi, perguntou em seguida, mantendo um sorriso agradável no rosto. Yuuji pensa que deveria tê-lo deixado descoberto hoje mais cedo.
— Ei pirralho, deixei seu prato feito, só tem abacaxi. — Toji ofereceu, empurrando um prato com abacaxis cortados em formatos de ursos. Teria adorado. Se fosse uma criança de cinco anos.
— Yuuji, querido, como está se sentindo? Talvez seja melhor ficar em casa hoje e descansar? — Não teve nenhuma reação a nenhum desses cumprimentos indesejados, todos são tão falsos. Piores que Mahito. Por que Jin tem um sorriso tenso no rosto? Ou o olha ansiosamente? Seus lábios estão cheios de cortes, Yuuji tem o mesmo hábito de morder quando se sente nervoso. É doloroso olhar para eles, não quer vê-los.
Não se encaixa aqui.
— Vai ficar parado como uma estátua aí, pirralho? — Sukuna resmungou de boca cheia, e recebeu uma cotovelada de Megumi, — Ei, isso doeu. — Reclamou, e como resposta, recebeu outra cotovelada nada amigável.
Soltou um suspiro, ignorando-os completamente. Contornou a mesa e abriu a geladeira, pegando um iogurte light que comprou no fim de semana e enfiou na mochila, não tem fome, e principalmente, não quer sentar junto deles.
— É falta de educação não responder os adultos quando eles falam com você, Yuuji. — Choso o repreendeu severamente.
— Deixe-o em paz. — O vovô defendeu, muito rude e áspero.
Cansado, Yuuji despediu-se do vovô com um aceno de cabeça e saiu daquele cômodo sufocante, calçando os tênis apressadamente e correndo para fora de casa. A casa de Jin. Já na avenida, pode finalmente respirar tranquilamente, misturou-se com os assalariados de meia idade e entrou no metrô, que hoje não tinha nenhum assento vazio disponível. Encostou-se na porta metálica, cruzando os braços na altura do peito e encarando os próprios pés.
Por mais que tenha escovado os dentes, o sabor nojento do vômito ainda está impregnado na língua, mastigar algo apenas para levar o sabor embora é inviável porque sabe que vai acabar ajoelhado sob um vaso sanitário novamente, e definitivamente não quer passar por isso uma segunda vez no dia, sua garganta agradece. A viagem de metrô é rápida, não encontra nenhum alfa de meia idade pervertido para perturbar seus poucos segundos de paz, todos estão muito ocupados presos em seus próprios mundos, provavelmente pensando se realmente precisam ir trabalhar e não apenas ficar em casa, longe dos colegas chatos, intrometidos, e hipócritas, chefes assediadores e sem noção. Não adianta negar, os assalariados têm esse tipo de pensamento todas as manhãs, poucos estão satisfeitos com o cargo que exercem e principalmente, a remuneração no final do mês. Não os julga, também pensa se vale a pena levantar da cama e agir como se estivesse tudo bem quando deseja morrer. É um sentimento que infelizmente todos têm em comum.
Saiu do metrô assim que as portas abriram, desviando dos adultos e adolescentes apressados facilmente, subiu as escadas em direção a superfície e logo estava atravessando a avenida. De longe, viu Junpei encostado nos portões da escola, segurando o celular em mãos e parecendo muito focado no que quer que esteja vendo. Pensa momentaneamente se deveria começar a pegar um táxi todos os dias para vir e disponibilizar um transporte parecido para Junpei, uma vez que ele mora mais longe (do outro lado da cidade), ninguém viria estudar aqui por boa vontade, existem escolas de alto nível na outra extremidade de Tóquio, mas Junpei veio porque Yuuji pediu, o mínimo que pode fazer para retribuir é amenizar a longa caminhada e o estresse de pegar o metrô pela madrugada (praticamente).
Assim que se aproximou, Junpei levantou a cabeça, arqueando uma sobrancelha e apertando os lábios.
— Que diabos. — Exclamou, guardando o celular no bolso sem pensar duas vezes, — O que aconteceu? — Perguntou em seguida, dando toda a atenção a Yuuji. Ofereceu um sorriso pequeno, encolhendo os ombros.
— Estou cansado, podemos falar sobre isso outro dia? — Há uma luta interna acontecendo no fundo dos olhos escuros de Junpei, ser encarado por longos minutos é meio agonizante, ele deve está se perguntando se deveria deixar essa passar ou insistir, assim, evitaria algum possível contratempo (mais conhecido como recaída depressiva). Soltou um suspiro, cansado de manter o sorriso forçado no rosto. — Não me sinto bem… aquela casa me faz mal. — Admitiu, e Junpei dispensou outras explicações (por enquanto) em prol de dá-lhe um abraço apertado.
— Posso conversar com eles, se você quiser. — Ofereceu, como uma mãe tentando consolar um filho doente que insiste em ir a escola para realizar uma prova “imperdível”. — Eles iriam entender se eu dissesse que… — Balançou a cabeça para os lados, e Junpei sabe que nada irá fazê-lo voltar atrás.
— Tudo bem, eu só preciso de um tempo. — Um longo tempo, diga-se de passagem. Junpei bufou, esfregando suas costas suavemente, o cheiro do seu amaciante acalma o cérebro borbulhante de Yuuji, quase o faz esquecer que ainda estão na frente dos portões da escola, a um passo de entrarem no inferno.
— Não assistir a aula hoje deve ser uma boa opção… — A sugestão veio com o ar de quem não quer nada, e Yuuji abriu um pequeno sorriso, escondido por suas bochechas amassadas contra o peito vestido de Junpei, — Temos que fazer compras de qualquer maneira. — Completou, encolhendo os ombros.
— Você vai precisar pegar as anotações depois. — O trouxe para a realidade, e pegar anotações é sempre uma complicação, as garotas da última escola iriam emprestar os cadernos sem problemas, mas enquanto aos novos colegas? Eles olham para Junpei com tanta receio, quase se estivessem diante de um psicopata. No entanto, quando seu melhor amigo tem uma ideia, ele não volta atrás, por mais desastrosas que sejam as consequências.
— Acho que não precisamos nos preocupar com isso, Nanako-chan e Mimiko-chan são boas garotas. — Afirmou, pegando seus ombros e afastando-o do abraço apertado. Fez um bico com os lábios, e Junpei riu, deslocando uma mão para dar um aperto da ponta do seu nariz. — Vamos, não faça essa cara, seremos só eu e você hoje. Irei te animar um pouco. — Soltando um suspiro derrotado, deixou-se ser guiado para longe da escola, atravessando a avenida de mãos dadas.
Fugir da escola é uma prática antiga, inicialmente, era uma forma de fugir dos perseguidores de Junpei e depois passou a ser uma maneira de relaxar, esquecer as exigências do tio Kenjaku, prazos de entrega, Mahito e discussões com a kaori. Agir como adolescentes normais e frequentar alguns fliperamas no shopping ajudou-os muito, arrancou risadas sinceras e um senso de competitividade que nem sabiam ter, os olhares feios que recebiam (e recebem) dos adultos era incômodo, mas agora, é cômico vê-los fechar a expressão ao ver um par de estudante do ensino médio passeando livremente pelas ruas em horário de aula.
O que? Precisam se dedicar aos estudos sete dias por semana para obter resultados bons e uma vida profissional estável futuramente? O sistema educacional japonês é muito rígido, se eles abrissem um pouco a mente, veriam que apenas se dedicar aos estudos não é o suficiente para alcançar o sucesso, e principalmente, ser saudável psicologicamente. E não tem esse tipo de pensamento apenas porque secretamente é um artista internacional, é apenas a realidade que os adultos preferem ignorar.
Utahime é um deles, e sem dúvida, ficaria muito feliz em fofocar para Jin e Toji que mais uma vez, Yuuji tem escapado da escola para vagabundear pela cidade com um beta delinquente, uma pena para ela que tenha sido transferido de escola, e a notícia fresca chegue até Jin sem a necessidade de nenhuma intervenção externa. Afinal, ele é professor da Jujutsu teach, certo? Na verdade, não tem certeza. Escutou uma vez que Jin era parte da equipe de contabilidade e não o do corpo docente, mas ele vem todos os dias à escola, o escritório contábil também fica no complexo de prédios? Não seria nada inédito ou surpreendente, considerando o tamanho do terreno.
Terá que lidar com aqueles dois adultos insuportáveis ao voltar para casa tarde da noite, tem certeza que mesmo escalando a parede, eles ainda irão surgir do além e bater na porta do quarto, buscando saber o porquê não foi a escola e onde estava, com quem estava e que fez o dia inteiro. Não precisa ser um especialista no comportamento humano para saber que eles definitivamente têm um posicionamento diferente de Kaori, que nunca perguntou o que estava fazendo, nem mesmo nas viagens repentinas que fez com o tio Kenjaku. A preocupação que exalam é genuína. Terrivelmente genuína. Yuuji gostaria muito que não fosse, seria mais fácil descartá-los. No entanto, essa preocupação excessiva pode ser apenas um reflexo do que sentem por Megumi e Tsumiki, também ômegas. Alguns alfas tem essa territorialidade, a necessidade de proteger seus filhotes e mantê-los seguros, se esse realmente for o caso, dirá que todos naquela casa estão muito atrasados.
Não precisa de nenhuma proteção agora (pelo menos, não dá proteção deles), é quase um adulto e sabe se cuidar muito bem sozinho, talvez tome uma ou duas decisões erradas, mas isso faz parte do ser humano, vai ficar bem. Sempre ficou bem, obrigado. Andar tarde da noite na rua deixou de ser motivo de medo desde que aprendeu movimentos letais sob a instrução de Junpei, não é e nunca será um profissional do aikido, mas pode quebrar um galho ocasionalmente, se necessário (além de que bater em alfas é tão satisfatório). Eles ficariam surpresos se soubessem que morar naquela casa é mais assustador do que ser violado em um beco sujo (o que já aconteceu uma vez, não com um desconhecido, é só que Mahito perdia os escrúpulos quando estava com tesão. Yuuji agradece a escuridão da noite por manter sua integridade intacta.), de qualquer maneira, prefere lidar com dois adultos insuportáveis questionando-o sobre onde estava do que passar o dia na escola.
Ter a companhia de Junpei também funciona como um bônus.
Dito isso, afastou os maus pensamentos (o tanto quanto pode) e deixou-se ser empurrado para dentro de um provador de roupas de uma loja de grife no maior shopping de Tóquio, aliás, quando exatamente chegou aqui? Deve ser que estava tão perdido em seus próprios pensamentos que desligou-se do mundo real, faz muito isso, é menos frequente agora que Mahito foi embora, mas ainda acontece em dias difíceis como esse.
— Sim, é para um encontro, não queremos nada muito sofisticado, ele tem apenas dezessete anos e quero manter suas vestimentas dentro da faixa etária adolescente. Atualmente, parece que todos têm pressa em ser adultos, eles esquecem que estão vivendo a melhor fase da vida e deveriam aproveitá-la melhor, antes que passe completamente… Somos jovens e não temos medo do amanhã, apenas queremos aproveitar o enquanto ainda temos chance. — De dentro do vestiário, pode escutar Junpei tagarelar com a atendente, pode até vê-la falar cheio de confiança, com o nariz empinado e sorriso convencido. Ele é ótimo em construir uma boa imagem externa (quando quer) e é comum os adultos o considerarem maduro para sua idade, infelizmente, não pode negar que sim, Junpei é maduro e responsável (em todas as situações) e geralmente é aquele que tira Yuuji de situações indesejadas.
Além é claro de ser um mestre da oratória. É impressionante o quanto a autoconfiança muda as pessoas, e tudo isso, apenas por causa de um ombro amigo e mudanças no visual.
Gostaria de que isso também fosse o suficiente para fazê-lo sair do fundo do poço e mandar as emoções negativas embora.
— Diga-me, você tem um vestido na tonalidade azul Royal? Combina com vermelho cereja, certo? Dependendo do modelo podemos levá-lo. — Dispensou a atendente educadamente, dois minutos se passaram, e sua voz voltou a falar — Yuuji, saia e deixe-me vê-lo. — Pediu gentilmente. Yuuji deu uma última olhada rápida no espelho, afastando a cortina de seda (cara) e colocou-se à vista. Junpei está sentado em uma poltrona branca, grande e fofa, pernas cruzadas e braços descansando no encosto do mini sofá, seu rosto tem uma expressão séria e olhando-o assim, ele parece um filhinho de papai rico e esnobe. Não conseguiu segurar a risada, é uma piada e tanto, Junpei é tudo, menos um riquinho mimado.
— Qual a graça?! — Ele atacou, estreitando os olhos. Yuuji tossiu para esconder o riso, trazendo uma mão até a boca e cobrindo-a. Endireitou a postura, engolindo o riso.
— Nada… — Os olhos de Junpei apertaram ainda mais, como um gatinho irritado, — Você só está parecendo o poderoso chefinho. — Comentou, lembrando da animação infantil que assistiram nas férias.
— Vou tomar isso como um elogio. — Agradeceu, e Yuuji acenou, continuando.
— Mas não foi um elogio. — Junpei lançou um olhar cheio de ameaças sangrentas, — Okay, talvez tenha sido um elogio. — Mudou de ideia rapidamente.
— Muito bem, dê uma volta, quero ver tudo. — Pediu, batendo as palmas das mãos juntas. Revirando os olhos, Yuuji deu uma voltinha lentamente, dando tempo para Junpei examinar a peça que está vestindo.
O vestido é simples, nada que chame atenção a quilômetros de distância. Com recortes retos e um tamanho razoavelmente decente, entretanto, há um ar de “menino do campo” nele que passa a impressão de inocência infantil, (algo que não tem), e provavelmente é por esse motivo que Junpei o escolheu, porque se dependesse de Yuuji, eles estariam na sessão de roupas masculinas pulando de moletom para moletom - seu senso de moda sempre foi um pouco duvidoso, preza mais pelo conforto do que pelas combinações bonitas, então é normal que use conjuntos moletons, shorts curtos no verão, camisas que são três vezes maiores que o seu tamanho ou tops que cobrem apenas seus mamilos (quem aguenta usa algo diferente no calor infernal do verão?!), nem sempre essas roupas são as indicadas para ocasião, e é dever do Junpei verificar as irregularidades das suas vestimentas.
Não está reclamando, poderia ser pior. Por exemplo, ter Nobara monitorando e controlando seu guarda-roupa, o que o lembra de verificar a caixa de entrada do e-mail, prometeu que iria dar uma olhada nos desenhos dela, e a conhece há tempo suficiente para saber que será perseguido até o inferno caso não dê um feedback (mesmo que não aprove os desenhos).
— Eu gostei desse, vermelho realmente é a sua cor. — Disse, olhando-o de cima para baixo com um sorriso satisfeito no rosto. Passou as mãos pelo vestido, sentiu a textura do tecido sob seus dedos, é macio e suave como uma pluma, não irrita a pele, muito diferente das roupas que usava na infância para ir a igreja (escolhas de Kaori e seu baixo orçamento). — Você gostou? Sente-se bem nele? Podemos ver outros ainda, tenho uma pilha de vestidos que poderíamos provar. — Junpei sugeriu, bem humorado e como sempre, priorizando o conforto de Yuuji.
— Também gostei desse, é simples, assim como eu. — Respondeu, encolhendo os ombros. Parou de amassar o tecido e olhou para o amigo, oferecendo um sorriso pequeno e rápido. Uma confirmação de que está tudo bem. — Mas ainda estaremos provando outro, certo? — Perguntou, fingindo uma voz arrastada.
— Sim, tem razão. — Junpei concordou, levantando da poltrona e indo até o puff que está logo a sua frente, pegou uma vestido verde musgo com detalhes brilhantes do decote v escandaloso e mangas longas. — Gostaria de ver como este ficaria no seu corpo, vestia-o para mim, sim? — Pediu, e seus olhos escuros dizem que há planos malignos para este vestido. Engolindo em seco, Yuuji pegou o vestido em mãos um tanto temeroso, e acenou positivamente.
— Tudo bem… não estaria usando ele para um culto satânico, certo? — Ganhou um tapa no topo da testa. — Aí — resmungou, massageando com a mão livre onde foi atingido.
— Vai vestir isso logo. — Foi empurrado para dentro do vestiário e as cortinas foram fechadas logo em seguida, fazendo bico, tirou o vestido vermelho passando-o por cima da cabeça e deixando o cabelo uma bagunça (deveria cortá-lo? Sim, já passou da hora) e começou a colocar o novo. Assim como o anterior, o tecido deste é suave e delicado, caso não seja cuidadoso, pode rasgá-lo.
Ter dinheiro é bom. Imagine continuar procurando roupas em bazares e promoções em lojas populares? Nada contra, claro, passou a maior parte da vida indo a essas lojas e, sendo sincero, odeia gastar dinheiro sem motivos, é muito economista (segundo Junpei e Nobara) ou melhor, mão de vaca, para entrar em lojas de grife e sair com dez sacolas na mão. Entretanto, depois de provar tecidos suaves e leves, é difícil acostumar-se novamente com tecidos grossos e pesados, ariscos e que irritam a pele.
Dar-se o luxo de comprar algo uma vez ou outra não vai levá-lo à falência, seu dinheiro está rendendo mais a cada dia, os recursos financeiros estão indo bem. H
Olhou-se no espelho atentamente, ignorando o rosto magro e pálido para focar no vestido cobrindo o seu corpo, as mangas esvoaçantes ficam soltas em uma fenda que começa no ombro e vai até os cotovelos, o detalhe dourado brilhante (que parece muito com ouro) recorta o decote v escandaloso que deixa metade dos seus mamilos a mostra, a cintura é apertada e marca bem os quadris, mais uma vez, mostrando um pedaço de coxa delgada que provavelmente vai ser ainda mais exposta quando caminhar graças a fenda no lado esquerdo. É o tipo de roupa que os famosos e ricos usam em festas chiques e certamente, nunca estará ao alcance dos menos afortunados.
Sua linha de pensamento foi interrompido pelo flash de cortina sendo empurrando para o lado e um rosto ansioso espiando-o através do espelho, Junpei tem um sorriso enorme no rosto, bochechas coradas e olhos brilhantes, como se tivesse acabado de encontrar todo o ouro da Califórnia (isso é, se um dia existiu ouro na Califórnia).
— Pode tirar esse olhar do rosto? Você está parecendo um maníaco. — Disse, olhando-o com o cenho franzido. Junpei não se importou, ele entrou no vestiário, fechando a cortina e sacando o celular do bolso.
— Você não tem ideia do quanto está lindo! — Exclamou estupefato, e não, Yuuji não faz a menor ideia, acha que está tão normal quanto nos outros dias.
— Tenho medo do que significa lindo para você. — Comentou, ainda com o cenho franzido, e Junpei mostrou a língua. — Pensei que a ideia era me manter com a aparência inocente, e o que você está fazendo aqui? — Perguntou, desentendido.
— Me escondendo. — Arqueou uma sobrancelha, e Junpei bufou, explicado melhor. — Do nosso perseguidor. — Uma luz brilhou na sua cabeça, e sem esperar um minuto, colocou a cabeça para fora, espiando o lado de fora da loja curiosamente. — Ei, o que você está fazendo? Temos que nos esconder, idiota. — Uma mão puxou-o para trás.
— O que ele está fazendo aqui? — “O perseguidor” nada mais é do que um dos colegas de treino de Aikido de Junpei, o garoto está apaixonado por seu melhor amigo, que só consegue olhá-lo com nojo. Junpei tem alguns problemas com alfas, particularmente falando, e esses problemas se intensificaram depois de desentendimentos com Mahito.
— Você acha que eu sei?! — Ele devolveu a pergunta, com os olhos arregalados. Ponderou um pouco antes de abrir a boca e responder, no entanto, Junpei passou na frente, — Eu não lembro dele ter dinheiro. — Trocaram olhares cúmplices, e abrindo só uma pequena fresta na cortina, espiaram a movimentação da loja (ou até onde conseguem alcançar).
— Será que conseguiu um papai de açúcar? — Yuuji levantou a questão, encontrando o tal perseguidor descartando camisa após camisa social, muito concentrado no que está fazendo para notar os dois pares de olhos estudando seus movimentos. Junpei fez um barulho estranho, negando logo em seguida.
— Feio desse jeito? Duvido muito. — Segurou o riso, o pobrezinho não é tão feio, sua beleza é apenas… exótica. Óculos e dentes muito grandes, cabelo bagunçado e alto demais, sem massa muscular para disfarçar a magreza. — Mas acho que tem gosto para tudo, né… — Balançou a cabeça, concordando.
— Sim… tanto dinheiro para comprar roupa e nenhum para ir ao dermatologista? Aquele pele pode está precisando de mais do que apenas protetor solar. — Apontou, e Junpei fez uma careta.
— O corte de cabelo também não ajuda. — Complementou a a analise. Quando o garoto levantou a cabeça, fecharam a cortina na velocidade da luz, com os corações batendo forte dentro da caixa torácica. — E pensar que ele não me deixava em paz… — Riu da cara de sofrimento do seu melhor amigo dramático.
— Junpei, não seja maldoso, não devemos olhar para o exterior das pessoas, o que importa é o que está aqui dentro. — Tocou no próprio peito para ressaltar o que fala, e Junpei bufou, fazendo uma expressão pouco convencida.
— Sim, isso é verdade, entretanto, o físico é um grande atributo. — E fazendo uma careta, ele completou: — Algo que falta nele. — Yuuji sente pena do perseguidor-san. — Escute, Yuuji, nunca chore por alguém que te daria filhos feios. — Teria dito que nunca chorou por ninguém, mas todos sabem que seria uma grande mentira.
— Certo. — Então apenas concordou, embora no fundo, nunca tenha se importado com a aparência física das pessoas. — Agora ficamos aqui até ele ir embora? Ou… — Deixou a frase morrer no meio do caminho, incerto. Junpei bufou outra vez, encostando-se na parede e cruzando os braços.
— Ele não te conhece. — Disse, aparentemente do nada. Arqueou uma sobrancelha, tentando seguir sua linha de raciocínio, Junpei exibiu um sorriso travesso de quem está prestes a fazer uma grande pegadinha com um inocente desavisado, — Por hoje, deixe-me ser seu namorado. — Engasgou com a própria saliva, tossindo uma tosse seca e escandalosa. Recebeu alguns tapas nas costas e uma expressão culpada. — Desculpe, desculpe, acha que precisa de água? — Perguntou, prestativo.
— Não, só fiquei surpreso. — Dispensou as mãos que esfregam suas costas. — Ah, bem, acho que não tenho problema em ser seu namorado por um momento, contanto que pague pelas roupas de hoje. — Sorriu inocentemente, porque definitivamente não vai ser um bom ator de graça, Junpei torce os lábios, sem dúvidas, calculando os ganhos e percas desse acordo.
— Tudo bem, eu pago. — Disse por fim, derrotado. — Mas antes, precisamos tirar algumas fotos! Oh, você está tão lindo, eu poderia facilmente confundi-lo com um príncipe da era vitoriana. — E sem esperar Yuuji dizer algo, puxou uma máscara do bolso e colocou na sua cabeça, cobrindo toda parte superior do seu rosto. É uma máscara rendada, deixa alguns pedaços da sua pele a mostra e não tem as pontas de gatinho no topo da testa, deixa o contorno dos seus alhos muito mais destacados que o normal. É… sensual. Tocou o tecido sob seus olhos, arrastando os dedos lentamente, sentindo-o fazer cócegas. — Gostou? Comprei na internet, é um presente. Por nada. — Junpei gorjeou alegremente, desfazendo sua trança bagunçada e mexendo os dedos sob seu couro cabeludo, fazendo o cabelo ficar ainda mais arrepiado que antes.
— O que você está fazendo? — Perguntou, confuso. Junpei soltou um suspiro, curvando-se um pouco e descansando o queixo sob seu ombro, braços de musculoso magros o abraçaram por trás, apertado e aconchegante. Quente.
— Nada. — Respondeu, com um sorriso bobo no rosto. — Gostaria que você pudesse se ver com os meus olhos. Tão lindo. — Suspirou sonhadoramente, apertando os abraços ainda mais. — Juro que se você não fosse meu irmãozinho já teria te pedido em casamento. — Choramingou, fazendo bico.
— Vou fingir que acredito nisso. — Resmungou, olhando para Junpei atravéz do espelho. — Aliás, pensei que você fosse gay e gostasse de ter um pênis da bunda. — E isso Obviamente estraga o “clima” romântico que nunca existiu, verdadeiramente.
— Hã? Eu nunca disse isso! — Defendeu-se, soando indignado e desfazendo-se do abraço. Yuuji aproveitou a oportunidade para girar no espaço apertado e ficar de frente para o invasor, todo presunçoso e provocador.
— Oh, então está dizendo que não estava pesquisando por pênis de borracha na internet? — Perguntou, levantando uma sobrancelha. Junpei negou, balançando a cabeça, e o sorriso de Yuuji cresceu ainda mais. Dando um passo a frente, continou, — Ou quer não tem lubrificante na sua gaveta de meias? Tem certeza que não deseja ser fodido por trás, querido? — Instigou maliciosamente, invadido ainda mais o espaço de Junpei.
— Bom, takvez eu tenho lubrificante no meu… espere, como você sabe disso?! — Saiu mais como um a acusação do que uma pergunta.
— Como eu sei não importa, só precisava ter certeza. — Dispensou a acusação rapidamente, com desdém. — Agora, o mais importante, podemos chorar por paus juntos! — Quase gritou a última parte, dando pulinhos curtos. Junpei revirou os olhos, mas um sorriso escapou dos seus lábios.
— Ei, não pense que estou desesperado por paus apenas porque meu histórico de pesquisa no Google é um tanto duvidoso, estou na idade de saciar minhas curiosidades, isso não significa que quero ter um pau no meu cu, posso apenas querer saber como funciona. — Deu uma explicação racional para o assunto, como um adulto responsável faria. — E já conversamos sobre eu ser gay antes, suas histórias de sexo anal foram muito brutais para eu lidar, precisava ver como a coisa realmente funciona. — Determinou, sério. Sorrindo maliciosamente, colocou os braços em cima dos ombros dele, olhando-o por debaixo dos cílios longos.
— Hum, sim? E o que achou? Pronto para testar o seu brinquedo, querido? — Entortou a cabeça, propositalmente, deixando a língua aparecer entre os lábios enquanto falava. Junpei engoliu em seco, dando um passo para trás e sendo implacavelmente seguido. — Anal não é muito minha praia, mas posso abrir uma excessão para você, o que me diz? — Empurrando-o ainda mais para a borda, Junpei acabou tropeçando e caindo para trás, levando Yuuji junto.
— Porra. — Gemeu, com uma careta de dor no rosto. Yuuji, que caiu no seu colo, sentou-se com uma perna de cada lado e o preparou-se para a morte iminente.
— É… você está bem aí? — Perguntou, incerto, mordendo o lábio inferior. O rosnado de advertência invocou arrepios macabros na sua espinha dorsal, e antes de Junpei esticasse uma das mãos para agarrar o seu cabelo, levantou-se cambaleante e saiu correndo. — Amiguinho gay, vamos parar com isso, foi um acidente! — Pediu (gritou) correndo pelo meio da loja.
— Foda-se, sua vadia desgraçada. — Junpei devolveu.
E foi assim que acabaram sendo expulsos de uma loja de grife no meio da manhã e Junpei perdeu a imagem de adolescente maduro e responsável, construída em uma árdua conversa unilateral de dois minutos. Uma grande perda.
Decidiram (lê-se: Junpei decidiu) que gostaria de perder mais da metade do dia assistindo péssimos filmes dos anos noventa e dois mil, e assim fizeram, sentados nas últimas fileiras comendo pipoca amanteigada e bebendo refrigerante zero açúcar. Os filmes tinham efeitos sonoros e visuais péssimos, as cenas que deveriam ser aterrorizantes são, na verdade, muito engraçadas e arrancaram boas risadas de Yuuji. O hobby por filmes de terror dos anos oitenta ou noventa começou com a paixão de Junpei pelo cinema e a evolução das produções ao longo dos anos, não é o maior fã, mas inevitavelmente passou a apreciar a arte da cinematografia, é bom para fugir da realidade.
Seus gostos para filmes, assim como o de Junpei, é um tanto duvidoso, então não há ninguém além deles na sala de cinema. Na verdade, é impressionante que os cinemas ainda mantenham esses filmes no acervo (mesmo com valor de ingresso sejam tão baixos), acredita que quase ninguém vem assisti-los. Talvez se desfazer deles não é tão viável quanto parece? Supõe que existam estudantes de cinema que vem uma vez ou outra em busca desses trabalhos esquisito, uma vez que nem sempre é possível encontrá-los na internet.
Quando saíram do cinema, o relógio marcava quatro horas da tarde, ainda estava cansado e só queria ficar deitado em uma cama fofo o resto da vida, entretanto, Junpei insistiu que deveriam ir no fliperama. Sem opção, acompanhou-o até a casa de jogo, mas ficou a maior parte do tempo apenas vendo-o jogar, repensando suas escolhas de vida e calculando o quanto estaria perdendo (não apenas financeiramente) se assassinasse Junpei, seu melhor amigo e irmão por fazê-lo perder tempo aqui, em um lugar cheio de pessoas desconhecidas que os olham feio. É como se estivessem apontando os dedos e dizendo: Vocês não deveriam está aqui a essa hora. E tudo o que Yuuji consegue pensar : Foda-se. Talvez sua expressão esteja sendo muito esclarecedora, porque os adultos desviam os olhos rapidamente.
Não é que desgoste dos jogos daqui, apenas não está no clima hoje. Como deveria está depois de ontem e principalmente, escutar o que Choso pensa? Mimado, birrento e “não levou umas boas palmadas”, ele e seus familiares, ficariam surpresos se soubessem a quantidade insana de palmadas que Yuuji levou, palmadas boas e cruéis, que deixaram manchas roxas na sua bunda por semanas inteiras e precisou usar pomadas para os pequenos cortes que tiverem após a sessão de “tortura”. É claro que eles irão vê-lo como mimado quando desconhecem metade dos horrores que passou, muito menos fizeram algum esforço para conhecer. Deveria realmente dá importância ao que eles pensam? É fácil dizer que não liga para nada do que dizem por aí sobre o Killer Cat ser uma vagabunda imoral e o Kamo Yuuji um ômega promíscuo que abre as pernas para qualquer um, mas é diferente quando críticas parecidas com essas vem de pessoas que respeita (o mínimo que seja) e ainda nutre amor (bem no fundo do coração, em um lugar escondido da vista de todos).
Até sete anos atrás Choso era um dos seus maiores heróis, o melhor e maior irmão do mundo (que o Sukuna do passado nunca saiba disso), por mais que queira, não é tão simples assim descartar as opiniões dele, suas palavras e reclamações. Claro, a relação que tinham se degradou ao longo desses anos e o amor que sentia agora é frágil, sem confiança e companheirismo. Entretanto, Choso ainda é o seu irmão mais velho, e cabeça de Yuuji lembra-se dos bons momentos que passaram juntos, assim como todas as vezes que o cumprimentou e foi recebido pelo silêncio.
O que fazer para esquecê-lo completamente? Esquecer que um dia foram mais do que apenas irmãos, foram confidentes e melhores amigos dispostos a enfrentar o mundo de mãos dadas apenas para ficarem juntos. É insano que todas as pessoas que ame são exatamente aquelas que mais o faz sofrer. Choso. Sukuna. Jin. Kaori. Mahito. todos eles deixaram uma marca dolorosa da qual não consegue se libertar, supõe que seja um castigo divino por tirar sarro da existência dos deuses, ou até pior, está cantando no coral da igreja enquanto pensa no tamanho do pau do filho do pastor (em sua defesa, a calça marca demais). Tentar esquecê-lo é inviável, sete anos e nenhum progresso real, sempre volta a estaca zero. A criança carinhosa e inocente que idolatrava os alfas mais fortes do mundo (vulgo, Sukuna, Choso e Jin), e termina no caminho inacabado de um adolescente sem esperanças de uma vida feliz.
Pouca coisa mudou no último ano, desde que Mahito foi embora, diria que agora não estado tão assustado com interações com alfas e betas, ainda há um certo receio, mas no geral, nada aterrozante. A relação com Jin e a família Itadori-Fushiguro é a mesma. Tio Kenjaku e Junpei ainda estão ao seu lado, e o vovô segue sendo um velho rabugento (muito carinhoso quando ninguém está vendo). As esperanças de uma vida feliz futuramente permanecem inócuas, quem sabe mude de ideia em alguns anos? Quando estiver longe do Japão e dessas pessoas. Vai treinar melhor a arte de ligar o “foda-se” e as opiniões deles não irão afetá-lo tanto, tem certeza que seus pensamentos sobre eles nunca é levado a sério, se tivessem um mínimo de vergonha na cara já teriam parado com essa palhaçada de se reaproximar.
Reaproximar. Como se fosse assim, tão simples e fácil.
Honestamente, sente inveja da forma como o cérebro dessas pessoas funcionam (se é que elas têm cérebro).
Por que para Yuuji não é nada fácil dar um passo à frente e deixar para trás o fato de que foi trocado por dois filhos ômegas super inteligentes e respeitáveis, um esposo alfa dominante gentil e amoroso, e jogado no lago do esquecimento junto de Kaori. Sem comentar que aparentemente as coisas estão indo muito bem sem a sua presença. Por que forçar uma aproximação que só fará os dois lados sofrerem? Nunca vai entender.
Cada vez que Jin fala orgulhosamente de Megumi e Tsumiki, quer experimentar ser elogiado também, ser tão bem cuidado quanto eles por alfas adultos e protetores, que nunca irão machucá-lo. No entanto, as lembranças de que esses mesmos alfas o abandonaram vem e vão como ondas, é difícil confiar novamente. É difícil confiar em alfas que não sejam o tio Kenjaku e vovô Wasake, e as vezes, até o cheiro desses dois não tem o efeito calmante que deveria ter.
Graças a Mahito, feromônios alfas são generalizados, e seu sistema defeituoso nem sempre consegue distingui-los como calmante ou ameaçador, é comum que os feromônios do tio Kenjaku tenham o efeito contrário, o mesmo acontece com o vovô. No fundo, sabe que eles não estão tentando intimida-lo, mas segundo o médico, foi exposto a feromônios alfas comumente usado entre adultos desde muito cedo, e isso pode ser um dos motivos que fazem os receptores serem deficientes.
No entanto, confiar em Jin e seus filhos não está apenas ligado aos feromônios (embora essa parte conta muito para pessoas comuns), e sim, a todo um contexto de problemas familiares e negligência que eles fazem questão de ignorar. Yuuji tem memória de elefante, para a infelicidade deles, e pode ser terrivelmente rancoroso quando quer. O perdão que tentam desejam pode nunca vir, pelo menos, não até que eles reconheçam que são os únicos errados da história (o que aparentemente, não estão nenhum pouco dispostos a fazer).
Estaria mentindo se dissesse que não há dias em que tudo o que deseja é correr para os braços de Jin e chorar até ficar desidratado, ou que lamenta as próprias atitudes e se culpa pelo divórcio dos pais. Poderia ter sido um filho melhor e impedi-lo de ir embora? Havia algo que estivesse ao seu alcance? A resposta é não, não é sua culpa, adultos têm problemas (assim como Kaori falou) e os problemas deles tornam -se problemas das crianças. Entretanto, os problemas das crianças só pertencem a elas mesmas. Ninguém se importa. Como dizem, “mimado”, “birrento” e “rebelde”, são descritores comuns para adolescentes com problemas, problemas reais que na maioria das vezes são frutos de uma educação negligente, mas é claro que não irão falar sobre isso. Certo? É melhor manter os segredos debaixo das cobertas, seria péssimo arruinar a imagem de adultos perfeitos, construídas ao longo de vários anos.
Diferente de Junpei, que é simplista e prendado, conseguiu ter uma boa imagem externa por pouco menos de duas horas e a estragou logo em seguida, apenas porque foi derrubado no chão e revelou sua localização para o perseguidor miserável do treino de Aikido. Obviamente ser adolescente e se divertir com “besteiras” é um grande indicador de imaturidade e imprudência, deveriam agir como robôs e serem comportados e perfeitos, troféus limpos para a exposição. Supõe que noventa por cento dos pais casam, possuem um emprego legal e têm filhos apenas para se gabar de ter uma família bonita e promissora, mas no fundo, pouco se importam com a “amada” família. Pode está sendo amargo, entretanto, quem pode dizer que essa suposição está equivocada?
Pois é, ninguém.
Por exemplo, está sentado no chão de um salão de decoração pobre, cercado de alfas e betas considerados delinquentes (e apenas por causa das roupas folgadas e podem ou não usar drogas nas festas), enquanto deixa o suor escorrer livremente pelas costas e rosto, bebendo água preguiçosamente, e observando a movimentação dos colegas irem embora. Não é um lugar que o filho troféu deveria frequentar tão tarde da noite, esses garotos “problemáticos” podem levá-lo para o mau caminho. Mas tudo bem, Yuuji não é e nunca será o filho troféu, foi doloroso aceitar no início, mas agora não é tão doloroso assim. Há apenas a melancolia presente em todas aquelas batalhas perdidas antes mesmo que tenha a chance de lutar (e acredite ou não, tem experiência em ser derrotado no primeiro round).
Passou o dia inteiro vagabundeando com Junpei, e se Jin tinha alguma dúvida (o que não acredita) que as queixas de Utahime sobre o comportamento delinquente de Yuuji na escola passada não eram verdade, ele obteve uma comprovação em primeiro mão e em tempo real que sim, seu filho bastardo é um irresponsável que desrespeita as regras escolares e dá meia volta na frente dos portões do colégio.
Honestamente, não está nenhum pouco ansioso para chegar naquela casa e encontrá-los esperando-o ansiosamente, como cachorrinhos abandonados ou uma família preocupada, em especial, a atenção indesejada que essas situações trazem consigo.
Ficaria tranquilamente até o amanhecer do dia nesse salão cheio de dançarinos de rua fedendo suor. É um dos poucos lugares onde se sente em casa, sem tensão e ansiedade, a incerteza de onde virá um xingamento ou mãos gananciosas, o que chega a ser cômico, considerando que a qualquer momento pode chegar um novato no grupo, e não conhece todos que dançam aqui, apenas uma pequena parcela que frequenta o lugar a mais de quatro anos.
Não é conhecido por ser o ômega mais simpático do mundo, tem dias que pode passar horas e horas conversando, sempre mantendo o assunto interessante e divertido, como também há dias em que vai se recusar a falar mais de três frases e responder as perguntas apenas por educação. E todos aqui estão bem com isso. Supõe que Jin e a família Itadori-Fushiguro deveriam ter uma aula com esses delinquentes idiotas, para saber respeitar o espaço das pessoas, compreende? E não forçar além dos limites.
Apesar das suas mudanças de humor sombrias, mantém um relacionamento saudável com todos, comprimentando-os com toques de mãos (nada elegantes para um ômega) e abraços laterais, outras vezes apertados, e piadas sem graça (aos olhos dos adultos conservadores). O que difere esses garotos e garotas (alfas e betas) das outras pessoas é exatamente a forma como lidam suavemente com as situações difíceis, eles não forçam uma confissão imediata e ficam no seu pé para saber quem o espancou, são companheiros e estão mais focados em ajudá-lo na recuperação do que ir em busca do criminoso (vulgo, Mahito e Sukuna).
Muitos podem achar loucura se sentir seguro e protegido no meio desses garotos, mais da metade deles sendo residentes dos bairros de prostituição e usuários de drogas recriativas (nada muito pesado, pode garantir), mas aqui é um lar para Yuuji, e talvez possa mudar de ideia futuramente (o que é improvável), crescer e se tornar um desses adultos insuportáveis que discriminam um estilo de vida minimamente diferente do deles, no entanto, agora não é esse momento.
Tomou mais um gole de água, fechando os olhos e apreciando o líquido refrescante descer garganta abaixo. Por ser outono o clima é ameno e agradável, mas o salão é quente e abafado, e graças ao esforços físicos que fazem é comum que soem como filhos da puta, não é que estejam reclamando, é um bom método para se aquecer no inverno terrível de dezembro e janeiro, contanto que mantenham-se hidratados. Além de ser um ótimo exercício físico, mantém as calorias controladas depois de todas as porcarias que comeu durante o dia. Não almoçou no restaurante tailandês que Junpei adora, apenas o assistiu comer alegremente, mas tomou café da manhã com Todo e bebeu refrigerante no cinema, supõe que seja o bastante por hoje. Tem a impressão de que se tentar comer novamente vai correr para o banheiro e isso é a última coisa que deseja, sua garganta ainda está dolorida desde o incidente da manhã.
Puxou a mochila para o meio das pernas, guardando a garrafa e fechando o zíper. O relógio marca nove horas e treze minutos, tem pouco tempo de paz até ser obrigado a voltar ao seu inferno pessoal, é melhor ir andando do que correr o risco de chegar depois do toque de recolher e suportar as reclamações de Jin. Levantou do chão limpo de cerâmica e jogou a mochila sob as costas, seus movimentos são lentos e preguiçosos, teria faltado ao treino de dança se isso não significasse ganhar bons puxões de orelha do tio Kenjaku e os discursos de: “Se for dar uma pausa porque está cansado nunca vai fazer nada, porque o seu cansaço nunca vai embora.” e obrigado, mas também não precisa escutá-lo.
— Indo mais cedo hoje, Yuuji-san? — Um garoto novato perguntou, correndo para alcançá-lo já na saída. Abriu um sorriso, bagunçando o cabelo curto do pirralho, pegajoso e molhado de suor.
— Sim, estarei saindo mais cedo nos próximos meses. — Respondeu, recolhendo a mão. Diferente das aulas e treinos de pole dance, esse salão é mais espaçoso e os alunos não tem uma hora exata para ir embora, eles são todos betas e alfas, então sem riscos de serem assediados tarde da noite por um pervertido. — Continue treinando, você está melhorando mais a cada dia. — Completou, e o garoto iluminou-se com o elogio, consertando a postura quase que imediatamente.
— Sim!! Espero um dia ser tão bom quanto você. — Afirmou, muito confiante. Revirando os olhos, Yuuji deu um peteleco na testa da criança.
— Idiota. — Resmungou, meio bravo meio divertido. — Não deve desejar ser tão bom quanto eu, deve apenas desejar chegar a sua melhor versão e está satisfeito com o resultado, se comparar a outras pessoas não é saudável. Agora volte ao treino e pare de roubar meu tempo, tampinha. — Empurrou o menino pelos ombros, não dando tempo dele retrucar.
As crianças se impressionam tão facilmente, por isso Yuuji acha que deveria ter um salão separado para elas. É injusto fazê-las ficar se comparando a jovens - adultos com anos de experiência, não ajuda em nada na autoestima, é bom que nenhuma delas estejam particularmente obcecadas pelo breakdance ou esse seria um caso a mais para se preocupar.
Despediu-se de alguns colegas no caminho até a saída e acabou parando a centímetros da porta novamente, dessa vez, por conta própria. Todo está amarrando os tênis, a mochila nas costas e o cabelo preso em um coque bagunçado e brilhante de oleosidade diz que ele também vai embora agora, ainda assim, faz questão de confirmar.
— Já terminou por hoje? — Ele não precisou levantar a cabeça para saber de quem é a voz, apenas ofereceu um aceno rápido enquanto terminava de amarrar o cadarço. Foi um arranjo simples, em menos de dez minutos estavam fora do salão de dança e o barulho de música eletrônica. — Impressão minha ou você está indo embora mais cedo? — Perguntou, dobrando o corredor largo.
— Sim, estou saindo mais cedo, tenho alguns trabalhos acomulados da faculdade. — Resmungou um silencioso “Ah” e continuaram caminhando lado a lado. Honestamente, não está afim de conversar, o dia cheio o deixou cansado, será um milagre se conseguir chegar na casa de Jin sem desmaiar no meio da rua. — E você? Sente-se melhor? De manhã sua cara não parecia boa, e olhando agora, ela está ainda pior. — Yuuji bufou, (agradece pelos bons amigos que fez, eles são sempre tão sinceros, ótimos para levantar o ânimo) e Todo definitivamente estacionou em um nível muito elevado de sinceridade, ele nunca mente (porque é certinho demais para isso) e fala o que pensa (não há nenhum filtro na língua).
— Obrigado pela parte que me toca. — Comentou ironicamente, levando uma mão ao peito e fingindo um sorriso agradecido. Começaram a descer os degraus para o primeiro piso, agarrou-se ao corrimão de metal, pulando despreocupadamente (como se seus joelhos realmente estivessem em boas condições) — E respondendo a sua pergunta, sim, estou melhor, ou tão melhor quando minha vida de merda me permite está. — Disse, encolhendo os ombros.
— Desculpe, mas nada parece melhor aí. — Na recepção, não avistou Ui-Ui para deixar aquele aceno típico de despedida que usa todos os dias, então apenas seguiu em frente e empurrou a porta de vidro, saindo na rua.
— Tudo bem, prometo fingir melhor amanhã. — Retrucou, começando a ficar cansado da insistência de Todo. — Hum, suponho que estamos nos despedindo na próxima esquina? — Perguntou, parando momentaneamente.
— A menos que você esteja pegando o caminho mais longo para casa. — Acenou, porque sim, está pegando o caminho mais longo. Vai pegar o metrô na próxima estação, que fica a aproximadamente oito ou nove quarteirões, é uma maneira de prolongar a indesejada volta para casa de Jin.
— É exatamente isso que estou fazendo. — Confirmou, voltando a andar. Enganchou as mãos nas alças da mochila e fingiu ter pensamentos interessantes, (o que nunca acontece), Todo achou estranho seu plano, uma vez que estava reclamando de cansaço e agora escolheu fazer uma longa caminhada desnecessariamente, mas não fez nenhum comentário (amém).
— Hum… então, tchau? — Ele meio que perguntou, ao chegarem na entrada subterrânea da estação. Yuuji abriu um sorriso pequeno, acenando com a mão.
— Tchauzinho, bons estudos e não se force demais, seu corpo tem limites. — Aconselhou humildemente, algo que faz automaticamente tanto com Todo quanto com Junpei e Nobara. O grandão (ênfase no grande, por favor, ele é um gigante) sorriu carinhosamente, deixando um beijo rápido no topo da sua testa, ignorando fina camada de suor cobrindo-a.
— Seria bom se você seguisse o próprio conselho. — Sim, Yuuji concorda, seria realmente muito bom se pudesse seguir o próprio conselho. Esse não é o caso, no entanto. Tem prazos a cumprir e a última coisa que deseja é decepcionar o tio Kenjaku. — Cuidado no caminho de casa, as ruas podem ser perigosas a essa hora, você sabe o que fazer caso surja algum pervertido… certo? — Caso diga que não, tem certeza que Todo fará questão de levá-lo até a porta da casa de Jin, e definitivamente não quer isso.
— Um chute nas bolas geralmente resolve o problema. — Piscou um olho e Todo concordou, dando-lhe as costas para atravessar a avenida. Yuuji ficou olhando suas costas por alguns segundos, então acordou do devaneio e voltou a caminhar.
Fora do horário comercial, os assalariados não ousam passear pelas ruas, provavelmente muito cansados da longa jornada de trabalho e começando os preparativos para o dia seguinte, o que torna a caminhada ainda mais “perigosa”, pois a noite dá espaço para os bares noturnos frequentados por riquinhos que desconhecem um não, (ou melhor, não aceitam ser rejeitados) e acredite, a maioria dos criminosos sexuais são alfas e betas da alta classe. Irônico, certo? Seria engraçado se não fosse triste.
Sem fones de ouvido (para sua profunda e miserável infelicidade), continua caminhando rua abaixo sem pressa, nesse ritmo talvez chegue na casa de Jin apenas depois do amanhecer, o que sem dúvidas o deixaria de castigo pelo resto da estadia, honestamente não se importa em ficar de castigando (dependendo do tipo), está habituado às correções dolorosas e cruéis de Kaori e Mahito, e tem certeza de que nada pode machucá-lo tanto quanto ser espancado por um pênis duro e furioso. Jin é medroso demais para de fato batê-lo forte o suficiente a ponto de machucar, e Toji… é difícil dizer, porque apesar de todos os insultos que recebeu nesses sete anos (foram muitos) nunca perdeu a paciência, poderia dizer que ele é quase um santo, suportando comentários maldosos sem odiá-lo e ainda mantendo um sorriso no rosto, isso não é para qualquer um. Então não, eles não iriam dar castigos semelhantes a Mahito e Kaori.
Fariam pior.
Tipo: proibi-lo de sair a noite, e consequentemente, atrapalhar a rotina de treinos no pole dance e breakdance. É bem a cara deles restringir a liberdade dos adolescentes para chegar a um comportamento “adequado”, não sabe se isso é pior ou melhor do que apanhar, considerando que depois da surra pode voltar a fazer exatamente o que fazia antes de ser descoberto (só vai ter cuidado extra para não ser pego em flagrante), e ficar de castigo restringe todos os planos por um longo tempo. Reclusão não é a sua praia, caso fosse, teria optado por ser um padre (ou freira). Portanto, apressa o passo a contragosto, descendo a colina plana rapidamente, sem dar muita atenção aos acontecimentos noturnos que diga-se de passagem, são sempre umas verdadeiras pérolas.
Pode encontrar um bêbado sendo expulso do bar e tropeçando a cada passo, também pode assistir em primeiro mão a briga de algum casal escandaloso ou apenas apreciar a beleza do centro de Tóquio a noite, com todas essas luzes incandescentes e barulhos de carros, é agradável, o faz sonhar com um mundo onde é uma dessas pessoas despreocupadas comendo com seu grupo de amigos em uma mesa acoplada a barracas de comida de rua, ou apenas reclamando de quanto o trabalho tem sido cansativo. Essas e outras atividades normais que todos fazem. Eles estão tão presos em seus mundos que nem percebem que a vida de merda que tanto desejam abandonar é invejada por miseráveis como Yuuji. Supõe que por mais odiável que seja a própria vida também existem pessoas que a queiram, porque sempre, sem exceção, há situações muito piores.
E as pessoas só veem o que permite que vejam, não é como se fosse de conhecimento público todos os problemas que têm, trabalhou duro para construir a imagem de um pirralho delinquente, é mais fácil ser visto assim do que receber olhares de pena. Obrigado.
Deslizou entre um grupo grande de amigos e dobrou a esquina a direita, passando por uma loja muito tentadora de mangás que está quase fechando, amadureceu bastante no último ano, antes teria entrado na loja e esquecido totalmente do toque de recolher. Em contrapartida, chegaria na casa de Jin com uma pilha de mangás e um sorriso enorme no rosto, pouco se fodendo para o castigo maldito que o espera. Agora, prefere cumprir com a promessa que fez ao vovô de chegar cedo e não deixá-lo preocupado. Com uma dor no coração, atravessou a avenida inteira e respirou fundo quando finalmente estava do outro lado, ótimo, sua carteira está a salvo.
Voltou a caminhar, pescando a água de dentro da mochila e bebendo um bom gole, parando apenas quando percebeu que não havia mais nenhum líquido dentro da garrafa. Fez um bico nos lábios, repentinamente, arrependendo-se de ter escolhido ir pelo caminho mais longo sem verificar a reserva de água na garrafa, agora terá que andar mais três quarteirões até a próxima estação de metrô e achar um bebedouro grátis, ou pode apenas comprar uma garrafinha de quinhentos mls por um absurdo. Ainda tem opções, mesmo que não sejam as melhores. Bufando, decidiu ir na barraca de comida de rua perguntar o valor da água mineral (preparando-se mentalmente para escutar o maior pecado do século), mas acabou parando ao passar por um beco mal iluminado e barulhento.
Naturalmente, o melhor a fazer é ignorar o que quer que esteja acontecendo e seguir a própria vida, como todos estão fazendo, entretanto, os risos e gritos são altos e incômodos demais para simplesmente fingir não haver nada. Não deve ser algo grave, esse é o centro comercial de Tóquio e as ruas de Shinjuku ficam a mais de quinze quarteirões daqui, onde a patrulha policial é intensa e as calçadas povoadas pela alta classe, nenhum criminoso meia boca vai procurar confusão nesses arredores, isso é, se quiser chegar vivo ao presídio. Tem quase certeza de que trata-se de uma pegadinha entre amigos e como o curioso que é, está se intrometendo. Bom, foda-se. Deu de ombros, colocando um pé após o outro e entrando no beco, honestamente, está surpreso que haja um lugar escuro como este no bairro tão movimentado e seguro, a manutenção de energia deve ter atrasado esse mês.
— Ei gatinho, qual o problema? Todos só queremos nos divertir, você não precisa bancar o difícil. — Escutou uma voz masculina brincalhona (eca) e aveludada, tentando sem dúvidas persuadir uma pobre vítima do seu assédio. Chegando mais perto, viu as costas largas do alfa ainda em crescimento, um adolescente, e mais dois garotos que parecem ter no máximo dezenove anos segurando um menino que está com a cabeça baixa, rosnando agressivamente.
Bom. Pelo menos ele está lutando.
— Tudo bem, não é divertido se ele não lutar, Kaiju-kun. — O garoto da esquerda comentou, parecendo empolgado. Nojento. Respirou fundo, vai dar meia volta silenciosamente e chamar ajuda de algum adulto responsável, com sorte, esses filhos de papai passarão a noite na delegacia. Não é como se pudesse fazer mais do que isso, de qualquer maneira.
— Além de que Sukuna vai ficar ainda mais irritado se machucarmos a putinha dele permanentemente, certo? — O outro sugeriu. Espere, ele disse: “Sukuna?” Apertou os olhos, estudando melhor o menino que está sendo segurado entre os três assediadores, é difícil vê-lo quando o corpo grande do alfa mais jovem o cobre, mas esticando o pescoço no ângulo correto, consegue reconhecer o uniforme escolar da Jujutsu teach e o sapatos feios de Megumi (fala sério, ele deveria comprar um novo par, de preferência um menos sem graça). Contudo, esse não é o momento para julgar os sapatos dele e sim ajudá-lo,
— Vocês tem razão, ele vai gostar depois que começamos, inevitavelmente. Ômegas sempre gostam, é apenas biologia. Independente se fomos o alfa dele ou não, Sukuna, você ou qualquer um, esse lindo garoto só precisa de um pau para fazê-lo se acalmar. — Tão nojento. Poderia e deveria ligar para a polícia ou correr até um grupo de adultos e deixá-los resolver esse problema, mas a partir do momento em que o gênero secundário de Megumi foi insultado, isso passou a ser algo pessoal.
Jogando limpo é óbvio que não tem chances contra três alfas grandes e fortes, entretanto, nunca foi conhecido por ser a pessoa mais honesta do mundo (por qual motivo iria ganhar tanto dinheiro nas mesas de apostas das ruas de Shinjuku?) às vezes dói na consciência saber que os outros jogadores estão se esforçando tanto para ganhar a partida de maneira honesta, mas então a satisfação de vê-los perder vem e substitui qualquer culpa remanescente, além é claro, do dinheiro fácil. Enganá-los será fácil, a maioria desse tipo são burros e lerdos, se fossem inteligentes teriam levado Megumi para um lugar mais privado, de difícil acesso e que não ficasse de frente para umas das principais avenidas de Tóquio.
Como disse, burros. E nem o cérebro defeituoso que tem chega a ser tão idiota assim.
— Vamos nos apressar, queremos terminar essa merda rápido, estou ansioso para provar a comida favorita do Sukuna. — O barulho de chacoalhadas, pedregulhos provocados por pés pesados e apressados, e resmungos abafados ficaram ainda mais altos no beco, junto do fedor podre e acre liberado por Megumi como uma maneira arcaica (e involuntária) de se proteger. Torceu o nariz, procurando algo que pudesse ser usado como arma, uma tarefa um tanto difícil com a pouca iluminação no local, combinado com os gritos desesperados disfarçados pela mordaça improvisada e as risadas divertidas (perversas). Não pode ligar a lanterna do celular e denunciar que está assistindo tudo, também não pode se dar o luxo de demorar para agir, cada segundo é importante nesse momento.
Sem mais opções e por falta de um raciocínio melhor, usou a chave da casa o Junpei como arma, enrolando o chaveiro de metal por entre os dedos e dando um passo à frente. (Vamos lá, não é a primeira vez que compra briga gratuitamente com mais de um alfa).
— Com licença… — Chamou a atenção deles, e o alfa mais jovem, que está abaixando as calças apressadamente para no meio do ato, olhando-o assustado por cima do ombro. Força um sorriso doce e falsamente inocente, passando os olhos nele dos pés à cabeça, analisando-o enquanto mastiga o lábio inferior. — Não quero atrapalhar, mas é que o cheiro desse lugar é muito chamativo para ignorar, então eu pensei, será que poderia me juntar à diversão? Meu dia foi cheio, preciso desestressar e nada melhor do que um ménage a quatro, certo? O cenário deixa tudo ainda mais quente. O que me dizem? — Entortou o pescoço, sorrindo sem mostrar os dentes. Houve um minuto de silêncio, Megumi o encara com olhos arregalados e cheios de horror, lágrimas presas e bochechas vermelhas. Suas roupas são uma verdadeira bagunça, mas pelo menos não há marcas de dentes no pescoço e as calças continuam penduradas nos quadris.
— Oh, nós adoraríamos, mas teremos que dispensá-lo dessa vez, gracinha. Quem sabe da próxima? Posso te passar o meu número e nos encontramos em um lugar mais privado… — O que parece ser o líder do trio começou, voz bonita e eloquente, mantendo o tom sério e causal, como se fosse normal está prestes a estuprar um ômega. O comparsa não gostou da ideia, entretanto.
— Qual que é, Kaiju-kun, se a putinha quer se juntar a nós, porque não aceitar? Ao invés de um buraco, teremos dois. Soa muito mais divertido. — Fechou os olhos, alargando ainda mais o sorriso.
— Sim, podem usar minha boca também, eu sou habilidoso com boquetes. — Para salientar este fato, lambeu os lábios, mostrando a língua propositalmente por um longo período de tempo. — Garanto que não irão se arrepender, garotos. — Piscou sedutoramente, e o alfa mais jovem desviou o rosto, desconsertado e com as bochechas em chamas. Seria fofo se não fosse um desgraçado filho da puta. Kaiju, o que aparentemente é o chefe, ficou preso entre aceitar a oferta e deixar passar, admite que é surpreendente um estuprador rejeitar sexo grátis. Talvez não seja atraente o suficiente?
— Tudo bem, mas não podemos demorar, então sej… — Ele não precisou terminar a frase, seu aprendiz impaciente virou-se completamente, cobrindo facilmente Yuuji com sua altura desproporcional e idiota, pronto para receber o tão sonhado boquete. Coitado. Tudo o que vai receber é um bom esporro.
— Boa escolha, querido. — O sorriso diabólico que abriu mal foi registrado pelo garoto antes Yuuji acertá-lo no meio das pernas com um chute forte, fazendo-o cair de joelhos no chão gemendo de dor. — Mas antes de receber um boquete, vocês devem aprender a fazer um. — Concluiu, pisando no rosto do alfa tremulando no chão com todo o peso do corpo (que sensação satisfatória) é uma pena que não possa continuar assim.
— Porra, sua vadia, ficou louca?! — Abaixou-se no momento em que o comparsa número dois soltou Megumi e correu para atacá-lo com um soco. Pisou no pé dele (o que não surtiu muito efeito) e acertou-o por debaixo do queixo com o punho que está enrolado na chave, infelizmente, não tem uma real força bruta por trás dos seus ataques e o garoto parece muito mais familiarizado a brigas de rua, ele recebeu bem o ataque surpresa e revidou a altura, dobrando o joelho e empurrando-o nas costelas desprotegidas de Yuuji.
Seguro o gemido de dor, não se deixando abater por uma joelhada leve, Mahito batia bem mais forte.
— Talvez um pouco, só fiquei ofendido por vocês pensarem antes de aceitar minha proposta. — Retrucou, encolhendo os ombros, pegou a tampa velha e enferrujado do balde de lixo público com as duas mãos e nocauteou o garoto, o barulho de metal chacoalhando ressoou por todo o beco e sem dúvidas, fora dele também. — Não sou gostoso o suficiente, por acaso?! — Perguntou, aproveitando a distração que o barulho causou para jogar o saco cheio de lixo no rosto do líder (o Kaiju-kun. A mãe dele não tinha um nome melhor?!) O saco se espatifou e espalhou restos de comida e plástico por todo o lado, sem perder tempo, agarrou o pulso de Magumi e o puxou para fora da confusão.
— Corre! — Falou, puxando-o brutalmente, o garoto parece paralisado. — Deixe para chorar depois, cara. — Completou, saindo do beco às pressas, há passos logo atrás deles e não quer ser pego, porque as consequências serão indesejadas.
Um dos garotos conseguiu alcançar a gola do uniforme levemente rasgado de Megumi, fazendo parar em um solavanco, e Yuuji pensou incrivelmente rápido quando puxou o spray de pimenta do bolso do short de compressão e espremeu no rosto dele, voltando a correr logo em seguida. Isso pareceu despertar Megumi para a situação em que se encontram e ele apressou o passo, logo estavam fora do beco sujo e escuro, mas os alfas continuaram a perseguição.
Uma pena para eles que Yuuji cresceu nas ruas de Tóquio e sabe melhor do que ninguém como despistar um perseguidor. Correram por entre as pessoas da calçada, vez ou outra esbarrando nelas, deixou uma certa bagunça para trás propositalmente, pulando por cima das mesas e jogando tudo o que viu pela frente nos alfas que estavam no seu encalço, a fim de atrasá-los.
— Alguém segure esses dois ômegas! Eles são vigaristas! — Escutou um deles gritar estupidamente, teria rido se não estivesse quase sem fôlego.
— Não desacelere, estamos quase chegando.. — Avisou a Megumi, ainda segurando-o pelo pulso.
— Onde estamos chegando?! — Ele gritou de volta, meio amedrontado, meio apavorado. Perguntou-se se ele é tão superprotegido a ponto de desconhecer os atalhos para a estação de trem de Shibuya. Dando uma rápida olhada para trás, viu o chefe do trio próximo demais (demais mesmo, os outros devem ter desistido, não os vê) virou o rosto para frente novamente e balançou a cabeça.
— Você vai ver. — Dobraram a esquina e a curva feita em alta velocidade fez seus tênis deslizaram no asfalto, involuntariamente, soltou o pulso de Megumi e apoiou-se na palma da mão, evitando uma queda maior. — Porra! — Resmungou irritado, levantando-se sem se importar com o ardor da pele sensível e voltou a correr, apenas para ter ser segurado no lugar por um puxão na mochila.
— Te peguei, putinha desgraçada! — Kaiju (ainda está se perguntando se esse realmente é o nome dele. Quanto mal gosto!) gritou, passando um braço ao redor dos seus ombros e trazendo-o na direção do próprio peito.
— Yuuji! — Megumi parou do outro lado da avenida, percebendo que estava correndo sozinho. Seus olhos arregalados, bochechas vermelhas e cabelos ainda mais bagunçados que o normal deixa o cenário tão dramático quanto o de uma novela mexicana. Acalme-se, ômega bonito, o máximo que irão fazer é batê-lo até virar polpa e quem sabe depois estuprá-lo. Pensou, segurando o revirar de olhos.
Mordeu o braço do garoto com toda a força que os dentes permitem, sentindo o sabor agridoce de sangue encher a língua, e fugiu quando ele o soltou, (não aguentou nem uma mordida de um ômega? Que frouxo) no processo, sua mochila abriu-se e os cadernos escolares (e não tão escolares) caíram no meio da pista de carros.
— Merda! Porra! Caralho! — Xingou, fazendo menção de voltar, mas um carro passou por cima do caderno (TINHA MESMO QUE SER O SEU CADERNO DE COMPOSIÇÕES?!) E quando aproximou-se para pegá-lo (ainda que atropelado) um dos alfas do beco surgiu da linha de fundo do amigo, sem opções, deu as costas para o único bem de valor que tinha e correu para o outro lado, indo de encontro a Megumi.
Os carros velozes buzinaram, irritados com o adolescente irresponsável que ousa atravessar a rua fora do final verde. Bem, foda-se. Não são eles que estão a um passo de perder a cabeça.
— O que está fazendo parado aí? — Entre gritos ofegantes, perguntou a Megumi, mas não esperou uma resposta. — Tanto faz, desce, desce, desce, desce! — Empurrou-o degraus abaixo, ele próprio deslizando sob o corrimão de metal.
— Ei garoto! — Um guarda gritou irritado.
— Que falta de educação! — Outro senhor reclamou.
— Fodam-se. — Mostrou o dedo do meio quando pulou de volta para o chão, no fim dos degraus.
— Você é o Homem-Aranha? — Megumi perguntou, arqueando uma sobrancelha fina. Sorriu, agarrando-o pelo pulso novamente e o correndo na direção da catraca.
— Passa por cima! — Avisou, pulando facilmente pela cobrança digital, Megumi por outro lado, acabou tropeçando, mas não caiu feio. — E não, não sou o Homem-Aranha, só fui criado na rua. — Justificou-se debilmente. — Corre! — O apressou, vendo as portas do vagão prestes a fecharem totalmente.
— Eu não con… — Com um supetão, puxou o pulso de Megumi ainda mais forte, impulsionando para frente e o chutou no meio das costas, derrubando-o dentro do vagão em uma posição nada elegante, pulou dentro logo em seguida e as portas se fecharam, levando-os embora.
— Ah, conseguiu sim. — Disse, ofegante, finalmente permitindo-se respirar. Com a adrenalina indo embora, fica evidente o quanto a joelhada que recebeu a pouco tempo machucou, sente as costelas doerem a cada vez que respira e percebe alguns arranhões espalhados pelo braço, assim como uma queimação incomum na bochecha esquerda. Tocou-a com a ponta dos dedos e não encontrou nenhum resíduo sanguíneo, provavelmente está apenas quente da briga.
Deveria ter agido como qualquer pessoa normal e ligado para a polícia, teve sorte de ter conseguido fugir daqueles três alfas (patetas) sem nenhum ferimento grave, embora tenha perdido o caderno de composições e cadernos escolares, está pensando em como lembrar das letras escritas naquele maldito caderno e tentando não entrar em pânico, porque é praticamente impossível lembrar de cada palavra, frase e estrofe, elas estão cheias de sentimentos e definitivamente, não quer se forçar a senti-los novamente. Isso é tudo uma grande merda. Esforçou-se tanto nos últimos três meses para compor e perdeu o trabalho em menos de vinte minutos, o tio Kenjaku vai perder a cabeça se souber disso e a discussão sobre contratar um compositor freelancer voltará à superfície, tem sérias dúvidas de que seus argumentos serão levados em consideração.
Seis meses e nenhuma música pronta.
Apenas seis meses.
Caso tivesse escutado o vovô e ficado no quarto por hoje nada disso teria acontecido. Entretanto, quem iria ajudar Megumi? Ele ainda estaria preso naquele beco sujo, cercado por desculpas esfarrapadas de seres humanos e preso a um destino que nenhum ômega merece. Como Sukuna se sentiria é irrelevante diante do trauma provocado por um estupro. Coletivo. Um estupro coletivo. Porra, que situação fodida. Agora não é hora de pensar em escrever um álbum, músicas perdidas e desentendimentos com o tio Kenjaku, por mais que não seja o maior fã do Megumi, não o odeia, (nunca odiou), deve oferecer apoio modal e um ombro amigo no qual se apoiar. Sim, o ato foi interrompido, mas os xingamentos foram ouvidos, as mãos intrusivas sentidas, e principalmente, as emoções aterrorizantes de ansiedade, medo e nojo permanecem persistentes, borbulhando sob a pele quente.
Levantou do chão do metrô, ignorando a queimação irritante nas panturrilhas e coxas causadas pela corrida fora de hora, a mochila escolar que usa desde o primeiro ano está com o zíper rasgado e não há nenhum item estudantil dentro dela, apenas uma regata branca que já viu dias melhores e o estojo de lápis. Suspirando, deu um rápido nó para manter a mochila fechada e não chamar atenção indesejada quando saírem na rua e jogou-a por cima das costas. Megumi, ainda está deitado no chão, respirando em longas baforadas de ar, seu uniforme é uma verdadeira bagunça, nada semelhante a organização vista durante o dia inteiro. A mochila dele certamente ficou para trás, perdida no beco durante a provação maldosa e olhando bem agora, os tênis estão molhados e sujos de terra.
— Vamos levantar, você vai atrapalhar a passagem das pessoas se continuar desse jeito. — Comentou, agachando-se e o pegando nos braços, Megumi aceitou a ajuda, forçando as pernas a acompanharem os movimentos lentos de Yuuji. O colocou no assento vazio de frente para as portas de metal, sentando também, e pescando o celular no bolso do short a fim de vê a hora, é bom que cheguem dentro do toque de recolher. — Está com sede? A próxima parada é a nossa, ainda dá tempo de parar na padaria do bairro e comprar uma água mineral ou suco, regular o fôlego e descansar as pernas. — Informou, rolando as notificações com o cenho franzido, aparentemente, sua postagem sobre o Tabeck (Zenin Naoya) acabou de ser respondida a altura. Bem, isso é assunto para outro momento.
— Eu… — Megumi começou, a voz rouca e arrastada, tímida, parou e continuou silenciosa por longos segundos, ele esfregou as mãos uma na outra e olhou na direção dos próprios pés que batem no chão ansiosamente.
— Não quer ir para sua casa? — Perguntou, sabendo melhor do que ninguém o que ele está sentindo agora. Recebeu um aceno de cabeça temeroso, e mais nenhuma palavra. — Bom, acho que vamos chegar depois do toque de recolher. — Encolheu os ombros, agora, colocando o celular e a hora em segundo plano. É uma pena que esteja sendo obrigado a quebrar a promessa que fez ao vovô, espera que ele entenda o motivo. — Não irão nos colocar de castigo, certo? — Entortou o pescoço, e escutou um bufo em resposta.
— Obrigado, eu… — O interrompeu dessa vez, levantando do assento assim que as portas se abriram.
— Vem, é a nossa parada. — Entrelaçou os dedos nas mãos delicadas dele e o puxou para fora, seguindo o pequeno fluxo de pessoas na plataforma. Subiram os degraus calmamente (calma apenas da sua parte) Megumi ainda está assustado e olhando constantemente para os lados, simpatiza com ele, por isso dispensou piadas.
O guiou pelo centro do bairro de maneira confiante, contornando a entrada para as casas residências (na qual deveriam ter entrado) e subindo uma pequena colina até chegar no hotel que fica atrás da padaria que frequenta desde que veio morar com a família Itadori-Fushiguro. No seu lado, Megumi continua encolhido e confuso, olhando entre Yuuji e a recepcionista durante todo o processo chato de check-in.
— Você tem menos de dezoito anos, sinto muito, mas vai contra a política da..- — A mulher começou a conversa afiada assim que verificou seu documento de identificação nacional, é algo velho, escuta esse tipo de ladainha desde os quatorze anos (ou quando Mahito o arrastava para um motel). Deixou-a falando sozinha enquanto procurava o cartão na carteira, é uma benção que nunca deixe-a dentro da mochila, caso contrário teria perdido-a assim como os cadernos. Quando o encontrou, deslizou-o sobre o balcão e a encarou friamente.
— Cobre o quanto quiser. — Ofereceu, e igualmente a todos os outros senhores e senhoras “politicamente corretos” a mulher calou-se imediatamente, pegando o cartão e a máquina eletrônica, seus dedos tremem, sem dúvidas nunca viu um cartão negro pessoalmente na vida.
— Sim, claro, Itadori-sama. — Ignorou o sorriso cortês que ela deu e terminou o processo de check-in e pagamento, pegando a chave e arrastando Megumi para o elevador.
— O que estamos fazendo aqui? — Escutou-o sussurrar no pé do seu ouvido, agarrado ao seu braço esquerdo como uma criança perdida e assombrada. Olhando-o assim, ele parece até um ouriço do mar. Riu internamente com a comparação, apertando o botão do décimo andar.
— Tomando banho. — Respondeu simplista, os olhos de Megumi se arregalaram, surpresos.
— Tomando banho? Mas… mas, em um hotel? Poderíamos apenas… — Fez uma pausa, mordendo os lábios, e soltando um suspiro cansado logo em seguida. — Eu não sei o que poderíamos… — Admitiu, derrotado. O palpite é que ele nunca esteve preso a situação na qual não soubesse como sair, ou melhor, sempre esteve no controle do que acontece, e por isso sente-se tão perdido e confuso.
— Você quer um banho, vamos focar nisso por enquanto. — Disse, porque depois de ser assediado, a única coisa que alguém deseja é lavar a sujeira que as mãos inescrupulosas deixaram na pele. Claro, a sensação de está sujo não vai sair tão rapidamente e nenhum banho e escova de esfregar será o suficiente, contudo, a água é um alívio momentâneo e se pode proporcionar isso, fará.
As portas do elevador abriram, revelando o corredor longo e bem iluminado à frente, puxou Megumi suavemente, agora, mantendo os passos lentos e preguiçosos. Estão parcialmente seguros (apenas esperando a fúria da família Itadori-Fushiguro), pode até prever que levará toda a culpa, dedos apontados no seu rosto e acusações de está influenciando o ômega de ouro dezoito quilates a seguir no mau caminho. Vai ser cansativo.
Ficaram no penúltimo quarto do corredor, número 217, abriu a porta e entrou, esperando do lado de dentro Megumi entrar antes de fechá-la. Desconfiado, (o que é natural, depois de ser atacado na rua) ele olhou de um lado para o outro antes de entrar, estudando o quarto curiosamente depois que ouviu o click da fechadura.
Respirando fundo, Yuuji o arrastou para o banheiro e ligou a banheira na água quente, pegando os óleos aromáticos de essência de lavanda e derramando mais da metade do frasco dentro do tanque. Pagou caro (não que o dinheiro vá fazer diferença) mas se pagou, vai usar tudo o que tem direito, oras. Deixou a banheira enchendo depois disso e entrou no box, também ligando o chuveiro e verificando o sabonete em barra e a escova de esfregar, não é pontuda nem dura, então pode deixar Megumi no banheiro sem medo dele se machucar tentando se limpar.
— Então, vamos tomar banho. — Virou-se, encontrando Megumi exatamente onde deixou, sentado em cima do vaso sanitário observando todos os seus passos. — A água vai te fazer sentir melhor, prometo. Precisa de ajuda? — Perguntou, indicando que está prestes a sair.
— Não… obrig… —
— Ótimo, vou lá embaixo, já estou voltando. — O cortou novamente, saindo do banheiro e fechando a porta.
Realmente desceu ao térreo (embora preferisse não), saiu do hotel e entrou na loja de conveniência do posto de gasolina que fica perto da padaria, foi fácil escolher um par de roupas para Megumi e um sapato decente - Deu uma olhada rápida no tamanho que ele usa antes de vir -, são simples e sem graça, contudo, não estão saindo em compras do dia de gastar (o dia universal de Nobara) só precisa jogar aqueles fiapos de uniforme fora.
Passou na farmácia e pediu um calmante natural, um que usou inicialmente quando tinha onze anos e as mãos viviam tremendo, honestamente, o efeito é lento e pouco eficiente, acabou mudando para um muito mais forte anos depois. Ele ajuda a dormir, no entanto, e por hora, vai ser de bom uso para Megumi. No embalo, comprou uma pomada e band-aids, além de analgésicos para dor e uma escova de cabelo. Saiu da farmácia com a mão cheia de sacolas, defende-se dizendo que é por uma boa causa, os deuses estão testemunhando.
Em seguida, invadiu a padaria quando os pobres funcionários estavam quase fechando e comprou vários salgados, doces e bebidas embalados para viagem, pagou e despediu-se deles com um sorriso simpático no rosto (caralho, suas bochechas doem!). Voltou ao hotel cheio de sacos, atraindo olhares curiosos da recepcionista. Okay, só falta a senhorita dizer que não é permitido a entrada de produtos terceirizados e cobrar uma taxa absurda pela entrada deles, jura que se for o caso, vai dar um péssimo feedback a propriedade.
Caminhou apressadamente até o elevador e apertou o botão do andar desejado. Silêncio. As portas fecharam. Silêncio. Certo, parece que teve um pensamento equivocado.
Pulou para fora da caixa de metal e correu para o quarto, abrindo e fechando a porta sem fazer barulho, tirou os sapatos e os deixou de qualquer jeito encostado na entrada e seguiu diretamente até a cama enorme e fofa de casal, jogando as sacolas sobre ela. Mais um suspiro cansado. Hora de verificar Megumi.
Cautelosamente, deu batidas suaves na porta do banheiro e denunciou sua presença.
— Sou eu, Yuuji, acabei de voltar. — Disse, não esperando nenhum som de reconhecimento em troca.
— Pode entrar. — Franziu a testa, confuso, mas atendeu ao pedido “??” (Foi um pedido, não foi?) Girou a maçaneta cuidadosamente, primeiro, colocando a cabeça para dentro do cômodo e vendo Megumi na banheira, e então, ousou pôr os pés e o corpo no carpete de entrada.
— Precisa de ajuda? — Perguntou, sabendo que fechar a porta vai trazer uma falsa sensação de segurança ao ômega, girou a chave e percebeu o arregalar de olhos de Megumi, olhos vermelhos e inchados.
— É só que… acho que não quero ficar sozinho, mas ainda quero ficar sozinho. — Deu um meio sorriso, infelizmente, compreendendo o sentimento. Aproximou, tirando o short e o jogando no chão aleatoriamente, a calcinha e as roupas superiores foram juntas. É estranho ficar pelado na frente de alguém (quase desconhecido) mas que verá o rosto diariamente pelos próximos seis meses, além de ser um ômega (como os ômegas responsáveis por todo o bullying que sofreu na escola primária) e está vulnerável a receber comentários maldosos sobre o seu corpo “vulgar”. Mas estranhamente, não é desconfortável ou incômodo, só é um pouco… vergonhoso? Bem, essa seria a primeira vez depois de Mahito que sente vergonha de alguma coisa.
Empurrou o sentimento para as profundezas escuras do peito e entrou na banheira, apreciando a água quente e relaxante molhar os seus músculos doloridos. O ideal seria um banho de gelo, iria adormecer as dores e permitir uma noite tranquila, mas isso não é para o seu conforto e sim para o Megumi.
— Quer alguém, só não quer conversar. — Deu um palpite, brincando com a água na ponta dos dedos, — Tudo bem, sou bom em ficar calado. — Uma mentira. Costumava ser bem falante na infância, mas quando percebeu que ninguém estava realmente dando-lhe atenção, calou-se e aprendeu a escutar. Na maioria das vezes, ninguém está interessado em saber dos problemas alheios (a menos que seja o assunto de uma fofoca) e escutar uma criança tagarelar é tão chato (particularmente, Yuuji fica horas e horas ouvindo crianças contarem histórias mirabolantes quando visita o orfanato de Shinjuku), talvez por isso que Choso, Sukuna e Jin nunca escutava.
Pegou a bucha e esfregou os próprios braços, cantarolando uma canção de ninar antiga que ainda (dolorosamente) continua guardada na memória. Sem trocarem uma palavra, fez o mesmo com Megumi, lavando-o calmamente, e esfregando com mais força que o necessário seus pulsos, cintura e pescoço, o cheiro desagradável encheu o banheiro, e por vir de um ômega dominante, é muito mais forte que o normal. Torceu o nariz, entretanto, não disse nada e apenas continuou o trabalho como se nada estivesse acontecendo.
Os soluços quebrados vieram logo em seguida, e apesar do nó na garganta e o aperto no peito, Yuuji agiu normalmente, esfregando em cima das glândulas odoríferas delicadamente, passando o próprio pulso e liberando alguns feromônios (algo que nunca tentou fazer antes) calmantes no local.
Compartilhar cheiros é uma prática antiga no Japão (e no mundo), realizada principalmente em crianças para acalmá-las. O vovô fazia o mesmo quando tinha o quarto invadido no meio da madrugada, Kaori tentava imitá-lo, e depois, Mahito também o fez, embora seus feromônios não trouxeram nenhuma sensação de conforto e segurança. O tio é um homem de palavras suaves e conversas longas, ele prefere usar esse método para acalmar alguém, dificilmente libera feromônios. Pensa que está fazendo um bom trabalho, visto que Megumi não o atacou imediatamente (o que teria acontecido caso ele visse como uma ameaça ou o desconsiderasse como um membro da sua matilha).
Matilha significa família.
Megumi o vê como uma família? Espera que a resposta seja não, mesmo as indicações apontando que sim. Desde que o conheceu nunca esforçou-se para ser amigável e acolhedor, na verdade, tem um histórico detestável de meio-irmão (e isso também se aplica Tsumiki, Sukuna e Choso), portanto, ganhar uma mordida e ser explicitamente rejeitado seria aceitável e dentro das normalidades. Entretanto, Megumi choraminga e se agarra ao seu cheiro como um filhotinho perdido buscando um ponto seguro, e Yuuji definitivamente não passa a sensação de segurança ou aquele ar maternal que ômegas tem naturalmente. Quer se afastar e repreendê-lo, dizer que os ômegas e mulheres betas nasceram nesse merda de mundo cruel e precisam ser fortes para continuar vivendo nele, que chorar e tremer não vai mudar o que já aconteceu, mas a questão é: já esteve nessa mesma posição, e tudo o que queria depois de fazer sexo com Mahito pela primeira vez era receber um abraço apertado, ouvir garantias de que nada daquilo voltaria a acontecer e… sentir um cheiro familiar e agradável.
Não havia ninguém lá, entretanto. Aprendeu sozinho o quanto o mundo é cruel e injusto, esfregou a própria pele e enxugou as lágrimas persistentes, fingiu que estava tudo bem (o que tem feito desde sempre) e colocou um sorriso no rosto. Megumi ainda pode contar com o apoio da irmã, Tsumiki e suas amigas, Nanako e Mimiko. Yuuji não conhecia Junpei naquele determinado momento e o tio estava sempre tão ocupado, não queria incomodá-lo com problemas infantis. Enquanto o vovô? Sim, poderia ter compartilhando a noite de horror com ele, tem certeza de que ganharia quantos abraços quisesse. Mas… sentia tanta vergonha. Nojo e medo.
Pareceu muito mais certo esconder as marcas de apertos violentos com roupas largas e grandes do que admitir que tinha feito sexo com um alfa adulto (contra a sua vontade), estariam dando motivos de sobra para ser chamado de prostituta barata, vulgar, imoral e nojento, e não queria enfrentar o olhar penoso dos ômegas adultos (os poucos que tem senso). O que Jin diria se soubesse? Provavelmente nada, ele é um frouxo, covarde e desgraçado, dúvida que haveria uma providência ousada contra Mahito e os crimes sexuais, afinal, Kaori não fez nada, porque a família Itadori-Fushiguro seria diferente? (Talvez porque não estavam afogados no álcool?) Revirou os olhos diante do pensamento, Kaori escolheu ignorar o que estava acontecendo simplesmente porque era conveniente.
“Transe com meu filho ômega menor de idade o quanto quiser, contanto que meu cargo de enfermeira chefe seja mantido” foi o que ela disse silenciosamente. Claro, é apenas uma suposição e pode estar errado, mas quem pode dizer o contrário? É impossível que os gritos e gemidos no meio da madrugada tenham passado despercebidos, e Junpei… Junpei nem tem cara de quem sabe foder bem, é inviável que sejam amantes. Tem gostos diferentes. Yuuji adora brutalidade e violência (gosta ou foi induzido a gostar?), Junpei é suave, delicado e amoroso (nada parecido com o personagem marginal que todos veem), como poderiam estar juntos em um relacionamento amoroso? Nada faz o menor sentido. Não quer ser maldoso e julgar as coisas sem ter certeza, mas é difícil criar um cenário onde Kaori é tão alheia quanto Jin.
Que fique claro, não os culpa por nada. No fundo, Mahito e a negligência de Kaori não são os únicos culpados, sabe disso, muito menos Jin por ter encontrado uma nova família (da qual Yuuji não fez parte). Tem culpa no cartório. Como vítima era sua obrigação procurar ajudar, porque não o fez? Certamente, o medo, nojo e vergonha não foram as únicas emoções turbulentas fazendo morada no seu peito, também havia uma paixão ilusória existente apenas dentro da sua cabeça. A necessidade de ser importante para alguém. E Mahito o fazia se sentir assim, único e insubstituível.
Decerto de que se houvesse alguém para dizer que: “não, isso não é amor, Yuuji.” Teria seguido um caminho diferente, mas quem iria avisá-lo? Conheceu Junpei apenas depois de está enrolado até o dedo mindinho na toxicidade de Mahito, em seguida veio a decepção com suas ex-almas gêmeas e então estava tão vulnerável, cair nos encantos de um amor doente foi fácil, como se jogar em uma cama macia logo após um dia corrido, fechar os olhos para o mundo e dormir pacificamente, quando fora do sono tudo está uma bagunça.
É um alívio que Megumi não esteja sozinho, ele não precisa ter medo, vergonha ou nojo, há uma família esperando-o em casa, um lar aconchegante e quente, comida fresca e cobertas fofas. Sem dúvidas, receberá apoio e segurança. Pode levar um tempo, mas superará o episódio traumático de hoje, a família Itadori-Fushiguro irá se certificar disso.
Só espera que a reação de Sukuna não seja explosiva, pode prejudicar ainda mais Megumi e fazê-lo entender o comportamento erroneamente, pensando ser o alvo da raiva (o que definitivamente não é o caso). Bom, Tsumiki e Jin parecem ter um pouco de consciência, confia neles para manter todos calmos e pensantes. Isso o lembra de que precisa avisá-los onde estão e que pretendem passar a noite fora, já perdeu o caderno de composições de qualquer maneira, alguns dias de castigo não significam nada, (porque não pretende explicar os pormenores das circunstâncias que o fizeram arrastar Megumi para o mau caminho. Não esta noite, não é a sua obrigação), além de que voltar para casa da família parece ser uma péssima ideia a essa altura, dúvida que faria bem a Megumi. E por mais que a imagem de todos eles em pânico seja divertida, não é divertido ser irresponsável e escutar um discurso sobre responsabilidade e todas as baboseiras que a fazem companhia.
Kaori não se importaria em deixá-la dormir fora, mas está supondo que Jin e Toji sejam diferentes, caso contrário o toque de recolher seria inutilizável.
Reconhecendo os dedos enrugados nas próprias mãos, descartou a escova de esfregar e ligou a drenagem de água da banheira, levantando logo em seguida.
— Vamos, precisamos tirar toda essa espuma do corpo. — Chamou, esticando o braço e deixando a mão suspensa no ar, esperando pacientemente ser aceito (ou não). Megumi ergueu a cabeça devagar, seus olhos verdes correram toda a extensão do corpo nu de Yuuji com certo interesse, antes de finalmente chegar no topo e perceber que não estava sendo exatamente o mais discreto. — Sim, eu tenho peitinhos de azeitona como betas e ômegas femininas na puberdade, algumas pessoas veem isso como um fenômeno antinatural, mas sinceramente? Não é nada demais, apenas tive hormônios adolescentes descontrolados. — Explicou, encolhendo os ombros, nenhum pouco incomodado pela expressão curiosa no rosto de Megumi. — E não, não estou deixando que você os toque. — Completou, apontando um dedo no rosto dele.
— Ah- tudo bem… é só que, não dá para ver através da roupa, fiquei surpreso. Desculpe se fui indelicado. — Pediu humildemente, (filho da puta desgraçado, ele é tão lindo, Sukuna é um alfa de sorte). Yuuji soltou um suspiro longo e cansado, abanando as mãos.
— Indelicado por olhar? Você definitivamente não sabe o que é indelicadeza, Megumi-chan. Vamos, vamos levantar, você precisa descansar. — Mudou de assunto, e Megumi aceitou sua mão, levantando e o seguindo até o chuveiro.
— O que é isso nas suas costas? — Escutou-o perguntar com a voz rouca e dolorosa, é bom que tenha comprado antibióticos, tem quase certeza de que a garganta dele está acabada. Olhou por cima do ombro para a própria costa involuntariamente, — Digo, como você ganhou essa cicatriz? — Fez uma careta, e Megumi envolveu os braços em torno do abdômen, balançando-se para frente e para trás. Ligou o chuveiro, puxando-o para baixo da água morna.
— Meu namorado. — Disse, depois de um bom tempo em silêncio. É uma lembrança amarga. Normalmente, não costuma vagar na direção dela, dói e machuca, e o faz ver que está ao lado de Mahito é ruim em todos os aspectos, assim como Junpei e o tio Kenjaku fazem questão de afirmar a cada oportunidade que encontram. No entanto, estranhamente, essa lembrança também oferece algum tipo de conforto. Aceitação, talvez? Não sabe. Megumi o encarou com olhos arregalados em uma mistura de surpreso e horrorizado. — Ele me empurrou das escadas e eu caí em cima da mesa de centro, era um vidro frágil, não suportou meu peso e quebrou, alguns pedaços de vidro acabaram perfurando a pele das minhas costas. — Não achou necessário dizer que fizeram sexo no chão e os movimentos violentos de fricção agravaram mais ainda os cortes, em especial, essa cicatriz grande e fina.
Foi uma bagunça sangrenta, e ainda assim, Kaori não perguntou o que tinha acontecido.
— Não sabíamos que você tem um namorado. — Comentou, olhando-o com as sobrancelhas franzidas, o empurrou para fora do chuveiro agora que todo a sabão já desceu pelo ralo e colocou-se debaixo da água de cabeça, molhando o cabelo (nada recomendável no meio da noite) e fechou os olhos, respirando fundo. Namorado, hein? O relacionamento com Mahito era complicado, nunca colocaram rótulos de namorados, ficantes ou amigos coloridos, sabiam que pertenciam um ao outro, isso parecia ser o suficiente no início, até que não foi. O fato de um ômega masculino não ter um “namorado” (que assume pateticamente o papel de protetor) abre brechas para outros alfas e betas tentarem a sorte (ou abusos, nomeie como achar melhor), e Mahito odiou os que tentaram se aproximar, mas não podia fazer muito nesse quesito, assumir um relacionamento amoroso com Yuuji era inviável graças a diferença de idades e classes (não que a classe social realmente fosse importante), o que as pessoas iriam pensar de um médico renomado namorando com um adolescente de 14 anos? Não podiam ao menos provar a ligação de alma gêmea, porque não eram almas gêmeas, e assim, continuaram juntos secretamente.
Secretamente para os idiotas alheios. Quem conhece Yuuji sabe que ele namorou um alfa misterioso por vários e vários anos, teve um rompimento ruim e entrou em uma crise depressiva severa por seis meses. É uma informação que todos, basicamente todos, sabem em Shinjuku, os moradores e clientes fixos da floricultura do tio Kenjaku tentavam animá-lo com doces, presentes e piadas (nada engraçadas) e Junpei, Kugisaki e Todo lutaram na linha de frente. Às vezes pensa que eles fizeram mais do que o próprio tio Kenjaku, ou talvez esteja cobrando demais um adulto (e alfa) sobre problemas de uma criança. O ponto é que nunca chegou a ser um segredo seu envolvido romântico com Mahito, e provavelmente, os únicos que não sabem é a família Itadori-Fushiguro e Kaori (é o que querem acreditar).
— E não tenho, não mais. — Sorriu inocentemente, fechando o registro e pegando uma toalha, enrolou o próprio cabelo e depois o corpo, Megumi seguiu seu exemplo um tanto timidamente.
— Vocês terminaram por causa dessa briga? — Ponderou um pouco antes de responder, porque o interesse repentino na sua vida? Eles nunca perguntaram sobre o porque usava moletons em pleno verão, e agora querem saber o motivo do seu rompimento? Esquisito. — Por que brigaram, em primeiro lugar? — Continuou, seus olhos verdes expressam curiosidade e um sentimento desconhecido, Yuuji não consegue lê-lo como normalmente faria.
— Isso não é da sua conta. — Disse simplesmente, saindo do banheiro e dessa vez, não puxando-o junto. Megumi o seguiu de boa vontade.
— Claro que é! Nós somos irmãos e… — O interrompeu.
— Com licença, eu não sou seu irmão, não é porque seu pai fode o Jin que automaticamente somos família. — Implicou, com uma careta de desgosto.
— Família não está limitada apenas a laços sanguíneos. — Ele retrucou. — E você se importa comigo, caso contrário não estaria cuidando de mim tão bem. — Completou, e deve concordar que esse é um bom argumento.
— Eu faria isso por qualquer outro ômega, querido. Você não é o único. — Antes que Megumi pudesse falar novamente, pegou a sacola de roupas e despejou as peças sobre a cama. — Espero que sirvam. — Deu as costas, pegando o celular e sentando na cama, não comprou roupas para usar após o banho, então terá que acionar a lavandaria noturna do hotel e pagar uma taxa extra pelo serviço.
— Está dizendo que iria se arriscar por um ômega aleatório na rua, perder seus materiais escolares e gastar dinheiro com eles, mesmo sem conhecê-lo? — Levantou a cabeça, encontrando o olhar desacreditado de Megumi. É tão difícil assim acreditar que Yuuji tem um bom coração? Sabe que mais da metade do tempo que compartilhou (obrigatoriamente) com Megumi agiu como uma vadia má, mas nunca machucou ninguém propositalmente.
— Sim. — Afirmou, muito sério para ser uma mentira. Megumi franziu as sobrancelhas a ponto delas quase se tocarem.
— Por que…? — Perguntou, sua voz não passou de um sussurro, e há um certo ressentimento escapando pelas extremidades.
— Por que? — Repetiu a pergunta, jogando o celular no criado mudo depois de enviar uma mensagem para Jin informando que estava com Megumi e iriam dormir fora, silenciando-o logo depois. — Porque ômegas devem ajudar outros ômegas. Você não quer realmente que um garoto ou garota passe por uma situação semelhante, certo? Eu também não, por isso te ajudei. Não tem nada haver com família, laços sanguíneos ou qualquer merda do tipo. Só não é justo ser forçado a algo que você visivelmente não quer… então não, você não é especial para mim, nem somos família, mas você é um ômega e merece ser respeitado, ninguém pode tocar no seu corpo sem a sua permissão, ninguém. Por esse motivo eu me colocaria em risco novamente, sim, perderia meus materiais escolares e sim, gastaria dinheiro. E… isso é tudo. — Concluiu, respirando fundo.
— Isso é tudo? — Arqueou uma sobrancelha diante do tom acusatório, — Tem certeza que “isso é tudo”? Porque parece o discurso de alguém que passou pelo mesmo que eu. — Tentou segurar, mas o riso escapou pela garganta mais rápido do que conseguiu disfarçar. — Não é engraçado!
— Desculpe, desculpe. — Pediu, nenhum pouco arrependido. — Okay, parei. Vamos vestir você, talvez esteja se sentindo bem o suficiente para voltar a sua casa? Tenho certeza que todos estão preocupados c… — Megumi o interrompeu (odeia ser interrompido!!).
— Preocupados com nós dois. — Revirou os olhos, levantando da cama e separando as peças de roupas, ignorando o que ouviu, — Porque nós dois somos filhos deles. — Vai ignorar isso, não precisam entrar em uma discussão agora, Megumi precisa dormir e descansar, isso vai fazê-lo parar de falar tanta besteira.
— Vou te ajudar a se vestir, então vamos comer, tomar uns remédios e dormir. Parece bom? — Puxou a toalha que o cobre, e viu-o se encolher um pouco, envergonhado. — O que está tentando esconder? Eu já vi tudo. — Comentou, bufando.
— Vai continuar ignorando tudo o que eu falo? — Fingiu parar para pensar, e em dois segundos abriu um sorriso, mostrando o polegar para cima.
— Sim. — Disse simplista. — Venha se vestir. — O chamou, puxando-o pelo braço. — Vai se sentir melhor. — Garantiu, subindo a calcinha e a calça de Megumi quase ao mesmo tempo. Quando virou-se para pegar a camisa, braços se fecharam ao seu redor, apertando-o em um abraço confortável e desajeitado, meio incerto e inseguro. — Ei o que está fazendo?! — Exclamou, soando indignado. Megumi mergulhou o rosto no seu pescoço, deixando o nariz cair bem em cima da sua glândula odorífera e expirou profundamente, fechando os olhos verdes brilhantes.
— Você cuida de mim como se quisesse que alguém tivesse cuidado de você… me desculpe por não ter estado lá, sinto muito. — Pediu, apertando-o ainda mais.
— Pare com isso, sim? Só tenho um bom coração, não seja tão emocionado. — O empurrou, estalando a língua para demonstrar irritação. — Não preciso que ninguém cuide de mim, seu fazer isso muito bem. E você, — Soltou-se apontando o dedo para o peito plano de Megumi, — Vai se vestir e comer, temos muito o que explicar a sua família amanhã. — Bufou, forçando a camisa sob a cabeça de ouriço do mar, o ato fez com que ele esticasse os braços e os enfiasse dentro das entradas das mangas.
— Nossa família. — Disse, categoricamente.
— Tanto faz, só senta e come isso, vou passar essa pomada nos seus pulsos e pescoço, vai ajudar com os hematomas indesejados. — O empurrou nada delicadamente na cama, e desembalou os salgados que comprou de última hora na padaria. Megumi sentou corretamente na cama, cruzando as pernas e aceitando o refrigerante de lata.
— Obrigado, Yuuji. — Agradeceu, com um sorriso pequeno. — Não sei como retribuir tudo o que você está fazendo por mim… — Bufou, despejando a pomada nas mãos e passando em cima das glândulas irritadiças.
— Não espero uma retribuição. — Sim, é especialista em acabar com o clima.
— … tudo bem, okay. — Finalmente se rendeu, pegando o salgado e o abocanhando com uma mordida enorme, tipo, enorme igual a aboca de um leão. Para onde vai tanta comida? Ele é magro como um modelo da Victoria Secrets. Bufou, desistindo de entender a lógica maluca do mundo e continuou trabalhando na massagem, — Posso fazer uma pergunta? — Megumi perguntou depois de vários minutos comendo, esticando o pescoço para olhá-lo. Arqueou a sobrancelha, fechando a tampa da pomada e também se sentando sob o colchão.
— Já está fazendo. — Resmungou, mal humorado. Isso aparentemente não desanimou Megumi. Ele engoliu completamente o que mastigava e bebeu mais um gole de refrigerante (lê-se: bebeu mais da metade da latinha).
— Como sabia o que fazer? Eu.., eu nunca fui assediado antes, me senti tão assustado, pensei que iria morrer e… ainda estou com medo, e se o Sukuna pensar que é minha culpa? E se os nossos pais perderem a cabeça? Foram tantos pensamentos chegando na minha cabeça ao mesmo tempo, e- — Parou para respirar, há lágrimas enchendo seus olhos, mas também há um sorriso pequeno e insistente nos lábios. — Você veio tão confiante, como um super-herói, sabia exatamente o que fazer. Não me encheu de perguntas, não ficou horrorizado, ao contrário, me acalmou mesmo sem dizer uma palavra e me tratou tão bem… me fez sentir seguro, como Sukuna nunca conseguiu fazer, e… então, como…. Como sabia o que fazer e me ajudar? — Yuuji tem uma careta torcida no rosto, se perguntando internamente qual motivo para tanto chororô, até parece que alguém morreu. Não, não é indelicado, só acha que Megumi está exagerando em enaltecê-lo como um herói, fez o que uma pessoa com boas intenções e (neurônios em má funcionamento) faria, nada que o faça ganhar o prêmio nobel da paz.
— Bom… eu faço trabalho voluntário em uma casa de apoio ômega nas férias. Existem muitas garotas e garotos que sofreram abusos sexuais nas ruas ou dentro da própria casa, só isso. — Explicou, encolhendo os ombros. É uma verdade, mas uma verdade distante. Essas férias não teve chance de ir trabalhar voluntariamente, o rompimento com Mahito ainda era recente e consequentemente, a depressão também. No entanto, faz visitas a cada quinze dias às crianças e ajuda nos eventos beneficentes da igreja, é divertido.
— … Você é verdadeiramente um anjo. — Abanou as mãos, dispensando o comentário. — Mas eu… ainda não sei se quero falar sobre isso com nossos pais, estou tão envergonhado, sinto-me sujo, como tivesse traído Sukuna. — Impressionante como ele consegue mudar de um assunto para o outro tão naturalmente. Yuuji piscou, focando no que acabou de ouvir, é uma preocupação natural das vítimas, infelizmente.
— Pensa em não dizer nada a eles, é isso? — Perguntou, e recebeu um aceno tímido de cabeça. — Adianto que é uma péssima ideia. Eles nunca irão pensar mal de você, e é importante contar com o apoio de alguém nesse momento… eles são sua família, Megumi, se não confiar neles, em quem pretende confiar? — Viu-o suspirar, aparentemente cansado.
— Eu não sei. Só… — Revirou os olhos, já sabendo o que vai escutar.
— É a sua escolha, eu não vou falar nada sobre o que aconteceu. — Levantou as mãos em sinal de rendição, torcendo os lábios para baixo e juntando os ombros. — Mas saiba que guardar esse segredo não vai diminuir medo nenhum, nojo ou vergonha. O que aconteceu NÃO foi escolha sua, lembre-se sempre disso, você NÃO tem motivos para se envergonhar. Levante a cabeça e diga o que houve em alto e bom som, lute por você mesmo, Megumi, e deixe que a sua família te apoie. Vai ver que o caminho é muito menos assustador quando se tem boas companhias segurando a sua mão. — Megumi fungou, mas ainda exibe o sorriso bonito e grato, esfregando os pulso na beirada dos olhos para disfarçar as lágrimas teimosas.
— Obrigado, obrigado, obrigado, obrigado… — disse repetidas vezes, jogando-se sobre Yuuji e o abraçando apertado.
Deu tapinhas nas costas dele, sem coragem de afastá-lo (como normalmente faria) e o deixou chorar, aliás, é um milagre que ele ainda tenha lágrimas, deve fazê-lo beber água? Pode ficar desidratado com tantos fluidos escorrendo dos olhos.
— Obrigado por tornar isso menos assustador… irmãozinho. — Escutou-o murmurar, com o rosto escondido entre seu pescoço e ombro inspirando profundamente. Mordeu a língua para segurar a vontade de dizer que NÃO SÃO IRMÃOS, e o permitiu continuar na mesma posição, embora sinta as costas doerem. Disse a si mesmo que está sendo solidário, ajudando um ômega fragilizado (como faz no serviço voluntário e beneficente da igreja), não tem nada haver com realmente nutrir um pouquinho de preocupação por Megumi e a família Itadori-Fushiguro. Definitivamente não.
Não demorou mais do que vinte minutos para Megumi pegar no sono, o moveu para o lado, cobrindo-o com o cobertor grosso do hotel e levantou, indo até a poltrona, onde sentou e desbloqueou a tela do celular. Sem surpresa nenhuma, há cinco dúzias de mensagens da família Itadori-Fushiguro, desde quando Toji tem o seu contato, aliás? Apertou os olhos, com quase certeza de que isso é obra de Kaori (ela não cansa de fode-lo?!) ignorou completamente as mensagens dele, pulando diretamente para o contato fixo de Junpei.
“Ajudei um dos demônios do inferno e agora o diabo quer comer meu rabo.” Digitou, e rapidamente veio a confirmação de leitura. Sim, Junpei tem péssimos hábitos noturnos.
“... No que porra você se meteu agora?!” E ele pode tentar parecer irritado, mas na verdade está preocupado e curioso. “Quer que eu vá te encontrar?” Olhou a hora no topo da tela do telefone e estalou a língua, mesmo que tivesse se metido em sérios problemas, não pediria para Junpei sair de casa a meia noite.
“Fique tranquilo. Isso tem haver com a família Itadori-Fushiguro.” O acalmou, e sinais de reticências aparecem e somem várias vezes antes de finalmente obter uma resposta.
“Ótimo, agora tenho ainda mais motivos para ficar preocupado.” Talvez não devesse ter contado os acontecimentos de ontem e hoje cedo? Junpei realmente quer mandar Choso ir se foder, e se possível, socar a cara de todos até os punhos quebrarem. “O que esses alfas fudidos fizeram agora? Quer que eu converse com eles?! Já passou da hora de alguém mandar a real para eles.”
“Até agora não fizeram nada, por favor, se acalme.” Pediu, torcendo os lábios. “Eu apenas ajudei Megumi a fugir de uns estupradores quando estava voltando para ‘casa’, o trouxe para um hotel, está tudo bem! Estou bem! Mas tenho a impressão de que Jin, Toji e Sukuna irão ficar irritados? Estamos passando a noite fora, Megumi precisa se acalmar antes de encará-los, são uma manada de alfas.”, E por experiência própria, sabe que depois de passar por um assédio, a última coisa que a vítima precisa é de um bando de alfas raivosos o contornando.
“Oh, nossa, como isso aconteceu?? Devo pedir para os amigos da vizinhança ficarem alertas pelos próximos dias? Vocês se machucaram?” Pode imaginar facilmente Junpei pulando da posição desleixada que está na cadeira giratória, consertar os fones de ouvido no pescoço e focar no celular.
“Não, não é realmente necessário.” Os garotos ficam em Shinjuku de qualquer maneira, pedir para eles monitorarem a área central de Tóquio, próxima a Shibuya, poderia criar desentendimentos equivocados, não querem isso. “Os estupradores citaram o nome de Sukuna, acho que foi um acerto de contas. Esse tipo de gente sempre procura o ponto fraco, correto? Não precisa ser o Albert Einstein para saber que o ponto fraco de Sukuna é o Megumi.”
“Tem razão… Não eram de Shinjuku, certo?” Balançou a cabeça para os lados, mesmo que Junpei não possa vê-lo.
“Eu teria reconhecido se fosse esse o caso.” Respondeu, confiante.
“Bom, suponho que não podemos fazer nada então. Diga o que aconteceu, você não é obrigado a levar a culpa por nada. Embora eu tenha certeza de que ninguém vai te culpar por isso.” Riu sem humor, queria ter tanta autoconfiança quanto Junpei, realmente queria, mas tem certeza de que Sukuna vai apontar o dedo no seu rosto e culpá-lo por toda a merda. “Eles não podem ser tão idiotas.”
“Você ficaria surpreso se soubesse que sim, eles podem.” Retrucou, jogando a cabeça para trás. “Temo que nosso próximo álbum demore mais do que o previsto, e temo mais ainda pela nossa vida.” Mudou de assunto, não querendo encher a cabeça de Itadori isso e Fushiguro aquilo.
Sem questionar, Junpei apenas seguiu o fluxo, colocando emoji de dois olhos seguido de reticências, para em seguida dizer: “Pensei que já tivéssemos conversado sobre.” Soltou um suspiro, pensando em como explicar que perdeu o caderno de composições, junto com TODAS as músicas que tinha prontas para a nova era do Killer Cat. O trabalho de quase dois anos jogado fora como se não fosse nada.
“Sim, e nós conversamos. Mas agora é diferente.” Outro suspiro, Junpei ficou quieto do outro lado, e quando percebeu que Yuuji também ficaria quieto, atiçou-o.
“Explique. Você sabe, eu ainda não posso ler a sua mente a quilômetros de distância, quem sabe um dia eu consiga, no entanto, não é agora.” Implicou, despejando uma boa quantidade de sarcasmo.
“Perdiocadernodecomposições.” Digitou rapidamente.
“Que caralhos?!” Junpei respondeu imediatamente.
Mordeu o lábio inferior, agora que Megumi finalmente dormiu e as tensões emocionais dele foram amenizadas, sente o peso das consequências que sofreu ao se disponibilizar em ajudá-lo. Não o entenda mal, por favor. Faria tudo o que fez novamente, se isso significasse ter um omega a menos traumatizado no mundo, entretanto, nada poderia ter seguido um curso diferente e ganhado consequências diferentes.
Foi apenas escutar o nome Sukuna que a sua cabeça agiu automaticamente, para proteger algo (alguém) precioso para o seu irmão (que não o ama), e principalmente, evitar que Megumi sinta o que sentiu quando foi forçado pela primeira vez.
O tio Kenjaku irá ficar possesso quando souber que se envolveu em problemas que não lhe pertencem, colocou-se em risco inutilmente apenas para que? Evitar que um ômega (indesejado meio - irmão e cunhado) fosse abusado sexualmente? - Ele faria o mesmo por você, Yuuji? - É o que o tio vai perguntar, passando a mão pela cabeça enquanto anda de um lado para o outro. Vai lembrar que: Vivemos em um mundo egoísta, garoto, e só os egoístas se dão bem.
Mas Yuuji não consegue ser egoísta a esse ponto. Talvez em outros sim, nesse não. Como vai fechar os olhos para a violência sexual acontecendo na sua frente?
Megumi ou não, teria agido igualmente, e também estaria aqui agora, sofrendo com as inevitáveis consequências.
“Como exatamente você perdeu o caderno de composições? Ah… tem cópias das letras em outros lugares, não é?” O correto seria ter, mas nunca se preocupou em transcrevê-los para uma conta digital ou outro caderno. É tão burro.
“O que você acha?” Perguntou, mais uma vez, suspirando. “Um dos idiotas rasgou minha mochila e tudo o que tinha dentro dela caiu no meio das avenida, eu teria pegado o caderno de volta se ele não tivesse sido esmagado por vários carros em alta velocidade.” Explicou, erguendo as sobrancelhas e curvando os lábios para baixo, em um sinal de conformidade (falsa).
“... Okay. Não vamos entrar em pânico.” Yuuji não está em pânico, por favor. “Ainda temos seis (6) meses, metade de um (1) ano, podemos e vamos nos recuperar. Todos os artistas tem altos e baixos, não seremos os primeiros.” Franziu a testa para a tela do celular.
“Por que está falando como se tivéssemos acabado de nos envolver em um escândalo público e nossas vendas tivessem caído?” Perguntou, perplexo.
“Não estou agindo assim!!!!!!” Respondeu, com muitos pontos de exclamação para Yuuji levar a afirmação a sério. “E isso que você acabou de digitar foi estranhamente específico.” Apontou.
“Só estou relembrando que sou o Killer Cat, não a Britney Spears.” Encolheu os ombros, no escuro do quarto silencioso. “E talvez não consigamos sair dessa, meio ano não é muita coisa, nós sabemos disso.” Ser realista é melhor do que ser otimista. Junpei e Nobara reclamam e dizem que não está sendo realista, está sendo pessimista. Mas não é bom ficar tranquilo quando as coisas dão errado?
Espera o pior, e quando o pior vem, não fica surpreso, porque estava esperando por ele. É uma boa técnica. A parte ruim é que espera o pior e acontece pior (bem pior) do que espera.
“Lembra quando removeu a marca das suas almas gêmeas?” Como poderia esquecer disso? Foram duas semanas passando por um inferno que parecia interminável. Tudo doía e queimava, seus ossos ficaram moles e a cabeça confusa, tanto que momentaneamente, desejou não ter feito o procedimento. “Ou quando Mahito foi embora?” Prefere não recordar esse episódio traumático, obrigado.
“Aonde quer chegar com isso?” Perguntou, não querendo se aprofundar no que já passou.
“Você já deveria saber.” Junpei digitou. Torceu os lábios, bufando.
“Pois é, mas eu não sei, talvez você queira fazer o favor de me contar, sim?” Pode vê-lo revirar os olhos, aborrecido.
“Yuuji, você tem o dom de fazer todas essas situações ruins se tornarem melodia. Você realmente não é a Britney Spears ou a Beyoncé, você é você, Killer Cat, Kamo Itadori Yuuji, meu melhor amigo e irmão, vadia sem vergonha, putinha descarada, prostituta de luxo, o aluno mais desinteressado da escola, sem futuro, o pior irmão do mundo, a ovelha negra. E sabe o que? Isso é o que te faz ser tão incrível.” Certo, ainda não entendeu onde ele quer chegar. O que há com o discurso motivacional? Ou só está sendo xingando gratuitamente? Por que o prostituta de luxo foi um pouco…
“Perdão, mas qual o ponto disso?” Tem cem por cento de certeza de que se estivessem perto um do outro apanharia.
“Caramba, você precisa ser tão denso?!” Não respondeu nada, achou melhor assim. “VOCÊ NÃO PRECISA SER A BRITNEY SPEARS NEM IMITAR NENHUM OUTRO ARTISTA, INVEJAR SER ELES, PORQUE VOCÊ JÁ É O MELHOR. Porque Yuuji é o Yuuji, é por isso que vamos entregar nosso trabalho em meio ano.” Soltou um bufo seguido de um sorriso,.
“Porque Yuuji é o Yuuji..? O que há com essa frase brega?” Perguntou, rindo silenciosamente.
“Vai se foder!” Junpei xingou, “Estou tentando criar uma frase motivacional.”
“Então desista, você não nasceu para isso.” Disse, tampando a boca para abafar o riso. Junpei enviou uma foto mostrando a língua e o dedo do meio.
“Tenho ideias do que você pode fazer com essa língua e esse dedo.” Enviou, em resposta. “No cu ou vagina, você decide.” E pensando rapidamente, acrescentou: “Ou pode estimular os dois ao mesmo tempo.”
“Você precisa ser sempre tão imoral, sua vadia sem vergonha?!” Yuuji colocou reticências apenas. “Não tem problema, eu adoro minha vadia má.”
“Eu sou uma vadia má?” Perguntou, com um sorriso pequeno.
E Junpei respondeu quase imediatamente, “Sim, você é uma vadia má, mas é a minha vadia má. E eu adoro sua malvadeza.”
“Estranhamente, isso parece algo que um sub diria a um dom.” Longos minutos de silêncio.
“Tem razão.” Concordou.
“...”
“...”
“Boa noite.” Riu, enviando um boa noite também.
•••
Eu vou suportar isso de novo
Na verdade, eu também não sou tão forte.
Mesmo que você não consiga ver, está cheio de cicatrizes
Eu não quero parecer fraco, então engulo minhas lágrimas
Eu vivo como se nada estivesse errado
Linger On - Roy Kim
•••
Notes:
Bem... É isso, diga-me o que acharam do capítulo!
Prometo que estamos lendo e relendo todos os comentários, obrigadaaaaa por todo carinho e apoio.Beijosssss da Tatá e Tsuki, (*^3^)/~♡
Chapter 7: Capítulo 5: Family Line
Notes:
Eiii (≧▽≦)
Como vocês estão?
Demoramos um pouquinho para trazer capítulo novo, nos desculpem.
Estávamos planejando atualizar antes dos 30 ou 15 dias, mas como podem ver, não deu muito certo (-_-;) com sorte conseguirmos atualizar mais rápido desta vez.O próximo capítulo já está em andamento, então, espero conseguir publicá-lo em +/- 20 dias, se tudo dê certo.
Enfim, APROVEITEM O CAP DE HOJE.
Boa leituraaa (*^3^)/~♡
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Capítulo 5
É difícil colocar em palavras
Como os feriados sempre irão doer
Eu vejo os pais com suas garotinhas
E me pergunte o que eu fiz para merecer isso
Como você poderia machucar uma criancinha?
Eu não consigo esquecer, eu não consigo te perdoar
Porque agora tenho medo de que todos que amo me deixem
Conan Gray - linhagem familiar
Passar a noite em claro não é uma novidade, tem fechar os olhos bem abertos por vários anos. Na infância, os pesadelos recorrentes o atacavam quase todas as noites, fazendo com que o sono a parte mais perturbadora do dia (além das brigas de Kaori e Jin), no entanto, as olheiras não eram tão evidentes naquela época, conseguindo fugir para o quarto de Sukuna (apenas um pequeno período) e quando ele parou de abrir a porta, pôde contar com o vovô. Durante a adolescência, os pesadelos eram uma maneira muito atraente (e diga-se de passagem, até agradável) de fugir da realidade, mas é normal que ele tenha escapado das suas mãos. Ao invés de perder o sono por causa dos pesadelos noturnos que pareciam tão assustadores na infância, o descanso noturno (natural e recomendado pelos médicos) foi interrompido por Mahito e suas práticas sexuais, algumas vezes prazerosas e a maioria das vezes dolorosas. Dependendo do humor dele e do que aconteceu ao longo do dia, era uma questão de sorte e infelizmente, Yuuji nunca foi alguém sortudo. Azarado sim, sortudo não, nunca.
Já não podia fugir e bater na porta do quarto de Sukuna (ainda que informasse que ele não abriria), nem rastejar discretamente por baixo das cobertas do vovô. Sem nenhum lugar para onde fugir e se esconder de Mahito, seus hábitos noturnos passaram a ser minimamente questionáveis, menos de três horas de sono por noite e a agenda cheia demais para cochilar a tarde, o surgimento das olheiras foram inevitáveis. Supõe-se que após a partida (prevista e mal recebida) de Mahito, as olheiras perderiam um pouco de espaço no seu rosto, mas essa é uma suposição errada.
Antes desejava ser deixado em paz com os pesadelos intermináveis que o acompanham desde sempre, odiava os toques de Mahito e as práticas sexuais noturnas (que se estenderam para o dia também), no entanto, quando finalmente consegui o que desejava, a tão sonhada “ paz”, sua cabeça pareceu não entender o recado e continuar trabalhando a cinco mil por hora, mesmo quando os músculos do corpo doíam e pediam descanso. Dormir? É um privilégio que os deuses (inexistentes) desviaram do seu caminho, então, passar uma noite ou duas em claro é normal, nada que atrapalhe as atividades do dia-a-dia.
Tem conseguido fechar os olhos com maior frequência desde que saiu do estado vegetativo há seis meses, mas ainda tem noites em que os pensamentos ficam rápidos demais e as ondulações no estômago saltam muito alto, hoje, foi uma daquelas noites. Uma mistura de ansiedade, antecipação, tristeza, decepção e medo o fez olhar para o teto por quase seis horas seguidas, sem mover um centímetro do corpo. Poderia manter o Junpei acordado e ficar conversando besteiras (ou nem tantas besteiras), sabendo que ele não iria reclamar em nenhum momento, já fez muito isso para ser um incômodo agora. Entretanto, pareceu certo sofrer sozinho dessa vez, sem arrastar ninguém para o fundo do poço, como quase sempre faz. Ou também, poderia ter parado de ignorar as mensagens e ligações da família Itadori-Fushiguro e passadas seis horas atualizando-os dos últimos acontecimentos nos mínimos detalhes, ou quem sabe, tê-los cedido a localização do hotel e esperar-os bater desesperadamente na porta. Esse não é o seu jogo, entretanto.
Não é porque deu uma “mãozinha” a Megumi que tem a obrigação de expor o assédio que sofreu na rua, em um beco sujo e escuro, por três alfas que aparentemente eram ex-amigos e agora são inimigos jurados de Sukuna. Obrigação ou direito, essa não é a sua dor. Imagine que ele esteja envergonhado o suficiente apenas por olhar o próprio reflexo no espelho, se a maneira como evitar levantar os olhos enquanto escovava os dentes ontem a noite sugere algo, manter os alfas adultos de sua família a par da situação pode tornar tudo ainda mais difícil. Principalmente se levar em conta o relacionamento dele com Sukuna. Então, não ignore completamente as mensagens adicionais de Jin, Toji, Sukuna, Choso, Tsumiki e até do vovô propositalmente, (aliás, quando essa manada de hienas conseguiu seu contato??!! Precisa mudar de chip o mais rápido possível), as ignorou por puro respeito ao espaço de Megumi e a decisão de que ele decidiu tomar posteriormente, quando acordar pela manhã.
Independentemente de qualquer curso que essa história tome, Yuuji tem noventa por cento de certeza de que ainda irá procurar uma forma de culpa. Não exatamente pelo assédio, mas por tê-lo manter fora de casa a noite inteira, o que dirá para se defender? Vale a pena abrir a boca e caçar uma discussão acalorada com aqueles alfas estúpidos quando eles não entendem porra nenhuma? Provavelmente não, mas manter a língua comportada é um tanto difícil quando se trata deles. Socos e tapas não o assustaram mais, Kaori e Mahito o ensinaram que descobrem coisas que isso. Além disso, se Jin ou Sukuna perder o “controle” e agredi-lo, tem uma razão mais do que aceitável para ir embora e morar definitivamente com o tio Kenjaku. Certo?
Não quero fazer planos malignos, entretanto, assim como os olheiras, eles são inevitáveis. Pensei na possibilidade de bloquear o contato de todos esses insetos irritantes, isso renderia uma briga maior ainda, mas descartou rapidamente, já terá dor de cabeça o suficiente para os próximos dez anos apenas por passar a noite fora (e arrastado Megumi junto), bloqueado -los seria semelhante a anunciar a terceira guerra mundial.
Diante de tanta comoção no aplicativo de mensagens do celular, não pode deixar de se perguntar: “eles ficariam preocupados assim caso eu estivesse sozinho?” supõe que não, e olhe, nem está sendo pessimista. É apenas a realidade. Quantas vezes foi embora dos jantares (no qual foi obrigado a ir) tarde da noite, muito depois da saída do último trem para estação de Shinjuku, que fica na outra ponta da cidade, o oposto do bairro residencial em que os Itadori-Fushiguro moram , e não recebi nenhuma mensagem perguntando se estava bem, se chegou seguro em casa, se a viagem foi tranquila ou conseguiu pegar (milagrosamente) o trem de volta? Tantas vezes, acho que faltam dedos para contar. Não é um complexo de inferioridade, é apenas a verdade, que Megumi é mais importante para eles do que o próprio Yuuji.
Deveria fazer, mas inacreditavelmente não faria. Teve muitos anos para refletir e aceitar os fatos de como eles realmente são, lutando contra a corrente só o deixará cansado. Kaori o ensinou desde cedo o seu valor medíocre e em cada oportunidade, lembrou-o de que ser amado é uma benção e alguns nascem sem ela, Yuuji, é uma dessas pessoas. As lições básicas que foram aprendidas pacientemente na infância só se intensificaram durante as surras que ganharam na adolescência, dessa vez, as palavras não foram cobertas e adoçadas por uma voz acolhedora e poética, mas foram absorvidas de qualquer maneira. Graças à brutalidade da violência, compreendeu que não deve esperar nada, por menor que seja, de Jin e sua nova família. Telefonemas e mensagens de preocupação? - “acorde Yuuji, eles têm dois ômegas negociados para cuidar, não irão se preocupar com um vira-lata como você.” - a acessível trouxe um sentimento inexplicável de vazio e solidão ao seu peito, foi sufocante nas primeiras semanas, mas então passou.
Nada dura para sempre. Seja a dor ou o amor, tudo está fadado a chegar ao fim um dia, e a dor que sentiu na infância por ser substituída descaradamente, exibida em silêncio Megumi, Tsumiki e Toji sobem ao pódio que um dia foi seu, passou lentamente. Um processo demorado e doloroso, entretanto, necessário.
Honestamente, por que os problemas eram tão importantes antes? Por que queria ouvir perguntas diretas, insistentes e duras sobre as roupas confortáveis para serem usadas no verão? Ou por que você desejou tanto que Jin percebesse o motivo sentar em cima de almofadas na tentativa de amenizar o desconforto que o sexo anal (muito brutal) incomodava?
Eram desejos infantis, não os entendia antes e certamente também não os entendemos agora. Queria ser descoberto ao mesmo tempo que se esforçava além do natural para manter em segredo as atividades noturnas que faziam com Mahito.
Estava confuso. Está confuso. Ainda quer ser descoberto, e ainda odeia a ideia de ser descoberto. Tanta dualidade, não?
É assim que Megumi se sente agora? Dividido entre contar a verdade para a família ou esconder, criar uma mentira e viver preso nela o resto da vida, ele pensa em fazer isso?
Espera que não, não é um hábito saudável. Diz por experiência própria.
Sim, contar ou não contar sobre o assédio a essa altura não vai mudar o que já aconteceu, e qualquer atitude que Sukuna e os outros tomem não vai apagar o trauma que ficou gravado na pele de Megumi. Contudo, é melhor deixá-los saber agora do que está constantemente dando desculpas para evitar o contato físico, (não acha que Megumi tenha sido afetada nesse nível) e seria um pé no saco criar uma mentira convincente para terem passado a noite fora. Tudo nessa situação em que se meteu é uma merda fodida. É de conhecimento geral que tem um talento excepcional em fazer besteira e se arrepender mais tarde, só que nunca (nunca!) envolveu o nome dos Itadori-Fushiguro no meio, é cuidadoso demais para isso, ou pensou que era, até ontem.
Essa é a primeira vez em cinco anos que perde o sono por um assunto que envolve a família de Jin, e não poderia ser pior. Era preferível lidar com o sexo de Mahito e as surras de Kaori a escutar um monólogo extenso sobre “responsabilidade” e claro, ter uma caixa de entrada cheia de mensagens. Pensei seriamente que era uma ideia péssima tê-los avisados de que estava com Megumi e ambos estavam seguros, mas ainda passariam a noite fora por motivos então até desconhecidos. Deveria pelo menos ter atendido uma das ligações do vovô (e se ele tiver um ataque cardíaco causado pela preocupação?) Essa possibilidade o fez morder os lábios até o nascer do sol.
Diferente dos demais, o vovô o conhece o suficiente para saber que Yuuji é responsável e confiável desde que tinha apenas oito anos de idade, ele deve estar apenas curioso do porque resolveu quebrar o toque de se instalar apenas na primeira semana residindo na casa Itadori-Fushiguro e correr o risco de ficar de castigo. O que leva a acreditar que quem está ligando é qualquer pessoa, menos o vovô. Ainda assim, ter o nome “Vovô❤️” brilhando na tela do celular no meio da madrugada fez seu coração dar alguns pulsos de ansiedade.
Vai pedir (humildemente) que nunca (mesmo que estejam vivendo o apocalipse) tente fazer contato com ele usando o telefone do vovô, se sente incomodado.
Quando o sol nasceu e a luz intrometida entrou pelas frestas mínimas da cortina que cobrem a enorme janela da varanda, Yuuji se sentiu como se tivesse acabado de vencer uma noite de terror sobrenatural e agora pudesse voltar sã e salvo para casa. Levantei a poltrona fofa de coura e espreguiçou-se, curvando as costas para trás e para frente, soltando um bocejo silencioso. Pela lógica, deveria esperar até às sete horas da manhã e pedir o serviço de quarto, acordar Megumi e se preparar para irem embora, não pegar as roupas (que foram lavadas de última hora na lavanderia do hotel), vestir e sair para academia. Tudo bem, nunca segue a lógica.
Por favor, não pense que Yuuji é um viciado em exercícios físicos e toda essa ladainha de vida saudável, esse definitivamente não é o caso, é só que fazer exercícios logo pela manhã o ajuda a manter a cabeça funcionando corretamente. Precisa ter algo para fazer ou pode enlouquecer, esse provavelmente é um dos motivos pelo qual odeia tanto assistir as aulas escolares, muito tempo sentado e parado sem fazer nada, apenas escutando um adulto falar e falar um assunto que não tem interesse em saber. É inquietante. Ficar parado deixa-o ansioso. Talvez, o tio Kenjaku tenha romantizado tanto a rotina exaustiva que possui que quando finalmente para dois minutos para descansar sente-se prejudicado.
Sabe que não é saudável ignorar os claros sinais de cansaço do corpo e da mente, mas desconhece outra forma de parar os pensamentos borbulhantes, quando ultrapassar todos os limites vai desmaiar e ficar alguns dias no hospital, dormir uma base de calmantes, e essa é uma ótima maneira de fugir da realidade. Nesse momento, pode-se dizer que está se arrastando em uma rotina exaustiva para ir ao hospital propositalmente e ficar longe da casa de Jin por alguns dias, admite que não é o método mais inteligente, com certeza existem outros meios, mas eles não seria tão eficiente e produtivo. E produtividade é tudo.
Por esse motivo, mesmo que você esteja sem forças para mover um músculo vai para a academia e faça um esforço sobre-humano para terminar os exercícios (ou pode ficar ansioso como ontem, procurando uma máquina vazia para se deitar). Hoje felizmente tem energia o suficiente para manter um ritmo aceitável na corrida matinal que segue na direção da academia, respirando cuidadosamente entre o nariz e a boca, nunca ficando sem respiração. A paisagem urbana passa por seus olhos desfocados como borrões, não está interessado em assistir alguns assalariados madrugando afim de ganhar um salário de merda no final do mês, nem assistir outros corredores (que talvez estejam saindo a essa hora por um motivo de “vida saudável ”), já tem problemas o suficiente para querer observar os alheios.
Suas coxas e panturrilhas protestaram um pouco antes da linha de chegada, nada mais que a corrida improvisada de ontem cobrando seu preço. A ignorar de qualquer maneira, é aconselhável comprar mentalmente um saco de gelo, encher uma banheira com eles misturados com água gelada e se afogar. É uma técnica usada por atletas, ajuda a adormecer os músculos doloridos, o próprio Yuuji toma esses banhos por muitos anos, tio Kenjaku preparava-os quando Kaori exagerava nas surras.
Afastou os pensamentos quando chegou à porta da academia, parou e curvou-se para frente, apoiando as mãos nos joelhos para recuperar o fôlego. Três minutos nessa posição e voltou ao normal, adentrando no estabelecimento, não fez questão de procurar Todo em algum lugar aleatório do espaço, ele tem um horário fixo de treino e claro vem pela manhã. Tê-lo encontrado ontem foi meio (muito agradável) mas duvido que o mesmo aconteça hoje. Completou os idosos regulares que viram de imediato e pegaram o treino do dia na recepção, caminhou para o fundo da academia, onde ficaram os equipamentos de exercícios de superiores.
É bom ter alguém para conversar (lê-se: encher o saco) durante o treino, distrair um pouco e forçar a fazer os exercícios completos, mas também é ótimo ser recebido com o silêncio e quem sabe passar uma hora inteira murmurando sozinho, criando cenários inexistentes e flutuando no mundo da lua. Gosta da solidão. Antes, esse sentimento era doloroso demais para lidar, um vazio imenso que ameaçava engoli-lo completamente. Entretanto, atualmente acho muito cansativo lidar com as pessoas o rodeando. Junpei diz que na verdade, não é que goste da solidão, gosta da “solitude”, e há uma grande diferença entre os dois.
Solidão é se sentir sozinho.
Solite é estar sozinho e saber aproveitar a própria companhia.
A solidão é uma escolha, a solidão não. Honestamente, mesmo depois da grande explicação de Junpei continua achando que os dois são a mesma coisa, mas obviamente não vai dizer isso em voz alta.
Ajustou os pesos do supino reto e enviou no banco, dando uma olhada rápida na própria aparência através do espelho, a careta de desgosto tomou conta do seu rosto involuntariamente. Tem olhos tão profundos no rosto que poderiam se passar por um dos zumbis de Hollywood (the Walking Dead) sem necessidade de maquiagem e efeitos especiais. A noite em claro não é a única culpada, aquela crise de choro (inútil e vergonhosa) no quarto do vovô também contribuiu para essa merda cobrindo metade do seu rosto. As roupas que você está usando também não são as mais comentários… é bom que Choso, Sukuna e Toji estejam longe daqui, tem certeza de que seria expulso (e escoltado até em “casa”) caso um deles o peguem usando um shortinho tão curto quanto este.
Sente-se um vestido confortável, apesar de mostrar um pedaço específico de pele, ele é prático e indicado para a prática de pole dance. No entanto, concorda que chama a atenção de muitos olhos sair na rua dentro dele, tipo agora, quando alguns velhos não oferecem desviar os olhos das suas pernas (e são péssimos em disfarçar) e umas senhoras o encaram horrorizadas. Parou de se importar com os pensamentos (sem dúvidas julgadores) dos velhos há anos atrás, e no momento, a única preocupação é manter-se longe dos alfas da casa de Jin enquanto estiver vestido roupas curtas, exceto “vulgares”, eles fornecem ser um verdadeiro pé no saco em relação a isso, a cara que fez ao vê-lo dois dias atrás foi o suficiente para saber.
Puxou as bordas do short um pouquinho mais (não que vá fazer alguma diferença) e deitou no banco de couro, olhando uma barra de ferro acima de sua cabeça. Admite que às vezes deseja soltar o supino na altura do pescoço, apenas para morrer logo e sem problema, então, imagine o quão ridículas seriam as manchetes de jornais descrevendo a morte do “Killer Cat” e a descoberta de sua verdadeira identidade, o desejo de morrer assim vai embora rapidamente. Acho que merece uma morte mais digna. Algo tão dramático quanto um tiroteio com a polícia, um acidente de carro (que o carro seja uma Mercedes, por favor!), ou sei lá, uma morte que seja lembrada como algo trágico e desesperado o senso de responsabilidade nas gerações futuras. Não é um supino caindo e quebrando o pescoço delicado de um indivíduo descuidado.
Que pena. Imagine as piadas que farão usando seu nome? Pular de uma ponte é mais confiável, no entanto, há o risco de suicídio dá errado e ficar deficiente para o resto de sua vida miserável. As opções são umas piores que outras, por enquanto, vai se contentar em continuar vivendo (lamentavelmente e arrastando-se mais a cada dia) até que finalmente um Deus (que está irritado com seus pecados) decidiu levá-lo para longe desse plano. Quer acreditar que não vai demorar, dado ao seu comportamento considerado vulgar pela maioria da população asiática e dos conservadores (da população global), é capaz que um desses deuses adorados por igrejas, monges e religiosos fanáticos observem-o do buraco que se escondem , certo? Pense bem, se seus seguidores são tão chatos, que preces de extermínio essas imaginas escutam todos os dias? É altamente provável que o “Killer Cat” não fique no meio, e consequentemente, o Yuuji da vida real. O dia do juízo final chegará em breve, está ansioso para pagar por seus pecados.
Segurou o supino com as duas mãos, envolvendo os dedos em volta do metal frio e pesado, ajustando-se melhor ao banco de couro. Respirou fundo uma, duas, três vezes, e na quarta vez, anteriormente os braços, desencaixando a barra do suporte de segurança e flexionando os braços para cima e para baixo. As ideias sobre o julgamento final e o fanatismo religioso ficaram na parte de trás do cérebro, pode escrever uma redação sobre o tema quando algum professor pedir (sempre é o infeliz da disciplina “japonês moderno”). Eles podem reclamar de todas as suas notas (vermelhas) em exatas e biológicas, mas não podem negar que humanas e sua área, e sempre, sem exceção, ficam surpresos com as redações que entrega e os seminários de apresentação (um exagero indireto) bimestrais . Talvez pense que por ser um “aluno desinteressado” que é amigo de um “delinquente” (vulgo, Junpei) Yuuji automaticamente é inteiramente burro.
OK. Não vai negar que é meio burro, tudo bem? É verdade que seus neurônios funcionam de uma maneira mais lenta que as pessoas normais, mas há algo que adora fazer é criticar a sociedade em todas as suas vertentes possíveis, acha que seria um ótimo jornalista, tem tantos temas que podem ser considerados “ um ataque à democracia nacional” armazenado na cabeça, apenas esperando o momento certo para serem expostos… pensando bem, além de ser um ótimo jornalista, também teria um talentoso de políticos corruptos querendo sua cabeça servida em uma bandeja de prata. Tenta, jura que tenta, só que nem sempre consegue segurar a língua dentro da boca, presa entre os dentes. Um dos motivos pelo qual tomou tantas surras de Kaori e brigou mais que o necessário com Mahito. Por que é claro que Yuuji não se contenta em apenas se posicionar, mas comprovar (apontando fatos REAIS) de que o lado oposto está errado, e como se não fosse o suficiente, julgá-lo por ter uma opinião burra (em voz alta) .
Caçar briga sem dúvidas é uma das suas especialidades. Está se aposentando desse ramo, entretanto, precisa de sossego para compor um álbum inteiro do zero dentro de um prazo (extra, hiper, mega) curto. Tem umas letras salvas no word, mas elas não são tão favoritas, estava pensando em descartá-las antes mesmo de mostrá-las a Ichiji, prevendo que o tio definitivamente não iria aprová-las. Podem lançar-las como singles posteriormente, mas a vibe (e todo o significado emocional) está fora de sintonia com a estética que criou nas músicas que escreveu (e perdeu noite passada). Pelo menos terá um projeto concluído em mãos, dois singles devem ser o suficiente para evitar que o tio perca a cabeça e arranque a sua cabeça no processo (ele definitivamente fará isso) junto dá de Junpei.
Soltou um suspiro, esticando os braços até as juntas estarem totalmente planas e encaixando o supino no suporte. Cinco minutos de pausa. Fechou os olhos, e as possíveis reações do tio Kenjaku a notícia de que simplesmente PERDEU as composições dos últimos seis meses não param de rondar sua cabeça, bom, é um tanto tranquilizante que ele não informou que o álbum estava praticamente concluído. Não precisa dizer o que aconteceu, certo? Basta agir como um pirralho mimado (que segundo Choso e Sukuna faz parte de sua natureza) e insistir que a inspiração foi dar um longo passeio, e adivinha? Perdeu-se no caminho da volta, como aqueles pais que foram comprar cigarros, sim?
Ah, não importa de qual ângulo tentar encarar a situação, continua fodido. Fodido sem financiamento, ainda por cima.
Respirou fundo, fez um intervalo nesses pensamentos (desesperadores) e focou no que está fazendo. Menos de cinco minutos, o tempo estipulado inicialmente, voltei a segurar a barra pesada e flexionar os braços, fazendo o que faz de melhor que é: ignorar a ardência comumente sentida ao fazer exercícios físicos. Seguiu uma sessão de três escalas, com trinta repetições em cada escala. E cada execução bem sucedida a aflição (antecipada) de enfrentar o tio Kenjaku foi se dissipando lentamente, até que restou apenas um rastro quase invisível dos pensamentos anteriores e a concentração de manter a postura correta. Não é como se realmente fosse o fim do mundo, tio Kenjaku é exigente (muito exigente) mas ainda assim é abrangente, ele vai entender a situação.
Terminando as sessões no supino reto e partindo para outra máquina, concentrando-se exageradamente em manter a postura ereta e bunda empinada, as instruções do instrutor (que está de férias, o desconforto) e Tudo sobre como sua postura pode prejudicar a lombar e outros ossos não entraram em um ouvido e saíram pelo outro, mas admite que é difícil manter a concentração em tantos pontos ao mesmo tempo.
Ombros flexionados, abdômen retraído, respiração aeróbica (essa parte é moleza), eleve os cotovelos e não os ombros (isso sim é terrível)! É uma tremenda dor de cabeça cuidar desses pequenos detalhes. Sim, tem uma ótima coordenação motora e consegue manipular cada extensão do próprio corpo ao bem prazer, a hora que quiser e quando quiser, no entanto, se distrai com a contagem de repetições e acaba deixando a posição inicial de lado momentaneamente.
Sente falta do instrutor chato e escandaloso, ou até mesmo o Todo e sua timidez virginal (cativante) de se provocar. Soltou a barra fixa/paralela depois de trinta repetições sem pausa, seus braços e costas queimaram como uma cadela, respiraram pela boca e enganchou as mãos em ambos os lados da cintura, olhando para o próprio tênis. Precisa, necessariamente, concluir a próxima sessão? Ninguém vai saber se apenas pular para outro exercício. Os vovós e vovôs estão ocupados demais em seus treinos (fofos) e fofocas para prestar atenção nisso e ir correndo contar a Todo.
Porém, a lembrança de que não treinou NADA (lê-se: Não treinou NADA) ontem, o puxa de volta para a realidade e o diz que: não faz isso por Todo ou o instrutor, muito menos pelo tio ou Junpei, está lutando por sim mesmo. Então, caso pule as sessões, será prejudicado sozinho. E acha que nunca disse, mas a verdade é que simplesmente odeia assumir a rédeas da carruagem que guia a sua vida, sabe, é muito mais fácil deixar alguém tomar as decisões e caso algo dê errado simplesmente culpá-la e ficar isento de assumir as responsabilidades das possíveis consequências.
Uma postura de merda, não precisa dizer, ele sabe. Ainda assim, é a opção mais segura que conhece.
Não sabe quanto tempo passou desde a pausa que circulava, deve ter sido uns bons e longos dez minutos, visto que escutou uma voz (miseravelmente) familiar, comprimentando-o educadamente, isso o desesperado do devaneio (nada sério) e o trouxe de volta ao mundo dos vivos. Levante o pescoço, seguindo na direção das palavras.
— Eu disse bom dia, Yuuji-kun. — Abriu os olhos, supondo que não escutou o comprimento anterior, não que fosse fazer alguma diferença, tem a mínima necessidade de comprimimentá-lo de volta. — Parece que está sozinho hoje. — Prosseguiu, mantendo o tom amigável. Estreitou os olhos, tentando encontrar nos olhos roxos (que hoje não estão brilhando perigosamente…?) as respostas para as perguntas que rondam sua cabeça. Soltou um suspiro, sejam quais forem as respostas que deseja (e espera) encontrar, tenha certeza de que não vai ficar satisfeito, é melhor evitar situações que o levarão ao sofrimento doloroso.
— Ei, senhor. — Respondeu desinteressado, segurando o suspiro nasalado (aborrecido) pesado que ameaça escapar pelas narinas. Nos últimos três anos, foi bem em se ignorar e continuar vivendo normalmente, e foi ótimo assim, mas então, qual o motivo que o leva a forçar uma aproximação desprovida de qualquer sentido lógico? Não vai negar que veja os olhares pesados de Geto e Gojo seguindo suas costas (discretamente) sempre que se viam na casa de Jin, entretanto, tentativas de conversas inócuas. O que mudou agora? — Sim, estou sozinho hoje e adoraria permanecer assim. — Cuspiu, sem ser educado e sem ser ríspido, diga-se que balançou entre os dois e ficou no meio termo. A resposta infelizmente não abalou Geto, ele enviou sem mostrar os dentes, gentil e cordial, (enjoativo).
— Desculpe, não quero incomodar eu só… — O interrompi.
— Apenas sua presença é um grande incômodo, seria de grande ajuda se pudesse resumir da minha frente, senhor. — Falou seriamente, olhando-o diretamente nos olhos. O maldito sorriso contínuo no rosto dele, houve uma pequena contração nas extremidades dos olhos, mas foi tão rápido que não teria percebido caso estivesse distraído.
— Acho que estamos errados, Yuuji-kun. — Começaram errado? Onde, exatamente? Não tem cabeça para lidar com dramas alfas hoje, por favor. — Você não precisa ser tão hostil comigo. — Certo, e qual outro pedido? Yuuji revirou os olhos, não fazendo nenhum esforço em esconder o desinteresse nisso. Ele poderia abordá-lo em outro lugar, porque logo na academia, onde as velhas senhoras estão loucas para conseguir uma boa fofoca?
Sabe que não precisa ser hostil com ele ou Gojo. Pode parecer que não, mas sabe. Essa é apenas uma forma de se manter protegido, porque conhece o próprio coração e “sabe” que ao menor sinal de gentileza vai se derreter e esquecer todas as coisas ruínas, sofrimentos e palavras indesejadas ao longo dos anos. Para Gojo e Geto, suas ex-almas que nunca o machucaram intencionalmente, vai cair como um fruto maduro e apaixonar -se em menos de quarenta e oito horas, e convenhamos, a última coisa que precisa é se apaixonar.
— Eu sei, ser hostil é minha natureza. — Respondeu, encolhendo os ombros, oferecendo uma meia verdade. — E não é como se nós nos conhecêssemos. Certo, senhor? Afinal, nós temos um acordo, estou cumprindo com a minha parte, e você deveria fazer o mesmo. — Apontou o dedo, e Geto abriu os lábios finos em uma linha reta. Ele está bastante conservado para um cara na casa dos trinta, deve admitir, é o seu tipo perfeito. Durável.
— Esse acordo… não podemos cumpri-lo. Sou amigo do seu pai e padastro, é óbvio que você conheço, Yuuji-kun. Aliás, eles passaram uma noite inteira procurando por você e Megumi-chan. — Coçou a nuca, relembrando a dor na bunda que o espera ao arrastar Megumi de volta para a casa de Jin.
— É só fingir que não estou aqui, e BOW, não estou. — Fez um gesto de explosão fechando os olhos e espalhando os dedos no ar posteriormente, deu um sorriso cínico, continuando: — Vocês prejudicados nos últimos três anos, apenas permaneçam assim, não finja que se importa agora, é ridículo. — Comentou, com uma careta de desagrado. — E não preciso fazer toda uma cena apenas para descobrir onde Megumi está, ele vai voltar para casa. — Por que é claro que Geto iria se aproximar para saber onde a preciosa Megumi passou a noite.
Provavelmente, os Itadori-Fushiguro já sabem que o sequestrador (vulgo, Yuuji) está nessa academia e irá surgir pela porta em alguns minutos. Arg. Seria um verdadeiro pesadelo.
— Isso não é sobre Megumi-chan ou Jin-san, é sobre nós. — Ele explicou pacientemente, ignorando as implicações acima. — Satoru e eu, gostaria de conversar com você novamente… — Ah, não cara. Yuuji não precisa de conversas que sem a menor sombra de dúvidas deixarão sua cabeça ainda mais confusa.
— Não temos o que conversar. Fizemos um acordo e quero continuar assim, pare de me incomodar ou serei obrigado a procurar uma delegacia de ômegas. — Aqueles policiais sempre acreditam nos ômegas, não importa se estiverem pensando. Odiaria tirar resultados da iniciativa, mas às vezes é necessário. — Você também pode voltar ao seu horário normal de exercícios, seu rosto é enjoativo, faz-me querer vomitar. Eu não te odeio, mas sinto-me melhor quando estamos longe de fazer outro. Como um adulto responsável, pai de duas filhas da minha idade, mais um sobrinho adotado a poucos anos, você compreende, certo? — Os olhos roxos se abriram, surpresos. Ele certamente não esperava ter as próprias palavras usadas para colocá-lo contra a parede, e definitivamente, tirando-lhe as chances de escapatória. Yuuji convidou, levantando o banco de couro e se afastando da máquina.
— Lembre-se: Você é amigo de Jin, não meu. — Pontuou por último, correndo para o final da academia concluindo o exercício em outro espaço, um menos sufocante, de preferência.
Durante as execuções dos exercícios, senti os olhos pesados de Geto pregados nas suas costas nunca, tentei não encará-lo de volta e perguntar qual o problema, porque convenhamos, sempre que um alfa passa muito tempo observando-o como preocupados são inocentes. Ou querem fodê-lo (o que não é o caso aqui) ou estão pensando em dar-lhe uma boa surra, as duas opções são ruínas (pelo menos no momento), no entanto, Geto não parece inclinado a nenhuma delas. Talvez você esteja planejando uma maneira de forçar uma aproximação? Espera que não, está decidido a continuar sozinho o resto da vida, o amor já o machucou bastante.
Sobre a atenção perigosa de ter cada movimento observado por um predador (e não está falando de um felino selvagem, sim daqueles planejados dos cinemas, então nada disso é excitante), obriga-se a concordar com a própria postura meia dúzia de vezes em uma única sessão. As pontadas irritantes no estômago estão começando a fazer, intensas e agudas, é como ter agulhas cutucando as recorrentes estomacais, arranhando e puxando na direção de Geto (ou Gojo), supõe que por estar no mesmo ambiente as pontadas são mais dirigidas? Ou não, uma vez que já passou horas e horas na casa de Jin (ainda que sem trocar uma palavra) e se sentiu bem fisicamente, sem dores agudas deixando-o desconfortável, Utahime e a família Itadori-Fushiguro já cumpriram bem essa tarefa.
Deve contar com a possibilidade de ser um mau estar matinal, às vezes acordado com o estômago doendo e queimando, não consegue ingerir nenhuma comida (nem o precioso abacaxi) e passar o dia inteiro doente. É normal. Nada que a fachada fique deitada na cama e obrigue a visitar o hospital, remédios comprados na farmácia por menos de dez moedas resolvem o problema. Acontece que essa dor é diferente… acha justo culpar Geto por ela, afinal, passou a sentir-la essa semana (econômico quando encontrou Gojo e Geto na saída da escola). O médico que fez o procedimento de remoção da marca não avisou de efeitos colaterais entre dores físicas ao compartilhar um espaço fechado com a ex-alma gêmea, vai entrar em contato com a equipe novamente, apenas para ter certeza de que esse incômodo não envolve os dois alfas. Seria um saco ter que suportar isso por seis meses, porque as possibilidades deles darem uma pausa nas visitas à casa de Jin são mínimas.
Concluiu o treino do dia e saiu da academia, dessa vez, apenas acenando rapidamente para as velhinhas fofoqueiras que ainda estão ocupando as esteiras e bicicletas. Dispensou a água, lambendo os lábios rachados e iniciou uma corrida lenta até o hotel. Quanto mais se afastar da academia e consequentemente de Geto, as pontas irritantes diminuem gradualmente, ao ponto de que quando avista o bairro residencial elas já não estão mais lá, fazendo-o pensar que talvez fosse tudo parte de sua imaginação dramática.
Parou no hall de entrada do estabelecimento, recuperando o fôlego antes da obrigação até o elevador. Apesar da dor ter ido embora, as palavras que ouviram persistem em rondar sua cabeça, (“Isso é sobre nós..”), é natural que você fique curioso sobre o assunto em questão. Gojo ou Geto demonstrou interesse em conversar e conhecer o melhor nos últimos três anos, foi sutil, ninguém deve ter percebido. Entretanto, Yuuji é bom com detalhes. Os olhares de lado, ou como mudaram o boato da conversa sempre que Utahime fazia comentários maldosos, as sobremesas deliciosas que “misteriosamente” eram as favoritas de Yuuji. Pode ser um jovem adolescente emocionado, interessado onde não há, mas é difícil ignorar esses pequenos gestos. É realmente grato por eles (embora sejam necessários), os únicos preocupados com o seu bem-estar são os Yoshino (a tia Nagi e Junpei) e o tio Kenjaku, não pode deixar de se sentir minimamente especial quando alguém o defende, mesmo que indiretamente e essa gratidão é um sentimento perigoso.
Ignorá-lo não é tão fácil quanto parece. Sim, Yuuji pode ser descartado e médico, mas mal agradecido? O tio Kenjaku iria batê-lo antes que pudesse sair sem agradecer um favor que recebeu de alguém, ainda que seja um favor vindo do seu arqui-inimigo e as ocultas sejam tudo, menos boas. Foi e é um sacrifício agir indiferentemente a Gojo e Geto, não é nada relacionado a “ligação de alma”, deixou de acreditar nessa merda há muito tempo atrás, é só que… eles nunca o machucaram realmente. Não o bateram como Sukuna, Kaori, Jin e Mahito, não o abandonaram como todos os outros e definitivamente nunca o estupraram em um beco sujo. Então não há nenhum ressentimento, as emoções decorrentes da ligação que possuíam foram arrancadas quando você removeu a marca, há apenas um vazio silencioso que às vezes se torna ensurdecedor. Doloroso. Solitário. Monótono. Como um dia nublado em pleno verão, e você sai de casa sem um guarda-chuva porque supõe que a ventania leve às nuvens embora, mas o vento não leva, e é justamente na hora de sair a céu aberto que as primeiras gotas caem. É uma sensação estranha. Talvez seja apenas o fato de que é um ser incompleto, uma alma repartida em três pedaços que são destinados a continuarem separados.
É engraçado, certo? Às vezes se pergunta como as coisas seriam diferentes caso tivessem nascido sem uma marca de alma. Ou melhor, se fosse a alma gêmea de Mahito. Ainda estariam juntos? Ele teria ido embora? As brigas que enfrentaram foram tão violentas? É provável que não, almas-gêmeas dificilmente possam machucar umas às outras fisicamente. Claro, sempre há os alfas psicopatas abusivos que são capazes de tudo, no entanto, prefiro acreditar que Mahito é diferente. Que ele só o batia porque estava em discordância, quebrava as regras impostas ao relacionamento e o desrespeitava frequentemente a cada palavra dita. Quer assumir a culpa, assim pode continuar com a ilusão de que se amava e que não estava amando sozinho, é menos doloroso desse jeito. Nada saudável, nenhum pouco saudável (os psicólogos que o diga), mas um pouco doloroso, então tudo bem.
Bateu os pés no carpete felpudo da recepção, e engolindo garganta abaixo dos sentimentos amargos enchendo a boca, caminhou de queixo erguido até o elevador, tendo a sorte de encontrá-lo vazio até o piso superior. Respirou fundo, considerando-se totalmente recuperado das amarguras da vida e pronto para enfrentar Megumi, e posteriormente, um bando de alfas preocupados também. Saiu do elevador assim que as portas se abriram, passando encolhido no canto do corredor para não tocar acidentalmente no homem de quase dois metros vestido dentro de um terno formal que estava esperando para entrar, comprimentou-o com um aceno suave de cabeça e batidas até o final do corredor.
Chave 217. Colocou-a na fechadura e girou, empurrando a porta e entrando sem nenhum cuidado em ser silencioso, bateu os pés do carpete de entrada novamente e andou pelo corredor até encontrar a figura de Megumi (surpreendentemente) acordado, sentado na cama exageradamente grande e olhando para um ponto qualquer fixamente. Seus cabelos são uma bagunça (muito pior que o normal) então sim, é uma bagunça descabelada e descontrolada, como um fantasma sombrio da meia noite. (Acha melhor manter essa última parte para si mesmo, aliás). Franziu os lábios, parando no início do corredor e esperando ser notado. O que bem… levando em consideração a indiscrição que usou para entrar no quarto, já deveria ter sido percebido desde o momento que segurou a maçaneta.
Tem a impressão de que demorou séculos, mas na verdade, foram menos de cinco minutos até Megumi puxar a respiração e soltar, virando a cabeça em uma velocidade (vampírica e perigosa) e encará-lo diretamente nos olhos. Como um cervo lego pelos faróis, seus olhos verdes esmeraldas emitiram um brilho cristalino, o cheiro do quarto não é desesperador ou angustiante, é mais como um… bem, é difícil explicar. Talvez medo e timidez? Realmente é péssimo em sentir feromônios (um fator comum para recessivos) agravado principalmente pelo procedimento de remoção da marca e traumas com feromônios violentos.
— Oi… — Ele falou primeiro, ainda encarando-o como se esperasse algo. Yuuji correu os olhos por todo o espaço do quarto, sem saber exatamente o que dizer ou fazer. Deveria ter comprado comida na padaria? Mais remédios? Acionar o serviço de quarto? Conforto não é bem a sua área, sabe…
— O que é? Tá com fome? — Perguntou, nada delicado. — Podemos descer para tomar café da manhã no refeitório ou pedir o serviço de quarto, se você preferir. — Ofereceu, apontando para o telefone fixo e depois abanando as mãos.
Megumi piscou, entortou a cabeça (e foda-se, ele parece um ouriço do mar irritado) e abriu um sorriso divertido, realmente divertido, cheio de dentes.
— Você é fofo. — Okay. Yuuji já foi chamado de muitos nomes durante esses dezessete anos de vida, mas fofo?! Isso é o cúmulo do absurdo. Nem tem bochechas gordas para serem apertadas, muito menos uma voz levemente infantil, o que leva alguém a considerá-lo fofo? Quais os critérios para ser fofo, afinal? Seja quais forem, está mais do que certo de que Megumi bateu a cabeça ontem (muito forte), pode ter causado um aneurisma cerebral e isso o levou a chamá-lo de fofo. Ele, Kamo Yuuji. De fofo. Tudo bem, poderia ser pior. — Obrigado, mas nós podemos comer as sobras de ontem. — Apontou com o queixo na direção das sacolas plásticas descansando na mesinha de centro, de frente para a poltrona macia que serviu de cama durante a noite.
— Não estou comendo isso. — Fez careta para o tanto de gordura que tem nas sacolas. Uma mordida e mais duzentas gramas aumentando nas suas medidas, um verdadeiro pesadelo. — Então fiquei à vontade e mastigue. Devemos te levar para casa daqui a pouco, sua família está preocupada. — Disse, desinteressado. Megumi levantou a cabeça, mostrando uma careta perturbadora no rosto.
— São a nossa família, irmãozinho. — Revirou os olhos, jogando-se sobre a poltrona em uma posição desleixada. Pegou o celular que deixou entre as almofadas e trouxe até o rosto, desbloqueando a tela e mais uma vez ignorando as mensagens desesperadas da família Itadori-Fushiguro. — E eles estão preocupados com nós dois. — Mordeu a língua, evitando soltar uma piada de mau gosto.
— Cale a boca e coma, não temos o dia inteiro aqui. — Dispensou, sem olhar-lo. Ter alguém chamando-o de irmãozinho é… esquisito. Choso costumava dizer essa palavra a muitos anos atrás, entretanto, faz tanto tempo que nem se lembra como ela soava. — E pare de me chamar de irmãozinho, odeio essa merda. — Implicado, tardiamente. Abriu o chat da conversa com Junpei e invejou um “Bom dia, amor.” Antes de fechar e desligar a tela novamente, deixando o celular descansar em cima do próprio abdômen. Megumi bufou, levantando da cama e sentando no chão, de frente para a mesa de centro e consequentemente, de frente para Yuuji.
— Obriga… — O interrompiu antes que pudesse terminar a fala.
— Porra, eu já mandei parar de agradecer. Apenas coma. — Megumi se retraiu visivelmente diante de tom ríspido. Respirou fundo, beliscando a ponta do nariz. — E não peça desculpas também. — Apontou, muito orgulhoso para ele mesmo pedir desculpas por ter usado um tom rude um pouco tempo.
— Não sou ingrato. — Escutou-o retrucar, dando uma mordida generosa no pão macio recheado com frango e queijo.
— Não te acusei de ser. — Rebateu, pela milésima vez, respirando fundo. Pensei que ele acordasse traumatizado e tal, mas foi um pensamento totalmente errado. Há muita energia nesse grelin magrelo com cara de ouriço-do-mar irritado, e isso é meio preocupante. Mantive uma conversa por mais de dois minutos antes, e agora… bom, espero que a relação disfuncional que construiu nos últimos anos (unilateral) com ele não seja afetada por uma boa ação. Seria problemático. — Escute, qualquer pessoa em sã consciência teria feito o mesmo, não há motivos para ser grato. Então coma, vai precisar de energia para lidar com seus pais e irmãos. — Comentou abrindo um dos olhos preguiçosamente. Megumi abriu o pão entre os dedos, olhando para uma mesa confortável.
— Acho que… não quero falar com ninguém sobre o que aconteceu. — Admitiu, envergonhado. Arqueou uma sobrancelha, olhando-o com atenção agora. — É vergonhoso, sabe? Eu nunca… nunca, deixei Sukuna me tocar daquele jeito e… então estranho vem e… não sei, mas eu não consigo. — Terminando, abaixando os ombros em um sinal de derrota.
– Entendo. — Murmurou, batendo o pé constantemente contra o chão de porcelana clara. — Você acha melhor viver com esse segredo, escondendo o fato de se sentir desconfortável com os possíveis avanços de Sukuna e passar o resto da vida traumatizado? Ele pode pensar que você se sente enojado com ele, sabe. — Megumi franziu as sobrancelhas, sem dúvidas, aflito. — Por que você deveria se sentir envergonhado, afinal? O que aconteceu não foi culpa ou escolha. — Encolheu os ombros e curvou os lábios para baixo, acrescentando: — Não sei Sukuna como você, mas estou supondo que ele é homem o suficiente para superar o fato que de outro alguém te tocou antes de dele e que esse toque não foi bem- vindo, e principalmente, sem o seu consentimento. Vê? Não há motivos para vergonha, você é uma vítima aqui, os únicos que devem se envergonhar são aquelas desculpas de humanos que você atacou ontem. — Concluiu, quase reflexivo.
— Mas ainda… é difícil. — Disse, soltando o pão sobre a mesa e juntando os dedos, apertando-os nervosamente.
— Bom, você tem razão, é difícil. — Concordou, cozinhando o queixo. — Mas lembra do que eu disse ontem? O caminho fica mais fácil quando não estamos sozinhos. — E sabe disso melhor do que ninguém. Ficou muito mais fácil suportar o peso do abandono (de todos) com a ajuda do tio Kenjaku, tia Nagi e Junpei. — Dito isso, não pense que estarei caminhando com você, estou falando da sua família. — Megumi soltou uma risada nasalada, e rapidamente levou a mão ao rosto para disfarçar.
— Desculpe. — Pediu, entre risos. — É só que você não precisa ser duro o tempo todo. Sabe disso, não é? — Perguntou, ainda com um sorriso pequeno no rosto bonito. A careta que fez foi involuntária, e honestamente, se pudesse, não teria tentado escondê-la.
— Sim, eu preciso, Megumi-chan. — Afirmou, desencostando-se do encosto da poltrona e apoiando os cotovelos em cima dos joelhos. — precisamos ser durões quando não temos em quem nos apoia. — Algo no seu tom fez que o silêncio reinasse no ar. Sombrio demais? Amargo demais? Doloroso demais? Não sabe, apenas disse o que está em seu coração. Precisou ser durão vinte e quatro horas por dia desde que passou a morar integralmente com Kaori, não poderia permitir-se um momento de fraqueza quando ela bateria se chorasse “inutilmente” e nunca deixaria que Mahito o visse triste. Sim, o tio o segurou perto e curou-o das surras dolorosas, ele se tornou um ponto seguro, entretanto, no fundo Yuuji sempre se sentia que estava sozinho.
Sentiu que quando precisasse não teria ninguém para puxá-lo de volta à superfície. Ser durão o tempo todo? Gostaria de poder abaixar a guarda e não, não ser durão em algum momento aleatório. No entanto, as barreiras que foram construídas jamais permitiram um descanso adequado, elas são duras demais, profundas demais, e já viram horrores demais para simplesmente confiar assim, tão facilmente. Chamo-o de amargurado. Chame-o do que quiser. Yuuji, e apenas Yuuji é o capitão deste barco e sabe as tempestades que derrotaram sem uma tripulação a bordo, então realmente está bem agora, sozinho e protegido atrás das cascatas grossas que a água fria atingiu por anos. Continuará sendo durão, e esse discurso de se abrir e ser verdadeiro (para fazer bons amigos) pode ir se foder, muito obrigado.
— Podemos ter um ao outro agora. — Piscou os olhos, surpreso com o toque quente de Megumi envolvendo seus dedos. Balançado a cabeça, segurando o riso maldoso ameaçando escapar garganta acima. Quando ele chegou tão perto? Ah, eu estava distraído demais com os próprios pensamentos. — Somos uma família. Irmãos e amigos, eu posso estar lá para vocês, assim como você esteve por mim. — Os olhos verdes brilham, há uma súplica quase desesperada por trás das orbes estreitas, e o fato dele está ajoelhado no chão enquanto segura suas mãos deixa tudo ainda mais dramático. Quase quer cair nessa, deixe-se levar pela aparência sincera e confie, mas não pode. Não vai.
— Mas eu não preciso de você agora, nem de ninguém da sua família. — Disse, falsamente cordial, com um sorriso maldoso pintando os lábios, sem mostrar os dentes. Afastou as mãos de Megumi das suas, levantando a poltrona, — Prepare-se, não vou perder mais tempo aqui. — Avisou, fazendo um movimento de enxotar com as mãos, enquanto caminhou corredor a fora. — Volto em alguns minutos, esteja pronto até lá. — abriu a porta e saiu, fechando-a e encostando-se na parede assim que viu-se no corredor externo, longe dos olhos expressivos de Megumi.
Já passei por muitos maus bocados para umas palavrinhas bonitas amoleceram seu coração, as intenções podem sim ser honestas, mas ainda vai permanecer desconfiado e na defensiva. Não quer se machucar novamente, pelo menos, não com as mesmas pessoas. O que Megumi sabe sobre “estar lá para você”? Ele sem dúvidas correria assim que visse as marcas vermelhas deixadas pelas surras de Kaori e Mahito, e nunca, sob hipótese alguma, conseguiria lidar com as crises de Yuuji. E falando em crises, deveria seriamente pedir desculpas ao vovô por tê-lo preocupado tanto.
Ficou dez minutos do lado de fora, acabou sentando no chão e trazendo os joelhos para junto do peito, recitando uma melodia qualquer enquanto espera Megumi sair do quarto. É bom que esse andar é parcialmente vazio, seria estranho ser visto no meio do corredor (sentado no chão) ainda por cima, não que se importe, é claro, mas as pessoas iriam pensar que é um invasor ou um mendigo (na pior das hipóteses) e odeia ter uma péssima imagem externa (ou melhor, o tio odeia que tenha).
Na espera, certificou-se de avisar a Junpei que não estará indo à escola hoje, porque convenhamos, precisa descansar as pernas e depois daquela rápida troca de palavras com Geto, não quer olhar na cara de Gojo. Entretanto, ainda vai passar o dia na floricultura do tio Kenjaku, manter-se ocupado é uma ótima maneira de esquecer as derrotas que insistem em continuar acontecendo na sua vida. Por outro lado, esse será o segundo dia que falta a escola (na primeira semana de aula), o que é péssimo - olha, Yuuji não é um aluno preocupado em manter uma boa frequência escolar, na verdade, ele é o tipo de aluno que perdeu totalmente a vontade de fazer qualquer coisa relacionada ao esforço acadêmico que provavelmente renderá uma entrada em uma universidade respeitável e cartas de recomendações dos professores mais experientes. No entanto, o tio Kenjaku tem pensamentos (e planos) concretos, sólidos e promissórios para o futuro do seu sobrinho (o único que tem por perto) que não envolve apenas a vida artística como “Killer Cat”.
Sério? É uma merda. Depois de anos convivendo juntos e acompanhando de perto a luta de Yuuji para entender um tópico básico da escola, o tio deveria saber que seu adorável sobrinho é burro. Uma criatura extremamente lenta e deficiente de intelecto. Na infância era brilhante, um verdadeiro gênio. Até construir uma casinha de isopor, pintou, decorou e deixou-a parecendo uma maquete profissional de um arquiteto renomado, mas perdeu-se no meio do caminho.
Não nego que às vezes quer voltar ao seu “eu” infantil e fazer algo extraordinário, grande e surpreendente, então as pessoas não irão vê-lo como um adolescente problemático e “sem futuro”, mas se questiona seriamente se esse desejo é para que os adultos o vejam como alguém “promissor” ou se quer - de alguma forma - que Jin sinta-se orgulhoso. Validação? Talvez só queira que alguém olhe e diga: “estou orgulhoso de quem você é e do que você faz, Yuuji.” No entanto, sejamos sinceros aqui, quem em sã consciência vai ouvir as músicas do Killer Cat e dizer está feliz e orgulhoso?
Nenhum pai ou mãe (pais alfa asiáticos e conservadores) ficaria satisfeito com seus filhos ômegas (que deveriam ser virgens tímidas) falando de sexo, sendo um stripper (não profissional) e pior, demonstrando falta de vergonha na cara ao público mundial. Tio Kenjaku sorri e acena, abraça-o e diz amá-lo, elogia-o por ter tanta coragem, entretanto, quando as músicas são “pesadas” demais, é o primeiro a barrá-las ainda na pré-produção e pede educadamente para : “deixe-as um pouco mais leves” revirar os olhos e apresentar uma justificativa plausível nunca é levada em consideração, quando o tio diz “não” é “não”, insistir só piora a situação, Yuuji aprendeu cedo.
Esperar que um alfa, por mais liberal que ele seja, fique feliz e orgulhoso por um ômega recessivo estar no topo é quase um absurdo, então deveria ficar mais do que contente com todo o apoio que recebe do tio.
Tem certeza (mais do que absoluta) que nunca receberia tanto apoio de Jin e sua família, o Killer Cat canta barbáries que os atacam (indiretamente), seria exposta que conseguiu se expressar tão bem nas letras caso um deles fosse o seu agente. Pode imaginar Sukuna e Choso com as mãos cruzadas na altura do peito, olhando-o de cima (para emitir um ar extra de superioridade, como se ser um alfa dominante não fosse o suficiente) descartando música após música, sob a desculpa de “difamação” ” e toda essa baboseira de “não atacamos a família”. Tsk. Se ao menos os considera-se família poderia ter pensado duas vezes antes de ter lançado o primeiro álbum, que por sinal, está cheio de taxas depreciativas e alfinetadas nada gentis para cada membro da família Itadori-Fushiguro, e algumas são… dolorosas (para eles) ouvirem. Não se sinta arrependido, o único arrependimento que tem é de não ter lutado com as músicas que foram descartadas sendo lançadas em singles posteriormente. Naquela época ainda pensei: “Não quero machucá-los fazendo-os escutar isso”, no entanto, é óbvio que os adultos japoneses preferem evitar seu conteúdo sonoro e mesmo que não evitem, por que deveria tomar cuidado com as palavras para não machucá-los quando eles nunca pensariam em como as escolhas e atitudes iriam afetá-lo?
O discurso de empatia só serve para políticos e famosos, pessoas que vivem uma vida normal deveriam ter cuidado a quem estende essa empatia, ou podem terminar tão mal quanto os que buscam ajudar. Yuuji, por exemplo, tem certeza de que se foderá quando chegar na casa de Jin.
Levantei do chão quando a porta do quarto rangeu, limpou a poeira inexistente pregada na bunda com tapinhas folhas e afirmou a cabeça, encontrando o rosto de Megumi (quase) preocupadamente pálido.
— Se precisar vomitar é melhor usar o banheiro do que fazer isso no meio do corredor, ou pior, no elevador. — Apontou para dentro do quarto, mantendo a porta entre aberta. Megumi engoliu em seco a saliva acumulada na boca, respirou fundo e ergueu o queixo, tentando transmitir confiança (observação: ele não conseguiu transmitir nada além de insegurança).
— Não, estou bem. Nós podemos ir. — É evidente que não, ele não está bem, mas quem é Yuuji para questionar essa decisão? Encolhendo os ombros, fechou a porta do quarto e girou a chave na maçaneta, trancando-a.
— Tem certeza de que não esqueceu nada lá dentro, né? — Perguntou só por precaução, mesmo que o uniforme de Megumi esteja dentro da sua mochila de costas (destruída). Recebeu um aceno de cabeça em resposta. Presumiu que não há necessidade de mais perguntas e apenas foi até o elevador, consciente dos passos muito próximos dos seus, quase pregados nas suas costas. Segurou a careta, é meio desconfortável, mas não vai reclamar agora, Junpei faz exatamente o mesmo (senão pior).
E não, Megumi e Junpei nunca estarão no mesmo patamar, (talvez em algum universo paralelo sim), no entanto, vai segurar as reclamações devido ao fato do estado fragilizado dele. Sem razões ocultas. Entraram no elevador em silêncio, apertou o botão do térreo e esperou pacientemente, parado no meio da caixa de metal de frente para a porta. Milagrosamente, ninguém interceptou o elevador enquanto estavam dentro dele, acha que foi melhor assim, tem quase certeza de que ele ficaria agitado caso um alfa desconhecido ficasse no mesmo ambiente que eles (um cúbico apertado), seus sentidos ômegas ainda estão em estado de alerta, assustados e agressivos, uma combinação terrível para um alfa dominante (eles adoram impor autoridade) e sem sombras de dúvidas, iriam entrar na defensiva diante de um comportamento agressivo vindo de um ômega também dominante.
Segurou o suspiro no fundo da garganta, sentindo os olhos de Megumi pesando sobre seus ombros quando as portas do elevador abriram, permitindo que saiam. Parou em frente o balcão da recepção, uma nova moça está do lado oposto, com o uniforme bem passado e cabelo preso em um coque baixo elegante, ela mostra um sorriso excessivamente simpático e gentil, seus olhos correm de Yuuji para Megumi (que está olhando tudo curiosamente) e não precisa ser um leitor de mentes para saber o que ela está pesando. Colocou a chave em cima do balcão, sem se preocupar em retribuir o sorriso.
— Quarto 217, check-out. Não houve consumo interno. — Informou, vendo a recepcionista pegar as chaves de cima do balcão discretamente, unhas grandes e bem cuidadas arranhando a superfície de madeira. — Suponho que não temos nenhum valor em aberto, correto? Dito isso, estamos nos retirando no estabelecimento, tenha um bom dia de trabalho. — Completou logo em seguida.
— Obrigada, voltem sempre, temos o melhor café da manhã da região. — Ela acenou, mantendo o sorriso comercial (e interesseiro). Yuuji já recebeu olhares assim antes, é incomum que adolescentes tenham um cartão sem limites escondido na carteira, a não ser que sejam ricos ou na melhor das hipóteses, prostitutos juvenis (a pior hipótese seria a Yakuza), independente das situações, esses três tem uma posição elevada na sociedade - embora não muito honesta - a maioria das pessoas pertencentes a classe trabalhadora quer o ganhar o favor dos ricos e poderosos, puxar o saco é a maneira mais fácil que eles tem para isso.
— Hum. — Resmungou, saindo sem se despedir. Não importa quantas vezes tentem, bajuladores nunca irão ganhar o seu favor, muito menos algum tipo de recolhimento por exercer bem o trabalho (que são pagos) para fazer. Claro, distribui gorjeta aqui e ali, no entanto, somente a cidadãos respeitáveis, aqueles que não estão quase rasgando o rosto com um sorriso (falso) e uma gentileza (mais) que estranha.
— O-obrigado, senhorita! — Megumi, por outro lado, é ingênuo e desconhece as imundícies da vida, é claro que ele vai retribuir o aceno com um próprio, forçando um sorriso agradecido nos lábios. Revirou os olhos, apressando o passo para sair do hotel e surgir no calçadão, escutou passos apressados nas suas costas. — Ei, não deveria ser tão rude com a moça. — E surpreendentemente, foi repreendido (???!!) ele realmente não viu a forma como o comportamento deles mudaram visivelmente após verem um cartão negro? Ou está simplesmente fazendo-se de cego?
— Claro, claro. — Disse, cheio de desinteresse e deixando claro que não se importa nenhum pouco com as palavras que ouviu. Atravessou a rua ao sinal verde e Megumi acompanhou fielmente, quase colado nas suas costas. O relógio marca menos de oito horas da manhã, isso significa que a movimentação da rua é amena, nada exagerado, principalmente em um bairro residencial.
— Aquilo não foi nada legal, só para você ficar sabendo. — Ele avisou, como uma velha senhora irritante repreendendo o neto malandro.
— Sim, vou fingir que me importo. — Ofereceu um sorriso falso e rápido, voltando a olhar para frente em seguida.
Não trocaram muitas palavras após esse pequeno diálogo, Yuuji é quieto por natureza, ou pelo menos, a vida o ensinou a ser, e Megumi provavelmente está passando por uma luta interna a cada cinco passos de volta para a casa, onde se pega imaginando o que acontecerá, e pior, se Sukuna ainda vai querê-lo. São preocupações inúteis, diz com certeza e sem sombras de dúvidas, mas seu infeliz meio-irmão nunca passou por uma situação semelhante e é óbvio que vai ter os nervos à flor da pele.
Não julgue, supõe que poderia ter reagido dessa forma após todas as aparições fantasmagóricas de Mahito no meio da madrugada se tivesse escolhido continuar vivendo com os Itadori, mas a educação de Kaori foi libertina e desprovida de proteção, então… realmente não havia muito o que fazer senão aceitar seu terrível destino, parecia errado importar o tio Kenjaku ou o vovô, e de alguma forma, era bom não está completamente sozinho. Bem, estava quebrado o suficiente para ver abusos como uma maneira de amor e carinho, é saudável que Megumi tenha e esteja reagindo tão mal ao assédio.
Aquele discurso de: ômegas precisam ser fortes para viver nesse mundo cheio de alfas, não cabe nesse contexto, e mesmo que coubesse, jamais iria encaixá-lo. Os ômegas são fortes sem fazer nenhum esforço, as políticas de proteção devem progredir, e em especial, ensinar os alfas desde a adolescência a respeitar os ômegas e aceitar receber um “não”. O caso de Megumi não é um caso isolado, como morador do bairro de Shinjuku, Yuuji cresceu vendendo e ouvindo coisas pouco recomendáveis para uma criança de 12 anos, (aumentando o fator: Gênero secundário a mistura), gangues de rua que hoje em dia são mafiosos do mais alto nível, acertos de contas em pleno a luz do dia, agressões físicas e brigas de bar, além de clientes exigentes em bordos decadentes. Acredite, é possível encontrar de tudo em Shinjuku, o distrito vizinho de Shibuya, até as drogas mais perigosas do globo terrestre.
Os homens são caras legais e respeitáveis, eles não irão vê-lo como uma ameaça se você realmente não é por uma ameaça, e Yuuji sente-se confortável ao conversar com eles e jogar cartas juntos, é o lugar onde cresceu, e os garotos que o acompanhavam até a escola que agora são mafiosos (a escória da sociedade). Eles sabem respeito aos ômegas, e dizem-se de passagem, que as coisas nas ruas de Shinjuku melhoraram muito mais desde que tomaram o controle das vielas, expulsando a polícia. Há algo sobre onde cresceu e foi educado que muda completamente suas ocorrências a situações desagraváveis - em comparação com Megumi e outros ômegas mimados -, casas de prostituição é algo normal em sua lista, entra e sai delas normalmente, tem boas amigas por lá, aliás.
Um gangster meia-boca e mau caráter vai procurar os pontos fracos do idiota que se meteu com ele, e quase sempre esses pontos fracos são namorados ômegas ou algum tipo de familiar próximo. O estupro é a maneira mais suja e imunda de atingir essas alfas, é assim que funciona na maioria das periferias. Sim, em Shinjuku é uma prática proibida para o acerto de contas (atualmente), o mesmo não acontece em toda Tóquio (ou Japão), no entanto.
Pensar em que tipo de merda Sukuna se meteu para um grupo amador e desleixado tenha assediado (e quase violado completamente) Megumi deixa-o curioso, afinal, a família Itadori-Fushiguro é perfeitinho demais para estar envolvido com casas de apóstolos ou roda de lutas clandestinos. Talvez sejam universitários irritados com algum tipo de trote sem graça? Ou protagonistas de uma briga de bar que acabou mal? Seja qual for o motivo que tiveram, eles estavam tentando se vingar de Sukuna e sabiam da ligação dele com Megumi. Preocupante, no mínimo.
No entanto, não é como se pudesse fazer mais do que já fez, nem está disposto a fazer. Por favor, merece um descanso.
Parou de frente para a casa de infância, dormiu a respiração e soltou, confirmando mais uma vez que sim, merece um descanso. Todos esses assuntos não o envolvem e ainda sim estão atolados até o pescoço no meio deles, é cansativo, ninguém veio ao seu socorro quando precisou, e está aqui, oferecendo apoio moral e emocional a alguém que tentou procurar por sete anos. É realmente muito otário, Nobara vai chamá-lo assim quando escutar o que diabos aconteceu.
Timidamente, Megumi o segue, subindo os pequenos degraus da entrada e respirando fundo (o máximo que consegue) antes que a porta seja aberta. Sem aquele drama dos filmes, nada de segurá-lo pelos ombros e dá-lhe uma chance de voltar atrás, Yuuji odeia essas idéias clichês. Empurrou a porta normalmente, e ela fez um suave barulho de madeira velha molhada, rangendo ao se arrastar pelo chão. Demorou menos de três segundos até ter um rosto pálido com olhos arregalados espiando-os do final do corredor.
— OH, MEU DEUS, ELES FINALMENTE VOLTARAM! — E ela falou tão alto que pode ter prejudicado os tímpanos de todos os vizinhos a pelo menos mil metros de distância. Fez uma careta de desgosto, torcendo o rosto e franzindo o nariz, desviando do abraço apertado de Tsumiki e deixando que Megumi lide com ele. — Onde vocês estavam?! Ficamos tão preocupados! Por favor, nunca mais faça isso. — Ela pediu, olhando igualmente para ambos, nada abalado por ter sido rejeitado.
— Onde vocês estavam!? Tem ideia do quanto ficamos preocupados? Não dormimos a noite inteira! — Descendo as escadas aos pulos, Jin reclamou, o seu tom de repreensão é ofuscado pela expressão aliviada e aparência cansada. Dessa vez, Yuuji não conseguiu se livrar do abraço emocionante de reencontro (sinta a ironia, sim?) e ficou apenas petrificado quando braços fortes e quentes o envolverem, puxando-o contra o peito duro e largo, o cheiro de terra molhado após chuva enchendo o nariz (desagradável). — Não imagine o quanto fiquei preocupado! Por favor, nunca mais faça isso, por favor. — Pediu, quase desesperado, esticando um dos braços para puxar Megumi para dentro do abraço também.
Aberto demais.
— Então os dois encrenqueiros estão vivos, hein? — A voz inconfundível de Toji soou no fundo, com o tom preguiçoso e despretensioso de sempre, quase brincalhão. — Terei uma conversa séria com vocês dois, sem chances de escapatória. Filhotes não podem dormir fora sem a nossa permissão, e se acontecesse algo grave? Vocês pensaram nisso? — No entanto, apesar de falar tudo isso em um tom suave, há uma nota de advertência no final, ele é… um homem estranho. Frio e calculista, um animal de sangue frio, sem dúvidas.
— Jesus! Yuuji! Megumi! — Onde? Onde Jesus está? Yuuji teria girado a cabeça procurando-o caso Jin não estivesse quase o sufocando em um abraço de urso (nojento). Sente a mão enorme de Toji bagunçar seu cabelo (detalhe, seus dedos cobrem toda a extensão do crânio de Yuuji, e isso é um tanto assustador), bagunçando os fios amarrados em uma trança horrenda ainda mais e aumentando o frizz indesejado. O responsável pela exclamação incoerente é Choso, que primeiro tira Yuuji dos braços de Jin e apalpa todo seu corpo.
— Ei, tire suas mãos de mim! — Tentou empurrá-lo, mas apenas foi puxado para outro abraço esmagador que o tirou do chão, levando-o no ar e quase cortando seu suprimento de oxigênio no processo. O nariz errante de Choso procurou sua glândula odorífera, e nesse ponto pelo menos, conseguiu vencê-lo, cobrindo o nariz dele com a mão e o empurrando na direção contrária.
— Estou tão aliviado que estejam bem!! — Disse, com um sorriso enorme (e genuíno) cobrindo os lábios, encarando-o com lindos olhos negros brilhantes. A sete ou quatro anos atrás Yuuji teria derretido no abraço e colado nele como um coala, mas não está no passado, esse é o presente.
— Deuses… — Não viu-o chegar, só sentiu quando mãos duras e calejadas o puxaram do abraço de Choso e o mantiveram a uma distância segura. — V-você está bem? — Sukuna perguntou, com uma expressão séria, muito séria, severa e intimidante. Yuuji engoliu em seco, supondo que depois de ser devidamente examinado e comprovado que sim, está perfeitamente bem, é a hora do castigo final. Vai apanhar, certo? Talvez, ele seja gentil e bata com um cinto e não opte por socos e pontapés, esses sempre doem mais.
— Por que eu não estaria bem? — Perguntou de volta, fingindo descaso. Por dentro, na verdade, está torcendo para não apanhar sem motivos (algo muito comum com Kaori), não sente como se estivesse pisando em ovos de galinha com os outros, é apenas com Sukuna, provavelmente por causa da surra que tomou dele alguns anos atrás. Há acontecimentos que por mais tempo que façam, ou sejam perdoados, ficam gravados no subconsciente (em especial, de um ômega) e é inevitável ficar confortável na presença do tal agressor. Não, não era defensivo vinte e quatro horas com Kaori, talvez sua psique esteja com defeitos, como todo o resto, é só…. Sukuna é diferente. Ele é um alfa, assim como Mahito. Pode ser mil vezes mais cruel que Kaori.
— Graças aos deuses. — No entanto, Sukuna não o bateu, ele bufou (nenhum um pouco aborrecido) e o abraço calorosamente, confortável e delicado, nada parecido com o abraço apertado e emocional de Jin e Choso. Ele segura sua cabeça e enfia o nariz no tufo de cabelo liso e frisado, plantando um beijo na testa minutos depois. — Você… vocês, quase nos mataram de preocupação. — Disse, e Yuuji conseguiu distinguir um riso no final da fala.
Quando finalmente foi liberado dos abraços (nojentos) foi um pouco tonto, seus pés foram um pouco para frente e depois um pouco para trás, a visão um tanto turva. Toji apoiou a palma da mão entre suas omoplatas e se estabilizou novamente. Yuuji teria agradecido a qualquer outra pessoa, mas não o fez perante Toji, e muito menos a nenhum outro morador dessa casa. Obrigado.
— Acho que vocês devem ser uma grande e boa, muito boa, explicação. — Passado a comoção (ou pelo menos, parte dela) Jin performances, com uma leve carranca no rosto. Ele ajustou os óculos, respirando fundo enquanto cruza os braços. — O que fez está longe de ser certo, nós conversamos a noite procurando-os e ligando para todos os nossos conhecidos, apenas para cairmos em ouvidos surdos, ninguém sabia do paradeiro de vocês e agora, os dois mocinhos aparecem em casa pela manhã como se nada tivesse acontecido. Acho que merecemos uma explicação decente. — Terminando o discurso, cruzando os braços na altura do peito.
— Devo acrescentar que independentemente da explicação, os dois ainda estão de castigo pelos próximos quinze dias. — Toji complementou, com um sorriso de gato malicioso. Filho da puta. Yuuji adoraria quebrar esse sorriso assustador do tráfico de drogas.
—…. Hum, certo… não, podemos explicar. Na verdade, realmente podemos explicar, por favor, só… só um minuto. — Megumi pediu, tropeçando nas palavras, recebendo olhares preocupados de todos os presentes na sala. Respirou fundo, coçando a nuca.
— Onde está o vovô? — Perguntou, querendo fugir disso.
— Ele está dormindo, disse que não tinha motivos para se preocupar. — Segurou o riso diante da resposta de Tsumiki, é bem a cara do vovô fazer isso. Ele recebeu as mensagens, uma confirmação de que estava bem, e não, ele realmente não se preocupou, como afirmou que faria.
— Bem, é melhor todos sentarmos. — Antes de obrigações, Megumi sugeriu, visivelmente tentando prolongar o resultado. No meio do movimento, tentei fugir discretamente, mas Toji pareceu ler seus pensamentos e bloqueou a subida da escada, dessa vez, mantendo as pernas juntas (bem, ele aprendeu alguma coisa com a última vez). Segurando o bufado, Yuuji girou os pés e encostou-se no canto da parede, embora tenha espaço de sobra para se sentar no sofá, já teve muito contato físico com esses… alfas que poderiam servir para uma vida inteira.
Nos grandes e espaçosos sofás da sala, Jin se acomoda na ponta, Tsumiki ao seu lado e Choso no lado oposto, curvado para frente enquanto apoia os cotovelos nos joelhos. Sukuna, ficou próximo a Megumi, a menos de meio metro de distância, evitando tocá-lo (como é claro que quer fazer). Revirou os olhos para o tamanho do drama, e encostou-se preguiçosamente na parede apoiando um dos pés nela, cruzando os braços automaticamente.
— Certo, já estamos todos sentados. — Choso começou, ansioso. Bem, na verdade, Toji e Yuuji estão de pé, mas é certo afirmar que isso não conta.
— Sim, certo… hum… — Respirando fundo pela enésima vez, Megumi correu os olhos para a parte de trás do sofá que está sentada, provavelmente buscando algum apoio moral de Yuuji, que ofereceu um breve aceno de cabeça e nada mais. Lentamente, ele voltou a girar o pescoço, engolindo em seco a saliva acomulada sob a língua e começou a falar, — Eu estava voltando da aula de taekwondo, passando pelo centro comercial de Shibuya em direção à estação de metrô quando… fui abordado por três garotos…alfas. — Do fundo, veja que os ombros deles eram tremendos. Para bons entendimentos, não é realmente necessário contar o resto da história, eles são alfas, sabem o que acontece quando três alfas abordam um único ômega na rua. É de conhecimento geral as consequências que se seguem. Consequências que só afetam os ômegas, tanto físicos quanto psicologicamente. Choso e Sukuna fecharam as mãos em punhos, trincando o maxilar com a força que cerram os dentes, as veias do antebraço ficam impossivelmente proeminentes e parecem a ponto de quebrar a casa.
Pelo canto do olho, observa Toji inspirar e respirar, tentando ser mais discreto que os “filhos”, enquanto Jin, apesar da natureza agressiva dos alfas, é um dos únicos que consegue realmente manter a aparência importante, junto de Tsumiki, o que já era esperado dela.
— Eles tinham uma faca, eu… eu não pude fazer muito nesse caso. Até que o Yuuji-chan apareceu e… me salvou. — Essa narração o está personificada como um santo, (é tudo, menos um santo). Megumi solta um riso estrangulado, enxugando as lágrimas que insistem em cair, — Ele bateu nos três alfas e me libera para fora do beco, corremos pela avenida e no último minuto pegamos o trem. Mas eu… bem, não queria voltar para casa, estava me sentindo tão envergonhado e… sujo. Não sei o que teria acontecido se Yuuji-chan não tivesse me salvo e ficado do meu lado o tempo todo. — Segurou a resposta venenosa dentro da boca, odeia quando usa o sufixo “Chan” no seu nome, é muito fofo e feminino, infantil. Pouco disponível. Tira toda a sua independência e o deixa à mercê dos adultos, é horrível, e infelizmente usado para se referir a ômegas de todas as idades.
— E onde exatamente passou a noite? — E assim como suspeitou, Choso o encarou desconfiado, ele não deve ter ouvido nada do que Megumi disse sobre: “Yuuji-chan me salvou”, pelos deuses, precisa se livrar logo desses idiotas. Primeiro abraço e depois uma mordida dolorosa? Como uma víbora, que primeiro te aperta e lentamente, vai quebrando seus ossos… falsos. Todos eles.
— Em um hotel, aquele que fica atrás da padaria, na rua de cima. — Megumi explicou, agora, um pouco mais calmo. Recebendo um abraço lateral de Jin e dedos entrelaçados com Tsumiki.
— É um lugar caro, como conseguir pagar? — Ele insistiu, dessa vez, voltando os olhos para Megumi, que por sua vez, encolheu os ombros. — Algo a dizer, Yuuji? — Perguntou, seriamente, com o cenho franzido. Isso é um desafio, por acaso? Você está sendo desafiado a falar? Uma intimidação verbal? Nossa, as coisas nessa casa realmente evoluíram. Para pior.
— Tenho um cartão de crédito. — Disse simplesmente, dando de ombros sem se importar.
— Como? — Toji foi quem disse, agora, abrindo os olhos, surpreso. OK. É uma anormalidade mundial que um adolescente tenha um cartão de crédito.
— Deixo uma coroa endinheirado me comer. — Ofereceu, como quem comenta sobre a previsão do tempo, e até mesmo Tsumiki engasgou, tossindo seco. Deveria ter gravado, Junpei adoraria rir deles nesse momento. — É um bom negócio, ele me dá tudo o que eu quero. E cobre despesas externas também, ou você acha que as roupas novas do Megumi-chan saíram de graça? — Apontou para o conjunto moletom de aparência cara e confortável.
— Você tem ideia do que está falando, Yuuji? — Abriu um sorriso doce e inocente, afirmando positivamente para Jin, que está branco igual papel. — O que… que- a quanto tempo?! — Perguntou atônito, sem fato. E isso é tão engraçado.
— Temos que saber tudo sobre esse velho agora, é óbvio que ele está se aproveitando de você! — Sukuna afirmou, levantando do sofá e indo até Yuuji a passos rápidos. Sim, certo. Talvez a brincadeira esteja sendo levada a sério demais, saiu da posição relaxada que estava e ficou de ombros retos quando Sukuna chegou muito (muito mesmo) perto. Vai apanhar? — Desde quando? Kaori permitiu essa merda?! Porra, me dê um nome, e eu vou resolver isso para você. — Pediu humildemente, respirando em baforadas longas e afiadas. Bravo. E não bravo com Yuuji. Isso é…diferente do que imaginei.
- Resolver? Os lixos de ontem à noite também falaram seu nome, acho que você deveria resolver o problema com eles primeiro, antes de se importar com os meus. — Retrucou, abrindo um meio sorriso, sem mostrar os dentes. — Eles disseram Sukuna isso e Sukuna aquilo, meio óbvio que era um certo de contas. Não sei em que tipo de merda você se meteu, mas aconselho a retornar logo e até lá, não deixe Megumi ou Tsumiki saírem desacompanhados na rua, principalmente em Shibuya. — Avisou, soltando um suspiro cansado.
— Yuuji, nós somos uma família, você é nosso filhote, não apenas Megumi e Tsumiki, podemos cuidar dos três ao mesmo tempo e mantê-los seguros. Então por favor, confie e nos diga quem é o desgraçado que está se aproveitando de você. — Toji pediu gentilmente, colocando uma mão sob seu ombro e dando um leve aperto. Filhote? Seguro? Bem, se realmente fossem uma família, eles saberiam que Yuuji não precisa de nenhum velho rico para pagar a fatura do cartão de crédito (que aliás, é débito automático), porque o Kamo Yuuji é o próprio velho rico. Obrigado. Abriu um sorriso maroto, mostrando todos os dentes da boca, Sukuna arregala os olhos, visivelmente atordoado, não é natural eles receberem um sorriso de boa vontade do “Yuuji mimado”.
— Obrigado, mas não há ninguém se aproveitando de mim, okay? — Falou, enxotando a mão de Toji do seu ombro. Eles o olham incrédulos, sem acreditar no que acabou de dizer.
— Como não? Um cara paga para-… por favores sexuais com um menor de idade, como isso não é se aproveitar?! — Choso exigiu, estressado. De longe, viu Megumi respirando normalmente, sem o nervosismo de antes, e quase nada ansioso, enquanto Tsumiki dá tapinhas suaves nas suas costas e divide a atenção entre ele e Yuuji. Boa. Conseguiu dar a ele um tempo para se recompor.
— Ei, parem de cena, não estou me prostituindo realmente, não há um coroa endinheirado que valha a pena nessa cidade. — Revirou os olhos, no fundo, decepcionado com essa verdade. — Eu apenas trabalho para o tio Kenjaku na floricultura e tenho uma boa poupança, nada demais, posso mostrar minha conta bancária se quiserem ver. — E não, não vai mostrar.
— Tem certeza que é isso? — Suspirou pesadamente, deixando os ombros caírem. Jin está apreensivo, roendo as unhas das mãos, há alguns filetes de sangue aqui e ali pregados nos dedos, provavelmente resultado de uma noite inteira sendo roídas.
— Infelizmente? Sim, eu tenho certeza, Jin-san. — Confirmou, removendo o sorriso bonito de antes. — Agora, podem voltar a cercar Megumi-chan, ele é o seu filhote e quem realmente importa, sim? Ótimo! Vou subir. — Tentou passar pela fila de alfas enormes, entretanto, foi barrado rapidamente.
— Não tão rápido. — Toji o segurou pelo ombro.
— Que é agora?! — Questionou, olhando-os feio.
— … Pai, deixe-o ir. — Megumi pediu. Voltou o rosto para Toji e o encarou fixamente, o desafiando-o a mantê-lo preso aqui embaixo. Supõe-se que um ômega recessivo é fraco e submisso demais para suportar a dureza e o peso de um olhar de um alfa dominante, bem, essa suposição mostra-se totalmente equivocada quanto aplicada em Yuuji. Talvez porque tenha os recebido demais quando Mahito estava por perto, ou por lidar todos os dias com as repressões dolorosas (embora necessárias) do tio Kenjaku. Eventualmente, o rosto de Toji cedeu, desfazendo as rugas no meio das sobrancelhas e recolhendo a mão.
— Nós dois iremos conversar depois e, como prometido, quero ver sua conta bancária. — Avisou, sem deixar espaço para réplicas. Constata que não deveria ter oferecido essa opção, é muito invasiva.
— Sim, sim, sim, se você quiser fingir se importar comigo agora tudo bem, não posso realmente te impedir. — Respondeu encolhendo os ombros, arqueando as sobrancelhas e sorrindo inocentemente, sem mostrar os dentes. — Bem, agora posso subir, não posso? — Pediu, apontando para o espaço pequeno e apertado entre Toji e Sukuna.
— Pode. — Ouviu, e sem perder mais sequer um minuto, passou no aperto alegremente (uma alegria interna incapaz de ser explicada) e subiu as escadas ao pulos, de dois em dois degraus.
Fez mais do que deveria ter feito, de apoio físico e moral, até suporte emocional e financeiro. Não espera reconhecimento e agradecimentos grandiosos, na verdade, vindo de Jin e sua família, não espera nada, nada pequeno ou grande, e tudo bem com isso. No fundo, está feliz por Megumi ter escolhido ser sincero e contar a verdade do que aconteceu, e assim como chutou, Sukuna nunca poderia ficar irritado com ele, são almas gêmeas e acima de tudo, não se pode culpar uma vítima de abuso sexual por ser abusado. É um alívio que a bússola moral dos Itadori esteja funcionando corretamente neste ponto, mesmo que seja apenas para pessoas especiais como Megumi.
Subiu as escadas e foi até o quarto, pegou um par de moletons velhos e desgastados pelos longos anos de uso e foi para o banheiro. Tomou um banho preguiçoso na água fria, ignorando os calafrios e arrepios subindo pela espinha dorsal enquanto ensaboa o corpo, não há nenhuma melodia escapando dos seus lábios, mas os pensamentos altos vão de um lado para o outro tão naturalmente que qualquer melodia seria perdida caso tentasse cantá-la.
Gastou mais ou menos meia hora no banheiro, esperava alguém bater na porta e reclamar sobre a conta de água no final do mês, no entanto, pela primeira vez desde que mudou-se para esta casa, não foi incomodado no banho nenhuma vez. Já é um bom passo, supõe. Vestiu-se e saiu do banheiro, atravessando o corredor curto de volta para o quarto de Megumi, pegou o celular que deixou em cima da cama e desbloqueou, sabendo que havia mensagens de Junpei no chat.
“Bom dia, putinha.” O comprimento natural. Nada surpreendente, e ainda assim, é melhor evitar que os Itadori-Fushiguro vejam e/ou escutem algo desse tipo, eles podem se sentir ofendidos (ou fingir estarem ofendidos). “Não me surpreendeu nada ser abandonado por você ‘hoje’, já esperava por essa merda. Fique calmo, não estou com raiva.
Presumo que vai ficar na floricultura do tio Kenjaku, certo? Irei para lá depois da escola, não tenho o que fazer de qualquer maneira. E é uma ótima oportunidade para saber em DETALHES tudo o que aconteceu entre ontem e hoje.”
Terminando de ler o mini texto e revirou os olhos, Junpei é um ótimo fofoqueiro, certamente vai explicar essa situação para Nobara e Todo, e depois, os três irão se juntar e rir da desgraça de Yuuji, como sempre fazem. Bons amigos. Já disse isso antes? Sim, eles são ótimos amigos.
Por fim, ele concluiu a sequência de mensagens de texto questionadas:
“Estou curioso, o diabo realmente comeu seu rabo por ter ajudado um dos demônios dele?”
E bem, apesar da forma ilustrativa com que se refere a situação - Megumi Itadori-Fushiguro = fodido Yuuji - a pergunta levantou uma questão importante, que por sinal, preferia não pensar nela.
Nenhum dos alfas (e Tsumiki) teve bravos com Yuuji e a atitude irresponsável de passar a noite fora com Megumi após um assédio sexual, muito menos emitiram feromônios violentos e fortes em sua direção. Ao contrário. Recebeu abraços apertados (e só o próprio Yuuji sabe quanto tempo faz desde a última vez que deixou qualquer um da família de Jin abraçá-lo), tapinhas fofos na cabeça e sorriso de alívio, felicidade (por sua segurança) e olhares preocupados, na mesmas medidas que carinhosas. Essa é uma área nova na sua vida, passou sete anos morando com uma mãe negligente que nunca se importou real com aquelas noites dormia fora e jamais questionou os hematomas roxos, verdes e vermelhos cobrindo cada pedaço de pele a mostra (fora dos moletons), Acreditei (ou forçou-se a acreditar) que os Itadori-Fushiguro agiriam da mesma forma, com o pequeno diferencial que ainda estariam morrendo de preocupação com Megumi (e óbvio, deixariam-o no escanteio).
Espero. Esperou e esperou. No entanto, parece que eles têm o dom de surpreendê-lo. Não quer ficar muito parecido com um gesto tão simples quanto esse, afinal, é normal que os 'pais' se preocupem com os filhos (se ao menos Jin fosse um pai), em contrapartida, é uma das primeiras vezes que alguém que não é o Tio Kenjaku, Tia Nagi e Junpei, ou o vovô demonstram extrema preocupação com o seu bem estar.
Quer ser otimista e acreditar que eles estavam preocupados, mas a realidade não é bem assim, a comoção toda foi apenas por causa de Megumi, e se caso ele tivesse chegado em casa dentro do horário estipulado todos os alfas iriam dormir tranquilamente, sem lembrar da misera existência de Yuuji. Sempre trabalhei dessa maneira. Eles estavam sorrindo, festejando em jantares com os amigos próximos e até distantes, enquanto Yuuji era obrigado a assisti-los de um cantinho escuro e reservado, rotulado como problemático, rebelde e desobediente, um péssimo exemplo a ser seguido, quando na verdade foi escolhido por causa das dores fantasmagóricas percorrendo o corpo da foda ou surra violenta que ganhou no dia anterior (ou naquele mesmo dia).
E todas aquelas vezes que Utahime o colocou sob seus holofotes durante mais da metade do jantar, buscando ressaltar exclusivamente às aulas em que ‘acidentalmente’ Yuuji dormiu em sala, completando com um discurso sobre ômegas sem formação acadêmica e pouquíssimo valor deles na sociedade. Bem, poderia se defender. Dizer que dormiu durante as aulas ‘acidentalmente' porque passou a noite sendo fodido a seco, ou melhor, apanhando e posteriormente, remendando-se no banheiro sujo com o único suporte de um kit de primeiros socorros passado da validade.
Contudo, que diferença faria? Nenhuma.
Os Itadori-Fushiguro continuariam vivendo normalmente, felizes, enquanto Yuuji também continuaria vivendo normalmente, infeliz. E é assim que a vida funciona, a felicidade de uns pode significar a infelicidade de outros, e todos estão fadados a conviver e morrer com isso.
Pensando nisso, decidiu que qualquer que tenha sido os motivos ocultos por trás das reações inesperadas dos Itadori-Fushiguro, não está ligada a sua pessoa, Kamo Yuuji, e sim a Fushiguro Itadori Megumi. E ainda receberá a própria parte da culpa quando o ômega dominante lá embaixo receber todo cuidado e atenção que precisa.
“Ainda não enfrentei o diabo, ele estava ocupado demais cuidando do demônio ferido.” Respondeu brevemente, mastigando os lábios, indeciso sobre o que mais escrever na próxima mensagem. “Mas bem, espero que o demônio tenha lubrificante. Você sabe, meu rabo ainda é apertado.” Riu sozinho com as próprias palavras e fechou o chat, bloqueando a tela do celular logo em seguida. Junpei vai responder assim que puder, isso nem sempre significa que será dentro de segundos, e tudo bem, o próprio Yuuji demora séculos (vergonhoso) para responder mensagens de texto.
Levantou da pontinha da cama e apanhou a carteira, colocando-a dentro do bolso do moletom folgado e saiu do quarto. Ir para loja é a melhor opção (analisando as hipóteses de ficar nessa casa), a falta de sono durante a noite passada não vai incomodar, pode tomar um energético e café a tarde, é mil vezes melhor parecer um zumbir do que ficar aqui o dia inteiro - ou ser forçado a ir para escola no horário da tarde, - Não precisa disso, por favor.
Desceu as escadas suavemente dessa vez e observou que na sala não há mais tanta comoção quanto antes, Megumi não está à vista, muito menos Choso (e é uma benção divina), eles devem está na cozinha comendo um maravilhoso café da manhã (eca!!) em família. Não vai avisá-los de que está saindo ou aonde vai, acha desnecessário, e nunca precisou está dizendo a ninguém onde vai, quando vai e de que horas irá voltar, é uma prática tão chata e infantil e embora pareça amável e doce, a encara como uma forma de controle sob sua cabeça ômega. Talvez esteja sendo desconfiado demais, ou amargo demais, entretanto, acha totalmente válido o conteúdo que carrega goste os outros ou não.
No hall de entrada apertado - que toda casa japonesa tem - sentou no degrau baixo para amarrar o cadarço do tênis, ou a monstruosidade que chama de nó (vergonhoso). Ouviu passos se aproximando no corredor e apressou o que estava fazendo, desejando irracionalmente ir embora antes que inevitavelmente se encontrassem. Foi um desejo inconcebível, infelizmente, e logo escutou uma voz muito conhecida (e irritante) chamando-o enrustida no tom curioso e preocupado.
— Yuuji? Está saindo? Vai para onde a essa hora? Já perderam o horário da escola de qualquer maneira. — É irritantemente cativante a maneira como eles fingem se importar quando na verdade só estão tentando ter algum tipo de controle sobre sua vida, alfas são ótimos manipuladores, os documentários de serial Killer não mentem. Levantou, pensando seriamente em sair sem dar uma resposta, mas não quer brigar com nenhum deles no momento (na verdade, nunca quer brigar, mas as vezes é inevitável)
— Sim, estou saindo. — Esfregou a calça suavemente, alisando o tecido grosso com tapinhas curtos. Qualquer coisa para não ter que encará-lo diretamente e ser forçado a lidar com emoções que não foram provocadas por suas ações majoritariamente.
— Não acho que seja uma boa ideia, sabe… a noite de vocês foi um pouco corrida, por que não se deita e descansa um pouco? Toji-san está preparando chocolate quente cremoso, é uma das suas bebidas favoritas, certo? — Franziu o cenho, não quer abrir a boca e jogar palavras amarguradas porque vai soar como se estivesse com ciúmes, e não está com ciúmes. É só que… sente-se enjoado. Chocolate quente? É um ótimo dia para comer porcarias, o céu está um tanto nublado e o clima ameno do outono contribui com brisas gélidas e cores bonitas. No entanto, é meio óbvio que a tensão que antes preenchia a casa esvaiu-se completamente, o ar parece (literalmente) mais iluminado e quente, talvez seja os feromônios agora calmos que estejam influenciado sua percepção do ambiente. A questão é: eles estão propositalmente usando passos de bebê perto de Megumi, sendo exageradamente atenciosos e amorosos, fazendo uma bebida tradicional que remete a aconchego e conforto, e até perdendo um dia de trabalho.
Mais uma vez, não sente ciúmes, está convencido de que Megumi receba tanto apoio da família, vai amenizar todo o trauma que sofreu e colocá-lo nos trilhos mais rápido do que o previsto. Ao mesmo tempo, é praticamente impossível camuflar a mágoa presente no estômago (deveria ser no coração, não?) o sabor agridoce que toma conta da língua e as palavras venenosas que sobem pela garganta, não quer ser invejoso e tóxico, não culpa Megumi ( nunca poderia), entretanto, é doloroso vê-lo ser tão amado e protegido quando nunca recebeu tanta atenção assim. Não a atenção de uma multidão enlouquecida por músicas obscenas e danças emblemáticas, atenção de uma família preocupada, isso não estava presente quando mais precisou. O que realmente é bom, não tem certeza de como iria reagir a tantas perguntas, tantos olhos e mãos preocupadas, lágrimas e todo esse drama. E ainda assim, queria que o fundo do coração tivesse sido tratado dessa maneira quando Mahito foi embora pela manhã.
Não tinha ninguém em casa. Só o silêncio e o barulho alto das crianças brincando na rua, vivendo suas vidas normalmente, totalmente inocentes e alheias ao fato de que Yuuji tinha sido assassinado pela madrugada, e o que estava deitado na cama nojenta de lençóis sujos de sangue era apenas uma carcaça aparentemente bonita e conservado. Um ser sem vida. Naquele momento, gostaria de ter levantado e encontrado Toji (sim, poderia ser Toji, o traficante assustador, não iria reclamar) fazendo um chocolate quente na cozinha minúscula e escura da casa que cresceu. Ele não realmente realmente bateu em Mahito ou fez-lo parar a tortura (todas as noites), ganhou um abraço apertado e uma garantia de que tinha alguém para quem correr já seria o suficiente. Ninguém fez isso, no entanto, ninguém além do tio Kenjaku, Tia Nagi e Junpei. E por que agora se esforçou tanto para agradá-lo quando não foi ele a vítima do assédio? Nada disso faz sentido, sirva apenas para trazer emoções dolorosas que querem esquecer.
— Não como açúcar. — Usei a desculpa mais comum quando oferecer comidas (porcarias) deliciosas que adoraria comer até a morte mas definitivamente não pode, porque sabe, existir a maldita gordura localizada e a fita métrica do tio Kenjaku. Colocou a mão sobre a maçaneta da porta ao mesmo tempo que a mão grande de Jin se enrolou-se no seu pulso, segurando-o no lugar em um aperto firme, mas nada doloroso.
— Posso fazer um suco de fruta sem açúcar então. — Não precisa olhá-lo para saber que há grandes olhos âmbar suplicantes insistindo silenciosamente para aceitar a oferta (que só na mente dele é irresistível). — Você mesmo disse que Megumi-chan e Tsumiki-chan não deveriam sair desacompanhados nas ruas, considerando que você estava com ele quando tudo aconteceu, não acha que é perigoso sair assim também? — É uma pergunta válida. Mas Yuuji não é Megumi e Tsumiki, tem conhecidos nas ruas e honestamente? Pode se virar muito bem sozinho. Aqueles garotos irão ficar um tempo fora de cena depois que tiveram os planos frustrados.
— Eu vou ficar bem, Jin-san, apenas me solte. Não quero seu suco, nem nada, só quero ir embora. É tão difícil de entender?! — Perguntou, puxando o braço, que não escapou um centímetro sequer do aperto de Jin.
— Tudo bem. Tudo bem. — Apesar de ter dito isso, Jin não se afastou. Ele soltou um suspiro audível, e seus dedos soltaram minimamente o pulso de Yuuji. — Posso saber aonde vai, pelo menos? E claro, a hora que vai voltar? — Aproveitando-se do aperto frouxo, escapou da mão de Jin e obrigou-se a olhá-lo pelo canto do olho. Sua aparência ainda é tão miserável quanto lembra de ver quando chegou pela manhã.
— Vou à loja do tio Kenjaku, volto dentro do toque de recolher, não é como se eu tivesse muita escolha. — Resmungou, vendo Jin murchar ainda mais. É lamentável. Qual o problema agora? Espera, não quer saber, não mesmo. Já tem problemas o suficiente para uma vida toda. Respirando fundo de cansaço, abre a porta e sai, sem o infortúnio de ser novamente interrompido.
— Me ligue e eu irei buscá-lo! — O QUE?? Fez uma careta imediatamente, franzindo os lábios e sobrancelhas, olhando para Jin horrorizado.
— Não vou fazer isso! — Retrucou um pouco alto, soando como se essa fosse a coisa mais absurda que já ouviu no universo. Percebeu os dentes de Jin morderem agressivamente o lábio inferior e um filete de sangue escapar, ele foi rápido em passar a língua por cima, entretanto.
— Mas deve, não vamos confiar em nenhum dos nossos filhotes saindo na rua sozinhos até resolvermos esse caso do ataque a Megumi-chan. — Mesmo tremendo (visualmente ansioso) Jin bateu o pé no chão, firme e não abrindo espaço para discussão. Yuuji fechou os olhos, respirando fundo mais um vez, e passou a mão pela cabeça, bagunçando os fios rebeldes molhados pela água do banho.
— Olha, eu te entendo, realmente entendo. — Disse, lambendo os lábios e buscando forças do fundo da alma para simplesmente não mandar Jin ir se foder. — Mas vamos concordar, eu saia dos seus jantares em família idiotas às onze horas da noite e imagine, o último trem para o distrito de Shinjuku já tinha saído há horas atrás, vocês sabiam disso, não sabiam? Ainda assim, nunca, eu digo e repito, NUNCA se ofereceu para me levar embora. Então dê-me um motivo, apenas um único motivo, para eu aceitar ser pego na floricultura do tio Kenjaku como uma criança no jardim de infância por qualquer um de vocês? — Perguntou, agora, sem nenhum pingo de humor nas feições.
— Um motivo? Que tal o: Você sai sem que ninguém pudesse te ver? Isso é motivo suficiente, Yuuji? Posso catalogar outros, se você quiser. — É claro, Choso tinha que aparecer como um maldito demônio que é. Ele cruzou os braços na altura do peito e olhou-o de cima, com os olhos semicerrados em busca de algum movimento brusco, elevando-se sobre a altura de Jin (que não é nenhum pouco pequeno). Você deveria se sentir intimidado? Desculpe, não consegue se sentir assim.
— Talvez eu tenha saído escondido porque ao invés de me levar embora vocês me irão forçar a ficar aqui. — Rebateu no mesmo tom.
— Porque era o combinado com o juizado de menores, a guarda compartilhada funciona assim, caso você não saiba. — Segurou o rosnado no fundo da garganta, guarda compartilhada um caralho. Tinham apenas os fins de semana e mesmo assim eles decidiram fazer programas com os Fushiguro ao preferir de contatar Yuuji para saber qual era seu dia livre, e quando vinha, era obrigado a lidar com Utahime e Mai provocando-o a cada cinco segundos.
- Ah sim! Isso significa me forçar a ficar em um lugar onde não sou confortável também? Imagine que sim. — Cuspiu, alterando levemente o tom da voz.
— Desconfortável…? — Jin indagou, com a voz baixa e fraca, seus olhos opacos parecem tão dolorosos e sofridos, é quase como se estivesse encarando o próprio reflexo no espelho. Deu dois passos para trás, sentindo o coração apertar insuportável dentro da caixa torácica.
Não são olhos iguais. Os olhos de Jin ainda têm vida dentro deles, amor e calor, não são vazios e sem emoções. Definitivamente, não são nada parecidos. Ainda assim, agora eles estão tão… tristes.
— Não vou discutir com vocês, é uma perda de tempo. — Deu as costas, girando o tornozelo e descendo os pequenos degraus da entrada da casa. — O tio pode me trazer se ficar muito tarde, e vocês ficam livres para cuidar dos seus filhotes. — Informei, apressando o passo para não ser seguido e quem sabe, forçou a ficar nessa casa (não seria a primeira vez que aconteceria).
— Yuuji… espere. — Não esperou, e a julgar pela voz suave, tem certeza de que era Megumi a chamá-lo.
O que mais ele queria? Agradecê-lo novamente? Já disse que não é necessário. Tem a impressão de que receberá agradecimentos por essa merda até seus últimos dias de vida.
Revirando os olhos, trilha na direção da estação de trem e caminhou calmamente entre as ruas espaçadas, não é como se pudesse continuar correndo depois de toda prova de ontem e treino de hoje cedo. Seu coração ainda está acelerado também, a expressão acabada no rosto e emoções sofridas nos olhos de Jin afetou-o mais do que gostaria de admitir. Não é nenhuma psicopata para ficar feliz com a infelicidade dos outros, mesmo que esse seja referido outro seja um dos Itadori-Fushiguro, sua empatia é um problema sério e que se estende a todos, precisa trabalhar nesse quesito.
Enfia as mãos nos bolsos da calça moletom, encolhendo os ombros enquanto descia os degraus da estação subterrânea em pequenos pulos. A verdade é que qualquer humano de bom coração teria ficado comovido com aquela expressão facial de Jin, é apenas mais difícil para Yuuji lidar com ela porque não quer aceitar que “eles” possam ter sofrido emocionalmente todos esses últimos anos quando tinham suas almas-gêmeas apoiando-os. É aceitável e compreensivo o sofrimento de qualquer pessoa, suporta gritos histéricos e ômegas neuróticos sempre que vai ao centro de ajuda e atividade comunitária da igreja, recebe-os de bom grado e nunca fica irritado com essas emoções emocionais que geralmente fazem os adultos correrem. É doloroso ver, já esteve no lugar daquelas garotas e garotos, a diferença é que não teve coragem (e sabia o que de fato estava acontecendo) para pedir ajuda… a dor deles é compreensiva, abraçá-los e sussurrar palavras bonitas é natural, apoiá-los e passar horas conversando não o incomoda. Com Jin foi diferente, no entanto.
Nunca parou para pensar na influência que o Itadori tem sobre seus ombros, é mais do que claro a maneira como eles conseguem manipular suas emoções facilmente, seja intencionalmente ou não, e também nunca pensou sobre como o sofrimento de Jin é incômodo. Mas por que isso é incômodo, em primeiro lugar? Não quer vê-lo sofrer? Quebra a bolha em que prendeu-se esses anos que Jin e seus filhos são monstros sem coração que estão contentes em uma casa grande e aconchegante morando ao lado das únicas pessoas que amam? Considerando o quanto é detestável lidar com eles, esse sofrimento não deveria ser preocupante. Não, nenhum pouco. E ainda assim está aqui igual um bobo da corte preocupando-se inutilmente com Jin quando essa preocupação não é recíproca. Tem doutorado em ser idiota.
Esperou o trem sentado no banco duro de concreto liso, encarando os próprios pés e repassando mil vezes a cena que presenciava há poucos minutos. Nas fotos seus olhos não são tão semelhantes aos de Jin, talvez tenha tido essa impressão graças às emoções emitidas neles, nada fixo no lugar vinte quatro horas por dia. E vale ressaltar, aquelas merdas de emoções não foram ou são provocadas pelo seu comportamento considerado estupido e mimado, é tudo para Megumi, e apenas Megumi. Não vai se iludir pensando ser de alguma importância para eles, mesmo que digam que sim, não vai cair nessa. Independente disso, o desejo de coçar os próprios olhos até não sentir os pregados no rosto é insuportável. Odeia essas pequenas semelhanças com Jin ou Sukuna, tudo sobre sua aparência é uma merda, e agora até os olhos são motivos de desgosto.
Por que tinha que nascer com esse rosto, exatamente? Parecer fisicamente com Choso seria muito mais aceitável, porque significa ter traços do tio Kenjaku e isso por si só é como ganhar na loteria da felicidade. Algo inalcançável, deve ser exigido. Bufou, espantando os fios soltos que balançam na frente do seu rosto, encolhendo-se impossivelmente no banco de concreto quando uma senhora ocupa o espaço vazio do seu lado. Ela abriu um sorriso gentil que retribuiu um tanto incerto, voltando um olhar fixamente para a frente não querendo entrar em uma conversa fútil com um desconhecido.
Sob o bolso frontal da calça, sentindo o celular vibrar diversas vezes, chuta que é uma ligação da casa dos Itadori-Fushiguro então não deu-se o trabalho de pegá-lo, tio Kenjaku e Junpei ligam, as menos que seja a última opção. O que eles querem agora? Encher ainda mais o saco? Agradeceu mentalmente quando o trem finalmente chegou, pulou do banco duro quase que imediatamente e correu até o vagão que está literalmente vazio, novamente, sentando-se em um assento qualquer.
O caminho até o distrito de Shinjuku é razoavelmente longo, quase meia hora, sem contar com as paradas obrigatórias, ao todo são uma hora e vinte minutos de viagem. Gostaria de dizer que passou esse tempo apreciando a paisagem pela janela, mas seria uma grande mentira, os túneis são escuros
e sombrio, não há nada para olhar lá fora, na verdade causa um estranho sentimento de vertigem observar o trem seguir em frente, e encarar a escuridão imutável por mais de dez minutos é perturbador. E ainda assim, fez exatamente isso. Encostou a cabeça na janela de vidro reforçada e encarou a escuridão perturbadora, deixando os pensamentos vagarem para longe e consequentemente, aliviando a ansiedade agitada no estômago. Seus olhos mal piscam, estão ressecados e vão precisar comprar um colírio na farmácia, quem vê-lo de fora pode pensar facilmente que está dividindo o espaço com uma psicopata, mas ei, isso é só um adolescente depressivo com uma história de vida ainda mais depressivo. Nada que faça mal a alguém, certo?
Jin sente-se depressivo assim também? É uma boa pergunta, e essa questão ronda sua cabeça por metade da viagem… a outra metade é uma bagunça sangrenta e nojenta de lembranças dolorosas que jurou esquecer, mas elas aparentemente têm vontade própria.
Quando o trem parou na estação de Shinjuku, clamou-se preguiçosamente, finalmente sentindo as consequências de tantos exercícios físicos nas dores irritantes dos músculos das coxas e pernas. Fez uma careta de dor, caminhando por passos curtos e leves, mais duro que um robô velho. Como esperado, não importa a hora do dia, é sempre a hora do rush em Shinjuku, assim que passou pela porta do vagão, duas dúzias de pessoas entraram apressadamente, empurrando um aos outros sem a menor delicadeza. Devem estar apressados.
De qualquer forma, não prestou atenção nisso. Continuou caminhante, passou pelas catracas e subiu os degraus rumo à superfície arrastando os dedos pelo corrimão de metal. Ao chegar no topo, foi apresentado com o vento forte e frio que o fez encolher os ombros, não chegou a descida na temperatura até agora, o trecho é mais quente por está escondido dos ventos que vem do mar, além de o trem ser uma enorme caixa de metal fechada que funciona com combustão, é reveladora que lá dentro seja quente (o que é péssimo no verão). Ergueu o rosto na direção do céu, observando as nuvens escuras ilustrando a paisagem, escondendo o sol brilhante. Gosta quando o clima está assim, é de alguma forma reconfortante. Digo, esse ar pesado e tenebroso, típico velório (descrito nos livros dramáticos), sim, é meio esquisito esse gosto e no mínimo, questionável, mas é perfeito para vestir um pijama de algodão quentinho e se aconchegar em lençóis fofos enquanto assiste filmes do Harry Potter. E, ótimo para compor músicas depressivas e recheadas de angústia, deve acrescentar.
Soltando um riso nasalado com o pensamento, escondeu as mãos dentro do bolso frontal do casaco moletom e atravessou a rua, aproveitando o sinal verde. Há barracas de comida e vendedores ambulantes a cada passo em Shinjuku, é possível encontrar de tudo por aqui, produtos importados por um preço super acessível (e diz, realmente acessível!) Como os vendedores oferecem esses produtos? Bem, ninguém precisa saber. Não é importante. Se desejar comprar, apenas compre, não faça perguntas desnecessárias, eles não gostam de intrometidos.
Comprimentou os senhores e senhoras que conhece desde que se mudou para morar com Kaori há sete anos atrás, dando uma paradinha aqui e ali para trocar mais do que duas palavras (diga-se, dar uma explicação decente do porque não andou pelo bairro por quase uma semana inteira) os velhinhos podem ser curiosos e (enxeridos) quando querem. Não se incomoda mais, é divertido conversar com eles, ouvir as reclamações do absurdo e chato deve ser mudar de endereço e escola no meio do ano letivo, pega-se concordando com cada palavra dita involuntariamente.
Despediu-se deles com um abraço apertado e beijos no rosto, levando em alta atenção as queixas sobre seu peso.
— Sei que é difícil sentir fome no seu estado, mas tente fazer pelo menos duas refeições ao dia, coma muitas leguminosas e carne bovina, vai colocar um pouquinho mais de gordura em você. Olha isso, há só pele e osso, vai ficar desnutrido nesse ritmo. — Uma senhorinha da barraca de pelúcias aconselhada, pegando um de seus braços e subindo a manga longa do moletom para mostrar o pulso fino e magro, com ossos proeminentes. Seus companheiros de barraca e vizinhos concordaram com as implicações, resmungando que “Kenjaku deve prestar mais atenção em você, garoto.” Ou “O desgraçado tinha que ir embora daquele jeito” Yuuji sorri minimamente, prometendo que sim, fará duas refeições durante o dia. É uma mentira, mas tudo bem se isso os fazer se rirem.
— Ouça os mais velhos, Yuuji, você é jovem e bonito demais para viver sofrendo por algo que deu errado. — Eles referem-se ao namoro difícil e termo ainda mais difícil com Mahito, é engraçado como nenhum morador (ou trabalhador) da vizinhança gosta dele e faz questão de pintá-lo como vilão da história (o que ele realmente é). No entanto, não pode culpá-los, Mahito nunca foi alguém gentil e educado, talvez quando fosse conveniente, mas sendo sincero, quando foi conveniente a ele ser gentil com a população de Shinjuku? A resposta é: nunca.
— Eu tenho uma bebida que espanta os amores fracassados, se quiser, não precisa pagar por ela. É um presente meu para você, Yuuji. — Um velhinho sussurrou baixinho, olhando para os lados para ter certeza de que mais ninguém ouviu. — Tem feito sucesso entre os jovens adultos ultimamente. — Completou, como se para dar ênfase de que realmente funciona. — Até eu tomei, mas não acho que seja possível me livrar daquela velha agourenta. — Resmungou rabugento. Riu levemente, cobrindo a boca com a mão para não ser tão indelicado.
— O que você acha que está oferecendo álcool para menores de idade?! Ficou louco, seu velhinho sujo?!!! — A neta do senhorzinho chamou, abrindo os olhos de maneira acusatória e irritada. Pego em flagrante, o velho nem tentou disfarçar, ele abandonou as mãos em um claro sinal de descaso, e contínuo resmungando sobre:
— Ora, se o álcool fosse liberado para todas as idades, teria menos corações no mundo. — Todos sabem que o senhorzinho é um verdadeiro capitalista, ele não se importa em estar incitando o vício nada saudável de jovens adolescentes e adultos sem álcool, contanto que esteja enchendo o bolso com isso. No fundo, ele não é um homem ruim, apenas muito… ambicioso. Yuuji sabe que as respostas que procuram não estão em um copo de licor ou em uma linha fina de pó, mas admite que adoraria aliviar os pensamentos usando esse método (muito questionável), parece bastante promissor (dependendo do ponto de vista que você olha).
— Eu agradeço, mas vou passar dessa vez. Quem sabe na próxima? Estou me recuperando bem, acho que não é necessário afogar as mágoas em um copo de bebida. — Exceto que existem mágoas além das amorosas, mágoas que nada tem haver com Mahito, e ficar chapado por algumas horas não vai resolver-las. Os senhores simpáticos da ambiente não precisam saber disso, entretanto. Ofereceu um sorriso agradecido ao velho e sua neta, despedindo-se rapidamente ou tem certeza que ficará preso aqui o resto do dia.
Dois quarteirões à frente é o início de uma rua residencial e onde morou os últimos sete anos, passou por ela sentindo um peso no peito, gostaria de dizer que adoraria continuar morando lá com Kaori porque estava feliz. Mas não seria verdade. Nunca poderia dizer algo parecido. Esse bairro trás sentimentos conflituosos e em cada pequeno canto dele há uma história a ser contada. Aquele poste torto que as luzes não acenderam há mais de três anos foi a testemunha de inúmeras investigações com Mahito pela madrugada, e também, inúmeras reconciliações e beijos ásperos. Ou o muro de concreto sem pintura da casa (milenar) do senhor Woo que muitas vezes arranhou suas costas, não é culpa dele, culpe Mahito (outra vez) por empurrá-lo com mais força do que era realmente necessário. Quem segue em frente nesse bairro residencial, vai perceber que a maioria das casas está em péssimas condições e seus moradores têm condições financeiras ainda para consertá-las.
Ninguém mora aqui por gostar, eles apenas não têm opções. Como Kaori não teve opções anos atrás. É péssimo, mas compreende a atitude dela de ir embora sem pensar duas vezes quando surgiu a oportunidade, o que não pode perdoar, no entanto, é essa palhaçada de manda-lo morar com Jin quando puderam conversar e chegaram à conclusão de que ficar sob a custódia do tio Kenjaku era muito mais adequado (e lógico). Balançou a cabeça para os lados, tentando dissipar a revolta que ergue-se contra Kaori no seu interior, já nutre desgosto o suficiente por ela, não precisa de mais.
Seguiu adiante no bairro. Imaginei que no dia que fosse embora (por vontade própria) e voltasse para visitar os amigos comerciantes, já estaria livre dos sentimentos dolorosos presos no coração, mas veja bem, parece que nada saiu conforme planejado. Ainda é difícil passear por essas ruas sem ser atacado por sensações tão intensas que parecem tão reais, mas no final são apenas acontecimentos passados que de alguma forma o assombram mais do que um filme premium de terror. É como se ao dobrar de cada esquina fosse dar de frente com Mahito ou estivesse fugindo de uma Kaori bêbada e irritada. Seu coração não bate forte como batia naquela época, há somente o frio desconfortável no estômago, isso o faz perceber que a casa de Jin não é tão aterrorizante quanto morar em Shinjuku.
Quando está lá, o medo de encontrar Mahito novamente não existe, o que é confuso, porque jura que tem saudade se está longe. É tudo muito complicado de explicar, talvez, não haja uma explicação decente, nem mesmo indecente, para o caso. Não vai compartilhar isso com Junpei, será somente um motivo extra de preocupá-lo e fazê-lo apontar mais um problema psíquico a ser tratado por um profissional. Já tem uma longa lista na fila de espera. Também não é como se estar na casa dos Itadori-Fushiguro fosse sinônimo de segurança, deixou ser a muito tempo, é só que é impossível associar aquela casa cheia de alfas agressivos (que nunca emitiram nenhum feromônio erótico) ao cheiro de álcool e sexo, que remete diretamente a Kaori e Mahito.
Perdido em pensamentos, mal percebeu quando chegou a floricultura do tio Kenjaku, ficando parado na frente da porta olhando o piso laminado fixamente.
— Yuuji? — A voz profunda e máscula do tio tirou-o do transe, piscou algumas vezes antes de levantar o pescoço. — Deveria estar na escola a essa hora. — Completou, mas não há nenhuma perturbação nessas palavras. Ele está apenas declarando um fato. Sem indícios de irritação e repreensões inúteis sobre: você nunca conseguirá ser alguém se continuar agindo assim. Muito comuns dos almoços de família dos Itadori-Fushiguro, instigados por Utahime. — Você está me escutando? — Insistiu quando não recebeu uma resposta, agora, o tom é mais alto e preocupado, sua expressão continua a mesma, entretanto. Impassível.
— Estou bem… Só um pouco cansado. — Admitiu, inspirando o ar floral da loja e abrindo um pequeno sorriso arrastado. Seus dedos tremem, assim como todo o corpo, não é o vento frio que o faz ter calafrios irritantes e o deixa em estado de alerta, olhando de um lado para o outro discretamente. — Está esfriando, não? — Perguntou como quem não quer nada, batendo os pés no capacho cor preto, tentando disfarçar os tremores visíveis no espalhados pelo corpo.
— Hum, suponho que o inverno vai chegar mais cedo esse ano, ou pelo menos, é o que diz a previsão do tempo. — O tio comentou, encolhendo os ombros enquanto ignora descaradamente a ansiedade na linguagem corporal de Yuuji. Sentiu-se ser examinado da cabeça aos pés, e quando foi comprovado que não tem nenhum membro fora do lugar, o tio deu-lhe as costas, caminhando de volta para trás do balcão. — Deveria ter trazido roupas de frio, e não apenas um conjunto de moletom fino. — A crítica está aí. Sorriu, encolhendo os ombros, quando vestiu-se nem levou em consideração as nuvens pesadas no céu, nem a ventania que varre a cidade do norte ao sul. Apenas pegou as peças de roupa habituais para a época do ano sem olhá-lo duas vezes.
— Desculpe, não estou pensando nisso. — Disse a verdade, seguindo os passos do tio de perto. Olhou para trás por cima do ombro, algo o leva a acreditar que Kaori irá aparecer a qualquer momento, ou Mahito receberá carinho na merecida pausa do almoço. É apenas uma preocupação, saber que nenhum deles vai surgir magicamente na frente da porta, muito menos cruzar a entrada, mas é impossível resistir ao impulso de verificar sua própria segurança. — Se esfriar demais, posso pegar seu suéter emprestado. Não é grande coisa. — Completou tardiamente. Chegaram no fundo da loja, onde ficam o balcão de atendimento, e o tio soltou um suspiro pesado, pegando uma tesoura e indo até a área das plantas maiores que precisam ser podadas regularmente.
— E então vai me deixar com frio, é esse seu grande plano? — Perguntou, em um tom levemente indignado. Um pouco menos tenso, Yuuji soltou um riso nasalado, levantando a parte ocupada do balcão de madeira para ficar do lado correto, assumindo a posição de trabalhador ao colocar o avental de estampa amarela primaveril.
— Não dramático seja, o senhor é um alfa e alfas não morrem de frio. — Lembrou-o inutilmente, sentando no banquinho alto de madeira, enganchando as pernas no apoio do assento. — Além de que sempre tem um agasalho extra por aqui. — Apontou como um velho sábio. A loja é como uma segunda casa para o tio Kenjaku, ele passa a maior parte do dia aqui, mesmo depois de se tornar empresário do Killer Cat/Yuuji. Encontrar comida, roupas e produtos de higiene pessoal no armário dos fundos é normal. Além é claro, um fortão guardado debaixo da mesa de madeira onde toma chá da tarde. O próprio Yuuji já passou algumas noites aqui quando fugia de Kaori, e dormir cercado pelas flores foi uma boa experiência.
— Eles poderiam estar na lavanderia. — Às vezes tem a impressão de que o tio é alguém naturalmente ansioso, ele adora criar cenários inexistentes para futuros acontecimentos sob a desculpa de estar devidamente preparado caso algo dê errado. Dizer que todos os agasalhos da loja poderiam estar na lavanderia é um deles, aliás.
— Esse é o momento em que o senhor diz que não devo fazer planos confiando na sua confiabilidade? Garantias sem garantia e todas essas merdas? — Perguntou, revirando os olhos e franzindo os lábios em uma careta relaxante. O tio demorou um pouco para responder, bufando audivelmente.
— Sim, é esse momento. – Concordo. Yuuji fica calado, mas eles sabem que deixar de confiar cegamente não é algo que nunca conseguirá fazer. Está aqui é reconfortante, apesar de toda a ansiedade que o afligiu ao passear pelo bairro. Vê o rosto sério do tio, marcado pelo bigode característico e sobrancelhas impossivelmente grossas e escuras trouxe a sensação de segurança adorável que sentiu na infância, e apesar de não terem falado sobre seu sorriso tenso e corpo trêmulo, muito menos abraçado-se como costuma fazer com o vovô, ainda sentindo-se acolhido.
Esse é o tipo de relação que têm.
Não precisam de muitas palavras para se entenderem, e a mera presença do tio é algo que o acalma, sem a necessidade de toques físicos e palavras carinhosas de encorajamento. Basta a visão do bigode e sobrancelhas grossas, olhos profundamente escuros e sombrios e então, Bowm, sente-se invencível. No início era estranho, não vai mentir. Sempre foi uma criança tátil e carinhosa, suas professoras do maternal arrulhavam debilmente o quanto queriam ter um bebê tão fofo como o “Itadori-chan”, e o vovô, apesar de querer manter a pose de durão, deixava-se ser abraçado diariamente (ou todos os Itadori deixavam). Conhecer o tio Kenjaku e ter o contato físico negado logo de primeira foi… doloroso. Não entendia por que da aversão a abraços e beijos, mas respeitou o homem mesmo assim, talvez fosse algo típico da família Kamo, a própria Kaori dificilmente abraçava-o ou dava-lhe beijos. Contanto que não estivesse apanhando, não tinha do que reclamar realmente.
Dito isso, criar um vínculo com o homem estranho não foi tão difícil quanto parecia ser inicialmente. O tio tem uma linguagem do amor diferente das que conhecia, e aparentemente, semelhante ao morcegão das masmorras da saga Harry Potter (que ele nunca saiba que está sendo comprado a Snape). Ele grunhiu muito, deu respostas sarcásticas e ácidas, mas assumiu uma postura compreensiva e gentil quando necessário. Por incrível que pareça, é mais fácil para ele consolar Yuuji usando críticas duras (realistas) e maldosas do que esfregar suas costas e enxugar lágrimas (o que funciona perfeitamente com o vovô), absurdo na verdade, é Yuuji se sentir melhor ouvindo tantas palavras maldosas no pé do ouvido 24hr por dia.
Não, não tem fetiche em ser maltratado, aceita esse tipo de tratamento porque é exatamente assim que a personalidade do tio é, e mais, ele não fala tais coisas com a intenção de machucá-lo, é somente a mais pura e dolorosa verdade. Deveria agradecer por ter alguém disposto a jogar toda a merda que faz na sua cara sem medo de deixá-lo chateado ou fazê-lo chorar mais ainda, existem poucas pessoas assim no mundo.
Junpei e tia Nagi são uma delas. Eles apenas são mais cuidadosos do que o tio.
Riu levemente, repuxando o lábio de maneira quase imperceptível. Falando em tia Nagi, faz duas semanas que não vai visitá-la, está com saudades do seu cheiro mentolado e o hálito de tabaco persistente (graças ao cigarro). Ela é uma mãe perfeita, Junpei tem sorte de tê-la.
— Por que você não procura alguma coisa para fazer ao invés de ficar parado olhando o nada? — Escutou o tio perguntando, como ele sabe que Yuuji está olhando para o tempo como um bobalhão sentado por trás de mais de três estantes é um mistério. Um tanto perturbado, mas acostumado demais a esse acontecimento (nada novo) para ficar questionando-se sobre habilidades sobrenaturais (possivelmente existentes) do seu amado tio, Yuuji corrigiu a postura do ombro e apagou o sorriso idiota do rosto. — Se vai faltar a escola demonstra-se se está fazendo algo produtivo no lugar de assistir a aula. — Gemeu internamente, esse discurso é usado apenas para fazê-lo trabalhar incansavelmente por um salário meia-boca.
No entanto, não tem direito de reclamação, até porque se analisa bem a situação, o tio tem total razão. Seguindo a ordem disfarçada de conselho, pegou um paninho e os produtos de limpeza e começou a limpar as prateleiras de flores uma por uma, cantando uma melodia suave e relaxante. Além do som da sua voz, não existe nenhum outro ruído na loja, talvez a respiração do tio, ou o barulho do vento batendo contra as janelas do lado de fora, o barulho dos carros e a conversa afiada dos pedestres na rua, esses barulhos secundários não atrapalham em nada, na verdade, eles se misturam a melodia com se fizeram parte dela.
É bom. Yuuji gosta disso, uma sensação de familiaridade. Quantas vezes faltou à escola e passou a tarde ajudando na loja? Limpando, atendendo clientes exigentes, fazendo arranjos e mais arranjos para uma festa de última hora, trocando farpas com o tio, ou apenas assim, permitindo-se gastar o tempo em um silêncio confortável e acolhedor? Foram tantas vezes que perdi a conta. Isso não é terapia, mas é terapêutico, pode afirmar.
Pulou de prateleira em prateleira, às vezes precisou usar um banco para chegar ao topo deles e esticar o braço de conforto para chegar ao local desejado, o que foi um grande incômodo graças ao pontapé que levou nas costelas ontem à noite. Ignorou a dor, no entanto, e continuou com as atividades de limpeza da loja. Manter-se em movimento dissipou a ansiedade que estava prestes a ficar insuportável quando chegou aqui, ameaçando causar um escândalo vergonhoso em público e provar (mais uma vez) que deve procurar ajuda médica profissional para lidar com eles. Além disso, não se sente mais tão apavorado com o fato de ter perdido as músicas do novo álbum, nem tem fantasiado descontroladamente perder o pescoço para o tio Kenjaku muito bravo e possesso. Claro, ele ainda vai ficar irritado e querer matá-lo, mas sabe que irá chegar a um acordo. Querendo ou não, agora não há muito o que fazer, já está pedindo, roer as unhas e chorar pelos cantos não vai mudar nada, e o tio sabe disso, ele vai procurar uma saída segura para todos no barco.
E saber que tem alguém confiável para entregar as soluções da situação é tão calmante, é como se tivesse tirado uma tonelada de concreto das costas e agora pudesse finalmente respirar. Seu humor melhorou significativamente a ponto de esquecer completamente a existência dos Itadori-Fushiguro.
– Venha, venha. — E só quando ouvi a palavra comer, o humor voltou a azedar. Olhou a hora do relógio de pulso, percebendo que já passou da hora do almoço muito tempo. — O motoboy atrasou na entrega. — Como se menos seus pensamentos, o tio explicado. Yuuji tem certeza de que o estabelecimento ouvirá uma boa opinião sobre isso, mesmo que seja uma ocorrência rara.
— Não tenho fome. — Disse, encolhendo os ombros. O suspiro cansado do tio reverberou pela loja inteira, então ele deu as costas e começou a sumir no corredor, indo na direção da cozinha nos fundos.
— Ótimo. Vou fazer um chá para você, então. — Avisou, levando as marmitas para longe.
Na verdade, não é que você não esteja com fome. Seu estômago está vazio desde ontem a tarde, e já são quase catorze horas de hoje, contabilizado vinte e quatro horas, mas não é aquela fome que diz: se não comer agora vai desmaiar. É só um leve incômodo no estômago, algo que já tem o hábito que sentir, além de que não quer vomitar novamente, odeia o sabor ácido que fica na boca após o show de horrores e a melhor forma de evitá-lo é manter a barriga vazia . Uma péssima tática, sim. Mas muito eficiente.
Depois de tantos anos insistindo que comese corretamente, o tio empurrou essa discussão para o canto e se dedicou em fazer seguir uma dieta de zero calorias, o que significa: comer o mínimo para não morrer de desnutrição e manter as gorduras localizadas fora de vista . Ele não precisa fazer muito esforço, honestamente. Sim, Yuuji adora comer porcarias (qualquer pessoa adora) e troca uma salada de frutas por um pouco de sorvete facilmente, sem precisar pensar duas vezes, e aí que mora o perigo, por que se vai comer (ou quase nada) deveria comer algo saudável, certo? Certo! Mas comidas saudáveis são sem graça e por esse motivo seguir uma dieta é tão difícil.
Seria maravilhoso se pudesse almoçar sorvete todos os dias, pizzas e tortas doces no jantar, acompanhados de milk shake e refrigerantes super gelados. Sobremesas extra - hiper - super - mega - gordurosas e suculentas. Ah, desenvolveu o ar floral, sonhando acordado com um hambúrguer de três carnes do McDonald's assando na grelha. Parece que tem o dom de sonhar com coisas impossíveis e inalcançáveis. Forçando-se a voltar a dura realidade, terminou de limpar todas as prateleiras da loja e começou a varrer o chão, deixando o atendimento de alguns clientes para o tio Kenjaku lidar. Alonguou as senhoras que são clientes regulares e homem alfas que nunca tinha visto pela região antes, usando o sorriso educado e comercial que aprendeu com o tio, enquanto fingia não estar ali.
Já passando das quatro da tarde quando parou para tomar um chá quente de maracujá, tinha acabado de varrer a loja e passar um pano molhado no chão com desinfetante de fragrâncias lavanda. Preguiçosamente guardou os equipamentos e foi até os fundos, onde fica um armário de metal, fogão, uma geladeira pequena e interruptor, microondas e uma mesa retangular de quatro assentos (que atualmente existem apenas três). O bule fumegante está centralizado no meio da mesa, sob um apoio de madeira estilo rústico, acompanhado de uma cesta pequena de pães e outra de bolaschas. Franzindo o cenho para a cor feia das bolachas, foi até a pia e lavou as mãos, enxugando-a no pano de prato fofo que estava pendurado no fogão. Puxou a cadeira para o lado e se sentou, chá nas xícaras de porcelana branca com detalhes vermelhos.
Ignorando completamente o recipiente cheio de açúcar do lado, trouxe uma das xícaras para perto do rosto, permitindo que o vapor quente da água esquenta suas bochechas levemente gélidas. Às janelas e portas abertas da loja permitem a entrada da ventania que ameaça levar tudo do lado de fora, em compensação, as nuvens pesadas estão se dissipando e dando espaço para o sol distante que está quase se pondo. O cheiro delicioso de maracujá encheu a cozinha, sem dúvidas, o tio Kenjaku usou sementes e folhas de boa qualidade na hora do cozimento, aqueles sachês que vendem no mercado nunca poderiam provocar um cheiro tão natural como esse.
Soprou o conteúdo quente antes de bebericá-lo, sem nenhum apetite real por trás do ato. Adorar o cheiro da comida é diferente de querer comê-la, e fragrâncias naturais como essas são realmente calmantes.
Ficou o que deveria ter sido uns dez minutos sozinho até o tio decidir vir fazer companhia, seu chá já estava quase totalmente frio a essa altura. O que não é um problema, ele tem a língua de gato, odeia líquidos e comidas quentes, então seu café é sempre frio, enquanto o de Yuuji é forte e fervente, típico café para curar ressaca (porque mesmo sem beber uma gota de álcool , acorda com ressaca todos os dias). Sem fome, estacionado apenas no chá, dispensando as bolachas e pães frescos à sua frente, eles não têm uma cor atraente, de qualquer maneira.
— O pão não tem glúten. — E aí está a explicação para a aparência grotesca. Fez uma careta involuntária, olhando o pão como se ele fosse uma ameaça nojenta recém nascida.
— Por isso é tão feio. — Comentou, com o nariz franzido, ao que o tio respondeu arqueando uma sobrancelha.
— Não tão feio quanto você. — Rebateu, pegando um dos pães da sesta e abrindo-o no meio para passar manteiga. — E não, não tem permissão para comê-lo com manteiga. — Avisou, apontando um dedo de advertência. Sinceramente? Yuuji não teria problemas em seguir essa ordem nem se estivesse com fome, porque mesmo adicionando a manteiga, a comida continua sendo feia.
É um comedor superficial. Se a aparência estiver ruim, certamente vai deixar mais de 95% no prato.
— Vou ficar só com o chá, obrigado. — Mostrou a xícara na frente do rosto, oferecendo um sorriso torto.
— Faça como quiser. — É bom que não esteja sendo pressionado a comer, algo que sem sombras de dúvidas Jin e seus filhos fariam. Agradeceu silenciosamente, bebendo o chá desinteressado e olhando distraidamente uma mesa de madeira. A atmosfera é boa e agradável, o barulhinho do tio mastigando o pão zero glúten é semelhante ao de um esquilo gordinho no meio da floresta.
— Tio… — Chamou, ganhando a atenção parcial do homem, respirou fundo, pensando por onde deve começar exatamente. — Aconteceu algo grave ontem à noite. — Bem, considere que não apenas o incidente com Megumi foi grave, mas extremamente grave e lamentável a perda das músicas, user a palavra 'desastre' ou 'terrível' faria o tio levantar ambas as sobrancelhas e dar-lhe um pouco de atenção, ligando estas palavras a um fato dramático (muito comum de Yuuji).
— Hum… fiquei sabendo que passei a noite fora. — Ah, o quê? Como ele sabia disso? Aparentemente lendo seus pensamentos, o tio respondeu de maneira plácida: — Itadori-kun ligou na loja para saber se você estava aqui. – Certo. Devem mudar o número do telefone fixo, a última coisa que precisa é ser atormentada por Itadori-Fushiguro até aqui, seria um verdadeiro inferno.
— Certo, é quase isso. — Disse, pousando a xícara na mesa e colocando os braços na beirada da estrutura, curvando-se para frente e soltando um suspiro profundo, ciente de que está sendo lido como um livro aberto (e é exatamente isso, pelo menos para os que o conhece). — Olha, segui minha rotina normal ontem, depois da escola fui para as aulas de dança, brinquei com os meninos e estava no caminho da casa de Jin-san antes das dez horas da noite. Até aí tudo bem. — Começou, e o tio acenou, esperando a parte ruim. — Minha água acabou no meio do caminho e eu estava morrendo de sede, decidi parar para comprar uma garrafa em uma das barracas ambulantes da rua, mas um barulho incomum no beco chamou minha atenção. — Quando tudo o que ouviu foi silencioso, permitiu-se continuar. — Acabei cedendo à curiosidade e entrei no beco para saber o que de fato estava acontecendo, e bem, acabei encontrando Fushiguro Itadori Megumi sendo quase estuprado por três alfas. — Como se não fosse claro, mostrei três dedos nas mãos.
— Ah… que estranho. — Essa foi a ocorrência do tio, ele abriu os lábios, olhando Yuuji com o cenho franzido, e então trouxe uma mão ao queixo, parecendo pensar em algo. — Tenho certeza de que Fushiguro-kun matriculou os filhos ômegas na academia de taekwondo quando eles tinham cinco anos. É esperado que saibam se defender em uma situação como essa, sem a necessidade de inferências internas. Você não acha? — Questionou seriamente, fitando Yuuji fixamente com seus olhos negros profundos. É como se ele estivesse dizendo: “você não precisa tê-lo ajudado”, porque é óbvio que o tio já deduziu o resto da história. Uma repreensão silenciosa.
— Tio, desculpe isso dizer, mas o senhor não é um ômega, e não sabe como é apavorante ser assediado por alfas, ainda mais três deles de uma única vez. — Repreendeu-o severamente, com uma carranca no rosto. — Megumi e Tsumiki foram superprotegidos a vida inteira, eles provavelmente nunca foram encoxados no metrô lotado, isso é, se já pegaram um metrô na vida. Falando desse jeito, faz parecer que ele deixou que aqueles alfas tocassem nele porque simplesmente quis, quando o garoto estava realmente apavorado e simplesmente travou. — Encolheu os ombros, e o tio bufou, um tanto irritado.
— Sim, me perdoe, talvez eu tenha me expressado mal. — Pediu humildemente, mas não há nenhum sinal de arrependimento nos seus olhos. Yuuji não esperou que houvesse, o tio sempre foi incrivelmente… insensível a situações que não lhe dizem respeito, ou melhor, a pessoas que não fazem parte do seu ciclo diário e interesse particular. — O que eu quis dizer foi: Você se meteu em uma briga inútil que claramente não precisava, aquele garoto poderia ter se defendido sozinho. Você faz isso sozinho, não faz? Não vejo diferença entre os dois. — A explicação na mudou o ponto de vista, só o deixou ainda mais explícito.
— Não pode comparar nós dois, é uma comparação injusta. — Pontuou imediatamente. — Eu cresci nas ruas de Shinjuku, assédio e abusos não são novidade para mim, o senhor sabe. Mas enquanto a Megumi? Ele é um garoto de condomínio, um bairro residencial caro e vizinho de famílias antigas e tradicionais. — Independente do que diga, a opinião do tio não vai mudar, então avançou adiante na narração da história. — Retomando, ajudei-o a fugir dos criminosos, trocamos alguns socos e pontas, nada sério e no meio da fuga… bem, minha mochila foi meio rasgada? Sim. Exatamente, isso mesmo. Acabei perdendo meu caderno de composições… com todas as músicas do novo álbum dentro. — Por alguns minutos, senti que todo o oxigênio na sala estava sendo drenado e as pontas dos dedos estavam a ponto de ficarem azuis. É uma sensação estranha. O frio desconfortável na barriga cutucou desconfortável as cavidades estomacais, rolando e rolando incontrolavelmente. Falar foi mais fácil do que pensei, o que vem a seguir é o que realmente o preocupa agora. — Eu.-... — O tio levanta uma mão, interrompendo-o.
— Está me dizendo que perdeu as músicas do novo álbum, todas elas. É isso? — Acenou lentamente, observando a respiração do tio subir e descer mais rápido que o habitual. — E que o motivo para ter pedido as músicas de um projeto importante é nada mais nada menos do que sua incapacidade de cuidar da própria vida? — Bem, quando colocado dessa forma, dá a impressão de que é um fofoqueiro que caiu em maus lençóis. O que definitivamente não foi o caso. — Quantas vezes eu preciso dizer que você não é um herói?! Serviços comunitários? Eu aceito. Apoio a ômegas abandonadas? Tudo bem, nada demais. Entretanto, quando sua própria segurança é colocada em risco por um ômega! Um único ômega, é outro assunto. A briga não era sua, o problema não era seu, sua obrigação em uma situação como essa é ligar para a polícia ou chamar um adulto responsável para resolver o caso, VOCÊ, uma criança não mete o nariz onde NÃO é chamado. — O tio cuspiu, segurando-se para manter a voz baixa e respeitosa, embora esteja espalhando veneno para todos os lados.
— Mas se eu fosse ligar para a polícia ou chamar um adulto responsável, o pior teria acontecido com Megumi… — Tentou defender-se. Empinando o nariz fino e reto, o tio olhou de cima com olhos semicerrados.
— Seria problema dele e não seu. — Disse simplesmente, como se fosse aceitável saber que uma criança está sendo abusada e manter-se negligente quando obviamente pode fazer algo a respeito. — Ele estaria sendo abusado, não você. O trauma seria dele e dos Itadori-Fushiguro, não seu. E imagine, você não teria perdido nenhuma música, muito menos se metido em problemas. — Exalou sarcasmo no fim da frase, repuxando os lábios em um sorriso sem humor.
— … eu .- — Calou-se quando o tio tornou a falar.
— Valeu realmente a pena ter sacrificado seu trabalho de meses por um garoto que nem conhece realmente? — Engoliu em seco, franzindo tanto a testa que as sobrancelhas estão quase se tocando. — Qual benefício isso te trouxe, hein? Eu digo, nada. Você não ganhou nada com isso, apenas um hematoma escondido debaixo das roupas que ninguém vai cuidar, se você mesmo não fizer isso. Yuuji, o mundo é cruel e quanto mais rápido você aprender isso, melhor será. Diga-me, por que ninguém da vizinhança tentou parar o que estava acontecendo entre você e Mahito? — Perguntou amargamente, e não esperou nenhuma resposta, ele mesmo respondeu. — Porque não era da conta delas. Era a Sua vida, e você deveria ter resolvido sozinho. As pessoas não querem se envolver no problema dos outros porque já tem problemas demais, você tem problemas demais e olhe, eles só estão crescendo. — Pontuou, visualmente estressado.
— Ei, não fale com ele assim. — Sentiu-se aliviado ao ouvir a voz de Junpei, na mesma medida que apavorado, esses dois não precisam de mais discussões.
— Jun..- — Tentou.
— Você sabe o que ele fez, pelo menos, Yoshino? — Zombando, Junpei encolheu os ombros.
— Claro que sei, sou o melhor amigo dele. — Garantiu, revirando os olhos. — E estou orgulhoso por tal atitude, assim como o senhor deveria estar. — Isso foi dito por pura provocação, eles sabem que o tio jamais aprovaria o que fez.
— Sim, porque se colocar em perigo é uma atitude admirável. — Encolheu-se um pouco, sentindo-se mal. Por mais que odeie admitir, o tio Kenjaku tem razão, a possibilidade da abordagem que usou dá errado eram maiores do que as possibilidades de darem certo, e caso o plano fosse por água abaixo, ou os alfas não agissem na maneira que imaginou, teria sido uma vítima junto de Megumi e ao invés de ajudar teria atrapalhado. — Principalmente para uma estrela pop, os jornais iriam adorar estampar o rosto do Killer Cat acabado nas capas e revistas mais famosas do mundo. — Zombou cruelmente, cruzando os braços sobre o peito largo.
— Pelo deuses! — Junpei exclamou indignado. — Ele usa máscara, ou você esqueceu? — Questionou agressivamente. — Por causa de pessoas covardes como você, crianças como Yuuji sofrem todos os dias no mundo. — Oh… não esperava por isso.
— O que disse? — Lentamente, as palavras saíram lentamente da boca do tio Kenjaku. Seus olhos estreitos estreitaram-se mais ainda, e o cheiro acre de raiva começou a tomar conta da pequena sala. Junpei, entretanto, totalmente inconsciente do perigo iminente, continuou falando.
— Isso mesmo que você ouviu. — Afirmou, corajosamente. — Por que não interviu no relacionamento abusivo de Yuuji e Mahito? Por que não era da sua conta, é isso? Mas veja bem, Yuuji é seu sobrinho, ele ainda não é da SUA conta?! Covardes como você fazem o mundo ser a merda que ele é, e pessoas corajosas como Yuuji são as únicas que ainda mantém um pouco de ordem. Você conseguiria dormir tranquilamente sabendo uma criança da idade do seu amado sobrinho estava sendo abusada naquele exato momento e você, com toda sua autoridade alfa dominante não fez nada por puro e simples caprichoso? Pois então, Tio Kenjaku, você é um monstro sem coração. Exatamente aquilo que os vizinhos dizem ser. — Na velocidade da luz, o tio levantou e cruzou o espaço entre ele e Junpei, colocando-se frente a frente com o adolescente. Piscando atordoado, Yuuji correu também, tomando o pequeno e aperto cúbico de menos de meio metro que separa esses dois de se tocarem.
— O que? Ser chamado de covarde te irrita? Então não seja um. É simples, tio. — Fechou os olhos, pensando em como fazer Junpei calar a boca.
— Covarde? Nós realmente estamos falando de covardia aqui, Yoshino Junpei? Não me culpe por uma fatalidade, ninguém sabia das merdas que estavam acontecendo naquela época. — O tio o repreendeu, bravo. — Se quer me culpar, vá em frente e assuma sua parcela também, todos nós fomos negligentes. — acusou friamente.
— Ei, nós não queremos realmente falar disso agora. — Pediu, fechando os olhos. Essa é uma discussão velha, odeia revivê-la. — Vamos nos acalmar, está tudo bem agora. — Tentou, oferecendo um sorriso pequeno para o tio Kenjaku, que bufou, afastando-se aos poucos. Bom. Muito bom.
— Tudo bem? Nós perdemos o trabalho de meses, Yuuji, por causa do seu complexo de herói, não vejo onde está tudo bem. — Remexeu-se de um pé para o outro, sorrindo sem graça.
— Sinto muito. — Disse simplesmente, (no fundo, não está arrependido).
— Complexo de herói? — Junpei perguntou, usando um tom sarcástico. — É uma forma muito pejorativa de se referir a um cidadão solidário e ser humano empático, o que, aliás, é totalmente o contrário de você. — Sorriu docilmente (falso). — E Yuuji, querido, não se sinta culpado por nada, você fez exatamente o que tinha de fazer. Estou orgulhoso de ser seu melhor amigo e irmão, verdadeiramente, você é incrível e eu te amo. — Essa declaração deveria tê-lo deixado emocionado, mas diante do clima em que estão, só consegue dar um pequeno sorriso tímido. Seu melhor amigo não se importa, ele abre um sorriso enorme e cutuca-o na bochecha, dando um beijinho no topo da sua testa. Enquanto isso, o tio Kenjaku revira os olhos.
— Como melhor amigo dele, você não deveria encorajar esse tipo de comportamento. — E essa foi a vez de Junpei revirar os olhos.
— Desculpe, acho que não sou covarde como você, tio. — Respirou fundo, balançando a cabeça para os lados. Agora, Junpei só está fazendo o possível para irritar o tio e quem sabe, provocar outra discussão inútil. — E você não parece preocupado com as músicas perdidas, por que ensinar o Yuuji a ser covarde é de maior importância. — Ganhou um olhar exasperado.
— É claro que estou preocupado com as músicas, temos prazos a cumprir e um contrato com a gravadora de Ijichi-san. Mas a segurança de Yuuji vem em primeiro lugar, sem ele não há músicas, e sem músicas não existe o Killer cat. Podemos elaborar um plano a partir de agora, vai ser exaustivo, mas também serve para que pensem melhor nas consequências dos seus atos. — Ele terminou em um grunhindo. Fechando os olhos e os apertando fortemente, como se estivesse lidando com uma grande dor de cabeça. — Não se meter nos problemas alheios, mesmo aqueles que inicialmente parecem inofensivos, só trazem prejuízos. Preservar a si mesmo não é ser covarde, é ter amor próprio, Yoshino. Assim como a racionalidade é diferente de impulsos repentinos, que podem ou não, levá-lo à morte nos piores casos. — Morte? Tanto Yuuji quanto Junpei olharam para o tio Kenjaku com olhos de peixe morto, não acreditando que ele realmente usou a palavra ‘morte’ para algo tão idiota.
— É sério isso? — Perguntaram em uníssono.
— Eu desisto de vocês. — Ele resmungou, bufando audivelmente.
— Nesse caso, oferece-lhe meus mais sinceros agradecimentos. — Riu do descaramento de Junpei, cobrindo a boca com a mão para disfarçar. — Agora, quero saber em detalhes o que aconteceu ontem, conte-me tudo. — Exigiu logo em seguida, ignorando os olhos perfurantes do tio e sentando-se em uma das cadeiras. — Ah, quase ia esquecendo, Tabeck está te seguindo no Instagram e twitter. As gêmeas do Gojo não pararam de falar nisso a manhã toda. — Piscou alguns minutos, desligado no assunto atual. Tabeck? Ele quer dizer Naoya Zennin? O rapper japonês - americano maconheiro?
— Hum… fiz uma postagem sobre eles essa semana. — Comentou encolhendo os ombros, apenas achou-o bonito e muito, muito gostoso. Nada demais. Junpei sorriu, aquele sorriso de criança bagunceira que acabou de fazer uma grande travessura.
— Bem, tecnicamente você disse que adoraria foder com ele. — Da outra ponta da mesa, o tio engasgou com a própria saliva.
— O que???! — Ele perguntou entre a tosse.
— Isso não é verdade, eu disse que ele era um ótimo abridor de pernas. — Rebateu, mostrando um dedo.
— Sim, sim, isso não significa que você adoraria abrir suas pernas para ele, hein? — Junpei provocou, olhando-o de baixo como quem diz: eu te conheço, vadia. — E nossa, esses pães parecem bebês alienígenas. — Acrescentou, apontando para a sesta de pães horríveis. Suspirando, Yuuji sentou-se em uma das cadeiras também. Esse último comentário de Junpei só comprova o porquê são tão bons amigos. Seus cérebros funcionam quase igual.
— Eles não tem glúten, são totalmente saudáveis. — O tio disse, voltando ao seu personagem impassível.
— Sabe o que mais é saudável? — Ambos olharam para junpei, esperando a resposta. — Fazer sexo. — Por que exatamente ainda levam a sério as perguntas dele?
— Algo que você desconhece. — Falou, sem humor.
— Minha hora ainda vai chegar. — Defendeu-se, sem demonstrar nenhum pingo de indignação.
— Nós precisamos trabalhar. — O tio lembrou, — E trabalhar muito. — Completou, em um tom sombrio.
Hum, ele tem razão.
Vai deixar para de se sentir mau com as palavras que escutou quando estiver sozinho, não eram tão horríveis assim, de qualquer maneira. Como sempre, o tio só é preocupado demais, e insensível demais para se importar com o que acontece no mundo.
— Não acho que temos que trabalhar muito. — Virou o pescoço para Junpei, esperando-o prosseguir. — Vamos continuar com as mesmas datas, nada vai mudar, sem contratações externas, nossa equipe está indo bem até agora…- — Balançando a cabeça para os lados, o tio Kenjaku lembrou que:
— Se quisermos manter as datas, teremos que recorrer a contratações externas. Não há maneira nenhuma de Yuuji fazer novas músicas de um álbum inteiro em menos de um ano. Devemos procurar um compositor freelance ou contratar alguns da América, tenho o contatos deles e posso garantir que estão ansiosos para trabalharem conosco. — Concluiu, se Yuuji estivesse sozinho, talvez abaixasse a cabeça e pedisse um ou dois dias para dar uma resposta. Mas esse não é o caso, felizmente. Junpei, lançando um olhar de soslaio para Yuuji, encostou-se na cadeira e cruzou os braços, batendo com o dedo indicador no próprio braço enquanto pensa seriamente no que acabou de ouvir.
— Como criador do Killer Cat, digo que comprar músicas externas não representam o personagem. Como um compositor saberia das minhas emoções? As músicas seriam razas e na melhor das hipóteses, teríamos um baixo rendimento neste álbum. — Implicou, deixando claro (mais uma vez) que odeia a ideia de comprar letras e músicas.
— Mas fazendo isso dariamos mais tempo a você, não é mesmo? — O tio levantou a questão do ‘tempo livre’, algo praticamente inexistente na sua rotina.
— E ainda teríamos músicas cujo Yuuji não se identifica. — Acenou, concordando com Junpei. — Meu plano continua sendo o mesmo, manteremos as datas e compromissos, seguimos como se nada tivesse acontecido. Sem contratações externas, se isso significar menos tempo, não tem problema, estamos todos no mesmo barco. Também não iremos perturbar Ijichi-san com nada, ele ficará sabendo quando for realmente necessário. Yuuji é o artista aqui, nós não estamos promovendo um pássaro preso em uma gaiola, ele deve tomar as decisões finais. Você não concorda, tio? — Concluiu, encarando o tio com cinismo na voz e uma dureza incomum nos olhos escuros.
— Concordo que as decisões dele nem sempre são as melhores. — Sem dá para trás, o tio respondeu.
— E é exatamente para isso que estamos aqui, para lidar com as consequências das decisões ruins. Somos apenas atores coadjuvantes, a atração principal é o Yuuji, ninguém mais. — Eles se encaram por longos minutos, travando uma guerra silenciosa e aquele que desviar os olhos primeiro é o perdedor. Junpei, apesar de ser um beta (a classe que todos dizem ser a mediadora,e dificilmente podem lidar com a pressão de um alfa) não cedeu a posição que tomou. Ignorando completamente os avisos implícitos para recuar.
É assim que funciona quando lidam com alfas.
Está certo ou errado não importa, você deve dá uma passo para trás se um alfa dominante dizer que você tem que move-se.
— Para a atração principal se manter brilhante no palco, os atores coadjuvantes precisam fazer bem o trabalho que cabe a eles. — Depois de longos minutos, o tio tornou a falar, ainda mantendo o contato visual. Junpei abriu um sorriso compassivo e estranhamente orgulhoso.
— Sim, mas talvez você esteja esquecendo de uma coisa, tio. — Inclinando-se minimamente para frente, completou: — Os coadjuvantes confiantes e acreditam impossivelmente no potencial da estrela principal, caso o contrário não estariam ali, ou melhor, não iriam merecer estar. Eu apoio às decisões de Yuuji porque acredito que ele é incrível, se você não pensa assim, sinta-se a vontade de pular fora do barco, ele não precisa de pessoas que o julguem ser incapacitado. — E dizer isso foi como se tivesse dado uma bofetada no rosto do tio. Ele desviou os olhos primeiro, quebrando o tabu da sociedade acostumada em dizer que em uma batalha (de qualquer tipo que seja) entre um beta e um alfa dominante, ou ômega dominante, o beta sempre seria o perdedor. Bem, Junpei acabou de mostrar que tudo é possível, e Yuuji sente-se tão orgulhoso e feliz por ele que abre um sorriso enorme, pulando para abraçá-lo carinhosamente. Envergonhado, o tio está envergonhado pela primeira vez desde que o conhece, ele fecha os olhos e respira fundo.
— Obrigado por acreditar em mim, irmão. — E esse é o seu verdadeiro irmão, não aqueles alfas dominantes selvagens que mal sabem qual é a sua cor favorita. Junpei sorriu docilmente, esfregando seus narizes juntos e o apertando no abraço.
— Não julgo Yuuji de invalidez, apenas… quero o melhor para ele, peço desculpas se os fiz entender mal meu ponto de vista. — Agora, com um olhar mais suave e o clima regulado, Junpei acenou compreensivamente.
— Eu entendo. Estamos em uma indústria cruel, os críticos não irão poupar esforços para nos ver cair, e claro, comemorar nossa derrota. — Comentou, ainda abraçado a Yuuji. — E você, tio Kenjaku, quer continuar ensinando o Yuuji a andar de bicicleta quando ele visivelmente já sabe se equilibrar em cima de duas rodas sozinho. Você quer continuar sendo o equipamento de proteção quando ele não precisa disso. Às vezes, precisamos soltá-lo e deixá-lo experimentar a liberdade, precisamos deixá-lo pedalar até estar a quilômetros de distância de nós, e se ele cair e se machucar, vai ficar tudo bem. Ele pode levantar e pegar uma bicicleta, subir nela e quem sabe, voltar para nós. Estaremos esperando em um ponto de apoio, pronto para consertá-lo e empurrá-lo de volta. Como coadjuvantes, esse é o nosso papel. — Metáforas e mais metáforas, Yuuji um pouco o que entende, mas dessa vez foi simples e intuitivo. Sorriu, com lágrimas presas nos olhos, admite que é assustador caminhar sozinho, mas quando olha para o lado e encontra quatro pares de olhos escuros apoiando-o, ganha coragem o suficiente para enfrentar o mundo.
— Eu entendo. — O tio aceita, verdadeiramente arrependido.
— Bom, então pare de ser um covarde e seja como um alfa da sua idade. — Riu, e o tio respirou profundamente, provavelmente se questionou se realmente não pode assassinar um adolescente infeliz e continuar vivendo normalmente.
É bom que as coisas tenham passado bem, acho que estaria internado no hospital caso o final da situação fosse diferente desse.
•••
Tudo o que eu fiz para tentar desfazer isso
Toda a minha dor e todas as suas desculpas
Eu era criança, mas eu não era cego
(Alguém que você ama não faria isso)
Todo o meu passado, eu tentei apagá-lo
Mas agora vejo, será que eu conseguiria mudá-lo?
Podemos até compartilhar um rosto e um sobrenome, mas
(Nós não somos iguais, iguais)
Conan Gray - linhagem familiar
Notes:
Tive certa dificuldade em encontrar um música adequada para o capítulo, então acabei usando uma das sugestões dos comentários.
Caso vocês tenham indicações musicais, deixem aqui em baixo, prometo que estarei olhando todas elas!!
Espero que tenham gostado do cap, beijosssss da Tatá e Tsuki, até o próximo!! (*^3^)/~♡
Chapter 8: Capítulo 6: The Heart Wants What It Wants
Notes:
Ei galera!!
Como vocês estão? Bem? Espero que sim.Quero avisar desde agora que este capítulo pode gerar gatilhos em algumas pessoas justamente pelos temas abordados no discurso.
NADA AQUI É ROMANTIZADO!
Que fique bem claro.
Nós estamos explorando os sentimentos confusos de uma pessoa presa ao passado, e principalmente, vítima de abusos psicológicos e físicos. Caso seja sensível a esse tema, peço que pule para o próximo.
PRESERVE SUA SAÚDE MENTAL.
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Chapter Text
CAPÍTULO 6
Você me fez beber alguma coisa
Eu não posso comparar com nada
Eu já conheci, espero
Que depois dessa febre eu sobrevivi
Eu sei que estou louco um pouco
Estressado, um pouco nebuloso
Entregue o coração, estou rezando
Que eu vou sair vivo
A cama está esfriando e você não está aqui
O futuro que temos é tão certo
Mas eu não estou vivo até você ligar
E eu apostarei as probabilidades contra tudo
Guarde seu conselho porque não ouvirei
Você pode estar certo, mas eu não me importo
Há um milhão de razões pelas quais eu deveria desistir de você
Mas o coração quer o que quer
O coração quer o que quer - Selena Gomez
Do lado de fora está frio, brisa gélida se infiltra pelas janelas ainda abertas da loja e causa arrepios involuntários nas partes descobertas pelo moletom, os antebraços e a barra da calça em especial, acabou molhando-as enquanto limpava o chão a tarde, e por tratar -se de um tecido grosso e pesado, não secou nada. Está começando a se arrepender de não ter trazido um agasalho extra, ou reposto roupas limpas no armário do fundo da loja, nesse ritmo terá sorte se não contrair uma gripe ou pneumonia (ok, não é para tanto, mas quem sabe, não é mesmo ?). O tio decidiu-se a abrir a mão da jaqueta de couro preta (e caiu aos pedaços) feita na época em que o vovô brincava no quintal de casa, e honestamente? Tudo bem, é melhor não ser visto usando aquele atentado terrorista contra o mundo da moda. Então é obrigado lidar com o frio irritante causado pelo vento forte que varre a rua indelicadamente, poderia ter aceitado o suéter de tricô que Junpei ofereceu, ou melhor, ter simplesmente seguido-o para casa e agora estaria comendo uma sopa de legumes deliciosa e não passando frio enquanto faz um buquê de flores ridículo encomendado de última hora.
Como dizem: quem não sabe viver, sabe sofrer (e como sabe sofrer hein), tio tem total razão quando diz que faz péssimas escolhas, ficar na loja por exemplo, é uma delas. Embora, caso tivesse ido com Junpei, a última coisa que estaria fazendo agora seria comendo sopa de legumes quentinha, sim, o sabor é divinamente saboroso e picante (abençoe a pimenta) mas não sente fome. O chá que tomou a tarde, minutos antes de conversa pesada com tio e posteriormente Junpei, supriu sua necessidade nutritiva pelo resto do dia, aliás, teria vomitado durante a confusão se o estômago estivesse cheio. E conhecendo a tia Nagi, ela o forçaria a comer pelo menos dez colheres de sopa antes de dizer que está satisfeito e empurra uma tigela para longe. Parando para pensar melhor nesse caso, ter ido ou ficar não faz muita diferença, de um lado está morrendo de frio enquanto trabalha fora do horário de atendimento e pular para a próxima opção, estará na frente de dois grandes lobos das montanhas do Canadá olhando- o ameaçadoramente, ameaçando-o ignorar a comida e levar uma patada no meio da cara. Nenhuma das opções é atraente, e ficar na casa de Jin o dia inteiro (já que faltou a escola) é absolutamente fora de cogitação.
Pelo menos já está acabando com a buquê e assim que o tal cliente receberá o pagamento e fechará as portas da loja, sem mais vendas e trabalhos por hoje, obrigado. Perdeu os treinos de hoje por causa desse desconforto, o tio, aparentemente não estava sentindo-se muito bem (provavelmente, ficou reflexivo depois de ouvir as palavras de Junpei) e disse que iria embora mais cedo hoje, deixando sobre os ombros de Yuuji a responsabilidade de fechar a loja. Não é nada demais, já fez isso muitas vezes antes, e o movimento está tranquilo hoje, costuma encher apenas nas sextas-feiras e finais de semana, nesses casos, se o tio precisar sair, Junpei vem ajudá-lo ou os garotos da vizinhança dão uma mãozinha. Hoje só está sendo triste porque perdeu os treinos de dança, apesar de ter geleias no lugar das pernas e braços doloridos (claro, não pode esquecer das costelas machucadas), realmente gostaria de ter comparado ao salão. Contando que amanhã também não irá treinar também, é uma grande perda, é bom que o instrutor treine viajando essa semana ou escutaria boas repreensões por faltar duas vezes seguidas.
Não se importa em ser repreendido por faltar na escola, mas ser repreendido por faltar nos treinos de pole dance? É uma verdadeira lástima! Nem as humilhações de Utahime incomodaram tanto quanto o instrutor dando-lhe uma lição de moral sobre responsabilidade e esforço, crescimento pessoal e 'você pensa que está fazendo isso por alguém senão por você mesmo?!', o fato dele falar baixo isso e apenas para os dois ouvirem, mantendo-se longe de olhares curiosos, deixa tudo muito mais vergonhoso. Os outros não escutam o que está sendo falado, mas sabem que é uma repreensão. Em contrapartida, ouvir Utahime e Mai provocando-o e tentando envergonhá-lo nos almoços da família Itadori-Fushiguro, onde todos aqueles amigos estranhos deles estão sentados à mesa, nunca o incomodou realmente, nem seus olhares de lado intimidante. Talvez o instrutor não esteja tão errado em dizer que é uma putinha sem vergonha…
Com um sorriso carinhoso nos lábios, terminou de amarrar as flores em um arranjo horroroso, porque foi exatamente assim que o cliente pediu que fosse, e pegou o plástico vermelho cereja para cobri-lo. Impressionantemente, ser xingado pelo instrutor não é nada ruim, e ser chamado de vadia ou putinha é um termo amável no meio em que cresceram e vivem, o próprio Junpei simplesmente chama-o pelo nome, está sempre usando esses apelidos pejorativos e aos olhos alheios nada respeitável. Caso ousem se referir a Megumi e Tsumiki assim, recebendo representações severas de Jin, e olhares fumegantes de Toji. E é por esse motivo que não se misturam, eles são de mundos diferentes, têm visões diferentes e costumes diferentes, por mais que tente procurar, não encontra nada em comum com eles e consequentemente, um meio que os torna menos inacessíveis. Balançou a cabeça para espantar qualquer pensamento referente a Itadori-Fushiguro e focou em terminar o arranjo, ajustando o laço grande e chamativo no centro das pressas.
Ficou com pequenos furos nos dedos graças aos espinhos que as flores escolhidas tem, precisou raspá-los para que não machuquem o comprador e possivelmente, a pessoa apresentada. Respingos de sangue sujam as mãos por toda a extensão, vai precisar lavá-las com soro e cobrir os furos mais severos, anos de experiência na jardinagem nunca o prepararam para lidar com espinhos, o tio diz que é muito desajeitado para se depois dos mínimos detalhes (o que não é uma mentira), mas ele poderia se menos maldoso ao falar isso. Muito habituado a sentir-se dor para se importar, alguém satisfeito olhando para o buquê pronto (e enorme) que descansa em cima do balcão de madeira, está longe de ser o arranjo mais bonito que já fez, mas isso é culpa do cliente maluco que escolheu cores estranhas e espécies de flores totalmente fora do comum (e que não combinam em nada uma com a outra), o que levou-o a fazer isso? Não sabe, vai que ele é simplesmente louco? É uma resposta mais plausível no momento.
De qualquer forma, não está aqui para julgar os gostos dos clientes, pelas mais estranhas que são, e sim fazer o serviço solicitado e ser pago por ele. Nada a mais, nada a menos. Pegou o procedimento cuidadosamente entre as mãos e o colocou na estante de espera, preparando-se para limpar a bagunça que fez antes de ir embora, é melhor não pensar no que o tio fará se chegar aqui amanhã e encontrar tanta sujeira. Juntou as folhasgens e espinhos cortados até a ponta da mesa, despejando-as dentro do saco de lixo. Recolheu as fitas e guardou-as no lugar correto, assim como as tesouras e navalhas, organize a mesa é rápida e simples, logo está varrendo o chão e murmurando palavras incoerentes para os próprios ouvidos escutarem. O vento do lado de fora ganha força, anunciando a chegada iminente de uma tempestade, pegar o ônibus para voltar a casa de Jin não parece ser a escolha mais inteligente a essa altura, é um transporte mais rápido que o trem, e menos seguro ( principalmente no clima de hoje), além de está sempre lotado (pior que o trem). Vai chegar muito tarde, talvez até depois do toque de instalar, mas pegar o metrô significa que não se molhará ainda mais na chuva que em breve entrega.
Terminou de limpar a loja e borrifou desinfetante por toda a parte, sem mais nada para fazer senão esperar pelo comprador que fez a encomenda e está mais do que atrasado, enviado no banco de madeira alto do balcão de atendimento e pegou o celular, abrindo o Instagram e de fato vendo a notificação de que Tabeck - Naoya Zennin - passou a segui-lo. Não sabe o que pensar sobre isso, tipo, sim o acha bonito e delicioso, mas aquilo foi uma piada engraçada (e safada) todos riram e pularam para a próxima, ninguém deu mais atenção que o necessário, faz piadas de duplo sentido na internet a todo momento, mesmo quando está interagindo com os fãs (às vezes é o próprio Junpei quem faz, mas isso não vem ao caso agora) e Naoya não é a sua primeira vítima. Talvez seja a primeira vítima que não conhece pessoalmente ou são mútuas nas redes, e por esse motivo, a postagem foi tão inesperada? Sim, provavelmente tenha sido isso. Eles já frequentaram os mesmos eventos e algumas festas, com o diferencial que não trocaram palavras, nem estando exatamente em um grupo semelhante de amigos artistas.
Killer Cat, o Yuuji, ficou preso (acidentalmente) em uma tropa de ômegas e alfas dominantes femininas consolidadas na indústria há anos (ou décadas), e acredita ou não, fez um esforço pouquíssimo para socializar e formar uma amizade comercial. Não é que se ache melhor do que os outros, apenas se considere alguém desinteressante e inócua, sem grandes diferenciais na personalidade e que facilmente deixa os outros desanimados, sem conteúdos significativamente interessantes para manter uma conversa, portanto a melhor opção é manter-se quieto , escondendo-se atrás do tio Kenjaku vendo-o conduzir as conversas confortavelmente em um ritmo casual e descontraído. Sim, costumava ser uma criança falante e simpática, o vovô era obrigado a responder mil e duzentas perguntas por dia e mantê-lo entretido o suficiente se não quisesse responder mais quinhentas, entretanto, morar com Kaori mudou-o. Não tinha com quem conversar, a própria Kaori odiava ouvir sua voz e Mahito só estava disposto a ouvir o que de fato o interessava. Apagar esse aspecto da sua personalidade foi inovador, ainda gosta de conversar horrores e passar horas falando besteira, mas nem todas as pessoas gostam disso, pessoas como Kaori e Mahito, e para ser aceito na sociedade (e alta sociedade) precisou ser uma pessoa legal e não chata. Ouvir é melhor do que falar, de qualquer maneira.
Madonna (sua maior ídolo) e Taylor, no entanto, acharam-o uma criança fofa e tímida quando se encontraram no evento do Grammys (o primeiro do Killer Cat), e foram rápidos em apadrinhá-lo. Na verdade, não estava nervoso, muito feliz por estar na frente da rainha do pop, a Madonna! E bem, não sabia o que falar ou como agir. Pensando melhor agora, deveria ter planejado a inspiração que brilhava em seus olhos, realmente parecia um cachorrinho pedindo para ser adotado, e foi tão humilhante…
Depois daquela noite, a mídia anunciou independentemente (bando de fofoqueiros infelizes!), que o Killer cat (Yuuji) tinha sido apadrinhado por duas musas da música pop, as postagens de ambos os artistas com fotos (selfies) no perfil do Instagram, parabenizando -o pelas premiações da noite de gala com legendas que exalavam carinho e intimidade não ajudavam a desmentir as fofocas. E realmente não era mentira. Só pode ficar quieto e aceitar o boato inesperado que tudo tomou, porque não estava nos planos fazer parte do grupo de primeira linha da música pop (sendo sincero, desacreditava que conseguiria fazer amizade com os artistas mais medíocres e pouco conhecidos), e consequentemente, fazer parte de um círculo de amizades extensos e liberais, como Miley Cyrus e Nick Minaj, ou mais comportadas, como Lana Del Rei e Lorde. Não importa, esse círculo está longe e fora do alcance de Tabeck (Naoya) que envolve-se com outros nomes grandes, como Jay-z e Beyoncé, Eminem, Dr Dre e Rihanna.
Não é surpresa que apesar de terem se cruzado várias e várias vezes, nunca chegaram a trocar um simples comprimento. Naoya também mantém uma expressão perigosa no rosto, do tipo que o envolve em enormes problemas com a mídia e especialmente, com Mahito. Aqueles olhos castanhos penetrantes e sorriso de raposa prometem noites pecaminosas de imenso prazer, luxúria e perigo. Ele sabe que é bonito e sexy, e não tem medo de usar isso ao seu favor. Há dois anos, quando recebi olhares indiscretos de vários alfas (e não alfas) no festival de música internacional em Paris, Yuuji estava apaixonado demais por Mahito para considerar qualquer outro homem em sua vida (de maneira romântica/sexual), mas agora , fragilizado e tão venerável, acho que cairia fundo por Naoya sem qualquer esforço.
Navegando pelo perfil do Instagram dele, viu fotos espontâneas e alguns de ensaios fotográficos, diferentes de Yuuji, Tabeck é um artista que se conceituou no mercado antes da febre das redes e Tik Tok, seu perfil não é cheio de reels e fotos bobas, ele parece usar essa ferramenta para divulgar os novos projetos e promover antigos, nada indica que é para uso pessoal. E ainda assim,essas fotos sexys do seu abdômen definidas são tão quentes, Yuuji pagaria para lambê-lo! Os piercings na orelha dão um charme único, assim como o estilo diferenciado do cabelo, loiro com pontas negras e tatuagens… tatuagens nas costas e braços, adoraria correr os dedos delicadamente por cada uma delas e perguntar qual o significado, se não tiver um significado , tudo bem, ainda quer tocá-las, senti-las. Tem uma textura diferente sob a pele? Sempre tive essas dúvidas, ou melhor, desde que chegou na casa de Jin e viu o conjunto de tatuagens cobrindo o rosto e toda a parte superior do corpo de Sukuna. Quis tocar, pergunte se você, de onde surgiu a ideia, as gravações gravadas na pele bronzeada lembradas-o das listras de um tigre, a ideia veio dos tigres? Não teve coragem de questionar, e provavelmente Sukuna jamais permitiria ser funcional por um adolescente curioso, nem teria paciência para tantas perguntas. Naoya talvez também não tenha, mas depois de uma rodada de sexo, tem certeza de que ele ficaria suave. Carinhoso. Sonolento. Pelo menos Mahito ficou, todos os alfas são iguais? Vai perguntar a Nobara ou Mei-Mei. Claro, Junpei tem tatuagem e a textura da sua pele continua a mesma, é só que… a dele não é tão grande, nem parece ser sexy (aos seus olhos irmãos).
Tão perdido em pensamentos, tomei um susto quando o sino da porta tocou alto, ressoando pela loja inteira. Seus pensamentos sobre Naoya, sexo e tatuagens foram empurrados para o fundo da mente, pulou do banco todo desajeitado, segurando o celular desesperadamente no botão de bloqueio, como um adolescente pego pelos pais vendo pornografia. E bem, talvez Naoya sem camisa possa ser considerada pornografia leve.
— Boa noite, desculpe pela demora, acabei de sair mais tarde do trabalho e…. — O Cliente interrompeu-se, ficando parado no meio da loja exalando surpresa. Engolindo a vontade de mandar-lo ir se foder (por segurá-lo na loja até depois do horário do expediente e por obrigá-lo a fazer um arranjo tão feio), Yuuji abriu um sorriso comercial, que é caracterizado por simpatia e gentileza, coisas inexistentes no seu dia-a-dia fora da loja. Virou-se de frente para o balcão ainda com o sorriso no rosto e o comprimento de volta.
— Olá, boa noite. Seja bem-vindo a… — Gojo?! O sorriso comercial vacilou um pouco, mas ainda continuou no rosto. Infelizmente, não pode simplesmente ignorá-lo e ser rude, como geralmente faz com Geto, esse é o seu ambiente de trabalho e o tio irá matá-lo se acontecer que destratou algum cliente. Não importa que cliente seja. — O senhor deve ser o dono do buquê de flores coloridas. — Comentou, dando as costas para pegar o arranjo horroroso. Como se a vida voltasse ao corpo, Gojo abriu um sorriso brilhante e animado, chegando até o balcão e colocando a mão sobre a superfície quente de madeira.
— Sim! Sempre venho a essa floricultura, desde a adolescência, é a única loja que leva meus pedidos a sério. — Explicou inutilmente, parecendo realmente animado. Yuuji franziu o nariz, pensando em dizer que o motivo para o tio aceitar os arranjos é somente pelo dinheiro, e bem, desde que ganhou um escravo (sobrinho) de interesses, não precisa fazê-los com as próprias mãos. — Aliás, nunca tinha visto por aqui, começou a trabalhar na loja recentemente? A escola não permite que os estudantes trabalhem… e esse bairro fica longe da casa de Jin-san, além de ser perigoso. – Tagarelou. Acima dos óculos, é possível ver suas sobrancelhas brancas franzidas.
— Aqui está o seu arranjo, senhor. — Ignorou-o propositalmente sem nenhum remorso, colocando sobre as flores sobre o balcão. — Pago via transferência, correto? Posso ajudá-lo em algo mais? — Questionou educadamente.
—... Não, acho que… é apenas isso. — Diante da sua resposta seca e puramente profissional, algo parece ter clicado em Gojo, e a atitude animada apagou-se momentaneamente. Ele abriu um sorriso pequeno, quase triste (prefere morrer do que assumir que vive algum sinal de tristeza nele) e pegou o buquê nas mãos grandes e bonitas, de unhas aparadas e bem cuidadas. — Ficou perfeito, obrigado, Yuuji-kun. — Agradeceu, curvando-se minimamente e preparando-se para ir embora. Yuuji acenou, satisfeito pela interação ter durado menos de vinte minutos. Mas aparentemente, comemorou antecipadamente. De repente, Gojo girou os calcanhares e com um sorriso de gato estampado no rosto, e encarou Yuuji por trás dos óculos sol. — Na verdade, acredito que preciso de mais alguns arranjos. Acha que conseguiria fazê-los para mim? — O 'Não' é tão explícito no seu rosto que rapidamente ele acrescenta: — Pago o quanto você quiser. — E bem, não nego que é um pouco fraco por dinheiro.
— Vai sair caro. — Avisou, monótono.
— Não se preocupe com isso, dinheiro nunca foi um problema para mim, Yuuji-kun. — Arrulhou, tão animado quanto o habitual.
— Dois mil e três anos. — Jogou, querendo desesperadamente que seja um valor muito alto, capaz de fazê-lo desistir. Porque é um valor absurdo. Ninguém pagaria tanto por um buquê. No entanto, o sorriso bonito de Gojo apenas cresceu, tomando conta do seu rosto inteiro.
— Parece ótimo! Vou querer três! — Gorgolejou alegremente.
Filho da puta.
— Três são seis mil e seiscentos ienes, senhor. — Faça uma questão de destaque, fazendo possível para manter-se neutro e não exalar a raiva e o desconforto que está sentindo.
— Sim, eu sei. Sou seu professor de matemática, lembra? — Entortou a cabeça, e tem certeza que há diversão por trás dos óculos de sol. — Falando em professor, senti sua falta na escola hoje. — Soltando um suspiro cansado, Yuuji novamente ignorou as falas sem importância e partiu para o ponto principal.
— Certo, quais flores o senhor deseja? Nós temos um catálogo de modelos de arranjos… — Mostrou o catálogo plastificado, esperando-o pacientemente escolher qual deseja. Gojo balançou a cabeça, correndo o dedo de um arranjo para outro rapidamente, o movimento não parece nenhum pouco natural.
— Ah, realmente não sei qual escolher. — Disse, tão falsamente frustrado. — Yuuji-kun teria algum palpite? — Sem precisar pensar muito, Yuuji negou com um aceno de cabeça. Com um bico emburrado nos lábios, Gojo bufou, apontando para um arranjo simples, porém sofisticado de tulipas brancas, e depois marcou outro de rosas tradicionais vermelhas. — Você gosta de rosas? — Perguntou, genuinamente curioso. Arqueou uma sobrancelha, bem.. são bonitas e românticas, tudo ômega gostaria de ser apresentado por elas.
— Para encontros românticos são os que mais vendem. — Falou, encolhendo os ombros.
— Não foi isso que pediu, no entanto. — Gojo insistiu. — Perguntei se você gosta de rosas vermelhas. — Olhou as rosas bonitas cultivadas nos vasos da parte mais iluminada da loja, abaixo das janelas de vidro temperado. Adorava-as, mas isso foi antes de crescer e perder todo o romantismo infantil cultivado por filmes de Hollywood e Disney, os romances da vida real são muito mais duros e dolorosos. Essas rosas lembram a época em que Mahito ainda tentava ser gentil e prestativo, como um adulto respeitável seria.
— Não. — Ou pelo menos, não mais, porque tudo que o faz lembrar de Mahito é doloroso. Gojo ficou surpreso, tem certeza de que ele pensou que assim como todos os ômegas adolescentes, Yuuji é um romântico nato, só está passando por uma fase rebelde e logo logo vai amadurecer e voltar a ser um doce.
— É assim mesmo… então, quais são suas flores favoritas? — Curvou-se para frente, emparelhando acima da cabeça de Yuuji, mantendo o maldito sorriso animado no rosto. Ele está sempre feliz? Isso é ridículo. Franziu o cenho, cheio de desgosto.
— Não tenho nenhuma. — E pode parecer mentira, trabalhar em uma floricultura e desgostar de flores, mas acredite, esse é o caso. Gojo franziu o cenho, encarando-o a procura de algum sinal de mentira, quando não encontrado, voltou à posição reta inicial e deu de ombros.
— Tudo bem. — Disse, nada satisfeito. — Vou levar dois arranjos de tulipas rosas e um arranjo de tulipas brancas. — Decidiu, confiante. Bem, se o que ele disse sobre comprar flores aqui desde a adolescência, é natural que conheça, mesmo que minimamente, a linguagem delas e seus significados profundos, algumas vezes atrelados a religiões. As tulipas são uma ótima escolha, devem acrescentar, são bonitas e delicadas, perfeitas para presentear e principalmente, simples de manusear. Elas não têm espinhos.
– Certo. — Murmurou, empurrando o celular para o compartimento 'secreto' no balcão e indo buscar os vasos onde as plantas foram cultivadas. Aquele desconforto no abdômen, fisgadas fantasmas e cortantes, ambos em ação à medida que passa mais tempo no mesmo ambiente que o Gojo.
Colocou os vasos em cima da mesa de madeira e pegou uma tesoura, começando a cortar primeiro as tulipas rosas, já que estas são uma quantidade maior.
—... Yuuji-kun tem muita facilidade para fazer arranjos, não é mesmo? Quanto tempo trabalho aqui? — Fingiu não ouvir, e continuou trabalhando no corte das flores. Sua falta de resposta, entretanto, um pouco abalou a simpatia (indesejada) de Gojo. Pensei ter deixado claro a versão que sente por Geto e ele, na academia hoje mais cedo, e estava acreditando que finalmente teria paz. É impossível que o moreno não tenha comentando com o esposo sobre o encontro e conversa rápida que teve, então, qual é o motivo para continuarem tentando uma aproximação desprovida de sentido? Honestamente, não os entende. Fizeram um acordo, certo? Durante os últimos três anos consegui cumpri-lo com excelência, o que diabos muda agora? É porque está morando (temporariamente, foco no temporariamente!) Na casa de Jin? Por que essa merda deveria fazer alguma diferença, afinal? — A primeira vez que vim a essa loja, tinha quinze anos, não entendia nada de flores e estava perdido, acabei comprando lírios amarelos para apresentar Geto e… bem, acho que escolher uma flor que representa falsidade para sua paixão não é muito intimidante. — Isso deveria ter sido engraçado? Desculpe, Yuuji não consegue rir da adolescência apaixonante que suas ex-almas gêmeas tiveram juntas.
— Geto odiou as flores, mas não jogou na minha cara. O que foi um milagre, ele também não me ajudou em nada e nunca disse o que eu fiz de errado, apenas me deixou falando com o vento por duas semanas! — 'Tão interessante' Yuuji pensa, revirando os olhos. Do nada, Gojo bateu com a mão no balcão, causando um barulho alto na loja. — Kamo-san deveria ter me avisado sobre a escolha errada! Quando falei o que aconteceu, ele simplesmente riu na minha cara e perguntou qual seria meu próximo erro. O desconforto estava se divertindo às minhas costas, dá pra acreditar nisso?! – Sim. O tio adora rir da desgraça alheia, e se ele puder fazer algo para ajudar, ele definitivamente não vai fazer. Rir é a sua maior prioridade. No entanto, esse fato chama um pouco a atenção, o que realmente o faz parar por milésimos de segundos o trabalho é o fato de que o tio Kenjaku conhece Gojo por tantos anos e nunca comentou NADA sobre ele. Sim, ele é um homem de poucas palavras e quase nunca fala sobre os clientes da loja, mas ainda assim… depois de Junpei, ele foi a primeira pessoa a saber que Gojo e Geto eram suas almas gêmeas, e bem, ele os conhece a quinze anos. Malditos fodidos quinze anos. Ele viu-os se apaixonar, namorar, casar e ter filhos, provavelmente por isso sempre foi tão suave em relação ao assunto e extremamente contra a ideia de remoção da marca. “Tenho certeza de que você ainda irá entender.” Disse, quando tentei convencê-lo a desistir.
— Acabei tendo que pesquisar sobre a linguagem das flores e comprei lírios brancos e tulipas amarelas posteriormente, e claro, rosas vermelhas! Kamo-san não quis fazer o arranjo inicialmente, mas quando passei duas horas insistindo, ele aceitou. — Lançou um olhar incrédulo para as flores, questionando-se se isso é exagero ou verdade. Duas horas? Se passar três segundos fazendo birra perto do tio sairá com dentes a menos. — Nenhum outro florista aceitou minhas encomendas desde então, eles disseram que era muito exagerado ou pensaram ser uma pegadinha. E apesar dos comentários maldosos, Kamo-san foi o único que me ajudou, ele é um bom amigo. — Concluiu, seriamente.
—... Digo, não somos amigos próximos, como sou de seus pais, mas sempre conversamos muito quando venho aqui. — explicou-se melhor, um tanto afobado. E bem, agora faz mais sentido, dúvida que o tio Kenjaku veja-o como amigo. — Então, você trabalha para o Kamo-san há muito tempo? — Tenho certeza que já ouvi-o perguntar sobre. — Sou cliente fiel da loja há quinze anos e nunca te vi por aqui. — Cresceu. Também não sabe como seus caminhos não se cruzaram em algum momento, talvez o tio estivesse trabalhando para que continuassem alheios um ao outro?
– Sim. — Murmurou, tirando o vaso de cima da mesa e juntando as flores que cortou para começar a montar o arranjo, vieram algumas folhagens juntas, para uma ornamentação bem trabalhada. Seja para Gojo ou seu pior inimigo, não vai fazer um trabalho mediano e sujar a confiança da loja. Principalmente quando está sendo excelentemente pago.
— Sim? — Gojo perguntou, entortando a cabeça. Respirou fundo, reformando a resposta.
— Sim, trabalho aqui desde sempre. — E fez questão de falar de maneira arrastada, desanimada e visivelmente antipática.
— … Você sabe que as escolas japonesas não permitem que os estudantes realizem trabalhos, mesmo que meio período, certo? — Parou o que estava fazendo, levantando a cabeça e o olhando como quem diz: “eo que isso tem haver com você?”, Gojo afirmou a mão livre, com um sorriso apaziguador. — Calma, calma, não estou denunciando ninguém. Mas… seus pais sabem? Imagino que você está perdendo alguns dias de aula para vir ao trabalho, certo? Fiquei sabendo que fazem muitos arranjos para festas de casamento, aniversários e eventos espalhados pela cidade. — Claro que Jin não sabe, e não é como se Kaori se importasse em saber o porquê de Yuuji passar tanto tempo com o tio, ela iria deduzir que está sendo escravizado, o que não seria totalmente mentira. Terminou um arranjo, empurrando-o para o lado e começou a fazer o outro tão rapidamente que surpreendeu Gojo. — Uau, eu posso ver o porque Kamo-san o contratou! — Saiu como um elogio, mas Yuuji não se prendeu a isso.
— Hum, certo. Tenho certeza de que Jin-san e Toji-san não ficariam irritados se soubessem que você tem um trabalho, na verdade, ficariam orgulhosos por todo seu esforço. — Orgulhoso? De Yuuji? Foi uma boa piada. Bufou, ajustando as pressas das flores na base. — Embora se esforçar aqui na loja não vá ajudá-lo a entrar em uma universidade, e eles estão preocupados com isso. Como seu professor, também estou preocupado, suas notas em matemática não são as melhores, sabe? — Perguntou retoricamente, sem perder o ar simpático. Desde os doze anos de interação com adultos e pode indicar com confiança a postura que um adulto deve ter ao conversar com um adolescente ou criança, a postura de Gojo é uma das pouco recomendadas. Ele é muito simpático e amigável, todo sorrisos e descontração, ninguém vai levá-lo a sério se continuar animado dessa forma. Franze o nariz, se pergunta que tipo de pai ele é, e se tem uma relação tão despojada com as gêmeas e o sobrinho (que não faz a menor ideia de quem seja), supõe que não, ele deve assumir uma posição menos brincalhona com elas . São suas filhas, afinal.
Mas as garotas iriam adorar ter um pai brincalhão, certo?
Yuuji não sabe como a relação de pai e filho deve funcionar, na verdade, é a última pessoa do mundo que tem tato para opinar sobre o assunto, dado o relacionamento que mantém com Jin e Kaori.
Deixou Gojo continuou falando sozinho e terminou o segundo arranjo das tulipas cor de rosa, embrulhou no plástico amarelo e laço também rosa que já tem pronto na gaveta e reservou-o junto do outro que já foi concluído.
Com um suspiro de cansaço foi até o corredor das tulipas e pegou o vaso desejado. Suas pernas doem tanto que é impossível culpar apenas os exercícios da academia, não é uma dor onde terá ganhos, é apenas uma dor da mais pura e pura curiosidade. Voltou ao balcão de atendimento e arrancou a quantidade de flores permitida, e agora, percebe que as juntas dos dedos também doem e os riscos que ganharam fazendo o primeiro arranjo horroroso ardem des confortavelmente. Não pode esquecer das pontadas no estômago, parece que cada vez que deixa Gojo falando sozinho, uma corda puxa suas entranhas na direção dele e isso é irritante pra caralho, descobriu que o incômodo só aconteceu com Geto, mas aparentemente foi enganado.
—Yuuji-kun? Yuuji-kun está me ouvindo? — Olhou-o por cima do ombro, juntando um buraco de flores e voltando a frente dele (porque ele não pode passear pela loja e ficar calado, como uma pessoa normal).
— É impossível não ouvir. — Grunhiu, irritado. Gojo faz bico, tentando parecer triste. Sua expressão desolada pegaria qualquer um, menos Yuuji.
— Você deveria ser mais simpático com os clientes, Yuuji-kun! Principalmente com um cliente como eu, fico na loja por quinze anos. Não é fácil encontrar bons pagadores hoje em dia. — Revirou os olhos para o tamanho do drama, ele ficaria surpreso se soubesse que o tio pouco se importa em perdê-lo de vista. Os arranjos que fazem para eventos mantêm a loja andando desde sempre, mesmo que não frequentassem clientes regulares como Gojo, continueiam bem. — Além de que sou seu professor! E alma… bem, e amigo da família. — Interrompeu-se rapidamente, mudando o que eu iria falar. Yuuji abriu os olhos internamente, questionou-se o que ele pretendia dizer e acabou desistindo. — Sempre levo suas sobremesas favoritas. — Acrescentou, como se tentava fazer-lo vê o porque tem o dever de tratá-lo bem, isso significa: não deixá-lo falando sozinho em 99% do tempo.
— Idai? — Rebateu, desinteressado.
— Idai que deveria pelo menos olhar para mim quando conversamos. — Afirmou. Sinceramente? Ele está parecendo uma criança birrenta e chata que ninguém aguenta.
— Não estou conversando, senhor. — Disse, terminando o arranjo branco. — Somos aluno e professor, no momento, cliente e vendedor, trato-o de acordo com nossas posições sociais. Nada a mais, nada a menos. Portanto, peço que pare de agir como se me conhecesse, isso é irritante. — Pediu, finalmente encarando-o. O sorriso composto de Gojo caiu, tremendo de maneira incerta, ele continuou com a expressão aberta e simpática, o que torna tudo ainda mais desconfortável.
— Somos muito mais do que isso, você sabe, Yuuji-kun. — As palavras saíram arrastadas, penetrantes e dolorosas.
— Sinto que você diz que não, não sei de nada. — E é verdade, não são nada. Cortou o laço que os amarrava uns aos outros e deixou-os livres, ficou livre. Eles deveriam agradecê-lo pelo que fez. — Qual será a forma de pagamento? Todos os seus arranjos estão prontos. — Mostrou inutilmente as flores bem ornamentadas sobre o balcão, bem à frente do Gojo.
— Eu posso lembrá-lo, se você me permitir. — aparentemente, ele também é mais sem vergonha do que Geto. Fez uma careta de desagrado quando ele abriu um sorriso sugestivo, abaixando os óculos para mostrar seus olhos azuis. Seja qual for a ocorrência que ele esperava ter, ficou decepcionado.
— Não permita. — Disse simplesmente, e ele murmurou como uma flor exposta ao sol de verão. — Sua forma de pagamento, por favor. — Pediu novamente, e com um bico, Gojo pegou o cartão da carteira.
— Certo, certo, eu disse que era um bom pagador, não disse? — Perguntou relaxado. É incrível como ser chutado (indiretamente) não afeta em nada sua autoconfiança. Yuuji pode realmente achar o admirável nesse caso. Sem pensar muito, configurei o valor combinado inicialmente na máquina eletrônica e passei o cartão.
— Vai querer sua via? — Gojo negou com um aceno, agora, parecendo um tanto ansioso.
— Não, obrigado, Yuuji-kun… — Pegou o cartão e guardou-o de volta, dessa vez, no bolso do agasalho preto e pesado. — Você vai fechar a loja sozinho? — Ignorou a pergunta, para que ele usaria essa informação, afinal? Já recebi o serviço solicitado, deveria ir embora. Simples assim. — Minha casa fica na mesma direção de Jin, posso te levar. Está tarde e é perigoso andar nessas duas sozinho, principalmente depois do que aconteceu ontem. — Ofereça gentilmente. Odeia admitir, mas ele tem razão. Na verdade é tarde, os três arranjos tomaram mais tempo do que pensei.
— Não. — No entanto, já saiu da casa de Jin rumores a esse bairro muito mais tarde da noite e nada nunca aconteceu. Você está acostumado. Gojo estalou a língua audivelmente, descontente com a resposta.
— Vamos lá, Yuuji-kun. Sei que começamos do jeito errado, mas podemos deixar nossas diferenças de lado pelo menos por enquanto? Só uma vez? Vai ser mais seguro e eu vou me sentir tranquilo. Por favor. — Suplicado, suas palavras emitem sinceridade e uma pitada de medo, mas é fácil para Yuuji desconsiderá-lo.
— Não, senhor. — Dessa vez, usamos um tom mais grave e firme, deixando claro que definitivamente não vai acompanhá-lo até o carro. — O senhor deveria sair antes que comece a chover. — Avisou, apontando para o tempo sombrio do lado de fora.
— Estou de carro e… — O interrompi, ficando sem paciência.
— Por favor, senhor, vá embora. Você não acha que já me torturou o suficiente todos esses anos?! — Perguntou, usando um tom de voz mais alto que o pretendido. A explosão pareceu assustar Gojo, que deu alguns passos para trás, sem fato e abriu e fechou a boca várias vezes, antes de abaixar a cabeça e encarar os próprios pés. — Eu não quero e nem preciso de sua gentileza, então pare já com essa merda. Sou apenas um florista comum e o senhor um cliente, a troca de serviços já está concluída, então apenas vá embora. O que você impede? — O vê franzir os lábios, e pensa que terá de ser mais claro e manda-lo ir se foder para finalmente ter paz, porém, esse felizmente não é o caso. Dessa vez.
— Tudo bem… desculpe, eu não sabia que… estávamos..- — revirou os olhos, cortando-o. Sabe exatamente o que ele pensa em falar. Como se não fosse doloroso para um adolescente ômega recessivo ver seus companheiros (infelizmente dois) juntos e felizes, enquanto é obrigado a se manter fora da roda. Como se não fosse uma tortura vê-los sendo felizes e confortáveis um com outro quando sabia que Mahito estava-o esperando chegar em casa. Ou até mesmo Kaori. Foi sim torturante, doloroso e cruel, eles deveriam pelo menos ter evitado a casa de Jin quando souberam que Yuuji estaria lá (obrigatoriamente) ou ido embora mais cedo. Eles não fizeram isso, entretanto, e juram que não sabem o quanto doeu? É tão descarado que chega a ser uma piada.
— Claro, claro, é óbvio que não sabiam. — Desdenhou abertamente, balançando a cabeça para os lados, com um sorriso pequeno sorriso de escárnio nos lábios. — Agora vá embora, o senhor está me atrapalhando de fechar a loja, caso ainda não tenha percebido. — Apontou friamente. Gojo tem o punho livre fechado fortemente, ele está se segurando para não levar isso adiante, mesmo sabendo que é uma luta perdida.
— Nunca foi nossa intenção ferir seus sentimentos… — Disse, humildemente, parecendo realmente arrependido. Tão patético, Yuuji pensa, tentando distrair-se das pontas agudas e agressivas no estômago que o puxam na direção de Gojo. Suas costelas doem insuportavelmente com a força disso, então prendem a respiração e se forçam a manter os ombros retos, não precisa que ele perceba que está… doente? Já foi humilhado o suficiente por hoje. — Essa é para você, não acho que preciso explicar o porquê… apenas, até mais, Yuuji-kun. — Ele não deu chances de retrucar, apenas empurrou o arranjo de tulipas brancas, pegando apenas as rosas e correio para fora da loja.
Teria jogado-as na cara dele, mas assim que não avistou por perto e teve certeza de que não tinha ninguém espiando pelas frestas da janela, simplesmente deixou-se desabar no chão em uma pilha de ossos fracos e moles. Gemeu internamente, mordendo os lábios inferiores até sentir o sabor agridoce do sangue cheio a boca. As dores estomacais ameaçam romper a carne e a pele, pular para fora e rastejar pelo mesmo caminho que Gojo fez, e isso roubou-lhe o ar. Curvou-se vergonhosamente, abraçando-se e escondendo o rosto entre os joelhos na tentativa inútil de inibir a dor. É uma técnica saturada que nunca funcionou quando queria enganar a dor da fome, mas a faz instintivamente, para se sentir seguro. Protegido. Longe dos olhos maldosos.
É difícil respirar, tem a impressão de que vai sufocar até a morte. Diz a si mesmo que não é a primeira vez, nem será a última, só precisa agir normalmente e deixar fluir. Quer morrer, por favor, é o que mais deseja. No entanto, não pode decepcionar Junpei, tio Kenjaku e vovô, junto de todas as pessoas que sempre estiveram ao seu lado. Se eles ao menos entenderem que manter-lo vivo é terrivelmente torturante, talvez aceitem sua partida…
Demorou pelo menos vinte minutos para conseguir voltar a respirar normalmente. A dor continua lá, incomodada e indesejada, mas não forte a ponto de mantê-lo no chão da loja pelo resto da noite. Forçou os braços e pernas a funcionarem e arrastando-se vagarosamente, ficou de pé, tremendo igual bambu verde. Gostaria de largar a loja do jeito que está, com a mesa suja e vasos fora do lugar, e parece ser uma ótima ideia no início, até lembrar que o tio Kenjaku daria-lhe um puxão de orelha tão forte que sem dúvidas arrancaria todos os seus piercings. A ideia vai embora rapidamente.
Limpar a loja e recolocar os vasos nos lugares certos levou tempo, o que era esperado, dada a lentidão com o que se move, terminou tudo por volta das nove horas da noite e antes de qualquer coisa, já sabia que chegaria atrasado na casa de Jin. Um verdadeiro pé no saco. Essa merda de toque de colocar é ridícula. Totalmente ridículo.
Talvez você deva pegar um táxi ao invés do trem? Iria economizar muitos minutos (essenciais nesse momento) e conseguiria chegar dentro do horário programado. É melhor do que comprar uma discussão desnecessária que não tem certeza de conseguir manter, as conversas (amigáveis ou não) com Jin e Toji sempre são cansativas, e já está cansado demais por hoje, Gojo acabou de açúcar a última gota de energia que tinha restando nas reservas internas.
Com a decisão tomada, nomeado para o taxista conhecido há anos e enviado a localização, o homem beta prometeu que chegaria à loja em cinco minutos. Assim, juntaram os sacos de lixo na mão e apagou todas as luzes, saindo da loja preguiçosamente. Como nos anos passados, teria dormido sob o chão de piso laminado desconfortável, já que o andar de cima agora é usado como estufa e não tem colchões fofos escondidos nos cantos mais escuros da loja, o fortão enrolado sob a mesa da cozinha já deveria ter sido jogado a muito tempo, dormir nele é pior do que dormir no chão. No entanto, nada disso o impediria de passar a noite aqui fosse senão pelo toque de hospedagem da casa dos Itadori-Fushiguro e ameaça de um castigo tenebroso o esperando.
Este é o refúgio mais próximo que tinha quando fugia de Kaori e das madrugadas com Mahito, o chão não é nada desconfortável quando você se enrola em uma boa posição.
Do lado de fora, trancou a porta corretamente, verificando-a em cada fechadura e então caminhou até o enorme entulho de lixo que fica atrás da rua, em um beco mal iluminado e cheio de ratos, é um lixo compartilhado com a lanchonete de lanches rápidos, então é justificável a presença das pequenas práticas. Ignora os que na correria tropeçam nos seus pés calçados, torcendo o nariz para o fedor de comida estragada enchendo o ar. O trabalho de recolhimento do lixo não é tão eficiente por aqui quanto no bairro residencial em que Jin mora, a prefeitura não se importa com as pessoas que moram aqui, e mesmo na época de campanha política ninguém vem visitar os moradores. Ninguém se importa. Afinal, que homem (ou mulher) à frente da política do país vai querer ser visto passando pelas ruas de um dos bairros mais humildes de Shinjuku? Aqui é um verdadeiro ninho de casas de prostituição e Yakuzas. Para o bom ou para o mal, a melhor opção é manter-se longe.
Subiu a tampa do metal enferrujado, jogando os sacos pretos de lixo dentro do baú com um certo esforço e rapidamente soltou a tampa, causando um barulho alto no longo corredor escuro. Bateu as mãos para espantar a poeira impregnada nas palmas e girou os tornozelos, caminhar para fora da escuridão. Ainda é cedo, relativamente cedo nesse bairro, onde a vida noturna parece mais animada que o dia ensolarado, e nem o vento frio e o apelo de uma tempestade fazem as pessoas fecharem os estabelecimentos mais cedo. Há garotos encostados nos muros das próprias casas, conversando e fumando despreocupadamente, o cheiro não é de tabaco normal, percebe. Um deles acena com a mão, abrindo um sorriso maroto e Yuuji acena de volta, escondendo as mãos no bolso da blusa moletom que ainda tem as bordas molhadas.
Homens de terno executivo passam pela frente da loja, agora fechada e com luzes apagadas, verificando a hora no relógio de pulso enquanto apressam o passo. Outros, são simpáticos (ou pervertidos) e o comprimentam, oferecendo sorrisos educados, mas não sem antes olhá-lo da cabeça aos pés e decidir que esse é um garoto normal, não um prostituto de rua. Yuuji finge não vê-los, mantendo o olhar monótono e desinteressado que usa desde que aprendeu a esconder as verdadeiras emoções. Os homens pouco se importam, contanto que seja atraente, a indiferença que exala é um ponto fácil de ignorar, eles continuam passando e verificando-o. Deveria se sentir incomodado, mas depois de anos vivendo por aqui, não consegue realmente ficar irritado ao ser confundido com um prostituto, isso apenas significa que é tão bonito quanto eles. Certo? Não há nada para se preocupar. E por incrível que pareça, ninguém vai forçá-lo a nada, mesmo que estejam prestes a entrar no cio. Os visitantes daqui tem uma reputação a manter, envolver-se com um prostituto vai estragar a vida deles externamente, forçar sexo com um trabalhador do prazer será vergonhoso demais para qualquer um deles. Seus amigos irão perguntar: cara, nem sendo paga a vadia queria abrir as pernas para você?
E honestamente, existe humilhação pior que essa? Supõe que não. Insultar um alfa por ele não ter conseguido transar com um ômega ou beta atraente (que é um trabalhador do sexo) é um golpe forte no ego gigantesco deles, e diga-se de passagem, muito divertido.
Não precisou lidar por muito tempo com os homens passando pela calçada, avistou o táxi chegando e desencostou-se da frente da loja, partindo para o meio fio e abrindo a porta traseira do carro assim que parou. Entrou, colocando o cinto de segurança e sentindo-se confortável com o fato de não haver cheiros desagradáveis impregnado os acentos de couro preto.
— Boa noite, Yuuji-dono. — O motorista comprimentou-o, olhando pelo retrovisor com um sorriso contido e respeitável.
— Boa noite, Minami-san. — Retribuiu o comprimento, mas não ofereceu nenhum sorriso simpático em troca, ao invés disso, balançou a cabeça em um aceno discreto e fez questão de usar um tom brando na voz, gentil e suave. O beta arrancou com o carro, começando a trafegar pela avenida movimentada. — Como tem passado? Faz um tempo que não nos vemos. — Comentou, bem humorado.
— Tenho passado bem, senhor, obrigado por perguntar. — Agradeceu humildemente, olhando atenciosamente para frente. —Tem razão… suponho que a reforma nos metrôs da cidade fez com que nos desencontrássemos. — Sorrio abertamente. Isso está longe de ser verdade, mas não diz nada, permanece calado diante da afirmação. — Devo levá-lo até Denenchofu? — E diante dessa pergunta, há uma certa pitada de desgosto, embora ele seja bom em disfarçar. Yuuji pensa em dizer que sim, seu coração pulsa forte com a ideia, e os dedos soam ansiosamente. Mas a realidade o puxa de volta e o sabor amargo visita sua língua, tenta se manter firme quando nega com um aceno suave, juntando as mãos sobre o colo.
— Não, estamos indo para Hiroo, no distrito de Shibuya. — Informei, virando o pescoço para olhar as luzes da grande cidade brilham através da janela de vidro, encoberta pela película fumê.
— Ah… permite-me perguntar, Mahito-sama acaso mudou-se? Ele parecia gostar da residência em Denenchofou. — Explicou-se, educadamente. — Perdoe-me se estou sendo inconveniente, não é minha intenção, apenas…. — Tirou os olhos da janela, percebendo os dedos do homem apertando o volante do carro com força desnecessária. Sentiu-se mal por causar tamanho de ansiedade nele.
— Acalme-se, Minami-san, você não fez nada de errado. Muito menos está sendo inconveniente, é uma pergunta muito justa, na verdade. — Com isso, o homem relaxou instantaneamente, soltando os dedos no processo. Sorriu sem mostrar os dentes, satisfeito com a ocorrência. — Mahito provavelmente continua residindo em Denenchofou, ele adora aquele bairro e mora nele desde a infância. No entanto, não estamos mais juntos. Nós… rompemos no início do ano. — Admitir isso em voz ainda é surreal. Faz quatro meses que voltou à vida normal e ainda é difícil acreditar que tudo o que tinha com Mahito simplesmente acabou.
— … Yuuji-dono ficaria bravo se eu disse o que penso? — Negou, balançando a cabeça para os lados, e ofereceu um sorriso pequeno e reconfortante. O homem então respirou fundo, e disse com determinação queimando nos olhos, olhando-o pelo espelho do retrovisor novamente. — Essa foi a melhor notícia que recebi desde o ano novo! — Riu, exalando alegria sincera. Yuuji piscou, sem entender o ponto.
— Não me entenda mal, por favor. Mas é que Mahito-sama nunca mereceu alguém tão gentil e amável quanto Yuuji-dono como companheiro, estou aliviado em saber que ele não é sua alma gêmea, assim Yuuji-dono pode encontrar um alfa que realmente o proteja e o ame incondicionalmente. - Oh. É assim mesmo, hein? Pensei, sem palavras. Minami não é um taxista comum, ele é o taxista fixo de Yuuji desde que começou a sair com Mahito, o fato de ser um beta é o principal motivo, além de ser casado há vinte anos e ser completamente devoto a família. Então, ele nunca poderia ser uma ameaça para Yuuji. Alguém de confiança. Que precisava de dinheiro e não iria abrir a boca para expor o relacionamento violento que presenciava em noites sombrias. Discussões acaloradas no banco de trás e comportamentos agressivos.
Minami não poderia denunciá-los. Nunca posso. Mahito certificou-se disso.
Então, não deveria ser surpreendente vê-lo comemorando o término de seu antigo relacionamento. No entanto, essas palavras o deixaram estranhamente emocionado, não é todo dia que é chamado de “amável” e “gentil”, é mais fácil ouvir um “pirralho mimado” vindo de Choso e Sukuna. O que honestamente, não pode culpá-los por pensarem assim, tem agido como um verdadeiro pirralho imitado desde que mudou-se para aquela casa.
— Tudo o que Mahito-sama fez foi machucado Yuuji-dono, eu estou mais do que feliz em saber que o senhor está livre, finalmente livre. — Entortou a cabeça, sorrindo tristemente. Não é nenhum pouco livre. Seus sentimentos de amor e paixão continuam prendendo-o no lugar, não é tão fácil deixá-los ir quanto dizem ser. Vai precisar de um pouco mais de tempo para se recuperar. — Mas… por alguma razão Yuuji-dono não parece feliz com isso? — Minami perguntou timidamente, incerteza tomando conta da sua expressão.
— Estou bem, apenas ainda me recuperando. Foi um termo difícil. — Disse, encolhendo os ombros. — Diga-me, Minami-san, como suas filhas estão? — Mudou de assunto, e sendo um homem inteligente, Minami entendeu, começando a tagarelar sobre as duas filhas que tem e a esposa, sempre tão amorosa e prestativa. Teve uma espécie de conhecê-los, são pessoas maravilhosas que não deixam as dificuldades da vida afetá-los, sempre com um grande sorriso no rosto.
Observei-o falar e falar, soltando um comentário aqui e ali quando julgou necessário, e mal vi quando estavam chegando ao bairro residencial de Hiroo. Minami decidiu-se a deixá-lo na esquina mais próxima, insistindo em levá-lo até a casa em que está morando atualmente.
— É bom que você esteja morando com seu pai e irmãos novamente. Acho que você vai precisar de apoio nesse momento difícil, digo, deve ter sido um termo realmente traumatizante para Yuuji-dono não voltar atrás na decisão. — Disse simplesmente, bem humorado. “Voltar atrás na decisão” ele ficaria desapontado se soubesse que a tentativa de voltar atrás não foi o que faltou…
— Não julgue antecipadamente, Minami-san, nem todos os pais e filhos tem um bom relacionamento como você e as meninas. — Avisou, seriamente.
— Sinto-me uma criança de cinco anos com Yuuji-dono me repreendendo. — Ele exclamou, falsamente indignado. Riu, deixando os ombros tremerem.
— Vamos, não fique triste, não estou lhe repreendendo. — Afirmou, balançando a mão como quem faz pouco caso. Minami bufou.
— Sim, porque Yuuji-dono é muito gentil para isso. — Apontou, e Yuuji está começando a pensar que o homem bateu a cabeça em algum lugar. — Hum… acho que vou parar por aqui então, o senhor disse que mora nesse condomínio, certo? Número 2570. — Confirmou, mostrando a entrada organizada. — Ou devo entrar? Seria mais seguro. — Acrescentou, prestativo.
— Não, não é necessário, estou descendo aqui mesmo. — Disse, destravando o cinto de segurança. Apesar de discordar da decisão, Minami aceitou-o calado. Pegou a carteira no bolso da calça e tirou duas maiores notas que encontrou. — Isso deve ser o suficiente? — Entregou o dinheiro e já abriu a porta do carro, saindo dele elegantemente.
— O QUE? — Do lado de fora, olhou curiosamente para dentro do veículo, assustado com o grito repentino do homem.
— Há algum problema, Minami-san? — Perguntou.
— Perdoe-me por ter gritado, Yuuji-dono. — Pediu humildemente, quase gaguejando. Há uma gota de suor formando-se na sua têmpora. — Esse valor é muito alto, excede totalmente o valor original. Não posso aceitar. — Explicou apressadamente. Yuuji piscou os olhos como uma coruja, não percebeu que as notas eram tão altas. Mas novamente, isso realmente importa? Sempre deu gorjetas generosas a Minami, ele tem uma situação financeira crítica, e precisa mais do ninguém.
— Considere uma gorjeta. — Disse após um tempo em silêncio.
— Mas é muito para uma gorjeta, Yuuji-dono. — Desconsiderou a implicação, e abriu um sorriso pequeno.
— Bem, não é muito para mim. — Riu baixinho, achando graça do desespero alheio. Certamente Minami pensa que está tirando proveito que Yuuji, tão idiota. — Apenas aceite, você e sua família precisam mais do que eu. Natal e ano novo estão chegando, use esse dinheiro para os presentes das meninas, eles devem está ansiosas querendo ganhar o álbum original do Killer Cat. — Minami abriu e fechou a boca, procurando um motivo para recusar. Resolveu jogar mais baixo, dizendo: — Está começando a me ofender, sabe? Você aceitou as gorjetas altas de Mahito, então por que rejeita as minhas? É por que sou um ômega? — Perguntou, assumindo uma expressão acusatória.
— Não, não, não, nunca! Yuuji-dono, eu apenas não quero tirar proveito da sua bondade! Minha intenção nunca foi ofendê-lo, por favor, me perdoe, posso fazer qualquer coisa que quiser para me redimir. — Revirou os olhos, Minami realmente pensa que Yuuji tem uma personalidade sádica como Mahito, isso quase o deixa ofendido.
— Estou brincando. Respire, você parece a ponto de ter um ataque fulminante. — Jogou, um pouco preocupado. — Fique com a gorjeta e use-o nas meninas, sim? Pessoas na sua condição financeira não tem o direito de rejeitar dinheiro. — Não está tentando ser arrogante, mas parece que lembrá-lo que é pobre é a única maneira de concluir essa discussão idiota.
— Ah… tem razão. — Aceitou, abaixando os olhos.
— Bom. Você é um bom homem, Minami-san. Agora vá para casa, amanhã tem um longo dia o esperando. — Afastou-se do táxi com um sorriso gentil nos lábios, acenando com a mão. Minami respirou fundo e ergueu a cabeça, retribuindo o aceno e arrancando com o carro de volta para a avenida. Observou-o partir antes de virar-se e caminhar até a entrada do condomínio e avistou, para sua grande infelicidade, Sukuna e Choso do lado oposto da rua, conversando com dois homens, um alto e musculoso de pele negra e cabelo loiro, e o outro mais baixo de cabelo grisalho e uma mecha vermelha atrás da cabeça. Parecem pessoas suspeitas, no mínimo.
Fingiu não vê-los e passou rapidamente pela catraca, abraçando o próprio abdômen para aplacar o frio que atinge os tornozelos (onde molhou a barra da calça durante a maldita limpeza da loja) e as mangas ainda úmidas na blusa. O vento nesse lado da cidade é mais forte, pensa, apertando os lábios. Passar despercebido não foi possível como pensou que seria, quando estava a quase dez passos de distância da portaria, escutou uma voz grave chamá-lo.
— Yuuji… Espere. — Gemeu internamente, continuando a andar, agora mais depressa. Ainda falta muito para chegar a casa de Jin? Droga, de onde está bem consegue vê-la.
Não demorou muito para ser alcançado e uma mão pesada recair sobre o seu ombro. Deveria ter instruído Minami a deixá-lo na porta da casa, seria melhor do que enfrentar uma caminhada de mais ou menos vinte minutos ao lado de Sukuna e Choso. Desconfortável.
— Espere. — Empurrou a mão do seu ombro, fazendo uma careta de desagrado.
— O que é agora?! Estou dentro do horário. — Defendeu-se antes de qualquer coisa, sem se importar em ser grosseiro.
— Sim, isso é verdade. Só pedimos que esparesse para que pudéssemos caminhar juntas até em casa. — Do outro lado, Choso explicou, examinado-o dos pés a cabeça com um certo descontentamento brilhando no rosto pálido. (Só na cabeça dele essa é uma boa ideia).
— Por que eu iria querer caminhar ao ‘seu’ lado para ‘sua’ casa?! — Perguntou enjoado, ainda abraçando-se protetoramente. — É sempre melhor andar sozinho do seu mau acompanhado, sabia disso? — Acrescentou, bufando e dando as costas para os dois alfas, caminhando na frente o mais rápido que consegue.
Acompanhá-lo não é um problema quando se tem pernas tão longas, aparentemente.
— Você está na fase da adolescência de não querer ser visto com os pais e irmãos para não parecer infantil e evitar possíveis pretendentes? — Sukuna disse, em um tom irônico, sorrindo abertamente. — Com essa personalidade mesquinha e mimada não vai conseguir ter ninguém fingido, e a culpa não será nossa. — Apontou, cutucando-o na bochecha. Virou o rosto, mordendo o dedo indesejado, no entanto, Sukuna agiu mais rápido e retirou o dedo antes de ter um pedaço a menos no corpo.
— Nossa, que agressivo. — Resmungou, zombeteiro.
— Foda-se. — Yuuji rebateu, lançando um olhar frio.
— Não fale palavrões. — E novamente, Choso o repreendeu. — É feio. — Completou, com uma expressão severa. Bufou, segurando a vontade de abrir a boca e deixar escapar mil e três palavrões. Não que conheça uma quantidade tão grande, mas pode inventar, sempre foi criativo com xingamentos.
— Você está com frio. — Se fosse uma pergunta, eu teria respondido que não, mas ele (Sukuna) apenas afirmou um fato, e antes de poder retrucar, uma jaqueta de couro pesado caiu sobre seus ombros magros, cobrindo-o particularmente como uma cobertura de pele de tigre. É pesado e quente, aconchegante como um abraço apertado, quase aceito, QUASE.
—QUE PORRA! — Gritou assustado, e recebeu um olhar extremamente severo de Choso (se ele for fazer essa cara sempre que Yuuji falar um palavrão, vai ficar velho mais cedo que o normal). Ignorou-o com sucesso. Tirando a jaqueta imediatamente, como se fosse ácido e estivesse queimando sua pele. — Não preciso dessa merda. — Exceto que sim, precisa. O outono ainda nem atingiu o ponto mais alto e já está tremendo de frio, culpa sua biologia de merda e as sequelas da remoção da marca. A temperatura corporal mais baixa que o normal, é uma lástima.
— É óbvio que precisa, você é tremendo. — Choso retrucou imediatamente. — Apenas pegue se não quiser ser apanhado por uma queixa. – Mandou. Foi uma ordem, porque está fora de questão ficar gripado. Abriu as sobrancelhas, olhando as mãos de Sukuna segurando a jaqueta a uma distância segura do próprio corpo, oferecendo-a diretamente. Apesar de ter sido negado.
— Eu poderia aceitá-la, se ela não estivesse impregnada com o seu cheiro. Claro, se fosse de qualquer outra pessoa. — Disse friamente, voltando a andar. Não é como se fosse pegar um resfriado brutal por causa de alguns ventos frios à noite, já tomou chuva e continua vivo. Pensei ter visto o sorriso zombeteiro de Sukuna se desfazer e o brilho dos seus olhos apagar momentaneamente, mas não deu atenção a isso. Estão brigando desde sempre e bem, nunca conseguiram se entender depois que chamaram Megumi de vadia e tomaram uma surra.
– Certo, certo. Então morra de frio. — Sukuna rosnou baixo, usa uma jaqueta de couro com certa brutalidade nos movimentos. Por segurança, Yuuji deu três passos para o lado, quase atropelando Choso no processo, e ficou o mais longe possível do alfa tatuado. — Crianças mimadas. Tsk. — Ouviu-o resmungar entre os dentes, irritado.
— Onde estava até essa hora? — Demorou um pouco até perceber que Choso está falando com ele, e não com Sukuna.
— Com o tio Kenjaku. — Respondeu simplesmente, encolhendo os ombros.
— Passou o dia inteiro com ele? — Agora foi uma vez de Sukuna perguntar, exalando descrição por todos os poros.
— É. — Murmurou desinteressado. É difícil acreditar que passou o dia inteiro ao lado do tio? Tipo, não é como se você estivesse olhando para o nada fixamente nem precisava de nada para fazer. Trabalharam, conversaram, comeram, então conversaram um pouco, discutiram, e voltaram a trabalhar. Esse é o resumo resumido do seu dia.
— Fazendo o que? — Mas quando questionado sobre, é óbvio que não vai dar o resumo, pelo menos, não para Choso e Sukuna. Eles nunca ligaram para saber se chegaram seguros a casa de Kaori após sair dos jantares oferecidos à noite, então qual o motivo desse interrogatório todo agora??
—Nada. — Foi monossilábico, e no fundo, sente uma grande satisfação em deixar-los frustrados.
— Tem certeza disso? — Olhou para Choso fixamente sem expressão no rosto. Ele completou, conseguindo piorar ainda mais as implicações da pergunta de origem desconfiada (o tipo que Kaori faria quando dissesse que dormiu na casa de Junpei, ela diria: Apenas dormiu? Insinuando que estava transando, mas não tinha coragem o suficiente para entrar no assunto diretamente.) — É estranho passar o dia inteiro com um velho sem graça quando você diz odiar ficar em casa conosco. — Velho chato? Por favor, o tio Kenjaku consegue ser estranhamente engraçado com aquela personalidade egoísta e calculista, tipo quando ele tem certeza de que o arranjo de flores tem uma quantidade certa e depois de montá-la percebe que estava errado, então precisa cortar mais flores e bagunçar o chão outra vez. Ou quando lida com clientes por mais de trinta minutos seguidos e quando eles vão embora, reclama que as bochechas estão doendo de tanto sorrir.
Ser não simpático é a melhor área de atuação dele, infelizmente.
— Bem, já pensei que passar o dia com o tio Kenjaku não é chato porque eu amo ele, enquanto… bem, não amo vocês? — Questionou, oferecendo um sorriso cheio de falsidade. Obviamente essas palavras pegaram os dois de surpresa, seus passos vacilaram no meio da caminhada, e alguma coisa apagou-se na atitude confiante de que tudo alfa tem. É… esquisito que não tenha de ansiedade feliz com assistir isso em primeira mão. No entanto, também não há culpa ou arrependimento ou tormento.
Não os ama.
Não os ama.
Não pode amá-los novamente.
Mas também não os odeio.
Eles são como assalariados andando de um lado para o outro na rua, um senhor ou senhora que esbarra na linha do trem, cujo desconhece e não nutre nenhum sentimento de simpatia. É só isso. Não está tentando ser cruel e machucar os sentimentos deles, apenas citou um fato.
— Não era isso que você dizia quando nos recebia da escola. — Bufou, lembrar dessa época é sempre doloroso. Por que trazer de volta algo que todos querem esquecer? Sukuna parece adorar lembrá-lo de que já foram mais do que “isso” que são hoje em dia. Poderia pensar que ele sente saudades de ter um pirralho gorducho seguindo-o para todos os lados, mas não se deixa enganar. Ele mesmo disse que odiava os anos que Jin passou casado com kaori, certo? Também significa que odiou Yuuji e tudo relacionado naquele período.
— Nem quando íamos ao parque. — Choso completou, soando dolorosamente nostálgico.
— Isso foi antes do seu pai virar uma cadela. — Disse, revirando os olhos.
— Kaori não te ensinou a respeitar os mais velhos?! — Fingiu pensar, demorando-se exageradamente nisso. Choso apertou os olhos, pensando que seria deixado falando sozinho.
— Sim, depende de qual adulto estamos falando. — Na verdade ela não fazia distinção, a primeira e última vez que recusou-se a cumprimentar Mahito ganhou uma boa surra depois que ele foi embora. Então sim, Kaori o ensinou a respeitar os mais velhos, acontece que anos vivendo com o tio Kenjaku o mostrou que sendo velhos ou não, os adultos precisam mostrar que merecem respeito e respeitar de volta, antes de serem tratados igualmente, sem nenhuma figura de autoridade aqui, ser velho não faz de ninguém um sábio incontestável. Foda-se a cultura japonesa de respeito aos mais velhos.
— Não existe essa de depende, você não xinga as pessoas, principalmente os mais velhos porque simplesmente quer. Isso é falta de educação. — Repreendeu duramente, como se estivesse falando com uma criança de cinco anos. Estalou a língua, revirando os olhos e abraçando-se ainda mais forte. Sente que a ponta do seu nariz está prestes a congelar.
— Legal. — Murmurou sarcasticamente, porque não vai seguir esse conselho de jeito nenhum. Nem se fosse pago.
Sukuna bufou, balançando a cabeça para os lados descontraidamente.
— Suponho que cadela é um grande avanço, antes era vadia ou vagabunda. — Tentou ver pelo lado positivo, e suas palavras fizeram Choso grunhir em descontentamento. Sukuna riu alto, divertido. Caminharam em silêncio depois disso, eles não tentaram conversar e Yuuji agradeceu silenciosamente por isso, mantendo-se à frente deles o máximo que conseguiu (não foi muito, infelizmente).
Diferente de Shinjuku, o condomínio que a família Itadori-Fushiguro mora em Hiroo, distrito de Shibuya, é limpo, sem baús de metal cheio de lixo e ratos correndo de um lado para o outro. Sem postes de luz queimado e ruas escuras, ou adolescentes aspirantes a Yakuzas fumando na calçada de casa. É tudo bem iluminado, cheiroso e limpo. Momentaneamente, pega-se perguntando se ainda teria brigado tanto com Mahito no meio de rua se morasse em uma vizinhança tão silenciosa quanto essa, e supõe rapidamente que não. Tinham uma aparência a manter.
Vez ou outra se desentendiam em encontros, o motivo para o início da discussão geralmente seria o ciúme descabido de Mahito, a possessividade que a corroía a cada dia mais, fazendo-o ser paranóico a ponto de machucar Yuuji porque uma pessoa olhou-o “ demais”. O que era curioso, uma vez que adorava-o tê-lo bem vestido. Tinham opiniões diferentes, gostos diferentes e costumes diferentes, e como todo casal tinha o que havia de melhor em público, que acabava rendendo risadas alheias às vezes. Podiam gritar e acusar um ao outro quando estivessem longe dos olhos curiosos, Minami, entretanto, nem sempre tinha a espécie de não ouvir os insultos que enchiam o banco de trás do carro. Mahito iria bater a porta com muita força ao sair e arrancaria Yuuji junto, levando-o aos tropeços para dentro de casa. Os hematomas no dia seguinte eram autoexplicativos.
No entanto, comportamentos como esse em Denenchofou, bairro residencial de luxo na região metropolitana de Tóquio, e onde Mahito reside desde a infância, nunca foram vistos. Na maioria das noites Mahito foi um excelente companheiro, conduzindo jantares e encontros românticos, ele estava tentando ser legal e amoroso para que Yuuji se apaixonasse perdidamente. As agressões ocorreram apenas nos últimos dois anos, quando assumiram o relacionamento para os amigos e familiares próximos, (o que honestamente, não foi nenhuma novidade). Ele pode ter se sentido inseguro, talvez?
Não sabe, é difícil entender o que se passa na cabeça de uma pessoa que ora trata-o carinhosamente e ora está a ponto de matá-lo.
O fato é que nunca se desentende em um bairro como esse, tão bem iluminado e silencioso, o barulho de um vagalume é o suficiente para chamar a atenção de todo o ambiente. Imagine os gritos que trocavam tarde da noite? Seria um milagre que os vizinhos simplesmente não acionassem a polícia. Pensei, observando o terreno entre uma casa e fora, constatando que não são tão distantes quanto as mansões em Denenchofou, o que faz total sentido uma vez que estar falando de casas de famílias normais, não famílias milionárias e estrangeiras.
Respirou fundo, esfregando fortemente a ponta do nariz, buscando esquentar a superfície fria com o atrito rude. Você está começando a se arrepender de ter recusado a oferta de Minami em levá-lo à porta da casa de Jin, seria muito mais fácil e não estaria sendo acompanhado por dois cães de guarda altamente treinando. Afastou os pensamentos de Mahito o melhor que pode (porque ele sempre está na sua cabeça fodida), e encarou os próprios pés enquanto caminha, chutando as pedras que encontra no caminho.
— Obrigado. — No silêncio da noite, a voz suave e estranhamente agradecida de Sukuna é muito mais alta do que realmente é. Continuou caminhando, mas lançou-lhe um olhar questionador. — Não se faça de bobo. Você sabe do quê e de quem estou falando. — Não fez nenhuma entrega de reconhecimento ou barulho, contínua a caminhada.
— O que você fez foi imprudente, não posso negar. Mas sinceramente corajoso, estamos orgulhosos de sua atitude. — Cresceu honestamente. Yuuji tentou segurar a língua, mas ela parece ter vida própria e antes que pudesse pensar, já que estava dizendo:
— Isso é apenas porque ajudei Megumi, você não está orgulhoso da minha atitude, e sim feliz pelo seu namorado passar bem. — Estalou a língua, revirando os olhos. Por mais que seu coração bata forte em ouvir que Sukuna está orgulhoso, não vai ser pego nesse jogo, eles estão tentando seduzi-lo usando palavras bonitas. É impossível que qualquer um dos Itadori-Fushiguro sinta-se orgulhoso de Yuuji. O garoto problemático, mimado e rebelde que tem um comportamento péssimo e notas vermelhas na escola.
— Também estou feliz porque Megumi-chan está segura, mas ele não teria conseguido sem sua ajuda. —Retrucou.
— O que você fez requer muita coragem... Os dois poderiam ter se machucado, e mesmo sob essa possibilidade, você decidiu que preferiria se machucar do que ignorar o que estava acontecendo. Isso é algo que muitos alfas não fariam. — Sim, é claro, porque a maioria dos alfas só compram brigas quando sabem que há altas chances de vencer, e eles não se importam em jogar sujo. Choso respirou fundo, falando ternamente, — Estou extremamente orgulhoso, mas também com inveja. — Ele riu sem humor e envergonhado. — Queria ter sido eu a ensiná-lo como se defensor dos assessores das ruas, tenho inveja de quem tomou esse lugar e foi o seu professor, ao mesmo tempo que estou agradecido. — Torceu o nariz, porque, hum, parece que há muitas emoções aí dentro.
— Obrigado por cuidar do Megumi-chan. — Terminou, olhou pelo canto do olho curiosamente e arrependeu-se quase que imediatamente ao encontrar o sorriso terno e amoroso de Choso, e o mais selvagem, porém igualmente dócil de Sukuna. Engoliu em seco a saliva que se acumulou na boca, e rapidamente forçou o pescoço virar-se para o lado oposto.
— Stk. Grande coisa. — Murmurou, mau humorado. Ainda desacreditado do que está ouvindo e vendo, isso só pode ser o apocalipse tão aguardado pelos fiéis da igreja! E olhe, como esperado de um pecador infeliz, Deus não o levou ao céu. Vai continuar na terra e ser torturado por toda a eternidade.
Você pensa que depois de tanto sofrimento aqui embaixo ele seria arrebatado para o paraíso, mas isso não acontece com Kamo Yuuji, como se pode ver.
— Na verdade, é uma coisa grandiosa. — Sukuna repetiu, divertido. — Estou ciente, na verdade, acho que você fosse um covarde. — Completou, como quem não quer nada, mas qualquer um pode dizer que essas palavras saíram com a verdadeira intenção de provocá-lo e quem sabe, entrarem em uma discussão. Está cansado demais para isso agora, então apenas esfrega o nariz nas mãos novamente, e as escondidas debaixo dos braços, as pontas dos dedos estão tão gélidas quanto a água da Antártica.
— Não, com todo esse comportamento de merda, você poderia facilmente dizer que ele é um delinquente de rua. — Vendo que Yuuji ignorou a primeira provocação, Choso decidiu entrar no jogo, apontando um fator muito discutível. Não tem um comportamento de merda, bem, exceto com eles. Fechou a cara, apressando ainda mais o passo.
— Um delinquente tão pequeno? — Grunhiu quando Sukuna cortou a distância entre eles tão facilmente e curvou-se para frente, deixando seus rostos nivelados lado a lado. — Ele mal bate no meu ombro. Quem teria medo de um delinquente desse tamanho?! — Lançou-o um olhar mortal, e ambos os alfas riram da ocorrência silenciosa.
— Não sei… há alguns pequenos delinquentes que nos surpreendem em termos de força e agilidade. — Choso ofereceu, encolhendo os ombros.
— Hum, isso é verdade. — Endireitando-se, Sukuna seletiva, mas continua andando lado a lado a Yuuji. É um pouco desconfortável, imagina como será levar outra surra agora quando ele está tão grande e musculoso, e só consegue visualizar-se sendo esmagado até virar uma polpa no chão. Bruto. Mais bruto que Mahito, talvez. — Yuuji sem dúvidas é um deles, certo? — Perguntou retoricamente. Fez careta, novamente, quase atropelando Choso ao se afastar de Sukuna.
– Certamente. — Choso perfeito, dando uma piscadela na sua direção. Eca! Que não.
Felizmente a casa de Jin não está mais tão longe quanto antes, avistou-a a menos de três metros a frente e sem perder tempo, correio para a entrada. Batendo a poeira do pé no carpete marrom e abrindo a porta, entrou na casa e fechou a porta, batendo ela propositalmente na cara de Choso e Sukuna.
— Bem-vindo ao lar, Yuuji. — Sentado no sofá, o vovô o comprimentou, um certo reconhecimento brilhando nos seus olhos duros, aquele tipo de brilho de quem sabe mais do que deixa transparecer.
— Ah… oi, boa noite, vovô. — O comprimentou de volta, tirando os sapatos.
— É bom que tenha chegado em segurança esta noite. — Franziu o cenho, mas não disse nada. Tirou os sapatos e saiu pelo hall de entrada, pisando no chão quente de madeira. Menos de dois segundos depois, Sukuna e Choso passaram pela porta.
— Seu pirralho maldito! — Escutou Sukuna esbravejar.
— Isso foi rude com os mais velhos, Yuuji. — E Choso reclamou logo em seguida, sem o tom pesado e severo que escuta desde que chegou a essa casa. Vovô olhou de Yuuji para os dois alfas parados na porta, Sukuna em especial, que tem o nariz vermelho e não é por causa do frio (ops, não vi que bateu a porta tão forte).
— Bom…, bem-vindos ao lar, minhas crianças. — Disse agora, com um sorriso maior e satisfeito.
Oh… esse é o sorriso reservado apenas para Yuuji. O que há com o vovô usando o agora? Ele está feliz? Mas como o quê, afinal? Bufou, balançando a cabeça e decidindo que é perda de tempo tentar entender as pessoas dessa casa.
— Estou subindo. — Avisou ao vovô, apontando para as escadas, o velho acenou positivamente, voltando a assistir o noticiário na tv. Sem esperar mais, deixou os dois patetas no andar de baixo e correu escada acima, pronto para tomar um banho e se enfiar em um conjunto de moletom pesado e quente. Essa casa é estranhamente quente, e tem a sensação de que esse calor não está conectado ao aquecedor velho no andar de baixo e nos quartos, é algo como… ter vários corpos juntos em um só lugar, compartilhando a temperatura corporal. É aconchegante e confortável. É muito, muito diferente da casa em que cresceu.
Quando se mudou para Shinjuku, a casa dos avós maternos que nunca chegou a conhecer estava caindo aos pedaços, depois de reformas aqui e ali, foi possível viver nela sem o medo do teto cair durante uma tempestade, mas o frio congelante do inverno ainda era um grande problema. Kaori nunca teve problemas para dormir, uma vez que ficou embriagado em quase todas as noites de folga do hospital, Yuuji, entretanto, não teve o mesmo tipo. Com lençóis finos e janela quebrada, a única esperança que tinha era as visitas de Mahito pela madrugada, que eram também, a única forma de se aquecer. O vazio da casa, sem pessoas e mobília com pouquíssimos móveis a fazem parece ainda mais frio e aterrorizante. O frio de estar sozinho é dez mil vezes pior que a neve do inverno, ainda é estranho dá-se conta que habituou-se tão bem a solidão que estar em uma casa cheia como essa é desconfortável.
Até mesmo o corredor desta casa tem mais vida que o quarto em que dormiu por sete anos em Shinjuku, esse fato o envergonha internamente. Aquele quarto tem tantas lembranças… guarda tantos segredos, é bom que as paredes não podem falar, caso contrário, Junpei ficaria eternamente horrorizado com todas as atitudes de Mahito, coisas que mantiveram escondidas para não causar brigas desnecessárias.
Chegando no quarto de Megumi, bateu a porta três vezes antes de finalmente receber permissão para entrar. Odeia isso. Odeia ter que pedir permissão para entrar em algo que já foi seu, mas agora, não é mais. Respirou fundo, empurrando esses pensamentos para o canto escuro (onde eles deveriam ficar) e girou a maçaneta, encontrando as luzes acesas e Tsumiki, Megumi e Jin amontoados na cama.
— Yuuji… eu estava começando a ficar preocupado, quando chegou? — Olhou-o por alguns minutos, ainda segurando a maçaneta e questionando-se ainda dá tempo de voltar ao táxi e fugir para casa do tio Kenjaku. Jin também o encara, seus dedos não deixam de escovar suavemente o cabelo de Megumi. Ele está sentado na cabeceira da cama, meio deitado e pronto para vigiar o sono de Megumi a noite inteira. Não é preciso ser um gênio para perceber isso. Tsumiki aparentemente vai seguir essa tarefa, o forte colado na cama diz por si só.
— Agora. — Murmurou, sentindo a garganta seca. Sem escolhas, entrou no quarto e foi até a cômoda de roupas, procurando apressadamente um conjunto quente.
— Está com fome? Toji-san fez um ensopado delicioso, acho que cai bem para o frio desta noite. — Comentei, sugestivo. Murmurou um “hum” desinteressado e pegou uma calça e uma blusa moletom largas. — Posso esquentar, se você quiser. — Ofereceu. Ele está desesperado para ser útil? É o que parece com tantas perguntas sugestivas.
— Acho melhor você não sair do lado do seu filho. — Respondeu sem emoção na voz ou expressão. Não quer ser frio, principalmente depois que Megumi passou ontem, realmente não é sua intenção. Apenas… saiu naturalmente. Você está sentindo-se magoado. Invejoso. Amargo. E isso dói como uma cadela, quer chorar agora mesmo, porque diabos Kaori não poderia ter agido assim depois que Mahito foi embora na primeira noite? Porque Kaori teve que fingir que nada estava acontecendo e deixá-lo sofrer sozinho? Por que Megumi tem o apoio de Jin e de todos dessa casa, enquanto Yuuji aguentou silenciosamente tudo o que foi oferecido? Não vai encontrar respostas para suas perguntas em lágrimas idiotas. Chorar só vai parecer patético, e Mahito adorava quando chorava no meio do sexo. De dor ou prazer, não importava, ele ficaria excitado da mesma maneira.
— O pai estaria apenas cuidando de você, o meu irmão, eu não ficaria bravo com isso. — Megumi disse, encolhendo os ombros minimamente. Ele parece magoado com o que acabou de ouvir.
— Além de que eu também estou aqui. — Olhou para Tsumiki, que falou a mão como se estivesse marcando presença na sala de aula.
— Vê? Aqui nós cuidamos uns dos outros, fazer companhia enquanto você vem não é problema, além de ser ruim comer sozinho. — Jin argumentou, já está se movendo para sair da cama. Que brigar para ele parar. Parar exatamente onde está e parar de fazer isso. De fingir que isso é importante. Mas por alguma razão, não consegue gritar.
— Não estou com fome, então apenas cuide do seu filho e me deixe em paz. — Disse, respirando fundo audivelmente. Saindo do quarto, com cuidado para não pisar acidentalmente em Tsumiki e no colchão dela.
— Posso saber o que você vem jantar? — Questionou, em um tom autoritário que o fez franzir os lábios de desgosto.
— Não é da sua conta. – Vádia. Completou mentalmente, fechando a porta com certa brutalidade.
— Vai com calma garoto, se quebrar sou eu vou ter que quebrar. — No final do corredor, Toji meio que comenta, também saiu do quarto, provavelmente o dele. Fechou os olhos e pediu forças as energias naturais do universo, e resolveu ignorá-lo. Ignorar é sempre a melhor solução. — Ei, você está ouvindo? — Mas ele é tão irritante.
— Foda-se, seu velho insuportável. — Respondeu sem paciência, entrando no banheiro e batendo na porta com força propositalmente.
Trancou-a e jogou as roupas e toalha sob a tampa do vaso sanitário, segurou o rosto entre as mãos e fechou os olhos, evitando se olhar no espelho. Isso aqui é um pesadelo!
Seus olhos estão ardendo, com lágrimas presas lutando para escorregar, e seu coração dói como se uma mão estivesse esmagando-o. Mordeu os lábios inferiores, sufocando o gemido de dor que queria escapar da garganta. Por que porra é tão difícil aceitar que eles sejam felizes? Ou melhor, porque eles ficam felizes enquanto Yuuji não? O que fez de errado? Talvez a Kaori tivesse razão em todas aquelas vezes que discursava sobre pessoas que nascem sem sorte e sem o direito de serem amadas, e sobre como foi certa em dizer, sem rodeios e remorsos, que Yuuji é uma dessas pessoas. Ela não estava sendo malvada, estava apenas se preparando para a vida, mas era inocente demais para entender isso.
Lembranças daqueles momentos discursivos e dolorosos o que fiz abrir a tampa do vaso e colocar o chá que bebeu hoje mais cedo para fora junto dos fluidos estomacais, não comeu nada para ter algum conteúdo, então é apenas líquido. Queima e dói na garganta, mas já estou habituado a essa merda. Tosse, ainda expelindo o líquido ácido e as lágrimas acomuladas atrás dos olhos molham sua bochecha sem permissão. As palavras de Kaori nos seus ouvidos são tão vívidas e reais que poderia pensar facilmente que ela está aqui agora, xingando de tudo o que é nome vulgar e degradante, mas sabe são apenas lembranças.
Apenas lembranças. Não pode machucá-lo realmente.
São apenas lembranças.
“Você sabe, se não tivesse nascido como um ômega recessivo, Jin-san nunca teria me deixado. Eu deveria tê-lo abortado, mas fui incapaz de odiar um ser tão pequenino e indefeso, em troca, o que ganhei? Você acabou com a minha vida, Yuuji. Por isso eu não posso continuar te amando, você não merece meu amor… meu amor por você foi o que me destruiu, você entende a mamãe, não entende? Me desculpe, mas não posso te amar. Na verdade não posso.” Tem a sensação daquela voz embriagada sussurrando nos seus ouvidos, o cheiro de álcool e tabaco enchendo seu nariz, e o cinto de couro raspando na pele de suas costas nuas rudemente. Pele molhada de sangue. O chão frio de madeira velha.
— Ei pirralho! O que está acontecendo?! — Encolheu-se com o grito do outro lado na porta, as batidas fortes que fazem o compartimento de madeira balançar e o tremor disso ressoa nos próprios ossos de Yuuji. É como se estivesse escutando Mahito chutar e esmurrar a porta do banheiro, dizendo-o para sair antes que aquebre. Encolheu-se sob o vaso, buscando ar para os pulmões doloridos. — Está acontecendo mal de novo?! Abra a porta, posso ajudá-lo, ou levá-lo ao hospital, qualquer coisa. Você não precisa fazer isso sozinho… — Disse a última parte baixinho, como se não quisesse que os outros escutassem. Esse é Toji… ele não sabe o que está falando. Ele nem é realmente importante.
— Vá embora, eu estou bem. — Respondeu, depois de muito tempo em silêncio.
— Bem o caralho, parecia que estava morrendo. O que aconteceu, hein? — E essa é uma das partes ruínas de morar nessa casa. As paredes são finas e todos sabem o que acontece em cada cômodo.
— Não é da sua conta, vagabundo. Vá caçar um serviço e me deixe em paz! — Disse mal humorado, e levantou do chão, segurando o estômago que dói após mais uma sessão de evacuação forçada. (pelo buraco errado)
— … Se você morrer sob meu teto é da minha conta, então sim, isso também é da minha conta! — Bufou, ainda sentindo o corpo ter espasmos involuntários e as lágrimas rolarem pelo rosto. Um inferno que vai deixar-se ser visto assim por eles. Já está sendo humilhado o suficiente nessa casa.
— Não se preocupe, vou procurar morrer longe daqui. — Resmungou, zombeteiro. E adicionou na lista do que não fazer aqui: não tentar suicídio na casa de Jin para não incomodar Toji. Amanhã vai dar uma boa olhada no telhado da escola, seria uma morte bem dramática se pulasse de lá, e ainda fechariam o lugar por alguns dias para investigação policial. Os alunos sairiam no lucro.
— Você não vai abrir mesmo, não é? — Percebeu, a contragosto, que há frustração e raiva na voz de Toji, e que aparentemente, estão direcionadas a si mesmo. Entende o sentimento, tem estado com raiva e frustrado com rumo que tudo tem tomado a um bom tempo, só piora quando percebe que não pode fazer nada sobre. Não respondeu, e Toji aceitou isso como resposta. — Certo, só saiba que… eu não estive ao seu lado nem o conheço como gostaria de conhecer, mas nada disso o faz ser menos meu filhote. Meu filhote, assim como Megumi e Tsumiki, Sukuna e Choso, e você é importante para mim, para nós. Todos nós. — Disse suavemente. Isso deixou Yuuji perplexo, porque é idiotice dizer que alguém que você não conhece é o seu filhote, e principalmente, que é alguém importante.
Riu sozinho destas palavras, deslizando até o chão e deixando o riso amargo se misturar as lágrimas indesejadas que já estão secando. Queria tanto acreditar. Mas não pode. Não vai. Eles só irão embora novamente quando perceberem que é impossível amá-lo e que está sempre estragando tudo, então será deixado sozinho com os mil pedaços do seu coração espalhados por milhas de distância.
Pedaços cortantes como vidro e, impossíveis de consertar.
•••
Por alguma razão, voltar ao quarto de Megumi pareceu errado, como se estivesse interrompendo um momento íntimo entre pai e filho, sentiu-se deslocado, um intruso indesejado, então depois de horas no banheiro tomando banho e se recompondo emocionalmente (que fique claro, essa merda não funcionou) saiu silenciosamente e esgueirou-se pelos corredores como um ninja espião, aproveitando que as luzes estão apagadas e todos estão nos próprios quartos para passar despercebido. É claro que como tudo na sua vida, isso também daria errado, e acabou tomando um susto com a figura enorme de Toji descansando em uma das poltronas da sala. Ele está visivelmente relaxado, pernas e braços abertos, e a cabeça jogada para trás, no encosto do estofado macio.
Desistiu da ideia de passar despercebido, é provável que tenha sido reconhecido desde o momento em que saiu do banheiro e fechou a porta. Soltou um suspiro cansado e terminou de descer as escadas, tentou ir embora sem trocar palavras (o que é o ideal), mas Toji tinha outras ideias em mente.
— Ei pirralho, onde pensa que vai? — Perguntou, abrindo os olhos verdes esmeraldas, totalmente idênticos aos de Megumi. Eles são uma cópia um do outro, com a diferença no corte de cabelo e estrutura corporal. É bom que tenham um bom relacionamento, caso contrário, essa semelhança seria um pé no saco.
— Não sabia que era proibido me locomover por sua casa. — Desviou da pergunta com sucesso, sendo sarcástico no processo. Toji bufou, consertando a postura desleixada e olhando-o melhor.
— Nossa casa, você quer dizer. — Jogou, mostrando o sorriso rasgado de maneira simpática. Eca. Até quando tenta ser amigável esse cara consegue parecer assustador. Contraiu a sobrancelha involuntariamente, acontece às vezes, como um tique irritante. — Está com fome? Fiz um ensopado de carne e legumes, acho que vai fazer bem para o seu estômago. Também tenho um chá natural, ajuda com a indigestão, talvez você tenha comido algo que fez mal. — Ofereceu muito pró-ativo, teve a sensação de que se dizer sim ele vai levantar em um pulo e fazer tudo na correria. Não vai deixar passar despercebido que ele confundiu sua ansiedade com um mal estar causado por comida estragada, aliás. Gostaria muito que esse fosse o caso, mas infelizmente não é.
— Eu estou bem. — Disse lentamente, parado no meio da sala debilmente. Passaram-se alguns segundos de silêncio, então, voltou a caminhar.
—... Não destruí o casamento dos seus pais. Muito menos estou tentando roubar o seu espaço. — Parou, queria ter energia para falar algo e listar todas as vezes que Jin não estava em algum evento importante (pelo menos para o Yuuji infantil) porque os dois pombinhos estavam fodendo como cachorros do cio. Ou as noites em que encontrou Kaori chorando sozinha enrolada nos lençóis da cama, tentando inspirar o cheiro de Jin (que era inexistente naquele momento) e juntou-se a ela, obrigando-se a segurar as próprias lágrimas para consolá-la. E por que? Porque Jin estaria passando a noite com Toji e seus dois novos filhos ômegas. Ele ainda tem coragem de dizer que “eu não destruí o casamento dos seus pais?” É muita cara de pau em um única pessoa, vai comprar lustra móveis para ele passar nas bochechas.
— Qual vai ser meu castigo mesmo? — Perguntou, mudando de assunto. Toji não respondeu, — Ou não irão me corrigir por ter ignorado as chamadas telefônicas ontem a noite? — Continuou, sarcasticamente. Ignorar e ignorar. Vai ignorar o que acabou de ouvir, assim como vai enterrar a raiva e mágoa que vieram à tona com elas, vai ser melhor para ambos.
Não tentando roubar seu espaço, mas ocuparam seu antigo quarto e colocaram um ômega dominante para dormir nele nesses últimos sete anos. Tsk. Imagina se você estivesse tentando realmente substituí-lo, hein?
— Você não precisa de mais motivos para nos odiar. — Apreciou uma tentativa, mas adivinhe? O que sente não vai diminuir a intensidade apenas por causa disso. — No entanto, acho que protegeremos todos juntos à escola, pelo menos até Sukuna resolver… esse problema. — Gemeu de desgosto internamente.
— Tanto faz. — Pelo menos serão apenas vinte minutos juntos. Estalou a língua, resmungando mal humorado. Seguiu pelo corredor, sumindo na escuridão das luzes apagadas.
- Boa noite. — Toji desejou.
— Vai se foder. — Respondi, e pensei ter ouvido um riso pesado vindo da sala. Talvez Toji tenha uma torção de xingamento, porque não é possível que ele realmente esteja bem com tantos maus tratos que recebe, pensa seriamente, afastando-se ainda mais da sala de estar e cozinha.
São meia noite e trinta minutos no relógio, demorou mais do que deveria no banho, tem certeza que Jin e os ômegas estão dormindo e… o vovô também. Não vai incomodá-lo a essa hora da madrugada por besteira, ele está em uma idade avançada e precisa de descanso específico. Então, passou direto pelo quarto dele, mesmo que estava morrendo de vontade de bater na porta e pedir para dormirem juntos. Respirou fundo, e caminhou até a varanda coberta dos fundos, as janelas e portas de vidro estão devidamente fechadas, não há grande circulação de ar por aqui. Também é um espaço novo na casa, não lembra de tê-lo visto aqui na infância.
Puxou uma das poltronas de palha com estofados de cor vermelha suave e sentou-se nela, trazendo os joelhos para junto do peito e remexendo-se até conseguir uma posição confortável que ainda o permita estar enrolado em torno de si mesmo. Foram uns três ou cinco minutos tentando encontrar a posição perfeita, mas eventualmente descobri, e então pegou o celular e desbloqueou a tela, entrou no Instagram e clicou em “seguir de volta” Naoya e rapidamente fechou o aplicativo, migrando para a conversa em bate-papo com Junpei.
“Ei vadia, já chegou em casa?” Faça menos de uma hora que recebeu uma mensagem de texto, então é provável que ele ainda esteja acordado.
“Gostaria muito de dizer que não.” Respondeu brevemente, mastigando os lábios enquanto espera uma visualização.
“Eles fizeram ou disseram algo com você?” Os pontos azuis e o pequeno texto brilharam na tela sem muita comoção. Franziu a testa, pensando que dessa vez eles não fizeram nada. (Um milagre? Sim, um milagre!) “Ou não precisa necessariamente que tenham feito algo. Apenas agido normalmente. Isso provocou gatilhos. Então, eu deveria ir até aí e salvar-lo deste reino mal?” Riu levemente em um tom carinhoso.
“Juro que estou bem…” Encarou o próprio texto antes de enviar. Decidiu completá-lo: “Mas estaria melhor longe daqui.”
“Imagino que sim.” Junpei respondeu no mesmo segundo.
“Eles envelhecem normalmente. Como uma família amorosa agiria, isso deveria ser doloroso para mim ou estou sendo dramático e mimado?” Perguntou, querendo desesperadamente tirar esse peso do peito. Seus pensamentos dizem que está sendo invejoso. Mimado. Tão mimado. Impossivelmente mimado. Querendo monopolizar a atenção o amor deles, quando Megumi é a única que precisa de apoio. E dessa vez, Junpei leva um tempo para pensar.
“Não vejo meu doador de esperma há anos, mas lembra daquele verão que o avistamos no parque botânico com sua nova esposa e novos filhos fazendo um piquenique completo?” Sim, é claro que lembra. O homem não parece nada com Junpei ou está dentro dos padrões da tia Nagi, então foi uma surpresa saber que ele era de fato o 'doador de esperma' do Junpei.
“Sim, eu lembro.” Digitou, sem humor.
“Pois bem, eu digo que não sinto falta de uma figura paterna e tal, não minto quando digo isso, é verdade. A mamãe é o suficiente. Mas ainda doeu vê-lo com outra família quando a mamãe teve que lidar com os xingamentos das minhas avós por um deslize na adolescência e imagine? Ele foi para uma boa universidade, tem uma vida financeira estável, enquanto nós quase passamos fome. Não foi inveja que senti, nem manha, muito menos drama, eu só estava percebendo o que sei lá, fui abandonado? Não importa agora.” Junpei é tão descontraído ao falar com seu doador de esperma que às vezes esquece toda a problemática que os envolve. Quando ele conheceu a tia Nagi, as coisas estavam melhorando, mas isso não significa que eles viviam no luxo. Como poderia, sendo residentes de Shinjuku? Diferente de Kaori, a tia Nagi não contou com o apoio de ninguém e teve que largar a escola, nunca foi para a faculdade dos sonhos, e precisou trabalhar dia e noite para manter um apartamento caindo aos pedaços. Além é claro, de todas as necessidades básicas de um bebê.
Apesar de todas essas dificuldades, ela nunca abandonou Junpei ou descarregou suas frustrações nele. Tem plena certeza de que fosse Kaori, teria-o largado no primeiro orfanato que encontrou e sumido do mapa.
“Talvez seja mais fácil para você lidar com isso porque, bem, você nunca teve um pai. Sempre foi você e a tia.” Ou talvez, Yuuji só esteja sendo insensível ao dizer isso.
“Sim, você com certeza tem razão! Eu realmente não ligo para ele.” Admitindo facilmente, pode-se imaginar que você encolherá os ombros e fará um pouco disso. “Mas conheço esse sentimento de abandono. E uma pessoa de cabelo rosa me ensinou que nada do que aconteceu foi minha culpa. Sabe, é uma grande ação tirar alguém da depressão quando você nem é um profissional de saúde mental.” Bufou, sem processo.
“Essa pessoa de cabelo rosa não fez nada além de ficar ao seu lado, idiota.” Revirou os olhos, por que Junpei consegue ser tão dramático em relação ao início da amizade deles? Não é como se Yuuji tivesse aparecido como o anjo e tirado do inferno.
“Às vezes, tudo o que precisamos é ter alguém do nosso lado.” Olhou um tempo para a tela do celular, todas as luzes da casa estão apagadas a essa hora e o brilho da tela no mínimo causa a impressão de ser alto por conta da escuridão. Isso o lembra de casa. A casa que deixou em Shinjuku. E o faz pensar que já estaria morto caso Junpei e tio Kenjaku não estivessem do seu lado todos esses anos.
"É, você tem razão.” Se Junpei pudesse vê-lo agora, iria prendê-lo em um abraço de urso e essa dor que assola seu coração e estômago iriam embora. “Acredita que o Gojo era o cliente maluco que encomendou aquele arranjo que flores horroroso?” Mudou de assunto, querendo sair do tópico: drama familiar. Essa conversa está começando a ficar muito sentimental.
“Ooooh, não sabia que ele tinha tão mau gosto!!” Riu silenciosamente.
“Sim, também fiquei surpreso. Aliás, aparentemente ele é um cliente da loja há mais ou menos quinze anos, por que o tio nunca nos disse nada?” Isso ainda está martelando a sua cabeça. Não vai conseguir ficar em paz até ter uma explicação decente.
“... Talvez o tio apenas julgou desnecessário compartilhar algo que poderia te deixar magoado? Acho que ele só queria te proteger.” Pensou sobre, mas protegê-lo de quê, afinal? Não é como se estivesse perdidamente apaixonado antes de remover a marca. “Tipo de, contato desnecessário. Tenho certeza que Gojo e Geto estão tentando se aproximar.” Agora faz mais sentido. Respirou fundo, de repente sentindo-se exausto de todas essas pessoas indesejadas tentando se intrometer na sua vida. Junpei tem razão, observá-los nessa casa durante os encontros obrigatórios já era doloroso, agora pense em fazer arranjos de flores para sua alma gêmea presentear a alma gêmea e cônjuge dela, que aliás, também é sua outra alma gêmea. Complicado. Certamente não precisava passar por isso naquela época.
Claro, ainda doeu hoje, e continuar vendo-os pelos próximos seis meses será uma dor na bunda, mas agora está crescido e os efeitos colaterais da remoção são mais fáceis de suportar. Isso o lembra de… “Junpei, tenho sentido dores estranhas no estômago quando vejo Geto ou Gojo. Horríveis a ponto de me fazerem cair no chão.” Confidenciou, completando: “E não estou sendo dramático.”
Para uma dor fazê-lo cair no chão, deve ser algo realmente horrível, ambos sabem que Yuuji tem alta resistência a… bem, resistência a dor. Não há como dizer isso de outra forma. “Quando isso começou e por que só estou sabendo agora?!” Pode ouvir a urgência na voz de Junpei, mesmo por mensagem de texto. Ele está alarmado.
“A pouco tempo, estão lá desde o ano passado, e ficaram mais fortes no aniversário de Jin este ano. Então, começaram a incomodar de fato quando nós os encontramos na saída da escola, segunda-feira. E tem ficado mais forte desde então.” Achou melhor omitir o fato de que pensou ter um alienígena rasgando o caminho para fora do seu estômago depois que Gojo saiu da loja. “E bem, eu não penso que seja algo tão importante e não quero te preocupar com besteiras.” Encolheu os ombros para ninguém.
“Importante ou não, eu devo saber! Como posso cuidar de você se você simplesmente esconde essas merdas de mim?!” Revirou os olhos, respondendo imediatamente.
“Ok, ok, ok, desculpe, não vou mais esconder nada de você, está melhor assim?” Esperou pacientemente, Junpei demorou exatamente quatro minutos para visualizar a mensagem.
“Estava verificando nossa agenda, amanhã mesmo irei marcar uma consulta com o médico Zhōu Ping. Ele não é o que precisamos exatamente, mas é o mais perto que encontramos do Dr. Sulivan no Japão.” Claro que ele iria agir racionalmente e procurar um médico na mesma hora. Soltou um suspiro, dobrando os dedos dos pés para dentro quando sentiu uma brisa fria tocá-los. “Por enquanto, tente evitar encontrá-los em locais fechados, ou que fiquem muito próximos fisicamente. Melhor, não faça nenhum contato verbal, pelo menos até sabermos o que está acontecendo com você.”
“Ignorá-los não será um problema para mim.” Franziu o cenho, frustrado com o pensamento de ter que mudar o horário de treino na academia porque Geto não pode simplesmente deixá-lo em paz. “Eles que continuam me perseguindo. E caso tenha esquecido, Gojo é nosso professor de matemática, por coincidência, também são amigos de Jin e vêm a essa casa quase todos os finais de semana.” Listou a problemática da questão.
“Isso é uma merda fodida.” Junpei respondeu, sem dúvidas, também frustrado. “Sinto muito, por enquanto, apenas continue agindo normalmente. Vamos encontrar uma solução.”
“Ok. Farei isso.” Concordou. Talvez, precise ser um pouco mais hostil e desagradável com eles.
“Agora, por favor, conte-me em detalhes TUDO sobre o mau gosto de Gojo.” E sim, é óbvio que precisa atualizá-lo dos últimos acontecimentos da noite, ele é ansioso demais para esperar até amanhã. Mas tudo bem, não vai conseguir dormir mesmo.
Passaram a maior parte da noite trocando mensagens de texto, e lentamente, à medida que as horas foram passando, começou a sentir-se menos vazio e mais acolhido, certo de que tem um lugar ao qual pertence, muito embora seja longe dessa casa. Junpei faz as ondulações e calafrios que percorrem o corpo irem embora, substituindo-o por um calor agradável e relaxante. Ele é como um banho em águas termais, uma sauna quente depois de treinos pesados, um gole de ar fresco em pleno a poluição industrial e acima de acima tudo isso, seu melhor amigo. Não sabe como conseguiu sobreviver sozinho antes de conhecê-lo, possuem uma conexão tão íntima e profunda que poderiam facilmente se passarem por almas gêmeas e todos acreditariam, parece que todos os seus pensamentos estão na mais perfeita sincronia. Lamenta não vê-lo como nada além de um irmão, poderiam ser um casal perfeito caso o contrário.
Mandou-o dormir por volta das três horas da madrugada, não é porque tem péssimos hábitos noturnos que vai instigar Junpei a seguir o mesmo caminho. Reclamando de que não está com sono, arrastaram a conversa até três e quarenta e cinco, quando sua última mensagem foi visualizada e não respondida, soube que ele dormiu ‘acidentalmente'. A bateria do celular está chegando ao fim, então bloqueou a tela e saiu da posição encolhida em cima da cadeira de palha. Vai colocá-lo para receber uma carga quando amanhecer, não acha que seria muito educado invadir o quarto de Megumi pela madrugada. Esticou as pernas, bocejando preguiçosamente e encarou o compartimento de vidro temperado que permite observar o pequeno jardim da casa, a cozinha externa usada nos churrascos e um pedacinho de céu azul escuro. Não é uma paisagem ruim de se observar, mas ainda não é nada parecido com o chalé das montanhas, pertencente à família de Mahito, onde teria uma bela vista verde por vários e vários quilômetros. Além de ouvir o canto dos pássaros pela manhã e o barulho dos animais pisando nos galhos da floresta. Era relaxante, e a melhor parte é que não brigaram nenhuma vez que foram ao chalé.
Gosta de guardar essas doces memórias para ter boas lembranças de Mahito, onde estavam felizes e sorrindo, não trocando socos, gritos e pontapés. Essa escolha pode ser pouquíssimo saudável, sabe muito bem, mas é aconchegante eternizá-lo como um homem loucamente apaixonado, enquanto é extremamente doloroso descrevê-lo como um abusador agressivo.
Essa é uma página da sua vida que ainda não está pronto para virar, e talvez, nunca esteja.
Mahito deu-lhe algo como não pode viver sem, ele foi embora e levou todas as suas razões para se manter firme sob as duas pernas, deixou-o rastejando na lama, roubou sua dignidade e o envergonhou. Mas ainda assim, não consegue odiá-lo. Ainda anseia por algo que não sabe precisamente o que é, talvez se pudesse encontrá-lo mais uma vez saberia o nome do que tanto procura. E é tão pateticamente hilário que meio ano após a separação continua parado exatamente no mesmo lugar em que foi deixado. Chorando pelos cantos, buscando motivos (apesar de saber melhor do que ninguém os motivos que o levaram a esse ponto), insistindo em reviver memórias que deveriam ser afogadas no lago do esquecimento, machucando-se apenas para ter certeza de que ainda está vivo. Então pergunte-se, como Mahito está agora? Dúvida que ele esteja triste e desanimado, ansiando por uma reconciliação. Ele chorou quando viu-se sozinho? Arrependeu-se de tê-lo batido tanto? Trocou o número de telefone? Continua trabalhando no mesmo hospital? Manteve o endereço de antes? Ainda frequenta aqueles restaurantes e hotéis cinco estrelas? Se sim, quem está o acompanhando?
São tantas perguntas. O pensamento de outro alguém tomou o lugar que um dia foi seu o deixa enjoado, com as entranhas rolando na barriga e arrepios de ansiedade percorrendo a coluna vertebral. Mahito acalmou em frente e está visitando o chalé das montanhas na companhia de outro? Saindo todas as noites, bebendo, brigando e transando violentamente com um garoto ou garota inocente? Ele iria esquecer tudo o que viveram juntos nos últimos sete anos tão rapidamente? Iria superá-lo com um sorriso no rosto, assim como Jin, Sukuna e Choso fizeram? Prometeram que iriam ficar juntos.
Tinham tantos planos para o futuro, mesmo que no fundo não estivesse confiante de que nenhum deles seria realizado, ainda é agonizante soltá-los e vê-los escorrer por entre seus dedos. Estávamos pensando em casar no próximo ano, assim que terminasse a escola, não teria filhos porque Mahito não estava disposto a dividir-lo com um bebê choroso. Ao invés, adorariam um gato amarelo rajado e viajariam para o exterior nos finais de ano. Há tantos buracos nesses planos. Era impossível terem construído uma vida juntos, e principalmente, sendo felizes. No entanto, a verdade desse facto não o faz lamentar menos.
Por muito tempo, Mahito foi o seu ponto seguro, aquele que escutaria-o pacientemente reclamar de Jin e sua nova família sem nunca zombar da sua tristeza ou raiva, olhando-o com grandes olhos heterocromáticos brilhosos, como se estivesse diante de um deus. Sentia que não estava realmente prestando atenção em nada, mas não se importava o suficiente para repreendê-lo. Incrivelmente, Mahito também salvou-o da ira da Kaori, ou quando não conseguia chegar a tempo, cuidava dos seus ferimentos, por mais pequenos que fosse, delicadamente. De alguma forma, Mahito estava lá segurando-o e oferecendo o apoio que necessitava, esses gestos gentis a longo prazo fizeram-o se apaixonar e ignorar todas as bandeiras vermelhas neon que brilhavam ao redor dele.
Nem todos os momentos juntos foram um inferno. Não. O que viveram foi muito mais do que apenas sexo e brigas, como fazer o tio Kenjaku e Junpei entenderem isso? Mexeu os dedos dos pés, soltando um suspiro profundo e cansado. Ou talvez seja Yuuji quem deve entender algo?
Honestamente, não precisa ouvir que estavam andando em círculos, preso em uma realidade existente apenas na sua cabeça, que amou sozinho, chorou sozinho e sofreu sozinho, que esse amor o deixou doente e fodido em todos os aspectos possíveis. Não precisa ouvir, porque já sabe. Sim, com toda essa atitude depressiva e ansiosa irão pensar que não, mas sabe perfeitamente de tudo isso. Então, seria menos doloroso não ter que escutar essa merda sempre que tivessem a oportunidade de dizer. O que eles não sabem é como é difícil seguir em frente.
E esquecer a única pessoa que o pegou quando Jin o descartou como uma peça quebrada.
Jogou a cabeça para trás, sentindo-se exausto, não há um único músculo do seu corpo que esteja ‘ok’ e depois de todos esses pensamentos, também não há uma única célula cerebral que funcione corretamente. Ainda está escuro lá fora, talvez possa fechar os olhos e sonhar com os pouquíssimos bons momentos que compõem a sua vida.
Sim, pode fazer isso. Só dessa vez.
•••
Quando fechou os olhos, dormir não fazia parte dos seus planos, pretendia navegar por cenários irreais (é ótimo nessa merda) que nunca irão acontecer e relaxar um pouco antes de ser forçado a levantar e começar mais um dia. No entanto, supõe que subestimou o cansaço dos seus músculos, porque mesmo em um lugar apertado e impróprio como a cadeira de palha orgânica que fica na varanda fechada, dormiu profundamente. O que é pouco recomendado quando se está em uma casa cheia de alfas, vale ressaltar. Não é preocupante que tenha torcicolo no dia seguinte ou outras dores espalhadas pelo corpo, depois de anos dormindo sob um colchão péssimo (tão duro quanto concreto) acabou acostumando-se. Em contrapartida, é preocupante que tenha pesadelos muito ‘reais’ e cause um escândalo antes de acordar. O que não foi esse o caso hoje, felizmente.
Pelo menos, não de gritos e pontapés dados às cegas.
Soube que não gritou porque está perto do quarto do vovô e caso tivesse chamado atenção ele seria o primeiro a acordar, mas existem outros aspectos incomuns que acompanham-o quando está desacordado, chorar inconscientemente é um deles. Percebeu que esse fenômeno (nada incomum, segundo o Google) acontece com todos os humanos, aparentemente, os músculos ao redor dos olhos se contraem e pressionam as glândulas lacrimais e esse movimento provoca as lágrimas inconvenientes. São poucas e quase imperceptíveis, daquele tipo que lavamos o rosto e odiamos as malditas melecas pregadas nos cantos dos olhos pela manhã. Gostaria de dizer que esse é o seu problema, mas, é muito mais complicado. Junpei diz que isso é conhecido como terror noturno e é um distúrbio do sono, classificado como parassonia e são manifestações comportamentais alteradas ou percepções distorcidas da consciência. É uma ocorrência normal na vida das crianças, mas não costuma persegui-los até a idade adulta. Novamente, Yuuji é uma exceção.
Paralisia do sono e terror noturno, pesadelos e crises de ansiedade (do nada!) atormentam-o desde a… bem, desde as primeiras vezes que Kaori chegou bêbada em casa, começou a piorar ao decorrer dos anos e a medida que as vistas de Mahito foram sendo feitas fixamente. Agora, mesmo que faça um ano e três meses que não ganha umas boa surra de Kaori, e oito meses direito sem sexo com Mahito, viver sem esses quatro cavaleiros do apocalipse é uma realidade muito, muito distante.
Nem sempre a causa do terror noturno são pesadelos horríveis (que na verdade são lembranças horríveis), pode ser, como hoje, apenas boas memórias guardadas em um lugar escondido e escuro, com a intenção de protegê-las. Mas quando vêem a superfície, tendem a machucar tão agressivamente quanto qualquer outra. Ainda não está claro se é um sadomasoquista procurando incansavelmente o sofrimento, porém, pode-se dizer que está mais do que claro que agarrar-se aos momentos felizes (que o fazem sofrer quando dá-se conta do quanto perdeu) é o que mantém sã e satisfeito.
Reviver os cenários onde era uma criança normal, com dois irmãos incríveis e invencíveis, super fortes e que iriam descobrir-lo de todo o mal do mundo. Os pouquíssimos aniversários comemorados em família, com um bolo enorme e colorido, acompanhado de muitos docinhos e muito refrigerantes e a melhor parte, Jin estaria do seu lado, instigando-o a apagar as velas enquanto (mentalmente!!) faz um pedido. Passeios rápidos com Kaori na volta da escola, onde fariam uma pausa e tomariam um sorvete, ou correriam pelas ruas e rindo como bobos, tentando fugir da chuva. Jogar Shogi com o vovô bebendo suco de laranja e engolindo quantas bolaschas couber na boca, apenas para receber cascudos de um velho irritado porque bem.., ele perdeu para uma criança idiota. Ter sucesso ao fazer o primeiro arranjo de flores sozinho, e ouvir comentários maldosos do tio, que tem uma maneira diferenciada de elogiar as pessoas, mas ainda compraria um bolo recheado no chá da tarde para comemorar sua conquista. Fugir dos namorados da escola com Junpei e entrar acidentalmente em uma casa de prostituição, sendo tratados como criancinhas fofas e amáveis pelas prostitutas, e posteriormente, vender-as intimidar os idiotas por tentar bater em duas almas tão dóceis. Ganhar o primeiro Grammy e quase sofrer um ataque cardíaco no processo. Beijar e achar estranho a troca de saliva, se assustar com as mãos bobas, e descobrir o prazer do sexo suave. A euforia de perceber que compôs mais um hit e conseguiu mostrar aos haters o porque está no topo das paradas músicas. Abraçar coletivamente tia Nagi e Junpei, assistiram filmes até o amanhecer e fazendo uma bagunça com guerra de pipoca.
São pequenos cenários, pequenos detalhes, pequenas lembranças, mas que se tornam enormes quando colocados de frente para a realidade. Uma realidade seca e dolorosa, onde está sozinho e esses momentos jamais poderão ser revividos em tempo real, e então as lágrimas vêm e as palavras de Kaori torturam-o incessantemente.
“Você é tão inútil que não serviu para fazer Jin e seus irmãos te amarem.”
“Por que o choro? Pensa que se fazendo de coitadinho Jin vai largar os novos filhos ômegas, que aliás, não são protestantes como você, e vir te tirar daqui? Não seja infantil.”
“Notas vermelhas de novo? Não é impressionante que ninguém esteja orgulhoso de seus avanços. A cada dia fica pior.”
“O que há com essa cara? Você me culpa por Jin ter ido embora? Veja bem, ele ainda estaria comigo se você não tivesse nascido.”
Nos seus sonhos, o sorriso maníaco de uma psicopata bêbada que Kaori abriu sempre que o encontrou após um péssimo dia o faz correr para longe dela, há apenas uma linha reta, sem curvas e sem chances de escapatória. Ela se diverte com a perseguição. Sua risada é alta e o cheiro de álcool inunda a estrada vazia. É uma pena que isso não seja realmente um pesadelo. A percepção disso o forçar a parar de correr e simplesmente aceitar o que aconteceu e vai acontecer, ninguém nunca vai ajudá-lo. No entanto, o pesadelo que o fez chorar não está relacionado diretamente a Kaori, e sim a Mahito.
Tem tido esse mesmo pesadelo por meses e meses seguidos, já não deveria afetá-lo tanto, essa é a verdade, o dia em que brigaram feio e ele saiu pela porta sem se importar com o corpo ensanguentado de Yuuji esparramado sob o chão do quarto bagunçado, totalmente imóvel, sem forças para falar, chorar ou mover um músculo. Não havia arrependimentos nos seus olhos heterocromáticos, nem motivados nos movimentos que antecederam sua partida.
Sozinho, esforçou-se até soltar um som quebrado que ressoou nas paredes de sua alma tão dolorida, as lágrimas misturaram-se ao sangue que cobre-lhe toda a extensão do rosto e a garganta protestou fortemente contra o esforço, mas naquele momento, Yuuji não é importante. Só queria alcançar Mahito. Pedir perdão. Pedir que favor, não vá embora, fique. Por favor, não vá embora como todos os outros. Fique. Fique. Vai ser uma pessoa melhor, deixe o orgulho de lado, vai atender o telefone quando receber ligações inesperadas e não brigar inutilmente, como cães e gatos.
Não se importa com esses danos superficiais espalhados pelo corpo, pode machucar o nariz com uma cirurgia plástica, tomar alguns antibióticos e logo logo estará pronto para foder a noite inteira. Apenas… não vá embora. Sente que deveria ter sido mais aberto, o arrependimento o corroi, e é tão forte que pensa brevemente ser o fim da sua vida miserável e vai morrer no chão do seu próprio quarto. Dizem que a honestidade é a chave para construir relacionamentos bons e duradouros, mas dizer: 'eu te amo' sempre pareceu muito extremo. Negou e fugiu de todas as oportunidades que teve de dizer a palavra, dizê-la em voz alta e escutar o som disso.
Eu te amo.
Eu te amo tanto.
Mahito teria ficado caso tivesse falado-a?
Quer mover os dedos e arrastar-se para fora do quarto, rolar pelas escadas e pegá-lo ainda calçando os sapatos no apertado hall de entrada, agarrar-se às suas pernas e implorar por perdão, repetindo freneticamente o quanto o ama. Que poderia morrer por esse amor. Que sem ele se sente como um náufrago à deriva e não sabe para onde ir, perdido, vazio e sem motivos para viver. Necessita desse amor como todo ser humano necessita de oxigênio para respirar.
No entanto, por mais que forcem os músculos a se moverem, darem um passo, eles não obedecem. Estão completamente estagnados no lugar, colados no chão permanentemente. Solta mais filhos arrastados, na esperança de serem altos o suficiente para Mahito escutar.
Ele não escuta.
Do quarto correu a porta no andar de baixo bater, causando um estrondo na portaria e sem dúvidas, fazendo a pintura descascar mais ainda. Silêncio. Chora o mais alto que consegue, apertando os olhos e amaldiçoado-se com todos os nomes que conhece. É tudo sua culpa. Aparentemente, Kaori nunca esteve errado ao dizer que é impossível amá-lo. Que está sempre estragando tudo. Não se esforçou-se o suficiente novamente, e por causa do seu descaso, perdeu mais uma pessoa preciosa. Assistiu-a embora e não pode fazer nada. Lágrimas não irão fazê-lo voltar, esses filhos que escaparam de sua garganta, capazes de perturbar qualquer alma viva, não irão convencê-lo a ficar. É tão patético.
Chorou e chorou, passaram-se horas, então uma noite, e depois um dia inteiro. Ouviu as ligações do telefone, mas ele está tocado em algum lugar do quarto, longe demais para alcançá-lo. Então apenas continua deitado onde está, ignorando o sangue seco pregado no corpo e o cheiro desagradável que vem com ele, mesmo se quisesse, não conseguia mover um músculo. A percepção do quão fodido está a ponto de passar-se um dia inteiro e ninguém vir procurá-lo em casa apenas deixa um espaço oco no meio do seu estômago.
Mahito não foi o único que o abandonou. Não, outros fizeram isso antes e continuam fazendo.
Kaori chegou do trabalho naquele dia e passou direto para o próprio quarto, bebeu um pouco e escolheu a caixa de som portátil o mais alto possível. Supõe que ela não queria ouvir suas gemas de dor ocasionais, ou as fungadas que o provocavam uma dor insuportável no nariz. Então o tempo contínuo passando. Passando e passando. Pareceu uma modernidade até que conseguiu se mover por conta própria, rastejou até o banheiro, deixando um rastro de sangue no caminho, a cada esforço feito pelos músculos dos braços e pernas a dor eletrizante percorria cada centímetro do seu corpo e o pedia para ficar quieto.
Queria ter cedido aos apelos desesperados dos claros sinais de exaustão do seu corpo, mas morrer deitado no chão do próprio quarto parecia tão humilhante. Não queria ser encontrado assim. Flexionou os dedos quando eles falharam, os filhos estrangulados escaparam mais uma vez pela garganta, Yuuji pensou ter ouvido algo parecido em algum filme de terror no cinema. Ele sem dúvidas estava parecendo o personagem sobrevivente dos jogos vorazes, ou melhor, da franquia de filmes jogos mortais. No momento, nada disso poderia importar menos. Teve a impressão de que estava no final da tarde quando finalmente chegou ao banheiro, o piso de cerâmica era frio contra sua pele quente e provocava arrepios desconfortáveis na pele exposta. Ignorou a dor o tanto que pode, mas como qualquer pessoa sã, sentiu quando estava atingindo o limite.
Como esforço final, forçou os músculos a levá-lo até a banheira velha e enferrujado que nunca foi usada antes, ela está coberta por uma grossa camada de poeira e quando girou lentamente o registro, a água que saiu assemelhava-se a cor escura do café. Também tinha um odor ruim. De alguma forma, seus últimos esforços foram usados para entrar na banheira, à medida que o nível da água subia, pensamentos sobre como ninguém sentiria sua falta se morresse encheram-lhe a cabeça. Mahito foi embora, o que resta para continuar vivendo?
Tem recebido decepção após decepção. Sua vida é um grande livro de catástrofe, todos que ama não o amam de volta, e posteriormente, partem em busca de alguém que valha a pena, deixando-o para sofrer sozinho. Então, por que permanecer vivo? Qual sentido de continuar desbravando os dias? Não há nada de novo acontecendo na sua vida.
Jin o amou até encontrar dois ômegas brilhantes e sem dúvidas melhores do um garoto burro e recessivo, então expulsou-o da sua vida. Agora, ele é muito mais feliz. Sukuna e Choso deixaram claro que nunca foram felizes com Yuuji e Kaori, o total oposto de como se sentem com os Fushiguro. Enquanto ao vovô… talvez ele esteja com pena de descartá-lo como o lixo que verdadeiramente é. Sim, porque diferente dos outros, o vovô é gentil demais.
Quantos dias se passaram desde que Mahito passou pela porta? Se alguém se importasse o suficiente, não estaria sozinho até agora.
O único que tinha era Mahito e ele… ele simplesmente se foi.
Não quer mais viver. Sente que não consegue seguir em frente sem ele. Sente-se tão vazio e quebrado. Sente-se traído e exausto. Sente-se um merda. E o pior é que não há ninguém para culpar além de si mesmo.
A banheira finalmente encheu até o limite, a água marrom escapou pelas bordas e inundou o chão de cerâmica agora manchado de sangue vermelho. Entretanto, quem se importa? Kaori não vai poder batê-lo mais. Dizer que é nojento e porco. Desorganizado. Um péssimo exemplo de ômega. Não, ninguém mais vai poder dizer isso. Por que está misturando-se a água imunda, tornando-se um só com ela, e isso parece bastante apropriado, pois é tão sujo quando a água que o molha. Sua alma é feia e rasgada. Seus sentimentos cheios de inveja e egoísmo.
Está tudo bem. Realmente. Espera que Junpei entenda, ele vai compreender… não vai? Sim, ele vai.
Deveria ter deixado uma carta? É uma pena que não tenha tido forças para segurar uma caneta ou lápis. Lamenta muitas coisas que poderiam ter sido feitas, mas agora, nenhuma delas realmente o incomoda. A água suja é o único incômodo ruim que enche seu nariz e sufoca seus pulmões, abre os olhos, observando o teto forrado de gesso com um buraco no lugar da lâmpada. Lá dentro se escondem os ratos. Ótimo, essa será sua última visão do mundo físico. E está tudo bem. Realmente, está tudo bem. Não há resistência física, nenhum protesto inconsciente do seu cérebro enviando ordens motoras nervosas que o façam mover-se para escapar do perigo iminente.
Como poderia haver? Todo o seu ser implora por descaso. Abre a boca e deixa o último respingo de oxigênio escapar por entre os lábios em bolhas pequenas e frágeis, submergindo na superfície apenas para estourarem imediatamente. Substituindo o oxigênio, a água suja invade sua cavidade bucal e Yuuji apenas aceita. Observando-a silenciosamente descer garganta abaixo. Água sendo inspirada pela boca e nariz. Seus olhos pesam, sente o corpo leve, flutuando livremente e então não há nada além do escuro e o frio enrolando-o em um cobertor grosso.
Acabou tudo bem.
Os últimos pensamentos que passam por sua cabeça são:
Eu te amo, Mahito.
Então, chorando como um bebê ao acordar e não encontrar o calor da mãe, Yuuji desperta do pesadelo horrível (uma lembrança) e percebe que não morreu como tanto desejou. Há uma mão quente enxugando suas lágrimas com tanta delicadeza, como se estivesse com medo de quebrá-lo mais ainda, há ternura nos dedos grossos e grandes que cobrem-lhe a bochecha, puxando-o para fora da água fria e o abraçando. Oferecendo um lugar seguro.
Agarra a mão que oferece tamanho conforto e se permite chorar, chamando por alguém que nunca virá. Aperta com força conforme os soluços fazem suas costas tremerem, a gentil alma que o segura não se move, ao invés, trás o braço livre para acariciar seu cabelo. Isso o lembra da infância. Do cheiro dos seus irmão (ou dos irmãos que costumava ter). Do ponto seguro inabalável que encontraria a qualquer hora em seus braços quentes e amáveis. E dói tanto.
Está destruído. Por que não pode simplesmente morrer logo e ficar em paz? Sem Mahito. Sem Kaori. Sem Jin. Choso. Sukuna. E todos os Fushiguros. Apenas… quer acabar com essa merda.
Todos esses sentimentos estão tomando conta do seu interior, formando uma bola de neve e ameaçando atropelá-lo no processo. E infelizmente, não há mais o que fazer sobre. Já fez tudo o que podia, lutou com todas as suas forças, ignorou completamente emoções e sentimentos desnecessários, manteve a mente ocupada com todo e qualquer tipo de atividade para distrair-se. Tudo isso para que? Não adiantou de nada. Continua no mesmo lugar. Parado exatamente onde Mahito deixou-o para definhar até a morte. E isso é tudo o que deseja agora.
Só quer morrer, por favor.
Soluçou mais forte com o pensamento, sentindo o peito saltar com força. Os ombros tremerem. Lágrimas e lágrimas escorrendo pelas pálpebras abaixo, não existe nada mais humilhante que essa situação. Como conseguiu meter-se nela, afinal?
Os minutos passam lentamente, o barulho do seu choro é o único enchendo o ambiente, abriu os olhos pesados e inchados, eles ardem como se tivessem cheios de areia. Está abraçando uma mão como se sua vida dependesse disso, a palma do indivíduo está fechada suavemente em formato de concha, segurando seu rosto e consequentemente também enxugando as lágrimas. Piscou, um pouco desnorteado e seguiu o braço branco e musculoso, passando pelo ombro, clavícula e pescoço, até chegar ao rosto.
— C-Choso…? — Chamou, incerto. Afastando-se deliberadamente da mão quente e reconfortante. Seu coração bate dentro e fora da caixa torácica fortemente, igual a um tambor, e deixa sua respiração impossivelmente rápida. Choso murmurou um “hum?”, suave e baixo, não forçando uma reaproximação, mas também não movendo um único centímetro. A escova mão que seu cabelo permanece no lugar, quente e pesada sob a sua cabeça.
— Parecia que você estava tendo um pesadelo horrível. — Respondeu baixinho, há um sorriso pequeno e trêmulo cobrindo seus lábios, culpa e remorso expresso em nossos olhos negros profundos. Olhando-o atentamente, como se estivesse se conhecendo pela primeira vez.
Talvez seja uma comparação certa. Afinal, quando foi a última vez que deixou-se chorar na frente de qualquer um deles? Provavelmente na infância, quando tinha entre seis e oito anos. Desde então, tem sido cuidadoso em esconder os próprios sentimentos e emoções, por mais fortes que sejam. Não quer que pensem que está tentando chamar a atenção agitada como um pobre coitado. Não precisa da pena de ninguém.
— … Eu lembro que antes você iria bater na porta de Sukuna após um pesadelo, ou na minha porta. — Ele sorriu tristemente, desviando os olhos para o chão, coberto de vergonha. — Me perdoe, eu nunca deveria tê-lo deixado passar por isso sozinho. — O que a sua expressão desolada diz é: me perdoe por ser um péssimo irmão. Em outro momento, teria aproveitado-se dessa vulnerabilidade flagrante para caçoa-lo, mas não tem forças para isso agora.
— Mas você deixou. Todos vocês deixaram. — Murmurou lentamente, mal recomendo a rouquidão na própria voz. Respirou fundo, saindo da posição encolhada que estava na cadeira e entregando o rosto brutalmente, assumindo uma expressão vazia. Apenas os olhos vermelhos e inchados denunciam as lágrimas anteriores. — E agora, acho que é muito tarde para consertamos isso. Não há mais o que foi feito. — Declarou, levantando-se e passando por Choso para sair da varanda. Impressionantemente, ele não fez nenhum movimento para segurá-lo, e isso foi bom. Muito bom.
Espero que ele também esqueça o que presenciou.
Já passou por humilhações o suficiente no meio dessa família, não precisa de mais.
No entanto, a pergunta que segue na sua cabeça é: …por que ele parecia tão desolado e triste?
Talvez todos estejam quebrados e apenas sigam a vida tentando ao máximo esconder isso. Não é assim que o mundo funciona? Pessoas com corações partidos segurando as lágrimas, mantendo um sorriso simpático e acenando sem parar, porque é isso que espera que faça, ninguém quer ligar com os problemas dos outros. Tem que concordar com o tio Kenjaku nessa parte. Poderia voltar e abraçá-lo, tentar ajudá-lo a curar onde quer que seja, mas de alguma forma, ser insensível com Choso parece certo e não o faz se sentir preocupado.
Pelo menos não agora.
Não se sinta preocupado por querer ficar sozinho ao invés de ajudar um dos responsáveis por sua dor. Não se sente uma pessoa ruim por isso. Mas… deveria?
••
Você me deixou em pedacinhos
Brilhando como estrelas, gritando
Me iluminando como Vênus
Mas aí, você desaparecia, e eu faria esperar
E cada segundo é uma tortura
Viagem para o inferno, não mais
Estou tentando achar um jeito de te deixar
Querido, querido, não, não consigo escapar
Este é um conto de fadas moderno
Sem finais felizes, ou vento em nós
Mas eu não consigo
começar uma vida
Sem esses momentos de tirar o fôlego, me quebrando
O coração quer o que quer - Selena Gomez
Notes:
Enfim, achei que essa música da Selena descreve perfeitamente os sentimentos e pensamentos do Yuuji em relação ao Mahito. O que acharam?
Prometo que estarei RESPONDENDO todos os comentários o mais rapidamente possível, estas últimas semanas estão sendo uma correria sem fim. Juro que estou a ponto de desistir de tudo e ser uma vagabunda sem futuro (╥﹏╥)
Aliás, inicialmente estávamos pretendendo colocar Yuki neste cap, mas bem…. Acabei me empolgando enquanto escrevia e esqueci completamente da Yuki!!? (╥﹏╥) ME PERDOEM
Juro que teremos nossa deusa loira no próximo cap!!!
Acreditem ou não, estou ansiosa para escrever a dinâmica dela com Yuuji. Acho que as personalidades deles combinam direitinho.Bem. Até o próximo cap.
Chapter 9: Capítulo 7: Clocks
Notes:
Olá pessoinhas (≧▽≦)
Primeiro, peço que me perdoem pela loooooonga demora em atualizar. Estive um pouquinho atarefada nos últimos... meses, sabe?Acontece que eu não pensei que meu emprego dos sonhos, na corporação dos meus sonhos iria me render tantas horas extras (-_-;)
Tenho dormido de 3 à 4 horas por dia, e essa rotina está me matando lentamente. Condicionei meu horário de sono e pausas de café e almoço, cortando-os pela metade para concluir esse capítulo, não tive tempo de revisar - SINTO MUITO - espero que aproveitem e gostem.
Por enquanto é isso, encontro vocês nos comentários!
Prometo que irei encontrar tempo para responder todos.
(See the end of the chapter for more notes.)
Chapter Text
Capítulo 7
As luzes se apagam e eu não posso ser salvo
Marés contra as quais tentaram nadar
Me deixei de joelhos
Oh, eu imploro, eu imploro e imploro, cantando
Saia das coisas não ditas
Atire uma maçã na minha cabeça e um
Problema que não pode ser nomeado
Um tigre está esperando para ser domesticado, cantando
Voce e
Voce e
Relógios - Coldplay
As manhãs após os pesadelos são sempre sombrias, está habituado a levantar suado, com o rosto cheio de ranço e lágrimas, sem ninguém para presenciar um dos seus estados mais deploráveis (e realmente, está tudo bem, seria péssimo ter que explicar com o quê estava sonhando), lava o rosto, talvez tome um banho gelado (o mais demorado possível) e volta para cama, onde passa o dia inteiro enrolado nos cobertores quentes, embora estranhamente, ainda continue tremendo de frio. Não precisa de comida, está bem, vai vomitar se colocar um pedacinho de abacaxi na boca, é sério, esses pesadelos o deixam enjoado. O tio diz que são apenas fantasmas do passado e não irão machucá-lo, e nesse ponto ele realmente tem razão, mas os toques parecem tão reais, jura que pode sentir a queimação sob sua pele, causando arrepios e calafrios ao longo da espinha dorsal. As sensações o assombram o dia inteiro, e revivem as lembranças tão vívidas mesmo com os olhos abertos. Dormir na noite seguinte é uma atividade impossível de realizar, para se distrair, geralmente pega o caderno e o violão e tenta compor alguma música (que posteriormente será descartada) ou só fica olhando o céu estrelado (pode ser nublado também, não tem preconceito) até o sol nascer. Depois de tantas surras para aprender a ser quieto e educado, ficar em silêncio por longas horas é instintivo, e diria que até reconfortante. Sua cabeça já está tão bagunçada, a última coisa que precisa é de alguém sussurrando no seu ouvido, o que sem dúvidas, o levaria a loucura.
Hoje, no entanto, há muitas pessoas falando no seu ouvido (e ninguém pode culpá-lo se simplesmente enlouquecer) porque além de estar na casa dos Itadori-Fushiguro e ser impossível ficar deitado na cama o dia inteiro sem ser atrapalhado descaradamente, tem um jantar marcado com os Tsukumo. Yuki Tsukumo, mais precisamente. Esqueceu-se totalmente de perguntar se o velho patriarca da família estará presente, mas bem, supõe que a presença dele não seja importante, o tio Kenjaku vai cuidar de entretê-lo em uma conversa chata de negócios e investimentos, enquanto Yuuji deve se certificar de não fazer nenhuma expressão azeda de quem acabou de chupar limão (ou um pau pequeno) e ofender acidentalmente Yuki. Seria uma tarefa fácil nos dias normais, mas hoje é um dia ruim, e não pode garantir que será uma pessoa agradável durante todo o jantar. Na verdade, estou pensando seriamente em cancelar, tenho certeza de que os Tsukumo comprariam uma desculpa de que estão doentes. Uma intoxicação alimentar, talvez? Queixa? Bufou audivelmente, tem uma péssima imaginação! Junpei sempre é melhor nesse quesito. Mas a questão não é o Tsukumo, e sim o tio Kenjaku.
Mal amanheceu o dia e a primeira e única mensagem que aguarda na caixa de entrada é o do tio Kenjaku, curto, direito e grosso ao lembrá-lo (inocentemente) que: “Hoje nós temos um jantar com os Tsukumo”. O único texto que ele mandou, sem um bom dia ou um questionamento de se dormiu bem. Poderia ficar ressentido, mas acredita que a discussão de ontem ainda é um peso pesado e as implicações que vem com elas também, o que provavelmente vai precisar de um tempo antes de voltar ao seu eu habitual. Caso diga que está doente e peça para cancelar o encontro, o tio vai perguntar: “Perder as músicas não é o suficiente para você, agora quer perder um ótimo contrato comercial também?” E já se sente mal o bastante por todas as pequenas coisas que aconteceram ontem, e antes de ontem, e nas semanas anteriores, não quer ter mais um motivo para carregar o peso na culpa e não será a primeira vez que faz um esforço sobre- humano para atender as expectativas do tio. Cresceu, tem dezassete anos e está beirando os dezoito, precisa aprender a separar a vida pessoal do profissional. Os não tem nada haver com a merda que é morar com os Itadori-Fushiguro, assim como os Tsukumo não tem culpa do pesadelo dessa noite e como eles atrapalham seu humor o dia inteiro.
Coçou a cabeça, bagunçando o cabelo no processo. É mais fácil falar do que fazer, a voz de Mahito soa na sua cabeça como uma cacofonia de sussurros ensurdecedores, está acordado, mas ainda pode vê-lo descer soco sobre soco no seu rosto imóvel, olhos heterocromáticos brilhando de ódio e lábios cerrados em linha reta, marcando o maxilar. O cheiro de sangue é tão real, vê-se obrigado a verificar cada canto do corpo durante o banho, a procura de um ferimento que passou despercebido. Não há nada. São apenas sensações que vêm e vão como ondas (elas o derrubaram na maioria das vezes), e apesar de terem se passado oito meses, ainda é muito difícil conviver com elas. Demorou mais que o normal no banho, por que de alguma forma, sente que a vagina está suja de porra e sangue, esfrega e esfrega a pele sensível, água e sabão não levam embora esse sentimento de repulsa e desespero, suas unhas arranham a parte interna das coxas e toda a virilha está vermelha com a força dos esfregações agressivas. Ótimo, vai precisar de uma pomada e talvez alguns band-aid para cobrir os calores mais profundos. A percepção disso não faz parar os movimentos, entretanto.
Franze a testa, frustração explícita no rosto, respingos de sangue sujam os dedos e as pontas das unhas, uma grande quantidade de vermelho descendo pelo ralo misturado à água. Soltou um suspiro cansado e apoiadou a cabeça no azulejo xadrez, é estranho explicar o porque continua prejudicado por Mahito quanto ele o fez ter essas sensações tão ruínas, é só que alguma parte do seu cérebro o ama e implora por uma reconciliação. Em um dado momento de sua vida, viveu apenas para esperar-lo invadir o quarto pela madrugada e ser abraçado fortemente, os cobertores finos mínimos poderiam proteger-lo do frio do inverno, e apesar de não querer ter dedos invadindo-o (mesmo que carinhosamente) ainda teria o calor do corpo de um alfa cobrindo-o, era uma situação ruim, mas ainda tinha o lado bom. Viveu para escutá-lo rir alegremente, um som genuíno e livre do cinismo habitual, ver os olhos heterocromáticos derretidos de paixão, fixos nos seus e lábios quentes beijando-o lentamente, com delicadeza e amor. Nunca vou admitir em voz alta, mas também vivi esperando pelas brigas, pelos gritos e pontapés, e principalmente, pela reconciliação calorosa. O que diabos está errado com a sua cabeça?! Sentir-se assim não é normal, como garotas e garotos do centro de trabalho voluntariamente dizem ter pavor e medo de seus abusadores, Yuuji, entretanto, precisa do seu 'abusador' como precisa de oxigênio para respirar.
Parece errado dizer que também é uma vítima de abusos sexuais quando anseia por volta daqueles momentos. E é tão, tão difícil resistir a vontade de sair correndo para Denenchofou e bater a porta de mogno da mansão que conhece maravilhosamente bem, implorar para que voltem a ficar juntos, repetir que o ama até ficar sem voz, quem sabe, assumi-lo publicamente ao seu mundo da música e apresentá-lo como seu namorado (futuro noivo) ao vovô. O coração apertado dentro da caixa torácica com o pensamento, fazendo e roubando-lhe o ar dos pulmões. Perto dos olhos, prendendo os lábios entre os dentes e mordendo-os com força, uma tentativa de afastar o eminente pânico. Sabe que está furioso loucamente, como um viciado em drogas ou álcool, e se teve comida no estômago, estaria debruçado sobre a tampa do vaso sanitário agora mesmo, simplesmente não consegue evitar. É mais forte que a sua determinação. Mais forte que qualquer coisa que já tenha sentido antes, e provavelmente, a mágoa que sente dos Itadori-Fushiguro não chega nem perto disso.
Viveu por Mahito, esperando pacientemente todas as madrugadas, e… está sozinho agora. Definitivamente, não teria passado a noite em uma cadeira de palha orgânica na varanda interna desta casa se Mahito estivesse por perto, ou talvez sim, com o diferencial de que estariam aconchegados um no outro. Se tivesse dito que o amava, poderia ter seguido em frente e superado os ciúmes descabidos, a possessividade singular dos olhos cerrados, e a agressividade impermeável da pele pálida do alfa. Ele estava inseguro por ser o único declarando amor, por ser o único que procurava toques e a proximidade física, e o único que demonstrava sinais claros de estar apaixonado. Mas a questão é: tratou-o como uma perturbação a maior parte dos últimos sete anos. Poderia, de fato,esperar que ele ignorasse as merdas que fez e continuasse amando-o? A resposta é não. Feriu o orgulho alfa dominante dele, e apesar de ter seu orgulho como ômega ferido várias e várias vezes, Mahito não é o único responsável. O bullying da escola sobre o seu corpo vulgar. Jin trocando-o pelos Fushiguro. Kaori. Odiadores da internet. Utahime e Mai. E por fim, o próprio Yuuji. Por que descontou a raiva de todos em cima de Mahito? Foi porque estava transando (dolorosamente) todos os dias quando só queria chorar e desabafar sobre os próprios sentimentos? Por que ele não ouvia como uma pessoa normal? Porque? Onde erraram tão feio a ponto de não conseguirem quebrar?
Perguntas e mais perguntas rodam sobre a sua cabeça, junto dos filhos fluidos e inexistentes dos gemidos, xingamentos e gritos da última vez que brigaram. Está chorando novamente, batendo a cabeça contra o vidro da caixa até quebrá-lo e ser hospitalizado por um corte profundo na testa, mas alguém bate a porta, tirando-o dos seus pensamentos irritantemente altos.
— Ei, quem está aí? Preciso usar o vaso! — Estremeceu, abrindo os olhos e olhando o azulejo onde encostou a testa, preto e branco, minúsculas gotas de água coladas à parede, deslizando suavemente até se juntar à correnteza e descer pelo ralo. Seu coração ainda dói (mas não é nada novo), respirou fundo outra vez, e coçou a garganta.
— Não sabia que esse era o único banheiro da casa. — Respondeu, esforçando-se para manter a voz firme no tom irônico e irritado que sempre usa para falar com os Itadori-Fushiguro. Apesar do que acabou de dizer, retirei-se da parede e lavou as pontas dos dedos, cutucando as unhas na intenção de tirar os sinais de sangue e pele escondidas nelas. A água vermelha contínua correndo pelo chão branco.
— Porque não é! Mas você está monopolizando por quase duas horas. E por que eu deveria descer quando tem um banheiro bem na minha frente?! — Esse é um bom argumento, de fato, Sukuna tem razão. — Essa não é a casa de Kaori, você tem que aprender a compartilhar as coisas, o banheiro é a principal delas. — Ele completou, ainda parecendo irritado. Pausando um momento o trabalho de limpeza das unhas, vai precisar de algo pontudo para vasculhar os detalhes de qualquer maneira. Sukuna está certo, essa não é a casa de Kaori, não é a sua casa, não pode simplesmente levar o tempo que você quiser dentro do banheiro e achar que vai ficar tudo bem. Quantas pessoas moram aqui? Sete, correto? E aparentemente, todos usam o banheiro ao amanhecer. — Saia daí já! — Tornou a bater à porta. Sem ter como retrucar, desligou o banho e pegou uma toalha, enxugou-se o melhor que puder, fazendo uma careta desagrado para as manchas de sangue que vieram do meio das pernas, as radiações são mais profundas do que derreteu. Vestiu uma calça escolar, ignorando o incômodo que uma calcinha de renda provocava ao entrar em contato com pele machucada, colocou o maldito sutiã e camisa moletom vermelho, antes de entrar dentro da blusa do uniforme. — Olha eu estou quase… — Revirando os olhos, porque o tempo que Sukuna passou reclamando na frente da porta, poderia ser o tempo que desceu as escadas e usamos o segundo banheiro. Mas, por um motivo desconhecido, ele preferiu passar cinco minutos inteiros perturbando-o por NADA. Pegou uma toalha, tomando cuidado ao enrolá-la com a parte sangrenta para dentro, fora da vista de olhos curiosos e torceu a maçaneta, abrindo a porta.
— Finalmente. — Sukuna disse, erguendo as mãos para o alto e mostrando um sorriso falsamente aliviado. — O que a princesa estava fazendo para demorar tanto no banho? — Perguntou em seguida, provocando-o. Não expressou nada, não é como se tivesse tido ânimo para retrucar e começar uma discussão idiota agora. Está cansado. Tão cansado. Só quero ficar sozinho.
—Nada. — disse monótono, e abaixo dos olhos, tentando esconder as sombras e a ponta do nariz vermelho, um pouco inchado também, sente-os pesados. Não ficaria tão humilhado se Toji fosse uma boa pessoa e não tivesse roubado seu boné vermelho, velho e rasgado, mas que é o seu favorito, ou era, antes de ser impregnado por feromônios alfas dominantes. Sukuna fez uma pausa, observando-o.
— Estava chorando? — E é uma merda que só em ouvir isso sua garganta fecha e os olhos ardem, de repente tudo é humilhante demais e está prestes a se derramar em lágrimas. O que definitivamente não vai fazer. Abra uma toalha com mais força entre os dedos, respirando o fundo calmamente (ou tentando). — O que aconteceu? — Continuou perguntando, curvando-se para ficar com o rosto na altura do de Yuuji, olhos vermelhos e estreitos, refinados e inteligentes olharam-o atentamente, examinando cada ponto do avermelhado do seu rosto. Virou o pescoço na direção, engolindo em seco o nó na garganta o melhor que conseguiu.
— Por que isso é importante? Sua preocupação agora não faz diferença na minha vida. — Foi um milagre que a voz não tenha falhado, nem saído embaçada, supõe que já engoliu muito o choro em público para simplesmente fingir mau. É um bom ator. — Deveria guardar as preocupações para os perseguidores que abusaram do seu namorado, ele com certeza é mais importante. — Pontuou amargamente, e tentou sair. Mas Sukuna bloqueou a saída, colocando o corpo enorme no caminho.
— Já estou cuidando dos miseráveis que tocaram em vocês, garanto que eles não sairão impunes pelo que fizeram. — Grunhiu, por entre os dentes. E Yuuji não perdeu o plural de “vocês” como se também tivesse sido uma vítima. — Você é o meu irmão mais novo, o tenho comigo antes de conhecer Megumi, você é tão ou mais importante do que ele. — Riu sem humor, interrompendo Sukuna.
— Deveria ter vergonha de mentir, Sukuna. Se eu fosse tão ou mais importante que o seu namorado, você não teria me espancado há cinco anos, quando o chamei de vadia. — Zombou cruelmente, com um sorriso maroto nos lábios. — Esse personagem que está fazendo não combina com você, então pare apenas. Pare agora mesmo. Não preciso ganhar uma nova surra sua, por favor. — Completou, balançando a cabeça para os lados.
— Eu não minto, Yuuji… eu, naquele momento estava passando por problemas de raiva e.. — Não quero ouvir. Isso é estranhamente parecido com o que Mahito disse quando deu-lhe uma tapa no rosto pela primeira vez. Problemas de raiva. Uma condição psicológica que afeta algumas alfas ainda na infância e arrasta-se para a adolescência e vida adulta, se não for tratada corretamente. Ele usou essa justificativa várias vezes seguidas, então ela ficou desgastada e não foi mais necessário continuar mencionando o porque estava batendo e gritando. Fechou os olhos momentaneamente, franzindo tanto o cenho que as sobrancelhas quase ficaram juntas. Dói. Justificativas doem pra caralho.
— Tanto faz, cara. Eu não importo mais, cale a porra da boca e sai da minha frente. — Pediu, sem paciência. Sukuna calou-se, abrindo e fechando a boca como um peixe fora d'água. Por fim, ele acenou, derrotou e saiu do caminho.
— Só quero que saiba que eu nunca vou me perdoar por ter batido em você. — Seus olhos são sérios e duros, a honestidade neles, tristeza e dor. Yuuji se pergunta o que deram esses alfas hoje, por que eles estão satisfeitos assim… tipo, como se pudessem sofrer também? Não faça o menor sentido. Eles cresceram nessa casa, Sukuna tem uma alma gêmea ao seu lado, Choso provavelmente vai encontrar a dele em breve. Tem Jin e os Fushiguro por perto, o vovô e bons amigos. É uma piada muito engraçada que expressa sofrimento quando tem tudo para ser feliz.
Obviamente, ser um bom ator faz parte da genética.
— É bom. Porque eu também não vou te perdoar. — Murmurou desinteressado, a verdade é que já o perdoou por isso a muito tempo. Entende que é uma pessoa difícil, e nem todos conseguem segurar a vontade de bater-lo. Tudo bem, já não fiz mais como antes. Nada pode fazer mais do que a surra que tomou de Mahito pela última vez. Entretanto, isso não significa que você vai perder a chance de fazê-lo relembrar o que fez, e como as consequências os arrastaram até aqui. Pode-se dizer que é uma pessoa vingativa (dentro dos próprios parâmetros). Escutou a porta do banheiro bater, e ao descer as escadas, permitiu-se respirar normalmente.
Terminando de descer as escadas e atravessou a sala, atraído pelo cheiro de ovos e bacon fritando na cozinha, o vovô, Choso e Toji andam de um lado para o outro, organizando a mesa e cozinhando enquanto trocam palavras aqui e ali. Decidiu passar despercebido, o que fez com muito sucesso, e ações diretamente para a lavanderia, por sorte ela continua exatamente onde lembra que era na infância, com o diferencial do maquinário novo na cor cinza e branca. Olhou para os lados e quando não avistou ninguém por perto, soltou uma toalha sob o tanque e ligou a torneira, molhando o tecido fofo de algodão. As manchas vermelhas são pequenas, nada muito exagerado, serão fáceis de limpar.
Pegou o sabão e a escova, esfregando as manchas diligentemente. Costumavam manter as manchas limpas na casa em Shinjuku, Kaori comprava toda sexta-feira sob a desculpa de ser uma enfermeira e sujar as roupas de trabalho com frequência. Uma grande mentira. O único que estaria usando o removedor de manchas seria Yuuji, porque… bem, as roupas de cama ficavam horrendas pela manhã, e facilitava muito o trabalho que está fazendo agora. Esfregar roupas nunca foi o seu forte, para ser sincero, mas deixá-lo aqui para Jin ou qualquer outro humano (desgraçado) dessa casa lavar está fora de cogitação. Não quero que responda o motivo da toalha estar suja de sangue. Kaori não se importava o suficiente para perguntar, ela provavelmente tinha noção do estrago que suas surras causavam na maioria das vezes e não queria que as outras pessoas vissem, afinal, tinha uma obrigação a manter. Os vizinhos não faziam ideia da mulher que ela é ou era, já faz um pouco mais de um ano que as surras deram uma pausa, aparentemente, estavam tentando se 'reconciliar', recriar o vínculo de mãe e filho.
Honestamente, acho que isso é uma grande piada de mau gosto, porque depois de tantos anos observando-os e revivendo o passado como um mendigo amargurado, vejo que nunca tive esse tipo de relação. Sim, estávamos próximos na infância, mas nada daquilo era real. Kaori sempre foi naturalmente violenta e indelicada, ela perdeu a paciência facilmente e quem a impediu de bater em vários benefícios foi o vovô, se aconchegaram um no outro enquanto choravam porque compartilhavam uma dor e quando Yuuji parou de lamentar por Jin, Kaori começou a odiá-lo.
Na cabeça dela, era inadmissível sofrer sozinha, e se Yuuji não estivesse sofrendo, teria que haver um jeito de fazer-lo cair tão miseravelmente quanto ela. Uma lógica lógica, certo? Mas segundo o tio Kenjaku, o mundo é das pessoas egoístas, boas e empáticas tendem a ser enganadas, sobrevivendo de migalhas. Nunca quis se aprofundar nessas 'lições' reflexivas enquanto trabalhamos juntos, mas tem a impressão de que isso se deve ao trauma de ter sido abandonado pela esposa (que era sua alma-gêmea) e pelos filhos, que na época foram no início da adolescência , eles poderiam ter escolhido ficar, mas resolveram ir. Todos eles. É provável que o tio tenha dado tudo o que tinha e ficou sem nada, talvez o que ele deu foi considerado insuficiente, ou talvez… ele não foi um bom esposo. É uma possibilidade que não gosta de pensar, tem um ótimo tio e acha que nunca teria conseguido sobreviver sem ele, escutar as fofocas que rondam a partida de seus filhos e esposa significa conhecer o outro lado da história. O lado que pinta o tio como um monstruoso, e prefere manter a imagem que construiu dele nos últimos sete anos, é menos decepcionante dessa maneira. Sem comentar que os motivos que o levaram a ser tão egoísta, frio e apático não são da sua conta. Obrigado.
Mas, vai admitir que seria bom ter algumas atitudes bem-vindas, como ter ajudado Megumi com aqueles lixos humanos ou prestar assistência à comunidade de reabilitação da igreja, ajudando ômegas de todas as idades a voltarem à sociedade depois de terem passado por situações traumáticas. O tio odeia esse trabalho. Diz ser uma perda de tempo e aponta que não está ganhando dinheiro nenhum (o que é verdade), além de que poderia usar a tarde de sábado para algo produtivo, que envolve o Killer Cat ou a escola. Por que é tão difícil entender que está ajudando porque gosta de ajudar, e não porque espera receber algo em troca? Parece que todos estão preocupados demais em ganhar dinheiro (ou fama) para entender que ajudar no processo de recuperação de alguém é muito mais gratificante do que todas essas merdas superficiais. Até Sukuna e Choso disseram estar orgulhosos de sua atitude, é claro que não se deixou levar por isso, mas ainda assim foi bom ter ouvido. Principalmente depois da pequena explosão do tio Kenjaku e a discussão que se seguiu com a chegada de Junpei, aquela sessão foi o suficiente para plantar a semente da dúvida na sua cabeça sobre se agiu impulsivamente ou não. Faça o certo ou não. Meça as consequências e pergunte se realmente vale a pena. Já sabia a resposta antes mesmo de pensar, mas as inúmeras possibilidades espalhadas gritando na cabeça.
Pensar demais sempre o leva aos piores caminhos, obscuros e dolorosos, nunca é bom pensar, mas não é como se conseguisse fugir disso, infelizmente. Agora mesmo, os acontecimentos têm corrido além da velocidade normal e é acompanhá-los, viver nessa casa o forçar a estar em alerta máximo vinte e quatro horas por dia, tudo o que eles fazem difícil gera um gatilho, são tantos alfas em um só lugar, tantas perguntas e tantas vozes conhecidas. É sufocante. O ritmo deixa o doente. Aqui na casa de Jin, não tem um lugar que eu possa usar como esconderijo e se trancar nele, passar horas chorando, se machucando, gritando, olhando para o nada, não tem. Sukuna deixou essa parte bem explícita há poucos minutos. Tudo nessa casa é compartilhado, o que significa: sem tempo para sofrer.
Ridículo.
É mais um motivo para querer ir embora.
Terminei de lavar uma toalha, verificando cada centímetro cuidadosamente em busca de manchas indesejadas, quando não achei nenhuma, deu-se por satisfeito e empurrou-a para debaixo da torneira novamente, tirando a espuma que cobre o tecido de algodão e seus dedos. Quando estiver morando longe daqui, não vai precisar ficar tão preocupado com manchas de sangue cobrindo as roupas de cama ou de banho, vai lavá-los com calma, sem medo de ser descoberto e lidar com uma coleta de perguntas. Será perfeito. Desligou a torneira e torceu a toalha, espremendo a água fora, e em seguida colocou-a sobre o varal externo que fica logo de frente para a lavanderia. Você está tão habituado a essa atividade que não molhou o uniforme escolar, nem mesmo nas extremidades das mangas mais longas.
Deve ter desmoralizado na lavanderia, pois o barulho que vem da cozinha é muito mais alto agora, respirou fundo, praguejando mentalmente pelo nariz está inutilizável graças ao chororô de mais cedo. Caso alguém pergunte, pode apenas falar que pegou um leve resfriado. Pescou o celular no bolso da calça e olhou a hora, constatando que ainda faltam trinta minutos para ir a escola, ou mais, já que estará indo na companhia de Toji e Jin, acha interessante que Megumi se sinta confortável em sair no momento. Ainda é muito recente. Limpe os pensamentos, e desbloqueie a tela, abrindo o aplicativo de mensagens e enviando um “Ok” para o tio, embora o desejo de fazer o contrário seja grande. Fechou o chat e abriu o de Junpei, sorrindo minimamente com a mensagem de bom dia que recebeu.
“Bom dia, putinha. Acabei dormindo no meio da nossa conversa, desculpe. Mas ainda acho que é melhor do que adormecer no meio da transa, certo?!”
“Certamente dormir no meio da transa é broxante.” Respondeu, e guardou o celular no bolso da calça novamente.
Contando com a distância da casa de Junpei, em Shinjuku, para o bairro central da cidade, onde fica a escola que estão matriculados, é provável que ele já esteja na estação de metrô, e o trem vai levar mais uns dez minutos para chegar. Vai contratar Minami permanente, será menos estressante para Junpei ter um motorista esperando-o todas as manhãs ao invés de acordar antes do horário normal para pegar o trem, especialmente nessa estação gélida do ano, outono e inverno, que serão decorando as duas com muita gelo e chuva. A última coisa que quero é pegar um resfriado. Além de que ficará mais tranquilo assim.
Pela manhã, os vagões do trem estão cheios de alfas e betas masculinos de meia idade, um bando de pervertidos sem vergonha. Pode lidar com eles facilmente e ter total consciência de que Junpei também, mas pode evitar tal tipo de transtorno, porque não evitá-lo? Fazendo isso você vai matar dois coelhos com uma cajadada só. Minami precisa de dinheiro, um taxista e uma diarista poderiam ganhar o suficiente para suprir os gastos de três adolescentes ômegas femininas, pagar as contas mensais e fazer compras de alimentos. Supõe que as meninas sejam privadas de muitos luxos que outras da mesma idade têm e fazem questão de exibição. Por experiência própria, saiba que como essa merda é péssima e mexe com a autoestima. Tia Nagi vai apoiar a ideia e Junpei com certeza adorará viajar confortavelmente, sem uma multidão esbarrando em seus ombros.
Mahito odiava que pegasse o metrô, então ele pagava Minami regularmente para levá-lo de um lado para o outro sempre que quisesse ou precisasse. O fato de preferir voltar para casa tarde da noite de ônibus ou metrô, depois de um jantar particularmente estressante na casa dos Itadori-Fushiguro, se deve à própria necessidade de ter um tempo para pensar, estava deprimido (ou irritado) demais para manter um sorriso amigável sem parecer antinatural, assustaria Minami, sem sombras de dúvidas. Era perigoso? Sim, não vou negar. Mas para quem cresceu em Shinjuku, o perigo não assusta nenhum pouco. Horas mais tarde, recebendo uma ligação (o natural) ou mensagem de Mahito, exigindo saber o porquê não chamou Minami e apenas foi andando sozinho e desprotegido pelas ruas de Tóquio até chegar em 'casa'. Pelo tom da voz (bravo e possesso) era fácil identificar a preocupação genuína, encobrindo a possessividade e o ciúme com a possibilidade de alguém tocar em Yuuji, alguém que não era ele. Sabe que não deveria se sentir aquecido com isso, mas ainda assim, ouvi-lo gritar do outro lado do telefone sobre os perigos de um ômega sair sozinho à noite (o seu ômega) arrancava sorrisos apaixonados e bobos, porque mesmo que fosse Mahito, ele isso é importante. Algo que ninguém fez, pelo menos, ninguém desta casa (além do vovô).
Como agora, eles estavam ocupados com Megumi e Tsumiki, sem tempo para lidar com um pirralho mimado.
Saiu da lavanderia, andando pelo corredor sem pressa e logo avistou a grande família feliz sentada à mesa, comendo e rindo, felizes, parece que se preocupou-se com Megumi inutilmente, ele está mais do que confortável ao lado de Sukuna. Bom. Isso é bom. Manteve o rosto inexpressivo, e entrou no ambiente úmido (estranho, certo? Lá fora continua nublado.) com as mãos escondidas nos bolsos da calça escolar.
— Yuuji, querido, sinta-se conosco. — Ignorou o chamado de Jin, cansado e exausto demais para lidar com esses alfas alegres. — Toji-san cortou abacaxis fofos para você. — Cresceu prestativo, com um sorriso sugestivo. É uma boa tentativa, ele também fez isso anteontem, mas imagina? Não sinta fome. Nem um pouco. É sério, embora não lembre de ter comido nada além do chá de maracujá que o tio fez ontem a tarde, e sinta o estômago doer, não quer e não consegue engolir nada. Sua boca tem um sabor amargo e vai estragar qualquer comida que você ouse mastigar.
— Tente comer pelo menos um, vai te fazer bem. — Toji insistiu, com um olhar sério. Tem a impressão de que ele e Choso estão observando-o mais que o normal hoje, abrindo os olhos, balançando a cabeça para os lados em seguida.
— Não tenho fome. — Respondeu encolhendo os ombros, e soube, de soslaio, que Jin iria continuar insistindo, mas o vovô fez um sinal para que parasse. Soltou um suspiro interno cheio de descanso, lançando um sorriso discreto de agradecimento ao vovô, que fingiu não ver e cavou no próprio prato. E… um velho hipertenso deveria comer ovos com bacon no café da manhã? A pergunta o persegue à medida que sobe as escadas em direção ao quarto, tem quase certeza de que isso não é recomendado pelos médicos.
Aproveitou que está sozinho no quarto de Megumi e pegou uma mochila de costas, não é velha, na verdade nunca a usei. Ganhou de presente da tia Nagi e simplesmente a esqueceu no fundo do guarda-roupa, é bom que não tenha jogado-a durante a mudança para cá, em contrapartida, não há cadernos extras (merda) mas tudo bem, a última coisa que pretende fazer na escola hoje é estudar. Só estará marcando presença, como sempre faz. No lugar dos materiais escolares (que vai precisar comprar mais tarde, querendo ou não) coloque o sapato de salto alto escolhido por Junpei para usar no jantar, o vestido que comprou, roupas íntimas de algodão e um perfume. Por último, enviado na cama com a caixa de veludo no colo, incerto sobre colocar as jóias ou apenas deixar-las onde estão, guardadas e seguras.
São lindas e confortáveis, embora modestas o suficiente para cair bem no look escolhido para o jantar, no entanto, caso Yuki esteja interessada em algo mais do que o profissional, usar como joia será um sinal de que também está interessado, o que não é verdade. Mas também pode ofendê-la se não usar. É uma via de mão dupla, que fica ainda mais chata quando levada em consideração a posição social do clã Tsukumo no Japão e no mundo. É muito tarde para cancelar esse jantar e contratos posteriores? A diplomacia é assustadora. Não costuma se sentir assim com os estrangeiros, talvez o problema seja porque Yuki e seu pai são japoneses? Os japoneses odeiam o Killer Cat, odeiam seu corpo, odeiam suas músicas, odeiam… enfim, odeiam tudo o que faz e já fez, provavelmente irá odiar o que ainda vai fazer também. Os Tsukumo serão diferentes? Tem que não.
Acariciar o exterior da caixa, movendo os dedos suavemente sob o macio e de boa qualidade, antes de arrastar-se até o fecho de prata e destrancá-la, subindo a tampa lentamente, quase como se fosse a primeira vez. Um fato contínuo a mesma. As jóias são tão bonitas e elegantes que não acham que seja digna de usá-las, elas parecem etéreas com tantos pequenos diamantes intrincados no design clássico e minimalista, estão realmente tudo bem em tirá-las da caixa de pêndurá-las no pescoço e nas orelhas ? É bonito ou suficiente?
O que diabos Yuki estava pensando em escolher justamente essa coleção? Deve ter custado rios de dólares… ou euros. (Não que vá fazer alguma diferença na conta bancária dela, é claro) Uma pessoa que está disposta a gastar tanto em um presente para um potencial sócio diz, sem precisar usar palavras, o quão poderoso é. O que Yuuji imagina deve ser apresentado também. Um relógio, talvez? As fotos que viram no Instagram não a mostrar com jóia, é possível que ela não goste. Gravatá? Abotoaduras? É péssimo em escolher presentes, e fica pior quando é um presente caro.
Gemeu, fechando os olhos angustiados. De quê adianta ter tanto dinheiro e não saber como gastá-lo, afinal? Tudo o que poderia dar a Yuki ela já tem. É injustiça. Bufou, franzindo as sobrancelhas indignadas.
Escutou o girar da maçaneta e imediatamente fechou a caixa, guardando-o dentro da mochila. Levantei a cabeça e encontrei Megumi olhando-o desconfiado.
— O que eu estava fazendo? — Ele perguntou, curioso.
— Tentando me masturbar. — Saiu naturalmente, nem precisou pensar. E assistiu as bochechas de Megumi ficarem rosadas, ele bufou, apertando os lábios em linha reta e assumiu uma expressão brava.
— Não precisa mentir, é óbvio que você não estava se masturbando. — E o tom rosado permanece nas bochechas. Yuuji se pergunta se ele nunca tocou lá embaixo, ou se sabe o que isso significa. O prazer que obtém por esse meio. Sem ajuda de nenhum alfa (a melhor parte) ou pode fantasiar ser esse tal alfa tocando-o. Não seria surpreendente que não, que ele não soubesse nada sobre a masturbação e a arte de dar prazer a si mesmo, visto que mora em uma casa cheia de alfas superprotetores. É possível que nunca tenha acessado algum site de pornografia, e tipo, não é como se Yuuji nunca tivesse procurado por isso no navegador do computador, apenas… os garotos do ensino primeiro 2 em Shinjuku não eram os mais conservadores e Kaori se importou em verificar seu histórico de pesquisa.
— Isso é verdade, eu prefiro ter um pau. Meus dedos não conseguem chegar tão fundo. — Disse casualmente, encolhendo os ombros (não é mentira, aliás). Ouviu um engasgo no fundo, e por cima do ombro de Megumi, assistiu Tsumiki piscar assustadoramente, tão vermelho quanto um tomate. Abriu um sorriso sem dentes, apenas puxando os lábios minimamente, e encarando-a sem um pingo de inocência, completou: — Claro, lambidas tímidas também são bem-vindas, garanto que tenho um sabor doce. — Não precisou de mais nada para Tsumiki quase ter um infarto.
— E-Eu… preciso ir…. Depois eu voltei para pegar minhas coisas! — Afirmou, gaguejando apressadamente e saiu correndo. Agora. Isso é interessante. Tsumiki se sente atraída por ele? Desde quando? Não há outro motivo para essa ocorrência, e não é de agora que a observação fique emocionada na sua presença. Segurou o riso maldoso no fundo da garganta, se soltá-lo, vai encher todos os cômodos da casa.
– Ops. Ela é virgem? — Perguntou, Megumi suspirou alto, entrando no quarto e fechando a porta.
— Isso não foi engraçado. — Resmungou, com as bochechas estufadas. Que fato é virginal. Muito parecido com Todo, mas muito menos exagerado e tímido. — Não diga essas coisas na frente de Choso-Nii, ele vai ficar bravo com você, ou do papai e Sukuna. — Avisou, sério. Revirou os olhos, fazendo pouco caso. Foda-se.
– Claro, claro. — Abanou as mãos, ainda pensando em Tsumiki. Ela é linda. Seria uma boa foda, ou não, levando em consideração o fato de ser virgem e tímida, não saberia fazer uma pressão oral (a menos que tenha talento natural) com dedos curtos e finos. Segue preferindo os mais velhos e experientes.
— Por que você não dormiu conosco? — De volta ao mundo real, girou o pescoço na direção de Megumi, vendo-o sentado na própria cama, de frente para a sua, com uma mochila nova no colo. Arqueou uma sobrancelha, permanecendo em silêncio. — Ontem à noite, você chegou tarde e preferiu dormir na sala, por que não dormiu conosco? — Repetiu claramente, seus olhos verdes esmeraldas são sérios, duros e exigentes. Pirralho intrometido.
— Não quis estragar o momento pai e filhos. — Respondeu, encolhendo os ombros. Isso pareceu ter atingido Megumi fisicamente, ele fez uma careta, apertando os olhos dos lábios, e consertou a postura.
— Mas… nós somos irmãos e Jin é o nosso pai, eu não vejo o porquê… — O interrompidou, já cansado dessa conversa idiota.
— Não me faça ser grosseiro com você, Megumi, estou tentando ser passivo por causa do que aconteceu, não abuse da minha boa vontade. — Disse, bufando audivelmente.
— Pare de mentiroso. Você não está tentando, esse é só você, você é assim, bondoso e gentil, e eu não entendo o porquê esconder-... — Levantou, porque se sente tão cansado, tão exausto, tão cheio de tudo, não quer comprar uma discussão. Não quer que alguém aponte suas supostas qualidades (que sabe ser irreais) e tente fazê-lo ver que está errado em relação aos próprios conceitos, porque definitivamente não está.
— Você nem me conhece para dizer isso, só está emocionado porque te ajudei. — Pegou a mochila, jogando-a por cima das costas e tentou sair do quarto, no entanto, Megumi apelou também.
— Emocionado ou não, nada muda o fato de que você é sim muito legal e gentil. — Retrucou, pegando seu braço. Franziu o cenho, irritado com o toque indesejado. — Eu teria sido muito bom tê-lo conosco ontem. Eu, você, Tsumiki e o pai, nós teríamos nos divertido ainda mais. Como a família que somos. — Fechou os olhos, respirando fundo e reunindo forças para simplesmente não bater em Megumi ou, quem sabe, pular essa janela abaixo e quebrar todos os ossos do corpo. Ainda dá tempo de atravessar a rua no sinal vermelho e ser atropelado por um caminhão? Acho que seria uma morte bem rápida.
— Me responda, você teve uma mãe antes de conhecer Jin, ou era só você, Tsumiki e Toji? — Perguntou, sem emitir nenhum veneno, mas não esperou que ele responda, contínuo rapidamente. — Deixe-me te dizer então, antes de vocês aparecerem, eu tinha um pai, uma mãe e dois irmãos muito bons. Isso é, antes de vocês roubarem eles de mim, então eu fiquei só com uma mãe e mais nada, o meu pai? Bem, acho que ou ele estava fodendo com Toji, ou quem sabe, nas suas apresentações escolares ao invés das minhas. E meus irmãos? Ah, claro! Eles tinham um novo irmãozinho fofo. Eu tive uma família um dia, mas ela morreu. Estragou-se. Entende isso, ou precisa que eu desenhe? Então faça-me o favor e fique longe de mim, Eles são a porra da SUA família, não a minha. Vocês são os meus maravilhosos substitutos e pelo que vemos, cumprem muito bem esse papel, apenas continue sendo bonitinho e tudo ficará bem. Claro, fora do meu caminho. — Terminando, abrindo a porta. E felizmente, Megumi não segurou-o novamente, nem retrucou.
Ele ainda vai achar-lo bondoso depois dessa? Hum, supõe que não.
Desceu as escadas praticamente correndo, calçou os sapatos e estava prestes a sair quando escutou:
— Você não vai para a escola sozinho hoje. — E outra vez, fechou os olhos com tanta força que nunca poderia mais abri-los. Toji não poderia esquecer esse castigo idiota e apenas dá-lhe uma surra? Bufou, sentindo-se sufocado.
— Eu sei. — A voz saiu meio sem fôlego, mas tudo bem, vai ficar com dificuldade de respirar em alguns minutos. Está tudo bem. Nada fora do normal. Na verdade, está bem. Abriu a porta e saiu, a brisa gélida da manhã de outono bateu contra seu rosto, causando arrepios involuntários, ignorou isso e sentou em um dos degraus da entrada da casa, pernas afastadas em uma posição pouco educada e recomendada para ômegas (porque é muito masculino e vulgar), joelhos próximos do peito, respirando pela boca. Fungou, torcendo o nariz e esfregando-o com o punho arredondado.
Não queria ser rude com Megumi, mas ele o pegou em um péssimo dia e não é conhecido por ser uma pessoa mais paciente do mundo, sabe? Todos têm limites, e essa conversa de que são irmãos está fritando seus neurônios. Não é porque impediu um estupro que automaticamente se tornou o Superman ou a Madre Teresa, e obviamente, teria agido da mesma forma caso fosse uma pessoa desconhecida naquele momento. Recebeu um obrigado, recebido o agradecimento, o que mais ele quer? Passaram-se sete anos desde que se conheceram pessoalmente, e nesse meio tempo nunca se deram bem, tipo, Megumi é quieta e silenciosa, e não vai mentir dizendo que ele nunca tentou se aproximar, porque não provou foi o que faltou da parte dele . Apenas…olhá-lo é difícil.
De alguma forma, ele é um lembrete constante de que não é insubstituível. Com uma prova concreta do porque Jin esteve ausente em todos os momentos mais importantes de sua vida (e os menos importantes também), no fundo, não nutre ódio por ele, na verdade fica contente em saber que embora tenha sofrido com a ausência do pai em eventos escolares, outra criança recebia a atenção que tanto desejava. O único que merece receber grosserias gratuitas é os Itadori (com exceção do vovô, por favor), porque os Fushiguro não tinham responsabilidade afetiva com Yuuji naquela época (e continuam isentos nesse quesito).
Portanto, agora que esfriou um pouquinho a cabeça, sente-se mal por ter usado um tom rude e grosseiro para lidar com Megumi, foi desnecessário, não pode despejar as frustrações reprimidas em pessoas inocentes que nada tem haver com seus assuntos inacabados. Dito isso, não vou pedir desculpas. Mesmo que um pouco, ainda resta uma centelha de dignidade no fundo do poço e não vai desperdiçá-la pedindo desculpas a um Itadori-Fushiguro, obrigado. O único humano vivo que escutou-o pedir perdão a Mahito (se é que pode considerá-lo humano) e nem era o errado da história, diga-se de passagem. O que disse estava errado, confirme, mas ele não poderia ter ouvido caso fosse menos intrometido.
O que diabos importa o que eu estava fazendo antes dele entrar no quarto? Não é como se houvesse algo de valioso para roubar, e principalmente, não é como se precisasse roubar de alguém que já seja pobre, tenha dinheiro de sobra para comprar qualquer objeto que desejar. Até mesmo uma casa nova em um bairro luxuoso, como Denenchofou, onde Mahito mora.
Duvida que roubo tenha sido uma ideia que passou pela cabeça de Megumi, dentro de sete anos nunca tentei pegar nada que não fosse seu (até porque não tem nada de valor nessa casa idiota), o que levaria-o a fazer isso justo agora? Eles não são ricos, claro, as roupas são de lojas decentes e não de brechós ou liquidação de final de ano (Kaori adora as liquidações!) mas estão muito longe de entrarem em uma loja de Colcci ou Prada. Obviamente os enxergamos como iguais, mas… sabemos que em termos financeiros há uma grande disparidade entre eles.
É sempre bom praticar o distanciamento social.
Riu dos próprios pensamentos, abaixando a cabeça e escondendo por entre os joelhos. Respirando pela boca, deixa a ponta do nariz desprotegida, sente-o congelando, o que é péssimo para o rango instalado internamente. Fácil fácil para contrair uma gripe. Deve voltar aos agasalhos pesados, o frio chegou mais cedo este ano.
Fechou os olhos e felizmente não foi imediatamente atacado por pedaços do pesadelo que assombrou-o pela madrugada, a parte mais ruim do pesadelo é acordar e perceber que está vivo. Vivo, e não morto do jeito que desejou (e ainda deseja, vamos deixar isso bem claro!) É inadmissível que não tenha conseguido obter sucesso em se suicidar, algo que a maioria das pessoas consegue na primeira tentativa. Mas como Kaori disse, não sirva nem para morrer. Durável.
De olhos fechados assim, tudo o que vê é preto, vazio e frio, gosta do silêncio, geralmente tem um turbilhão de pensamentos de um lado para o outro, por fones de ouvido e topar o volume do celular (até receber uma notificação digital que vai prejudicar a audição) não é um método eficaz para silenciá-las. Só terá mais barulho. Está constantemente pensando no futuro, tipo, o que vai acontecer na hora do almoço? Qual será o sabor da comida? Vai chover ou fazer sol? Amanhã será chato igual hoje? Começa com pequenos questionamentos, bobos e inofensivos, então vai ganhando força e se torna um tsunami devastador. Trazendo as comparações idiotas (sabe que são idiotas!) de Utahime e Mai, finge não se importa com as provocações e realmente não liga, isso é um fato, mas sua cabeça discorda e faz questão de perturbabá-aaaaaqalo repassando constantemente as palavras delas. É irritante, no mínimo. E por mais que tente, não pode fugir dessas vozes presas na sua cabeça.
Fungou novamente, escolhido para se proteger do frio da manhã. Vai verificar a previsão do tempo assim que possível, tem a impressão de que a temperatura vai cair alguns graus até a noite.
— Aqui fora está frio, pirralho. — Escutou Toji comentar, em tom de conversa. Ignorou, algo que é mestre em fazer desde que veio morar aqui. Os pés pesados se aproximaram dos degraus e uma mão enorme cobriu sua cabeça desprotegida. — Vamos, você não quer pegar um resfriado. — Dedos ásperos roçaram o couro cabeludo, e antes que tivessem a chance de esbofeteá-lo, ele se demorou. — Não precisa ir à escola se não estiver se sentindo bem, pode apenas ficar em casa e se recuperar. — Ofereceu, parado à sua frente com as mãos dentro do moletom esportivo. Recuperar? Bufou, virando o pescoço na direção final. Não é como se pudesse se recuperar do pedido Mahito, se realmente já tivesse sido alcançado nesses oito meses. — Talvez seja melhor ir ao hospital… — Continuou, e Yuuji odeia que de fato haja um tom preocupado na voz grave.
— Por que você não cuida da sua vida? — Perguntou levemente irritado com a atenção, (e um pouco assustado também) não é todo dia que é alvo de preocupação de um traficante de drogas. Ou ex-traficante.
— Estou cuidando da minha vida quando me preocupo com você, que é meu filhote, e automaticamente faz parte da minha vida. — Revirou os olhos, embora ninguém tenha visto. Toji ainda deve usar drogas, e ao compartilhar com Megumi, com certeza, não é normal alguém falar tanta besteira. — … eu quis me aproximar desde o primeiro momento, mas você parecia tão assustado com a presença da minha… acho que deveria ter ignorado aquilo, hein? Você se sente tão assustado quanto antes agora. — Riu, sem humor. Abriu os olhos, qual a dele? Se aproximar antes? Yuuji teria mordido-o sem nenhum remorso (tem dentes afiados). E não sente medo de ninguém (exceto que Toji tem razão) bem, não sente medo de Sukuna ou Jin antes de levar uns bons tapas e cuspir sangue. É meio concebível manter um pé atrás depois de experiências ruínas, sabe? E embora Toji nunca tenha levado seus xingamentos a sério (o que é admirável) alfas nunca são confiáveis. Eles podem ter ataques de raiva do nada. E Toji é maior que Mahito (???? Certo?!), tem o rosto de um lobo malvado, não quer chegar muito perto e apanhar por nada. Então talvez, apenas talvez, tenha medo dele.
— Essa conversa de novo? Não sou seu filho. Nem um filhote, seu idiota. — Resmungou, e Toji riu zombeteiro. — Talvez eu tivesse deixado você se aproximar, se você não tivesse essa cara de tráfico de drogas romântica. — Completou, irritado. E Toji riu mais ainda.
— Primeiro, um filhote sempre será um filhote, não importa quantos anos tenha. — Pontuou, e honestamente? Gostaria muito de rasgar o outro lado da boca dele. Isso provavelmente o faria ficar calado. — E segundo, por que insiste que sou um traficante? — É necessário, de fato, explicar o por que chama-o de traficante? Qualquer alma que se preze vai cortar o caminho ao vê-lo na rua. É óbvio que você está (ou esteve) envolvido com a Yakuza em algum momento da vida. Altura, físico musculoso, rosto perigoso, sorriso rasgado, olhos refinados, é o porte dos Yakuzas que conhecem em Shinjuku (os cidadãos de bem que muitos aclamam). — Bem, não me importo com isso. As crianças têm uma imaginação fértil, segundo Jin. Apenas deixe-me saber se mudar de ideia e resolver ir ao pronto socorro, certo? — Pediu humildemente, novamente colocando a mão sobre sua cabeça, curvando-se até encontrar o rosto de Yuuji, onde ofereceu um sorriso pequeno e simpático. Torceu o nariz, fazendo uma expressão de nojo.
— Tire suas mãos nojentas de mim. Vagabundo. — Sibilou, mau humorado, aproveitando que Toji está mais perto que o recomendado e dando um pontapé na perna que estava dobrada sob o degrau. Ele se desequilibrou com o impacto inesperado e acabou deslizando até o degrau inferior, é uma pena que não tenha caído totalmente (como queria que acontecesse, está decepcionado).
— Porra… — Praguejou, no mesmo momento que Choso abriu a porta, acompanhado de Tsumiki e Jin.
— Pai! Sem palavrões. — Tsumiki o repreendeu imediatamente, firme e alto, como se estivesse falando com uma criança de cinco anos.
— Ainda mais na frente de Yuuji. — Choso completou, um pouco mais severo que Tsumiki. Não precisa vê-lo para saber que está fazendo uma careta de desconforto de pai.
— O que aconteceu, querido? — E por último, Jin perguntou, olhando-o de cima com o pescoço torto, até concertou os óculos para estudar melhor a posição desajeitada do esposo.
Yuuji segurou o riso, trazendo um punho para cobrir a boca. Toji piscou, atordoado por ver as bochechas de Yuuji rosadas pela vez (por uma boa razão) e o tremular suave dos seus ombros, surpreendendo a risada divertida.
— Eu...caí. — Disse simplesmente, abrindo um sorriso grande. — Tome cuidado, os degraus estão escorregadios. — Avisou alegremente, levantando-se sozinho e espantando as partículas de poeira impregnadas nas calças com tapas.
— Deve ter sido uma queda engraçada então. — Jin comentou, percebendo os ombros de Yuuji tremerem, acabou de sorrir também. — Vamos, vamos indo, ou iremos chegar atrasados. — Chamou, mudando o assunto.
— Estamos indo em diferentes maneiras, então não precisaremos de carona hoje. — Tsumiki disse, descendo os degraus, com Choso no encalço, e evitando contato visual com Yuuji. Tão fofo.
— Sim, mas Sukuna vai com vocês. — Péssima notícia, Yuuji pensa, recuperando-se da crise silenciosa de riso. Choso, para e tira um pote da própria mochila, cor rosa e com adesivos da Hello Kitty (estranhamente conservados para já estarem sendo usados). —Seu lanche da tarde. — Esticou a mão grande e pálida, a mesma mão que segurou mais cedo, quando estava chorando e implorando por alguém que está muito longe. Envergonhado, engole em seco a saliva que se acomulou debaixo da língua e abriu a boca, pronto para dispensar a gentileza. — O pão é livre de gordura saturada, e todos os ingredientes internos são saudáveis, com quase nenhuma taxa de açúcar. - OK. Parece que ele se esforçou bastante.
— Tá, eu dá essa merda. — Pegou o pote, arrancando-o da mão de Choso sem nenhuma delicadeza. Ele ficou satisfeito.
— Você não xinga a comida. — É claro que iria implicar com o que disse, no entanto. Apenas bufou, levantando o concreto, fingindo não ter ouvido nada. É melhor fazer que dizer “foda-se” e ser repreendido novamente, por NADA. — Então, até mais. — Despediu-se, dando um meio abraço em Jin e Toji, e “tentando” bagunçar o cabelo de Yuuji, que revidou dando-lhe um tapa forte no braço.
— Onde conseguiu essa mochila? Estávamos presentes nas compras depois da escola, para comprar materiais novos para você e Megumi. — Quando Choso e Tsumiki estavam longe do terreno da casa, Jin virou-se em sua direção, decidindo qual seria sua nova vítima. Arqueou a sobrancelha, encolhendo os ombros.
— Ganhei de presente. — Respondeu sem emoção. E Jin contínuo, um pouco nervoso.
— Ah, sim… é claro. Parece ter sido cara. — É claro que foi cara, é da tia Nagi que está falando. Ela tem dinheiro agora, um emprego decente, e não se importa em gastar para dar tudo da melhor qualidade naquelas que ama.
— Não costumo perguntar o preço dos presentes de ganho. — Disse, ao invés. E isso pareceu deixar Jin ainda mais sem jeito, como um cervo lego pelos painéis, é engraçado como não lembra dele sendo tão tímido e inseguro, nas suas lembranças, Jin é alegre e sorridente, brincalhão e amoroso. Um pai alfa perfeito.
— Imaginei que não, seria falta de educação. — Murmurou baixo. — De qualquer maneira, podemos comprar cadernos novos, canetas, lápis, marcadores, borrachas, essas coisas. — Ofereceu, ele nunca acompanhou-o nas compras do material escolar, se tivesse acompanhado, saberia que Yuuji só tem um caderno (do mais barato que encontrar) uma caneta, lápis e uma borracha. Você vai usá-los durante o ano inteiro e pode usá-los até o ano seguinte, até porque é difícil dar-se o trabalho de anotar algo nas folhas do caderno.
— Você está ocupado. — Não mentiu, mas principalmente, seria insuportavelmente sufocante nas compras com Jin e Megumi. Não precisa assistir em primeira mão (novamente) o adorável relacionamento pai e filho que eles construíram. Jin virou o corpo em sua direção, curioso.
— Ocupado depois da escola? Às sextas-feiras as aulas terminam mais cedo. — Afirmou, com o cenho franzido.
— Sim, eu estou ciente disso. — Acenou, desinteressado. E Jin continuou o olhando, curioso, mas não exige uma resposta imediata. Soltou um suspiro cansado, vendo Sukuna e Megumi saíramrem da porta de mãos dadas. Eca.
— O que você fará para não poder cancelar e ir comigo e Megumi? — Sério? Você realmente ouviu isso? E porque cancelaria qualquer compromisso (por mais mínimo que seja) para sair com esses dois?! — Vai ser divertido, podemos tomar sorvete e… — Trocou o peso do corpo sob as pernas, vendo o jovem casal se aproximar.
— Estarei fazendo o mesmo que você estava fazendo para não comparecer às minhas apresentações escolares da pré-escola. — O rosto de Jin se contraiu em uma careta de ansiedade, ele respirou fundo e estava prestes a retrucar, quando Yuuji fez questão de dizer: — Fodendo. — E saiu de perto dele, abrindo a porta traseira do carro e entrando nele de mau humor, fechado-a em um estrondo alto. Toji, olhou-o pelo espelho do retrovisor ameaçadoramente, avisando, sem usar palavras, que: “Bata a porta assim novamente e vou amassar sua cabeça contra o paralelepípedo mais próximo, pirralho.” Colocou o cinto de segurança, e encolheu-se o máximo possível contra a porta maldita. Se quebrar essa merda pode comprar umas mil peças iguais sem coçar a carteira. Maldita lata velha.
Minutos depois dos demais passageiros também embarcaram, inicialmente, o clima dentro do carro ficou tenso e desconfortável. Com Megumi sentado no meio e Yuuji e Sukuna nas duas extremidades da porta, exceto que Yuuji estava quase se fundindo ao material do automóvel na intenção de não encostar em Megumi acidentalmente. Claro que ele não é burro e descobriu o que estava comemorando no momento em que colocou o cinto de segurança e seus dedos roçaram no quadril de Yuuji, sem olhar uma segunda vez, ele respeitou o mínimo espaço imposto entre os dois.
O carro começou a trafegar pelo bairro tranquilo, aproveitou para observar melhores os vizinhos (algo que não fez desde que chegou), além das belas casas tradicionais japonesas que ocupam um bom espaço, esse condomínio é uma mistura de clássico e contemporâneo, há construções que abrangem as duas eras japonesas e as influências internacionais que atuam na arquitetura nacional. Não é nada chique como as mansões que estão acostumadas a ver em Denenchofou ou no distrito de Minato, mas ainda tem um certo charme, e em nada se compara às estruturas degradadas da periferia de Shinjuku. Vivendo em um lugar com o ar tão acolhedor e familiar, é auto explicativo as reações de Tsumiki e Megumi a falas de sexo e qualquer coisa relacionada à vida sexual “adulta”, ômegas de condomínio são super protegidos.
Sem sombras de dúvidas cresceram tendo as redes sociais supervisionadas, conteúdos na internet diariamente confiscados e amigos do mesmo padrão. Yuuji poderia sentir inveja, mas lembra que se Kaori se desse o trabalho de fiscalizar seu celular veria as mensagens que trocam com Junpei e os assuntos nada puritanos das conversas, ela enlouqueceria. Ou quem sabe, apenas devolve o celular silenciosamente e bebesse até esquecer o próprio nome. Deve ser legal manter a inocência até essa idade, talvez em outra realidade conseguir chegar aos dezassete anos virgem e puro, totalmente livre das maldades do mundo.
Chegaram à portaria e Toji comprimentou o síndico com um aceno e um bom dia simpático, não conseguiu pegar a aparência do homem corretamente de onde está sentado, a menos que esticasse o pescoço e isso significaria chamar atenção indesejada de Sukuna, apenas deixou passar, não é como se saber a aparência do velhote fosse fazer alguma diferença em sua vida. Logo Jin comentou algo sobre o trabalho com Toji, e Toji comentou sobre a vida acadêmica, e Sukuna entrou na conversa e poucos segundos depois Megumi também estava envolvido. Desejou ter trazido fones de ouvido. Encostou a cabeça na janela e fechou os olhos, tentando fugir para um lugar diferente. Um lugar onde está longe dessas pessoas. É tão nítido que não pertence a esse meio que nem consegue se situar na conversa que eles mantêm fluida e naturalmente, e caso seja empurrado para dentro da roda, vai continuar perdido.
Tem um círculo de amigos, sim, e conversam sempre que possível, por exemplo, pode passar o dia inteiro conversando com Junpei e não irá faltar assunto no meio da troca de palavras, pode falar sobre tudo e todos e ainda ser divertido. O mesmo acontece com Nobara e Todo, ou os amigos da vizinhança em Shinjuku, até mesmo as garotas de programa e os tios comerciantes do bairro. Mas é diferente de Itadori-Fushiguro. Parece que não tem nada em comum com eles, e nada sobre o que possa concordar. É difícil imaginar se tendo uma convivência harmônica algum dia, provavelmente, nunca terá. Esse pensamento o leva a criar ainda mais espaço físico entre ele e Megumi, mantendo as pernas quase coladas e os ombros encolhidos.
Quando chegou a mais ou menos uma milha e meio da escola, Sukuna avisou que estava descendo e Toji encostou o carro em breve, esperando-o despedir-se de todos (claro que o ignorou completamente) para logo em seguida voltar à estrada. Discretamente, desenhado o prédio onde Sukuna entrou, não tem menos de quinze andares, espelhado e em um bom bairro, homens e mulheres elegantemente vestidos entram e saem, ou passaramam pelo pátio externo.
— Ele ganhou uma etapa aqui no início do ano. — Talvez não tenha sido tão discreto quanto pensei. Desviou os olhos, e fingiu não ter ouvido a informação (inútil) que Megumi ofereceu de boa vontade.
— A corporação automotiva do clã Tsukumo está crescendo desenfreadamente nas últimas décadas, tem oferecido muitos projetos a estudantes de diversas áreas, Choso está prestes a iniciar o estágio no setor administrativo. — Tsukumo…? Segurou o arregalar dos olhos, mordendo os lábios com força e sentindo o sabor agridoce do sangue encher a boca. Não deveria ficar tão surpreso, o Japão é um país pequeno e famílias ricas como os Tsukumo são popularmente conhecidas, isso não significa nada. Sukuna e Choso são estagiários, quais as chances de conhecerem Yuki ou o pai dela? — Ouvi dizer que a herdeira Tsukumo é o principal responsável pelo crescimento da corporação, até mesmo está se arriscando em outras indústrias… — Jin completou, cheio de admiração.
— Eles pagam bem, isso é muito importante. — Toji disse, e parece estranhamente satisfeito. É sábio acreditar que o estágio é remunerado.
Desligou-se da conversa deles e voltou a vagar nos próprios pensamentos. Dizendo que não há motivos para se preocupar, Yuki está em um nível elevado da posição social japonesa (e internacional, tipo de grande CEO) e NUNCA fará contato com estagiários de meia tigela. Ela não se interessa por eles. Correto? Correto!
Sem pânico, por favor.
Assim que Toji estacionou o carro na vaga exclusivamente para funcionários, (porque há uma placa sinalizando isso quando apenas funcionárias têm carro?!) Destravou o cinto de segurança e saiu para o mundo exterior, sentindo-se finalmente livre. Fechou a porta (sem bater) e correu para longe, sem se despedir. Pegou o celular no bolso e abriu o chat de mensagem com Junpei, vendo o texto curto e informativo.
“A sua esquerda, subindo as escadas, perto de um arbusto.” Sorriu, guardou o celular de volta no bolso e seguindo as instruções, olhando Junpei encostado no arbusto bem aparado e infelizmente acompanhado pelas gêmeas Gojo-Geto. Bem, isso não importa. Apressou o passo, desviando de estudantes aqui e ali, até chegar ao destino final.
— Junpei… — Chamou suavemente, jogando-se sobre seus braços e o apertando o máximo possível. Junpei respondeu apertando-o de volta até tirá-lo do chão, envolvendo as pernas na cintura musculosa e afundou o rosto no pescoço pálido, respirando o cheiro de amaciante e perfume barato que tanto adora.
— Alguém sentindo minha falta, hein. — Ele riu, dando tapinhas fofas nas suas costas. Yuuji não encontrou uma resposta zombeteira na ponta da língua, então apenas se concentrou e respirou profundamente, deixando o cheirinho de casa invadi-lo e relaxar seus músculos e pensamentos. Está com Junpei. Está em casa. Não precisa ficar na defensiva agora. Você pode descansar.
— É, eu sinto sua falta. – Murmurou.
— Eu sei, eu sei, também senti a sua, putinha. — Sussurrou, e Yuuji riu silenciosamente, o putinha é equivalente a “docinho” na linguagem do amor que compartilham. — Mas agora desça, ok? Ou sinto que seria assassinado aos meus dezassete anos se não te soltasse, e isso seria muito trágico. — Revirando os olhos, desprendeu as pernas e aceitou ser colocado de volta no chão.
— Por que diz isso? — Perguntou, arqueando a sobrancelha.
— Atrás de você, a uns cinco metros de distância. — Virou o pescoço discretamente, encontrando Toji, Jin e Gojo caminhando juntos pelo pátio externo da escola na direção da entrada. Gojo tem uma expressão muito dura no rosto, em especial. Bufou, novamente abraçando Junpei e esmagando a bochecha contra o peito duro dele. Agora não pode nem abraçar o irmão em paz?! Era só o que faltava para completar a desgraça.
— Não me lembre da existência dessas pessoas, por favor. — Pediu humildemente, fechando os olhos. Junpei não disse nada por alguns segundos.
– Sim, claro, claro. — Concordou, pelo tom usado, sabe que vai ser interrogado mais tarde.
—Bom dia, Yuuji-kun. — Abriu um olho a contra gosto, e descobri que esqueceu completamente das gêmeas. Elas não parecem nenhum pouco ofendidas, entretanto.
— Você tem uma péssima cara. Não dormiu bem? — A acastanhada disse indelicadamente, qual o nome dela mesmo? Nanako? É, deve ser esse mesmo… ou não? Franziu o cenho, tentando lembrar.
— Isso foi indelicado, Nanako-chan. — A morena deu um cutucão na irmã, fazendo sibilar discretamente (de dor?) e rapidamente desculpou-se. — Sinto muito pela pergunta indelicada, Yuuji-kun. Minha irmã quis dizer que… você parece cansado…? — Reformou a pergunta, muito mais educada. Tinha esquecido o quanto elas são diferentes.
— Vou precisar dos seus nomes novamente, acho que não estava prestando atenção na primeira vez. — Disse categoricamente. E a acastanhada (Nanako) aparentou estar indignada. — E não, não dormi bem. — Respondeu a pergunta em questão.
— E depois eu sou a indelicada. — Mimiko revirou os olhos para o murmúrio da irmã, e abriu um sorriso simpático.
— Tudo bem, tudo bem, eu sou Mimiko e essa é a Nanako. — Apontou para a irmã, com o dedo.
— Vou tentar não esquecer dessa vez. — Ofereceu seriamente, e isso parece apaziguar Mimiko.
— Mas reforcem que não há garantias de nada, meninas. — Junpei completou, com um sorriso malicioso. — Ele só conseguiu lembrar meu nome três semanas após termos nos conhecidos. — Acrescentou, falsamente prestativo.
— Exagerado. Pare de mentir. — Retrucou imediatamente.
— Teremos o resto do ano juntos, e três semanas passam rapidinho. — Mimiko comentou, como sempre tão educado. Uma boa criança, sem dúvidas.
— É… o resto do ano. — Isso é, se não se matar até lá.
— Nossa, gostei da sua mochila. Onde foi roubado? — E como num passe de mágica, Mimiko pediu, mudando completamente o assunto original da conversa. Ela parece genuinamente empolgada. — É igualzinha a uma mochila do Killer Cat, ele a usou em junho do ano passado em um passeio em Boston. — Riu, encolhendo os ombros.
— Essa eu ganhei de presente, não sei onde foi comprada. — Pelo canto do olho, ver o sorriso meio tenso de Junpei, qual o problema? As meninas não irão descobrir que estão conversando com o Killer Cat pessoalmente apenas por causa de uma mochila. — Você é um stalker, por acaso? A última parte foi assustadora. — Falou, e tanto Mimiko quanto Nanako ficaram vermelhas.
— Você ainda não viu nada, o quarto delas está cheio de… — Megumi, que chegou em algum momento, foi atacada por mãos desesperadas o silenciando com sucesso.
— Isso não é realmente necessário, hahaha. — Nanako riu nervosamente, olhando para qualquer ponto que não seja Yuuji e Junpei.
— Não vamos te julgar por leves traços de psicopatia, sabe? Pode ficar tranquilo. — Junpei disse, sendo muito sincero por não acreditar nele.
— É, todo mundo tem um traço estranho na personalidade. — Concordou, balançando a cabeça. — O meu é gosto de Alfas. — Como se estivesse falando da maior tristeza do mundo, Junpei acenou, desolado.
— É realmente triste… — Murmurou, segurando seu ombro solidariamente.
— Embora seja stalker seja muito mais assustador. — Deixou escapar, e novamente, as meninas foram atingidas.
— Você estava indo bem até agora. — Escutou Junpei sussurrar no seu ouvido. Merda. Mas não é como se estivesse acusando alguém, de qualquer maneira. Só falei a verdade. É claro que amo os fãs, mas alguns deles são realmente assustadores…
— Não somos stalkers, somos apenas pessoas atualizadas. — Fingiu considerar, levantando ambas as sobrancelhas e torcendo os lábios para baixo. Mimiko bufou, soltando Megumi do aperto “silenciador”. — De qualquer forma, o Kitty não faz nenhum vídeo ou live desde a semana passada… estou prestes a morrer de abstinência! — Reclamou, chorosa.
— Pelo menos ele ainda responde os comentários e está ativo no Twitter. — Nanako disse, encolhendo os ombros e parecendo conformado com a situação.
— Você disse Kitty…? — Apontou, confuso. E Mimiko acenou com certeza.
— O Killer Cat é fofo, bonito e pequeno como um filhote de gatinho. — Sentiu que um terceiro olho se abriu no meio de seu testamento. Junpei limpou a garganta, visivelmente segurando a risada.
— Fofo? — Questionou, apenas para confirmar o que escolheu, ainda desacreditado.
— Sim? — Nanako respondeu em tom de dúvida, como se a descrição de Yuuji fosse o fator anormal aqui. — Ele é extremamente fofo com todas aquelas piadas criativas, aventuras na cozinha e brincadeiras nas vidas, sem falar que ele tem o rosto de bochechas redondas super fofinhas e boas de apertar. - OK. Essas meninas estão consumindo muito conteúdo da internet (o conteúdo do Killer Cat, especificamente), e todo tempo online afetou a capacidade neurológica delas. Não há outra explicação. Sua careta deve ter crescido após a explicação totalmente sem sentido, porque tem três pares de olhos coloridos o olhando seriamente… O que fez de errado?
— Você sabe de quem estamos falando? — Junpei tossiu, olhou-o de soslaio, antes de dar de ombros, em um claro sinal de descaso. Cruzou os braços na altura do peito, e respondeu a pergunta de Mimiko mantendo a voz desinteressada.
— Sim? Eu sei quem é, embora não seja fã. Não o acho nada fofo, ele é apenas um cara normal. — Nem precisa fazer esforço para dizer isso, porque é exatamente assim que vê o Killer Cat. Nunca vai entender a multidão enlouquecida que gritou ama-lo e o idólatra como um ser celestial, é apenas um artista normal, como qualquer outro, não tem nada de especial na sua discografia e não fez performances épicas como Britney Spears e Beyoncé (provavelmente nunca vai chegar ao nível delas, os Deuses sabem…) então toda essa comoção é algo desnecessário. (O que não significa que é mal agradecido).
— Hum, cara normal?! — Nanako perguntou, com uma careta irritada. — Você está dizendo que o Kitty é apenas um cara NORMAL?! Tipo, sem nada de especial?! — Gesticulou dramaticamente, e Yuuji achou-a um tanto medonha naquele momento, semelhante a uma lunática de um hospital psiquiátrico vitoriano dos filmes clássicos de terror.
— Ele fez a maior estreia da história com o álbum Atlantis e você diz que ele é um cara normal?! — Tenha os ombros seguros firmemente por Mimiko e Balançando para frente e para trás como um boneco. — Killer Cat vendeu mais de noventa e cinco milhões em um ano, isso é estatística! Ficou no top dez do Spotify por dois meses inteiros e liderou a Billboard por cinco semanas. Isso é uma estreia. O primeiro álbum. Você tem ideia do que isso significa?! — Piscou, um tanto pedido e tonto com a rapidez que as palavras são pronunciadas.
— Ah… Ed Sheeran também ficou no topo da Billboard por várias semanas. — Retrucou, trazendo fatos incontestáveis.
— Sim, sério. — Megumi recentes, acenando lentamente. — Mas ele não fez isso durante o primeiro álbum, quando a indústria musical ainda não o conhecia, diferente do Killer Cat. — Concluiu imperturbável.
— A Lorde fez a mesma coisa. — Nanako bufou, frustrada.
— Você não gosta do Killer? — Hã? Ah bem, se responder essa pergunta ao pé da letra, a resposta será que não gosta do Killer, porque não gosta de existir (de está vivo e respirar maravilhosamente bem), mas a verdade é que adora o personagem público. Onde pode ser uma pessoa real, sem a necessidade de inibir as atitudes e engolir palavras para agradar aos mais velhos.
— Pense bem no que vai dizer. — Junpei sussurrou no pé do seu ouvido, e não precisa vê-lo para saber que há um sorriso falsamente inocente no rostinho bonito. Olhou das gêmeas para Megumi, que estranhamente parece estar na defensiva (ou não tão estranhamente, considerando tudo o que falou a poucas horas…), eles estão ansiosos para ouvir a declaração final.
— Não tenho nada contra. — E foi como se toda tensão tivesse se esvaído, as meninas sorriam amigavelmente, aliviadas.
— Ufa, Pensei que terei que converter mais uma alma para nossa religião sagrada. — Disse, colocando uma mão sobre o próprio peito e respirando fundo. Pensei seriamente que Mimiko era sensata, mas pelo visto, enganou-se feio.
— Podemos ser melhores amigos, você é tão fofo quanto a Kitty! E ainda tem a mesma cor de cabelo, como algodão doce. — Mimiko exclamou, puxando-o para um abraço apertado de tirar o fôlego. Foi levado do chão facilmente, como se não pesasse uma pena, e girando no ar até ficar tonto.
— Tudo bem, tudo bem, meninas, já podem soltar meu garoto. — Junpei interveio antes que vomitasse sob a grama verde e bem parada do jardim escolar, Mimiko piscou, soltando Yuuji com certa relutância. Cambaleou, encostando-se em Junpei para não cair.
— Fofa é a porra da minha buceta, caralho. — Resmungou, levemente irritado em ser chamado de fofo novamente, por alguém que não é Megumi, todos estão com problemas de saúde mental, pelos deuses. — E não tenho cabelo de algodão doce. — Determinado, com uma careta.
— … Você tem uma voz muito doce para xingar tanto. — Nanako disse, entortando o pescoço. — Isso fica estranhamente fofo e é difícil levar a sério. —Jura. Jura que vai matar essas garotas idiotas.
— Vão se foder. — Disse, e virou as costas, puxando Junpei junto.
— Como diria o Killer Cat, não tem graça foder sozinha. — Escutou uma delas retrucar, e tem quase certeza de que a infeliz está encolhendo os ombros e exibindo um sorriso de comedora de merda. Odeia adolescentes. O que é verdadeiramente engraçado, já que a maioria dos ouvintes do Killer Cat são adolescentes e jovens entre 18 e 25 anos.
— Garanto que você acha um bom pênis de borracha que valha a pena. — Implicou. Sabe que não, os brinquedos são bons, sim, mas nunca chegam perto da ‘coisa’ real.
— Agora estou me sentindo ofendido, Yuuji. — Junpei disse, fazendo uma careta emburrada. Quase disse que ter o pau bom ou não pouco importa, ele estará levando da bunda de qualquer jeito… ou não? Sempre achou que Junpei tem cara de passivo, mas é melhor deixar esses comentários para quando estiverem sozinhos, na privacidade e intimidade dos próprios ouvidos. Então, apenas abriu um sorrisinho curto que dizia: desculpa, e continuou andando. Demorou pouco para estarem caminhando pelos corredores da escola colados por um abraço lateral, sem escutar as vozes das gêmeas e Megumi (felizmente).
Foram direito para a sala de aula, embora no fundo, assistir um professor falando por horas e horas sobre um tema que nem está interessado seja a última coisa que gostaria de fazer. O sistema educacional aparentemente sempre sabe o que é melhor para a vida de pessoas que desconhece e decide quais disciplinas eles devem estudar. Ótimo. Obviamente, se tivesse escolha, não haveria nenhuma disciplina de exatas e biológicas no cronograma. Para quê exatamente vai usar a lei de Murphy mesmo? Ou as toda a problemática de Einstein? Nelton e Pitágoras?
Só estão perdendo tempo. Todos sabem disso.
Depois de concluir essa palhaçada, ainda precisa passar mais cinco ou dez anos fazendo uma graduação idiota apenas para obter um diploma ainda mais idiota e ter uma mixaria de salário sendo colaborador (termo romantizado para substituir a palavra: Escravo) de uma grande empresa idiota, onde com certeza vai ocupar um cargo idiota. Dá preguiça só de pensar. É bom que tenha conseguido ganhar dinheiro e ficado rico com a música, acha que caso o contrário, teria aderido a ser um stripper na casa de shows da Mei-Mei ou quem sabe entrado para Yakuza (propostas nunca faltaram), obteria dinheiro facilmente e sem as humilhações agregadas na sociedade.
Quando uma criança sonhava constantemente em ser médico, uma carga acima de Kaori, já que ela falava sobre como cuidar de pessoas doentes é gratificante (entende agora, que recompensar para ela é ser necessário na vida de alguém, ter alguém que depende exclusivamente de sua boa vontade, que é pouquíssima). Mas agora? Não tem sonhos, só pesadelos. E honestamente, é bom que tenha dinheiro o suficiente para passar o resto da vida sem trabalhar, apenas bebendo refrigerante e comendo porcarias à beira mar.
Pelo menos nesse quesito não está tão fudido. O desejo inalcançável de ser médico afastado com o passar dos anos, na verdade, muita coisa distante e o único interesse que se mantém firme é o da música, provavelmente porque é uma forma de fugir da realidade de merda em que vive. E é bom que ainda exista algo que goste de fazer, sinta que se não houvesse, tudo seria ainda mais sem graça do que já é.
Como acontece desde o início da semana, sentado lado a lado de Megumi, o que lhe rendeu um suspiro profundo e cansado, audível, e sem dúvidas escutado pelos garotos e garotas próximas. Sem ânimo para fingir prestar atenção na aula, curvar-se sobre a mesa, escondendo o rosto entre os braços cruzados e fechar os olhos. As imagens de Mahito passaram diante das suas passagens fechadas, viu-se obrigado a abrir os olhos por um milésimo de segundo antes de abri-los novamente, uma tentativa de dissipar a imagem mentirosa criada por um cérebro defeituoso. É uma merda que o fantasma da pessoa que mais deseja superar é aquele que mais o assombra. Bufou, tão frustrado e cansado disso. Manteve os olhos abertos, e ignorou completamente o barulho do professor ou professora entrando na sala e iniciando a aula.
As horas passaram lentamente, arrastando-se como uma lesma, e a dinâmica divertida da professora de inglês não despertou nenhum pouco seu interesse pelo conteúdo, depois veio japonês moderno e este maldito velho barrigudo o forçou a levantar a cabeça e olhar a louça branca rabiscada em letras horríveis. Não que tenha uma caligrafia ótima, na verdade tem uma caligrafia péssima (e sua assinatura é pior ainda) possivelmente, ninguém nunca conseguirá falsificá-la. Mas tipo, todos os professores de japonês moderno ou qualquer disciplina que remeta à gramática e linguagens possuem caligrafias excelentes. O tema da aula foi ainda mais chato, apenas aulas passadas, cruzou os braços sobre o peito e deixou-se deslizar na carteira até ficar escondido e fora de vista de qualquer pessoa na fila da frente.
Sentiu o olhar pesado de Junpei colado na sua nuca, mas não trocaram nenhuma palavra ou bilhete durante a prova da aula, foi melhor assim. Está ansioso o bastante, tão ansioso que poderia morrer. Cansado. Exausto e todos os possíveis sentimentos decorrentes da ansiedade capaz de armazenar no corpo humano. Seus pensamentos são tão altos e confusos, um emaranhado entre o desejo de ver Mahito mais uma vez, arrependimento, dor, tristeza, desespero, saudade, jantar com os Tsukumo, Sukuna, Choso, Jin, Megumi, Vovô… claro, tem o vovô . Precisa ter uma conversa adequada e explicar o porquê passou a noite fora com Megumi, e porque essa foi a melhor decisão naquele momento. É preciso fazer tantas coisas, mas no final sabe que não fará nem a metade delas, é sempre assim. Segue adiando o andamento, e quando é impossível continuar empurrando para cima do muro, acaba sendo esmagado por esses problemas acomulados.
Junpei diz que deveria fazer as próprias escolhas, ele tem certeza de que tomará boas decisões e depositará tanta confiança nos seus ombros que é demais para suportar. O medo de decepcioná-lo é real, ele o corroi como o cupim corroi a madeira, lentamente, um trabalho lento e cuidadoso que leva anos até ser verdadeiramente notado. As ideias que surgiram para o novo álbum, algo em que realmente quer trabalhar, deixa-o animado e um pouco eufórico, mas sobretudo, ansioso… não sabe se serão bem-vindas pelo público, e se acabar caindo da 'bicicleta' antes do esperado? Conseguiremos lidar com a decepção nos olhos de Junpei? E o olhar duro do tio de quem diz: “Eu avisei, não avisei?” Não acho que possa suportar isso.
Seguir essa linha de pensamento é enlouquecedor, o coração bate forte dentro da caixa torácica e tem a sensação de que todos podem ouvi-lo, esses corações soam tão altos nos seus próprios ouvidos, como um tambor em um festival. E sem surpresa, o estômago traça o mesmo caminho, fazendo e ameaçando fazer-lo correr até o banheiro. Fechou os olhos, respirando fundo e fingindo simplesmente sair dessa sala apertada e cheia de adolescentes, se trancar em uma cabine aberta do banheiro e despejar tudo o que NÃO tem no estômago. Quem sabe não poder morrer logo de uma vez e ficar em paz? Parece bom.
No entanto, antes que esses planos possam ser concretizados, um barulho alto e escandaloso abalou as paredes de concreto e calou o burburinho das conversas adolescentes. Abriu um olho preguiçosamente, um pouco surpreso em ver o infeliz traficante de drogas (Toji, o amante vagabundo) na frente da louça, agora limpo, ostentando um sorriso vagabundo no rosto. Gemeu inconscientemente, solicitado com visão.
— Bom dia turma, como vocês estão hoje? Prontos para trabalhar? — A maior parte dos alunos protestou, isso é, aqueles que não são meninas betas e ômegas com algum problema mental (muito sério) e estão visivelmente atraídos pelos músculos proeminentes de Toji. Eca. Eles precisam urgentemente de medicamentos de tarja preta. — Pronto ou não, ainda estou colocando suas bundas preguiçosas para fora dessas cadeiras. Vamos, levantem, estamos indo para o ginásio. — Gritou a última parte, soando o apito que mantém suspenso do pescoço (até mesmo em casa). Seria um caso de identidade visual?
Como em todas as escolas e turmas, alguns levantam animados e outros arrastando os passos como se suas almas passam fora do corpo, Yuuji faz parte deste segundo grupo. Na verdade, a educação física é uma das disciplinas escolares que mais odeia, apesar de não ser um inimigo dos exercícios físicos. As roupas de ginástica que a escola disponibiliza (ou força) os ômegas usam durante as sessões de exercícios são…desconfortáveis, no mínimo.
E é péssimo se trocar na frente de adolescentes mesquinhos, nojentos e mimados (de quem está falando…) eles parecem nunca terem visto uma bunda grande, ou um ômega masculino com mamilos do tamanho de um caroço de feijão, pouquíssimos são aqueles que possuem bom senso e ignorância. A maioria faz piadas de mau gosto. A outra grande parte fica curiosa sobre seus mamilos e quer tocá-los, e a minoria, quer dizer, a minoria mesmo olhar e desvia os olhos, envergonhados. De qualquer ângulo que analise a situação, ela é chata. E também, resultou.
Porque ser um parente (tão tão tão distante) de Toji, não faz ser invisível e imune a esse tipo de tortura. Sendo honesto, seria altamente sugerido que depois de tantas farpas trocadas e principalmente, aquele pontapé nada suave que deu-lhe na canela hoje mais cedo, simplesmente fosse dispensado da atividade física escolar, então, embora com os ossos pesados e exalando desdém, é obrigado a seguir a fila de alunos até o vestiário.
Junpei, como beta masculino entrou na sessão dos alfas e Yuuji foi mandando para a cova dos leões junto das gêmeas Gojo-Geto e Megumi. Este Megumi, aliás, manteve-se estranhamente quieto do seu lado. Não vai negar, pensei milhares de vezes em pedir desculpas pelo que falou antes, é idiota e moralmente cinza, mas regular quando está errado. Dessa vez, no entanto, seu orgulho levou a melhor e o fez fingir que nada aconteceu.
Deixou colegas de sala vestirem-se primeiro, a turma é composta majoritariamente por alfas e betas masculinos, contorno doze ômegas, apenas dois sendo masculinos (Yuuji e Megumi). Elas não demoraram quase nada. O que trabalhou contra Yuuji e sua grande vontade de adiar o inadiável, Megumi esperou que as meninas saíssem, restando apenas os dois e as gêmeas na beirada da porta esperando-os pacientemente, para começar a tirar as roupas. Com um suspiro cansado, clamou-se do banco de madeira e fez o mesmo (cuidadosamente, não deseja mostrar os pequenos machucados que fez nas partes íntimas para um Megumi curioso), veste o uniforme esportivo formado por shorts de algodão que colam em duas coxas e vão até três centímetros acima do joelho, e regata também de algodão, que ficou um pouco longa no seu corpo. Na verdade, a roupa inteira ficou grande. Megumi não parece um minion, definitivamente ele parece um super modelo. O infeliz continuaria bonito mesmo vestido em um saco de batatas.
Terminaram de se vestir na mesma hora, e silenciosamente saíram do vestiário, encontrando as gêmeas e Junpei conversando na parede oposta. Segurou a vontade de questionar o que diabos isso significa, quando se tornou um grupo de amigos íntimos? Não me lembro de ter sincero com nada.
— Uau… — Nanako abriu uma boca surpresa, olhando diretamente para Yuuji com um brilho incomum. Outra vez, segurou o estremecimento, respostas como essas não são muito bem-vindas. — Yuuji-kun, realmente só namora alguém que tenha um pênis? — Ela falou, com olhos de cachorrinho abandonado. Pego de surpresa com a indagação, Yuuji encolheu os ombros, deixando a questão em aberto.
— Sinto que poderia morrer sendo sufocado por essas coxas e morria super feliz. — Murmurou, chorosa. Arqueou uma sobrancelha, e Junpei abriu um meio sorriso como se dissesse: está vendo? Elas não são ruínas.
— Não diga bobagens. — Mimiko a repreendeu, dando-lhe um tapa na nuca. — Desculpe minha irmã por isso, ela está tendo uma crise de sexualidade… adolescentes passam por isso, você sabe. — E Yuuji quase riu, porque é como se Mimiko não fosse uma adolescente tentando parecer responsável, quando na verdade é apenas tímida demais para dizer o que pensa tão abertamente quanto a irmã.
— …realmente não passei por essa fase. — Respondeu, e isso deixou a Mimiko ainda mais sem jeito.
— É claro que não, você sempre foi apaixonado por um pau. — Junpei abriu caminho, puxando-o novamente um abraço lateral. Ele planta um beijinho rápido no topo da sua testa, e esfrega o nariz ali, antes da obrigação. — É melhor irmos antes de o Fushiguro-sensei nos procurar. Tenho a impressão de que ele não vai pegar leve porque estamos com Megumi-chan. Penso, honestamente, que esse fato apenas serviria como um agravante da situação. — Explicou, sabiamente.
— Você tem razão… — Megumi falou pela segunda vez no dia, parecendo tão derrotada quanto Yuuji. Nunca parou para pensar, até porque descobri recentemente que Toji é professor (mesmo que o 'conheça' há sete anos), mas ser filho de um professor e ter aulas dele deve ser insuportável.
Pobre Megumi.
Os corredores do vestiário ficam vazios quando passam por eles, as gêmeas sempre têm o que falar, então é basicamente as vozes delas enchendo o caminho espaçoso que trilham até o ginásio, onde vêem um amontoado de adolescentes animados… ou nem tão animados. Faz uma careta, parando na entrada e encarando-os com uma expressão de nojo.
— Melhor essa cara. — Escuta Junpei murmurar, e faz um verdadeiro esforço para mudar as torções propostas do rosto. — Agora vamos indo, não podemos ficar parados aqui para sempre. — Foi puxado e conduzido até os demais alunos, como sempre, acompanhado de perto pelas gêmeas e Megumi.
— Aquela japonesa tradicional teve um caso com um garoto comprometido em um noivo e de alta classe, há barcos que gravou e abortou o bebê, a fábrica da família dela está falindo desde o ano passado. — Nanako comentou como quem não quer nada, apontando discretamente para uma ômega esbelta do outro lado do ginásio, cercada por suas amigas bonitas e falsamente inocentes.
— Não duvido que o cara forçou a abortar uma criança. — Megumi disse, dando uma olhada quase imperceptível no alvo da fofoca.
— Sim, ele estava comprometido. Alfas assim só querem se divertir com meninas como ela, e só piorou saber que a família está falindo, ele deve ter pensado que ela queria dar algum tipo de golpe. — Mimiko felizes, em um tom lamentoso.
— Bem, o ponto é que uma ômega dominante de uma família tradicional caiu em desgraça. Papai que falou com todos os parceiros de negócio e amigos “próximos” estão mantendo distância. Obviamente, se a linguagem com eles é mau vista pelos dominantes da alta sociedade. — Sua irmã gêmea completau. Já filmes viu muitos casos como esses em romance, mas como em todo e bom drama de tv, a mocinha é salva por um príncipe encantado e acabam todos felizes para sempre (reconciliando-se com a família que outrara a rejeitou), é uma pena para essa garota que não está vivendo um drama de novela, e sim a vida real.
— Ela é bonita. — Estudou-a dos pés a cabeça, não sendo tão discreto quanto às gêmeas, Megumi ou Junpei. — Pode manter o estilo de vida esnobe se aceitar se tornar um acompanhante de luxo. — E quis dizer exatamente isso, não será difícil conseguir clientes ricos em Shinjuku, ela precisa apenas saber escolher aqueles que a levarão ao lugar certo na hora certa e apresentá-la às pessoas certas. No entanto, essa falsa aparência de menina fofa e tímida deverá ser descartada, alfas da alta sociedade não procuram uma personalidade infantil para apresentar em festas, ou para práticas sexuais que não fazem com seus parceiros. Eles procuram algo sexy e ousado. — De qualquer maneira, não vejo o que ela fez de errado além de ser burra a ponto de engravidar… se bem que, acidentes aconteçam. — Encolheu os ombros, desviando a atenção da garota. Tenha o cuidado extra em não engravidar nos últimos anos, seu corpo defeituoso não teria suportado uma gestação, mesmo assim, o tio foi rigorosamente em mantê-lo sob supervisão das injeções contraceptivas e pupilas do dia seguinte. Outros ômegas infelizmente não podem ter recebido tanto suporte ou educação sexual o suficiente para conhecer os métodos contraceptivos comumente usados no globo terrestre, algo lamentável, diga-se de passagem.
— Eu também não vejo, mas as pessoas são nojentas assim. Principalmente quando se vive dentro da alta sociedade, onde estão aglomerados os clãs tradicionais que prezam pela pureza de seus descendentes. — Há algo na voz de Megumi que o faz deduzir que esse comentário é baseado em algum acontecimento passado que ele mesmo viveu ou assistiu de perto e se incomodou-lhe revolta, não parece que são apenas palavras imparciais. Bem, você pode perguntar ao tio ou Junpei qual é o da família Fushiguro. O nome é bastante comum, não lembra de nenhum clã rico com uma nomenclatura semelhante.
— Suponho que ela não vai conseguir um bom casamento com um bom alfa rico, certo? Já que não é mais “pura”. — A palavra final da pergunta retórica de Junpei veio cheia de sarcasmo, zombado da pureza tão aclamada pelos clãs tradicionais com um sorriso maroto no rosto. As gêmeas e Megumi faziam caretas desconfortáveis, quase como se sentissem ofendidas. — Bom, isso é uma pena. Mas como Yuuji disse, se ela por esperança vai conseguir manter o estilo de vida esnobe, só precisa saber jogar as cartas. — Completou, ainda mantendo o sorriso indecente.
— Não acho que seja assim tão fácil se tornar um acompanhante de luxo. — Visivelmente elogiado, Megumi rebateu, recebendo o apoio das meninas. Isso chamou a atenção de Yuuji, que arqueou uma sobrancelha, realmente curiosa.
— E posso saber o porquê seria difícil? — Eles não sabem como responder, isso é óbvio, Nanako abre e fecha a boca várias vezes, mas quem realmente toma a frente é sua irmã, Nanako.
— Só… que, é um desafio pessoal deitar com alguém que você não conhece, e tals. Sabe, é difícil desse jeito. E também é preciso conhecer o… tipo, nem toda prostituta é rica, e nem todas oferecem subir até se tornarem acompanhantes de luxo. — Explicou apressadamente, mexendo as mãos na frente do corpo, mesmo no final, seu discurso ficou confuso e inspirando incerteza. Sorriu, perguntei-se se todos os ômegas superprotegidos pensam assim.
– Justo. — Fechando os olhos e soltando um suspiro, Junpei especificamente de maneira complacente. Sem dúvidas, não quero discutir um assunto desse tipo no meio do ginásio da aula de educação física.
— Na verdade, é justo. — Também encontrados, refletindo a expressão de Junpei. — Mas desafio pessoal ou não, pouco importa quando um ômega sente fome e precisa comer, ou pagar as contas para não ser despejado e dormir na rua, ou pior, quando precisa garantir uma boa vida para o bebê que educa sozinho. É óbvio que eles se sentem enojados com o que fazem, mas não estão roubando ninguém, é um trabalho honesto e merece ser respeitado independente do que você ou qualquer um pense. — Nanako e Mimiko se encolheram, arrependidas.
— Nós sabemos disso, Yuuji, só estamos dizendo que não é tão fácil se vender assim… sem um ponto de ignição extremo, entende? — Junpei aceitou o argumento de Megumi, mas ainda preferiu se afastar um pouco da conversa, ficando alguns passos distantes do grupo. Conteve-se para não franzir o cenho, e seguir o exemplo do amigo, aceitando a explicação válida.
— Sim, sim, você tem razão. Você está falando de uma luta conflituosa da própria pessoa em questão a se vender, certo? É claro que existe uma pressão emocional nisso, mas ela pode apenas pensar que está participando diretamente de uma transação comercial. Não é nada demais. Os próprios alfas e betas masculinos realizam a prostituição porque não querem ter ômegas ousados e cheios de conhecimento dentro das próprias casas, e esses mesmos alfas discriminam a profissão. O que estou dizendo é: prostitutas e prostitutas não merecem se sentir um lixo ou a escória da sociedade pelo que fazem, eles são tão dignos de respeito quanto nós, e não deveriam se envergonhar de nada. Quem deveria se envergonhar de algo são os alfas e os cidadãos do bem que os colaram nessa posição. Eles não se sentiriam mau se o preconceito não fosse enraizado profundamente na sociedade, e até em você, Megumi, mesmo que discretamente. — O rosto de Megumi está, outra vez, contorcido em algo perturbador. Como viu mais cedo no quarto, ao dizer aquelas verdades nenhum pouco gentis. Ele deve estar pensando e pensando, lutando contra os próprios conceitos criados ao longo desses dezassete anos de vida vivendo confortavelmente. Não é nada fácil, compreendê, e suas crenças, assim como a das gêmeas, não vão mudar radicalmente do dia para a noite, mas se eles pelo menos entenderem a essência do que acabou de ouvir, já é meio caminho andado. Riu nasalado, entortando o pescoço levemente para o lado. — Parece que o seu pai vai começar a aula, é melhor se concentrar. — Avisou, dando passos para trás.
— Você pegou pesado. — Junpei cochichou no seu ouvido, soltando a respiração quente contra a pele fria e sensível do pescoço desprotegido. Deu um pulinho, tentando espantar o arrepio involuntário que veio com a aproximação de surpresa. Olhou-o, precisando erguer o pescoço para vê-lo corretamente. Retribuiu o sorriso, fingindo-se inocente e encolhendo os ombros como quem diz: “Não foi culpa minha”.
— Ah… eu juro que tentei ser amável. — É mentira. Junpei sabe, ele revira os olhos, com carinho aquele imensurável que brilha nas pupilas negras como cobalto sempre que é algo relacionado a Yuuji e sempre que estão juntos, e se rende, passando um braço pelo seu ombro e o puxando para perto, beijando-o no topo da cabeça.
— Sua pestinha safada, a quem está querendo enganar, hein?! — Perguntou retoricamente, apertando-o ainda mais. Yuuji ofereceu sem mostrar os dentes, como a pestinha travesso que realmente é. — De qualquer maneira… obrigado. — Agradeceu humildemente.
— Não fiz nada além de defender minhas meninas e meninos. — Disse, dispensado agradecimentos inúteis. — Agora, preste atenção na aula. — Segurou o rosto de Junpei pelo queixo e o direcionou para frente, onde Toji (sensei traficante!!!?!) está posicionado, soando o apito a fim de chamar a atenção de todos os alunos do ginásio.
— Acabei de lembrar! Não vai fingir que está doente para ficar fora da aula? — Manteve o rosto imparcial diante do conteúdo da pergunta, já fez muito isso, e pensei seriamente em continuar fazendo. Mas COMO continuar com essa prática nada honesta quando tem três lobos observando-o em tempo real cada movimento seu? Tem certeza de que a perseguição será ainda pior caso eles pensem que estão doentes. Tipo, realmente doente.
— Não tem necessidade há nove meses. — Respondeu, e como um bom entendimento, Junpei captou o que disse imediatamente.
—Bom. Muito bom. — Sorrio. Yuuji piscou, olhando para a parede atrás de Toji, a satisfação na voz de Junpei o fez pensar um pouco sobre o quanto perdeu os jogos divertidos na antiga escola por causa da sua “doença”. É… é realmente bom participar. Apesar do professor ser Toji e Megumi ser um dos colegas de classe. Tem a sensação de que será divertido.
— No bimestre passado nós ganhamos exercícios aeróbicos e os benefícios que tais atividades, junto de uma alimentação saudável, trazem para o corpo humano. Reforçamos nossos músculos e emoções durante as medicações, mas não fingimos pegar tão leve dessa vez. — Uma grande parte da turma começou a murmurar, insatisfeita.
— Já estou em ótima forma, professor! — Um garoto alto de cabelo ondulado, castanha escura, gritando a mão, exagerando ao fazer um bico emburrado.
— Ele parece um saco de ossos. — Junpei sussurrou no seu ouvido, completamente monótono. Você tem que segurar o riso, porque de fato, as pernas do garoto não são nada grossas.
— Sem falar que estamos cansados… — Toji (o professor traficante) não deu ouvidos às reclamações. Ele já deve ter se acostumado.
— Cansados de que exatamente? Acabaram de voltar das férias. — Cruzou os braços na altura do peito, e uma garota de garotas babaram audivelmente pela visão dos músculos brutais saltando para fora da camisa de malha colada. (Eca. Que nojo.) — Se não tem resistência para realizar um simples exercício físico, como acha que vai lidar com seu futuro companheiro no cio? Não é nada surpreendente que a maioria seja solteira. — Disse, e Yuuji tem certeza de que essas últimas palavras foram milimetricamente calculadas. Uma forma de manipular a vontade dos jovens alfas preguiçosos.
— Posso garantir que duro mais do que uma hora! — O menino esnobe de quase dois metros afirmou, muito confiante. Dá a ele o benefício da dúvida. Olhe essa altura magnífica, suas pernas são torneadas e os braços têm músculos definidos, nada brutais como os de Toji, mas ainda proeminentes o suficiente para chamar a atenção. Sem dúvidas uma criança saudável.
— Então terá problemas se durarem muito mais que duas horas, garoto. — Toji zumbiu abertamente, mas logo tirou o sorriso de comedor de merda do rosto. — Bem, aprendendo a respiração aeróbica no bimestre passado, hoje, vamos colocar-la na prática com um jogo muito conhecido. Queimado. — Pensei que ele faria-os correr umas cinquenta vezes ao redor do ginásio. Queimado é uma brincadeira fácil para o controle da respiração aeróbica, mas está longe de ser o mais indicado, há muitos detalhes para se depois enquanto ajusta o controle de ar, a maioria estará ofegando nos vinte primeiros minutos.
No entanto, esse também pode ser o resultado que Toji procura, para apontar e especificar mais uma vez o quanto os alunos são um bando de fracos. Típico de sádicos.
— Serei um pouco mais tolerante com os dois recém-chegados à escola, mas isso não significa que estarei deixando-os de fora. Por dormirem no nosso conteúdo, terão que ser ainda mais esforçados e atentos que qualquer outro aluno para compensar a falta de conhecimento e adaptação física. — Pontuou. Junpei bufou, sorrindo divertidamente com o que ouviu. Toji abriu os olhos, mas prosseguiu para outro tópico sem retrucar. — Dito isso, vamos separar a turma em dois grupos de detalhes iguais… — Sem surpresa nenhuma, um grande grupo de alfas e betas masculinos juntaram-se do outro lado do ginásio, restando pouquíssimos betas masculinos para ficar no time ômega e beta feminino, Eles obviamente não gostaram de ficar em um grupo composto majoritariamente pelo “sexo frágil”.
Toji repassou as regras (não que preciso ouvir, já jogou isso antes muitas vezes, obrigado.) e Junpei juntoou os músculos, esperando a hora de começar.
— Eu deveria ter ficado no momento oposto, assim que você daria uma bolada na cara. — Ele reclamou, usando um tom brincalhão. Sorriu de lado, sem mostrar os dentes, diante da provocação barata.
— Bem, ainda há tempo de mudar, você sabe. — Implicou, derrubar o grupo de garotos exalando testosterona com um aceno de cabeça. — Embora eu duvide que você consiga me acertar. — Riu nasalado, confiante. Os olhos negros e Junpei brilharam repentinamente, aceitando o desafio.
— É o que vamos ver. — E sem dizer nada, ele se atrasou e foi até Toji, trocaram algumas palavras e facilmente Junpei passou para o time rival. (Filho da puta) Do outro lado, seu sorriso malicioso faz Yuuji ter vontade de chutá-lo no meio das pernas.
— Hum… Por que ele trocou de tempo? — Nanako perguntou, confusa. —Quanta traição. — Disparou indignada, cruzando os braços. Yuuji riu levemente, divertido com a pequena travessura de Junpei e a ocorrência de Nanako.
— Ele só quer me acertar. — Disse, encolhendo os ombros.
Com o soar do apito o jogo começou. Pode fazer um bom tempo que não jogue queimado, mas sempre teve reflexos rápidos e uma coordenação motora excelente, o treinador de pole dance e o instrutor da academia não cansam de elogiar suas execuções perfeitas. Então é fácil desviar das bolas que vêm e vão, abaixando-se e esquivando-se ocasionalmente, os alfas do tempo opostos são particularmente cruéis, e aparentemente se divertir em eliminar as meninas ômegas. Os arremessos são violentos e à força desnecessária aplicada em cada um deles. Rir sem humor, finalmente pegando a bola e atingindo o alfa mais esnobe do tempo oposto no rosto.
Foi tão esmagador.
Animadas, as meninas e betas masculinos no seu tempo gritaram, comemorando. Nanako e Mimiko bagunçaram seu cabelo, elogiando-o. Fez um pouco de caso, acenando despreocupadamente e voltando a focar no jogo. Com o passar do jogo, veja que a movimento e cinco por cento das ômegas são praticamente inúteis, elas se movem devagar demais e têm péssimos reflexos, sendo eliminadas nos primeiros dez minutos (tão vergonhoso). De qualquer maneira, o tempo dos alfas é com a vantagem, seus arremessos violentos deixam marcas vermelhas nas meninas, e não tem dúvidas que reclamar sobre isso mais tarde, alegando que o professor traficante está usando uma brincadeira muito pesada. Sente vontade de revirar os olhos antecipadamente.
Por outro lado, Nanako, Mimiko e Megumi parecem realmente bons nisso e estão se divertindo, empurrando uns aos outros e rindo de maneira divertida. O próprio Yuuji foi empurrado para não ser atingido por uma bola e acabou caindo no chão, Megumi, o autor do crime, ofereceu uma mão para ajudá-lo a levantar timidamente, temeroso em ser recusado (é o certo suporte). Aceitou porque… bem, não queria deixá-lo no aspirador na frente e em tantas pessoas. Poupou-o do constrangimento.
Logo estava de pé e pronto para atacar, instintivamente, também deu empurrões ocasionais nas meninas e Megumi, retribuindo o favor.
Mas no fim, como previsto, todos os exaustos e os únicos que ficaram sem serem queimados foram Junpei e Yuuji, ambos muito competitivos para simplesmente desistirem por causa do cansaço. O sorriso selvagem no rosto de Junpei deixa-o ainda mais bonito, poderia dizer facilmente que está lidando com um top modelo famoso na indústria internacional no meio de uma sessão de fotos quentes. Ele é excitante. As meninas devem estar babando nesse momento, e os alfas, desejando-o secretamente, de certeza. Lambeu os lábios, arremessando a bola nas mãos com a maior precisão que conseguiu e infelizmente, ela acabou de atingir um dos garotos da linha de trás. Não foi trabalhoso para Junpei desviar da bola e agarrá-la antes que chegasse até o outro lado, uma pena que tudo aconteceu rápido demais e Yuuji ficou sem tempo de fato, recebendo, lamentavelmente uma pancada nada gentil no meio do rosto.
Merda. Parece que ele conseguiu cumprir o objetivo inicial do jogo, não é um final ruim, na verdade é muito menos humilhante do que ser queimado por um alfa, então está conformado.
— Ah, pensei que você não iria perder, querido? — Cruzando a linha que separava os tempos, Junpei disse sarcasticamente, com um sorriso grande no rosto. Bufou, encolhendo os ombros minimamente.
— Você teve sorte que estou fora de forma. — Retrucou, retribuindo o sorriso grande.
— Se isso é fora de forma, eu nunca estive em forma. — Escutou Mimiko reclamação, soando desacreditada e derrotada.
— Yuuji… — Virou-se na direção da voz que o chamou, Toji o rosto de cenho franzido é uma expressão de preocupação. Arqueou uma sobrancelha, esperando-o continuar. — Vá para enfermaria, seu nariz está sangrando. — Ordenou. Surpreso, tocou o próprio nariz e sentiu o líquido escorrer sob a pele levemente suada.
— Tudo bem, não é nada fora do comum. — Disse, levando uma barra da blusa até o nariz e limpando-o indelicadamente. Não faça isso, então está supondo que o sangramento deve-se ao cansaço físico e mental, junto da bola que recebeu com o rosto, nenhum dano real por trás disso. Toji não parece melhorado, no entanto. Na verdade, diria que agora ele está ainda mais preocupado. — Olha, isso é realmente normal, tá?! Acontece às vezes, só estou cansado. — Assegurou tentando esconder o tesouro interior, e recebeu um cutucão nas costelas. Junpei balançou a cabeça para os lados, dizendo silenciosamente que: “Você só está piorando sua situação.”
— Por hoje vocês estão dispensados, tem vinte minutos para tomar banho e voltarem à sala de aula antes do almoço. — Soando o apito, Toji reuniu-se para os estudantes. — E você, vem comigo para a enfermaria. — Não esperou Yuuji retrucar, apenas retirar-o pelo braço e saiu arrastando-o ginásio para fora.
Lançou um olhar de súplica na direção de Junpei, que apenas continuou sorrindo e logo virou-se para conversar com as gêmeas (e Megumi). Quanta traição. Vai diminuir o salário dele este mês.
Já no meio do corredor, os passos mantêm um ritmo calmo e um pouco apressado, como se disse que precisa de fato andar devagar porque está acompanhando um velho debilitado, o que não é o caso, mas aplica-se perfeitamente porque não tem pernas tão compridas . É estranho de certa forma, é a primeira vez que anda lado a lado de Toji em um público local como a escola, e ainda por cima, tão perto um do outro. Poderíamos contar nos dedos as vezes que ficariam sozinhos no mesmo cômodo, ou trocariam mais de duas palavras (é óbvio que deixou Toji falando sozinho e na outra grande parte, estava-o xingando).
— Já pode tirar suas mãos nojentas de mim. — Saiu do abertura gentil puxando o próprio braço brutalmente, e criou um espaço específico no meio do corredor, quase colado na parede oposta. Toji não reclamou, embora estivesse respirando fundo, como se buscasse paciência no fundo da alma. Olhou-o de soslaio, mais uma vez limpando o sangue do rosto.
— Desde quando ter um sangramento nasal se tornou normal para você? — Ele perguntou, aparentemente do nada. Yuuji o ignorou sem remorso, não é obrigado a responder, principalmente para alguém que é professor de educação física e não médico. Mas, a questão levantada o fez parar para pensar em quando necessariamente isso se tornou um acontecimento normal.
Bem, poderia dizer que os primeiros vieram no segundo ano morando com Kaori, estava muito cansado. Tinha que limpar, cozinhar (caso quisesse comer), estudar e trabalhar na loja do tio (para garantir o dinheiro do lanche escolar), o inverno especificamente ser enfrentado sem coberturas quentes e agasalhos adequados e nem sempre Mahito estava presente, então o sangramento veio no mês de dezembro. Depois, a alimentação incorreta junto da correria das viagens com o tio Kenjaku pode ser encarada como uma boa razão, em seguida, não muito tempo depois, cortejou o nariz duas vezes em discussão com Mahito e Kaori, isso não é importante, é claro, mas talvez deva enumerar?
No final, o fato é que passou a encarar o sangramento nasal como algo normal que faz parte do dia-a-dia. Está ciente de que sim, é algo fora do normal, mas não tem animação nenhuma para pesquisar a fundo os motivos chatos que o farão tomar remédios e vitaminas, e se estiverem sem sorte, um tratamento mais invasivo.
— Yuuji, eu não sou seu inimigo. Nunca fui, e… pode parecer estranho para você, mas estou realmente preocupado com tudo isso, e gostaria realmente de ajudá-lo, se você me der uma chance. — Acho que demorou demais nesse loop de pensamentos, já que Toji está vindo com um discurso idiota de 'maria caridade'. Bufou, mordendo a língua para não mandá-lo ir se foder. Ele não poderia ter pensado nisso antes de foder com Jin e acabar com sua família? Ou nem precisei muito, quem sabe, só ter feito essa pergunta seis anos atrás, quando transou com Mahito pela primeira vez? Sim, sabe que escondeu muito bem o que estava acontecendo, mas como adulto, ele e Jin não deveriam ter percebido? — Ter sangs nasais recorrentemente não é algo normal, significa que algo está errado com o seu corpo, e devemos procurar saber exatamente o que é, para poder restaurar. — Acrescentou, cautelosamente. E tipo, o que a com essa explicação infantil? Não é uma criança de cinco anos!
— Você não pode se arrepender do que está errado em mim. Mais vale pela tentativa. — Acenou, fingindo-se de prestativo para esconder a segurança.
— Não há nada de errado com você, apenas, muito provavelmente, sua saúde. — Retrucou, ainda cauteloso. Revirou os olhos, não querendo entrar nesse tipo de conversa com Toji, principalmente com TOJI. Esse cara é assustador, ele muito provavelmente nunca entendeu nada do que passou, dúvida que já teve algum tipo de decepção amorosa ou tenha sido manipulado, agredido e humilhado por alguém (acredita que as pessoas têm consciência antes de se envolver com um traficante perigoso ). Quem iria batê-lo, olha esse tamanho, são quase dois metros de músculo puro.
“Ele não nasceu assim, você sabe.” A voz chata da consciência o lembra, mas honestamente? Não é possível imaginá-lo ser uma criança doce e amável, na sua cabeça, ele já nasceu enorme e com essa cara de traficante de drogas (ou órgãos?!!) assustadora e intimidante. Toji é como… o tio Kenjaku, por mais que tente, não consegue imaginá-los passando por um momento de vulnerabilidade, eles são tão compostos e perfeitos. Esta é uma linha de raciocínio um pouco saudável (sabe que é tóxico), todos os humanos passam por situações complicadas e que afetam-no mais do que gostariam, no entanto, no caso desses dois, prefiro mantê-los sendo alfas imperturbáveis. É mais fácil assim.
Continuaram caminhando em silêncio até a enfermaria. O maldito sangramento está quase cessando, sente-se um idiota por aparecer na frente da equipe médica escolar por uma besteira dessas, mas não é como se pudesse fugir, infelizmente. Resignado, aparece quieto, vez ou outra espiando Toji pelo canto do olho.
Passaram por um longo corredor e atravessaram um pequeno pedaço de terra, decorado com pedras, flores, arbustos de porte pequeno, longe dos corredores barulhentos e transporte de adolescentes encrenqueiros está a enfermaria. Silenciosa e agradável, gostei do lugar, é muito diferente da antiga escola, onde tudo ficou aglomerado em um único prédio de vários andares. Abriu os olhos, esticando o pescoço para alto e verificando o tempo… bem, parece que uma tempestade está se aproximando. As nuvens pesadas e o vento frio prenunciaram isso.
Toji não bateu a porta, apenas girou a maçaneta e entrou, como se estivesse na própria casa. Fez uma nota mental que os estudantes pervertidos muito provavelmente não fazem sexo na escola. Graças a Toji e seus péssimos modos, não é seguro (a menos que goste de uma plateia). Entrei um pouco depois, sentindo-se deslocado e ainda mais patético do que antes.
— Shoko-kun, tenho um paciente para…- Você não trabalha, seu desgraçado de merda?! — Não é preciso procurar a causa do desvio da conversa, pois as dores abaixo da costela são autoexplicativas. Gojo, sentado em uma das camas forradas de tecido branco, arrulhou alegremente.
— Ora, ora, ora! Que surpresa boa você por aqui, Toji-san! Em qual adolescente você provocou um sangramento nasal dessa vez, hein? Eu te disse para não usar camisas tão coladas assim, esses músculos são muito chamativos. Vai deixar Jin-Nii com ciúmes~... — Disparou em tom cantante e brincalhão, tem certeza de que está sorrindo igual um gato nesse momento. Só consegui pensar: “Eca. Que nojo.”, realmente lembrando os suspiros das meninas durante a aula. E verdade seja dita, mais da metade foi eliminada nos primeiros dez minutos porque estavam muito ocupados babando pelo corpo de Toji.
— Sua merdinha, já falei para não chamar o Jin de irmão mais velho… — Grunhiu, visivelmente irritado. — E ele sabe que não precisa ficar com ciúmes, os adolescentes só estão sendo adolescentes, cheios de hormônios e nada mais. Apenas crianças que mal aprenderam a andar. — Explicou-se inutilmente, bufando. — E eu não dou atenção a essas crianças, diferente de você, que está partindo o coração deles por pura diversão. Bastardo idiota. — A gargalhada de Gojo apenas aumenta o desconforto do abdômen de Yuuji, que aperta as mãos nos punhos, certificando-se de esconder a dor que tanto o incomoda.
— Primeiro, Jin-Nii disse que posso chamá-lo assim, e segundo… não tenho culpa se nasci com uma aparência tão angelical, é evidente que eles se apaixonem. Você não acha isso, Shoko? — A mulher não deu atenção, felizmente.
— Fushiguro-san disse ter trazido um paciente, não estou vendendo ninguém. — Murmurou monótona, e nossa, ela consegue ser ainda pior que uma enfermeira da antiga escola, que definitivamente não se importava em deixá-lo dormir lá no horário de aula.
— Sim! Mostre-nos a vítima dos seus músculos ~... — Gojo cantou, se estiver certo (julgando barulho das molas), pulando onde está sentado.
— Cale-se, idiota. — Toji o avisou, irritado, e saiu da frente de Yuuji. O sorriso de Gojo apagou-se totalmente, agora, com os lábios fechados em uma linha reta. — aparentemente Yuuji tem um quadro de sangramento nasal específico, acha que pode fazer alguma coisa? — Perguntou diretamente, usando um tom profissional, mas sem esconder a preocupação que foi declarada no ginásio e no caminho para cá, no corredor.
— Hum… vamos dar uma olhada nisso, primeiro. Venha, Itadori-kun, sente-se aqui. — Permaneceu no mesmo lugar, vendo a mulher se mover para indicar a cama ao lado de onde Gojo está sentado.
— Yuuji… — Odeia admitir, mas o tom de voz que Toji usou para falar o seu nome envolvido arrepios tenebrosos, como um espírito maligno dos filmes de terror que assiste com Junpei todos os sábados da madrugada.
— Prefiro que use o segundo nome, o Kamo, ou pode ser o nome de batismo. Não me importo. — Disse, e Shoko acenou pacientemente, oferecendo um pequeno sorriso acolhedor.
— Certo, como quiser, Yuuji-kun. Agora, sente-se aqui para que eu possa examiná-lo. — Soltando um suspiro interno, cedeu de má vontade (vê-se de longe que está sendo obrigado a se submeter a essa merda) e abafa até a cama, fazendo o possível para ignorar a dor e a presença indesejada de Gojo bem na sua frente. Com um pulso curto, enviado onde foi indicado e espero que Shoko comece a examiná-lo. — Obrigada. — Agradeceu, humildemente. Ela deve lidar com adolescentes mal humorados todos os dias já que está tão calmo.
— Como isso aconteceu? — Gojo perguntou, parecendo genuinamente preocupado. Não deu-se o trabalho de responder, e percebendo o seu silêncio, Toji tomou a frente.
— Ele ganhou uma bela pancada no rosto durante o jogo de queimada. – Grande coisa. Pensou, deixando o rosto ser manipulado pelas mãos gentis de Shoko.
— E a quanto tempo começou o sangr? — Novamente, Toji respondeu.
— Há menos de 10 minutos. — Shoko abriu os olhos, cutucando o nariz na lateral e para cima e para baixo, tentando encontrar algum sinal de desconforto.
— Você já cortou o nariz alguma vez, Yuuji-kun? — Acenou, desinteressado.
— Sim, duas vezes. — Ela abriu um 'oh', agora, observando-o mais de perto. Toji não saiu um minuto do lado da cama, atento a cada palavra e movimento de Shoko. Ele consertou a postura, tirando as mãos dos bolsos da calça esportiva e cruzando os braços na altura do peito. Arrependidamente interessado no que acabou de ouvir.
— …E como isso aconteceu? — Fez uma careta de desagrado, odeia lembrar disso. Shoko foi rápido em se explicar. — Você tem o nariz levemente torto nas laterais, esse desvio claramente não deveria estar aqui, e pode ser um agravante de sangramento. Um sangramento nasal não deve demorar mais do que cinco minutos para cessar, mas sua contabilidade dez. — Nunca vi que tenho o nariz torto. Significa que você precisa consertá-lo já que está o prejudicando? Por isso não confia nos médicos do bairro, eles nunca fazem um bom trabalho. — Então, como isso aconteceu? — Repetiu a pergunta, e acho que ela está mais curiosa do que precisando saber realmente dessa informação. Tipo, o que vai mudar? Nada. Ela é apenas uma enfermeira do trabalho, não uma cirurgiã plástica.
— Não acho que te diga como quebrei meu nariz duas vezes vai ajudar agora. Ou estou errado? — Entortou levemente o pescoço. É um questionamento válido e não está disposto a relembrar acontecimentos indesejados.
— Está certo, é verdade. — Shoko admitiu, sorrindo amigavelmente. Abriu os olhos, desconfiou do fato honesto. Já vi em algum lugar antes, mas não lembra exatamente onde. — Sou amiga de Jin-san e Fushiguro-san, visita frequentemente sua casa. Só fiquei curioso, Yuuji-kun não parece o tipo de garoto bagunceiro. — Explicou-se, como se lesse a sua mente.
— Hum… — Murmurou, sem apresentar nenhuma ocorrência. Por dentro, tem feito um esforço sobre-humano, a presença constante de Gojo é densa, dominante e predatória, e está deixando-o ainda mais desconfortável. Pode sentir-se sendo observado minimamente, e é péssimo. Não pode demonstrar a dor que está ameaçando manda-lo para o mundo dos mortos, isso é, se não quiser ser enviado para o hospital em uma ambulância, Toji consegue ser dramático a esse ponto.
— De qualquer maneira, deite-se, vou limpar o seu rosto. — Foi empurrado pelos ombros na direção da cama, e acatou a ordem a contra gosto. — Fushiguro-san disse que esse é um sangramento nasal específico, é verdade? — Perguntou, enquanto mexe em alguns equipamentos em cima do aparelho de metal.
— … não. — Desmentiu-o, e Toji bufou alto.
— Ele disse que é normal ter esses sangramentos. — Apontou.
— Por que realmente é normal, seu traficante de merda! Todo mundo tem cantado quando está cansado. — Rebateu, irritado.
— Traficante, hein? Gostei de como isso é. — Gojo comentou divertido, e Toji invejou-lhe um olhar de ameaça, ainda que não demonstre nenhum incômodo ao ouvir Yuuji chamá-lo assim. — Mas não é tão normal ter sangramento nasal só porque está cansado, na verdade, acho que depende muito do nível de cansaço. — Completou, intrometido. Estava pensando em ignorá-lo, mas quando vi, as palavras tinham sido ditas sozinhas.
— Pensei que fosse professor de matemática, não médico. — Esperou uma advertência de Toji para: “Respeite os mais velhos”, como Jin e Choso fariam, no entanto, tudo o que pegou foi uma risadinha desdenhosa.
— Tenho que concordar com o garoto. — Toji comentou.
Viu Shoko revirar os olhos, enquanto mergulha o algodão em um tipo de álcool…? E leva até o seu rosto, limpando-o de madeira cuidadosa, o toque é leve e delicado, não o deixa desconfortável, apesar de odiar ser tocado por pessoas desconhecidas.
— Tudo bem, de certa forma, Gojo está certo, Yuuji-kun. Apesar de ser casado com um médico não o habilita a dar palpitações sobre saúde. — Deu ênfase no “não o habilita” e contínuo. — Depende muito do nível de cansaço acumulado e estresse mental, a bola que você recebeu com o rosto sem dúvidas ajudou nisso. Mas, com que frequência esses sangramentos acontecem? — Soltou um “hum…” e pensou em deixar-la no aspirador, mas Toji novamente chamou seu nome.
Fala sério, ele precisa parar de fazer isso, é macabro.
— Aumentaram no inverno. — Ao invés de dar uma quantidade exata, foi propositalmente vago.
– Entendo. — Shoko aceitou mesmo assim, entretanto. — Quantas horas de sono por noite? — Franziu as sobrancelhas, não se importa de dizer, mas esses dois pares de olhos fixos em cada movimento seu é… irritante, no mínimo.
— Poucas. — Respondeu, novamente vago.
— Poucas quanto? — Dessa vez, foi Toji quem pediu, exigente. É impressionante o quanto pode ser tão parecido com Megumi…
— Poucas. — Repetiu pausadamente, desafiando-o a forçá-lo a falar.
— Pelas olheiras, imagine que sejam pouquíssimas. — Se manteve calado diante da implicação de Shoko. Ela terminou de limpá-lo e ajustou seu pescoço em uma nova posição. — Não posso fazer mais nada, o recomendado é deixar que o cante pare sozinho, vamos apenas esperar agora. Você vai dar um remédio para dor de cabeça e um relaxante muscular, tudo bem? — Acenou, e viu-a desaparecer nos fundos da enfermaria.
— O que você está fazendo aqui ainda? — Virou a cabeça para Toji, observando a expressão retorcida de desgosto tomar conta do seu rosto severo.
— Ah eu? — Gojo disse debilmente, apontando para o próprio peito.
— Quem mais seria? Não vejo nenhum outro rato intrometido além de você. — Fingindo surpresa, Gojo abriu a boca, espalmando a mão enorme e coberta de veias proeminentes (acha isso tão feio) sobre si mesmo. Toji continua desgostoso, provavelmente pensando em maneiras de matá-lo e esconder seu corpo. É um olhar deveras ameaçador, Yuuji decidiu que não quer ser o alvo dele nunca. Obrigado. Existem melhores formas de morrer.
— Você está me chamando de rato?! — Perguntou, falsamente indignado, em um tom alto para combinar com a cena teatral.
Barulhento. — Meu animal da sorte são os! — Yuuji involuntariamente espelhou o desgosto de Toji ao ouvir essa declaração.
— Gatos? Você é basicamente o Stuart Little com três metros de perna. — Tentei, realmente tentei, mas essa comparação foi insuportavelmente precisa e muito coesa. Acabou rindo alto, certo de que agora em diante, não vai conseguir ver Gojo sem pensar no ratinho mais amado dos cinemas.
— Ei, isso não é engraçado! Toji-san, retire-se o que disse agora mesmo!!! Vou falar para Jin-Nii!! Isso é bullying! — Toji não deu ouvidos, muito ocupado rindo da própria piada e apreciando a risada divertida de Yuuji. Gojo choramingou, fingindo tristeza. — Yuuji-kun~ por favor, não ria. — Pediu humildemente, mas não é como se Yuuji conseguisse segurar. Durante uma crise de risos que o deixou sem fôlego, descobrimos, muito tempo depois, que os incômodos causados pela presença de Gojo diminuíram gradativamente, até serem reduzidos a um nível de indigestão.
— … Posso contar uma piada também? — Shoko disse, esperando que Yuuji se recuperasse para poder finalmente beber o remédio. Isso apenas fez o olhar de Toji para Gojo e voltar a rir novamente.
Stuart Little.
Genial, Toji.
•••
Dias subsequentes aos pesadelos costumam espelhar o clima chuvoso do outono em seu humor, muito pesado, muito azedo e muito sem graça, em dias como esses o tio Kenjaku permite-o afogar-se nas mágoas e arrependimentos do passado, é um acordo silencioso que fez depois da primeira e única vez que explodiu emocionalmente e despejou as frustrações em gritos e lágrimas de raiva, comprando uma briga inútil (e sem pé nem cabeça) com o tio. Quando esses dias depressivos passam, voltam a agir normalmente, conversam e atualizam os assuntos esquecidos no pequeno período de 'trégua', trabalham e corrim contra o tempo para compensar a folga 'obrigatória'. Junpei é o único que o apoia, ele não se importa com o humor azedo e ácido, nem fica ofendido por receber duas ou cinco patadas aqui e ali, e com o passar dos anos, Yuuji apegou-se a sua presença calorosa tanto quanto podia .
Lembranças indesejadas de Jin, Kaori e Mahito são amargas, e não é que queira afastar as pessoas ou brigar porque se sente mal, apenas é desajeitado demais para saber como agir diante delas.
Tio Kenjaku sempre cobra-o demais, sempre falando sobre trabalho, repassando a dieta que precisa seguir (e claro, lembrando-o do porquê deve seguir-la, como se já não comentar. Droga. Sabe melhor do que ninguém o porquê faz isso ). Ele pode ser cruel e sugerido que está sendo preguiçoso, e continuar desse jeito não vai levá-lo para algum lugar, (jura que não é preguiça, só há dias dolorosos demais). Haveria Kaori, reclamando das notas vermelhas na escola e dizendo que: “Quando eu tinha sua idade, minhas notas escolares eram perfeitas!”, em seguida, perguntaria: “O que você faz para não poder se esforçar, o mínimo que seja, nos estudos?! Passar o dia inteiro nesse quarto que parece um chiqueiro de porco não é nada produtivo.”
Fechar os olhos e fingir estar dormindo era o percurso mais fácil de fazer-la parar. Eles não entendem. Nunca entendi e muito menos se esforçaram para entendê-lo.
Poderia visitar o vovô, mas isso significaria ver Jin e sua família feliz, preferiria não arriscar, apenas ficaria ainda mais sombrio. A presença de Junpei melhorou tudo, de fato. No entanto, não é como se pudesse esquecer o passado e seguir em frente tão facilmente, como se “aquilo” não fosse absolutamente nada. Junpei entendeu, ele se esforçou e o abraçou quando escutou o primeiro grito e xingamento, ao invés de gritar e xingar de volta (como o tio fez), e continuou-o segurar em um abraço apertado mesmo quando Yuuji reagiu distribuindo tapas e mordidas dolorosas.
Demorou para perceber que Junpei estava fazendo exatamente o que desejava que alguém fizesse. Alguém específico, como Jin, o tio ou Kaori, mas eles não fizeram, como sempre, ocupados com seus problemas de adultos. E os braços apertados que o rodeavam eram quentes, confortáveis e dóceis, não o soltando mesmo quando estavam claramente se machucando. Instantaneamente, pensei no relacionamento perturbado com Mahito e em como, mesmo sendo machucado, nunca esteve pronto para deixá-lo ir. Junpei o amava, mas diferente do próprio Yuuji, ele estava aceitando tapas, gritos e mordidas de um lunático frenético para evitar que esse lunático se machucasse. Junpei estava aceitando apanhar porque sabia que se fosse embora, Yuuji faria pior consigo mesmo.
O amor deveria ser assim sempre? Acho que não pode culpar Kaori ou Jin por terem ido embora, ninguém gostaria de lidar com esses momentos difíceis, embora Junpei o feito (eo faça) voluntariamente com um sorriso no rosto, como se não fosse um fardo doloroso de se carregar.
Diferente de todos os outros, não teria reclamações enchendo seus ouvidos durante ou depois dessas crises. Junpei é péssimo cozinhando, mas milagrosamente faria uma sopa ou mingau e pacientemente, alimentaria-o colherada por colherada, expressando palavras de conforto e incentivo, sobre como está indo bem, como está orgulhoso e como ama-o. Sentiu que não merecia ouvir tantos elogios, mas retrucar não mudaria a forma estranha do seu melhor amigo pensar.
Eventualmente, os pesadelos se tornaram menos frequentes e o humor encontrou, de alguma forma, um estado estável de emoções. É claro que os sentimentos oferecidos nunca foram totalmente toleráveis, mas são relativamente toleráveis.
Hoje, entretanto, é a primeira vez que tem um pesadelo (está mais para lembrança) e não é perturbado pelas sensações difíceis que agarram-se à pele após acordar. Claro, a manhã foi difícil (mas o que deveria esperar, morando com os Itadori-Fushiguro?), e odiou foi levado a enfermaria por causa de um sangramento nasal idiota, pior ainda, escondeu a dor (e desgosto) física causada pela proximidade de Gojo. No entanto, nada disso o fez ficar muito pesado, muito azedo e muito sem graça.
Ainda riu da comparação que Toji fez entre Gojo e o Stuart Little dos infantis, e apesar de querer ficar sozinho, não odiou a visita inesperada de Jin, (sim, está com algum problema cerebral. Vai pedir que Junpei providencie uma consulta com um psiquiatra ou neurologista urgente!) ele foi embora tão rápido quanto veio, felizmente. Então, Junpei chegou com sua mochila, as gêmeas e Megumi a reboque.
Deixou-os conversarem, prestando atenção no assunto apenas o suficiente para responder às perguntas que foram na sua direção, porque, embora obviamente quisesse permanecer isolado, nenhum deles permitiu isso. Claro, mandei-os irem se foder e usamos mais da metade do vasto vocabulário chulo que tem armazenado no arsenal japonês, mas nada os abalou, é como se não levassem os xingamentos a sério, mesmo que estejamos de fato falando sério. Foi exaustivo, honestamente. No fundo, admita que não odiou, se realmente fosse o caso, Junpei teria-os levado para fora sem que precisasse expulsá-los.
A reunião foi estranha, por falta de palavras melhores. Desde que conheceu Junpei, tem sido sempre somente os dois, Todo ou Nobara se juntaram ocasionalmente, mas nunca durante o almoço (até porque são universitários), e não soube como agir com três rostos novos intrometendo-se na relação íntima que construíram nos últimos anos.
Não é ciúmes.
É algo como perceber o choque de realidade, uma lacuna que os separa. As gêmeas e Megumi têm opiniões, assuntos e brincadeiras diferentes, inocentes e ingênuas, é aparente que estão alienados de muitos aspectos da realidade, e ainda que têm consciência dos perigos das ruas, não conseguem discerni-los ao olho nu… Enxerga-os como crianças aprendendo a andar. Eles não sabem o que passou no noticiário da noite anterior, nem estão atualizados sobre o escândalo de corrupção política ligado ao ramo farmacêutico (que aparentemente, era apenas uma fachada para o tráfico de drogas) - principalmente, sobre como esse escândalo vai afetar a distribuição de supressores no país, estão muito longe de se preocupar com a inflação subindo a cada semana e em como os produtos estão ficando inacessíveis para alguns trabalhadores.
Seus planos são bobos, e caso pergunte quais são seus sonhos, as gêmeas dirão, sem sair: “Conhecer pessoalmente o Killer Cat”, talvez Megumi o surpreenda com algo parecido com “estabilidade financeira” - o que não vai ser difícil de conseguir com o apoio dos pais e Sukuna - mas no geral, há inocência em todas as declarações que fizeram.
Não está falando de inocência sexual (eles provavelmente não têm experiência real nenhuma), e sim aquela inocência juvenil que perde-se com as responsabilidades da vida adulta, o cansaço de lidar com o dia-a-dia difícil e a imprevisibilidade dos acontecimentos, preocupando -se em planejado sair da hipoteca de uma casa e dá atenção às necessidades indispensáveis, não a um show de um artista pop. Não que você se preocupe com essas coisas, tem assuntos mais importantes no momento, e ainda assim, são muito distantes das preocupações que um adolescente deveria ter.
Tem certeza que Junpei também se sentiu deslocado no meio da conversa das gêmeas e Megumi, e em algum momento, ficou se perguntando o que há de errado consigo mesmo.
A resposta é que aparentemente envelheceram mais cedo que eles.
Sempre tive grandes responsabilidades. Junpei, assim como Yuuji precisava aprender a se virar sozinho quando a mãe estava no trabalho, e ignorar os próprios desejos, engolir a inveja da vida confortável que os colegas ostentavam nas ambientes, com uma família completa, para não magoar os sentimentos dos adultos. Talvez, Yuuji pensasse infantilmente como Nanako, Mimiko e Megumi caso tivesse permanecido com o vovô, na casa dos Itadori-Fushiguro. No entanto, caso o tempo voltasse, não acha que mudaria as decisões que tomou, elas o levaram a caminhos esburacados e consequências dolorosas, mas também ensinaram muito. Ensinamentos que ninguém aprende apenas ouvindo.
Ser um adolescente com sonhos e pensamentos despreocupados não é realmente ruim, e admite que no fundo, deseja que as gêmeas e Megumi mantenham essa inocência juvenil na essência. Que leve esse sentimento para a vida adulta e seja feliz. Estar perto deles é como uma lufada de ar fresco, ou talvez você esteja exagerando porque está habituado a lidar com pessoas de ambientes tóxicos e pesados, de alguma forma, é divertido ouvir suas reclamações infantis e engraçadas, coisas que podem ser facilmente resolvidas com diálogos claros e um pouco de paciência para ouvir.
Pensa se Nobara e Todo o vêem dessa forma também, mas não, geralmente é aquele que escuta as reclamações deles, e a idade de Nobara nunca a fez menos idiota (e ela sempre dá os piores conselhos).
Com o sino da escola sinalizando o final do horário de almoço, foi novamente deixado sozinho, e finalmente pode voltar a respirar. Shoko deixou-o usar o banheiro para tomar um banho, o sang cessou um pouco antes de Toji sair e Jin chegar, técnicos poderiam voltar para a sala de aula com os outros alunos, mas preferiu ficar deitado descansando nas costas. Passou a noite escolhida em uma cadeira de palha na varanda interna da casa dos Itadori-Fushiguro, a posição estava muito longe de ser confortável, e é claro que ficaria com dores musculares ao amanhecer. Shoko não se importou em mandá-lo embora, e sentiu que poderia facilmente vir na enfermaria caso queira fugir das aulas. Aderiu bastante a essas práticas na escola passada, a enfermeira estava despreocupada o suficiente para nunca impedi-lo.
Durante o banho, fiquei mais consciente da bagunça que fez no meio das pernas pela manhã, antes de vir para a escola. O short esportivo colorido em algumas cicatrizes e há respingos de sangue secos grudados na pele, não faz tanto quanto aparente e é bom que o uniforme de educação física seja composto por cores escuras. Vai pôr band-aids quando tiver tempo, e é melhor que Junpei não veja, ele vai armar um escândalo sobre e novamente, usar o discurso de como é importante cuidar de si mesmo, e todas aquelas coisas de amor próprias. Está cansado demais para ouvir. Esfregou suavemente a pele sensível e avermelhada, empurrando a sensação de sujeira para o mais longe possível e terminou o banho, use o uniforme escolar outra vez.
As horas passaram lentamente, mas não se importam um pouco, acha que precisa desse tempo sozinho para organizar os pensamentos e emoções (eles estão sempre uma bagunça), e as atitudes de todos Itadori-Fushiguro não ajuda em nada, apenas traz mais motivos para pensar, pensar e pensar. Não deveria gastar tanto tempo considerando as palavras e atitudes deles, não deveria se importar em machucá-los com seus próprios argumentos, muito menos se sentir mau depois de dizer algumas verdades (bem merecidas na cara deles). E ainda assim, está aqui, sentindo-se inutilmente quente porque pela primeira vez, alguém que não é Junpei, veio vê-lo na enfermaria escolar.
Soltou um suspiro profundo, desenhando círculos com a ponta dos dedos sob o lençol branco de algodão da cama hospitalar. Precisa parar de pensar nesses sinais confusos. Assim como ajudou Megumi, os Itadori-Fushiguro ajudaram pessoas que estão na mesma situação deplorável que Yuuji, isso não significa que é especial ou é querido e amado por eles, só estão sendo humanos decentes, nada mais (seu coração não quer entender isso, entretanto). A essa altura, mudar-se com Kaori não parece uma ideia tão ruim. Em fevereiro completo um ano que ela parou de beber e consequentemente, parou de bater e gritar, pode ter uma convivência harmônica onde mal se encontram e se falam.
Diferente dos Itadori-Fushiguro, ela não está tentando uma reaproximação (ou talvez esteja, daquele jeito meio psicopata se tentar) e não continua perturbando-o na primeira oportunidade. Enviando sinais confusos e quase (ênfase no QUASE) fazendo-o acreditar que não é o único que sofre com toda essa situação de merda.
Não vai cair nessa novamente. Mahito também o fez acreditar que poderiam ser felizes juntos, e assim como Jin e seus filhos amados, deram-lhe as costas quando as coisas ficaram em ruínas. Kaori estava certo ao dizer que o amor é inalcançável para algumas pessoas, embora sua reflexão chorosa (depois de quase matá-lo) soava mais como um lamento feito para si mesma e não mais uma das frases genéricas que costumava usar para xingar Yuuji está bêbado ou sóbria.
Decidir não 'cair' novamente, é fácil, o difícil é seguir essa linha de raciocínio e não deixar-se levar pelas emoções passageiras que a atenção de Jin por trás com seu sorriso amoroso e olhos dóceis, mãos trêmulas e lábios mordidos pela ansiedade. É difícil manter a aparência dura e indiferente quando há lembranças boas (que trazem possibilidades do que poderia ter sido) quando Choso e Sukuna se mostram tão preocupados e protetores, a cabeça amargurada de Yuuji viaja para lugares distantes onde sempre viveram juntos e… eles o protegeram das garotas e garotos da escola primária. Não teria tantas inseguranças em relação ao próprio corpo. Essas inseguranças não foram projetadas na relação com Mahito.
Mas são apenas possibilidades inexistentes, de nada adianta continuar fantasiando uma vida com elas quando saber que nada de bom virá dessa prática idiota (apenas dor e dor, como o habitual).
Empurrou as fantasias de família feliz (aquela que foi um dia, antes de Jin virar uma cadela) e gritou da cama no momento em que o sinal tocou. Pescou o celular no bolso na mochila e invejo uma mensagem para Junpei, perguntando onde encontrá-lo.
“Estarei com as gêmeas e Megumi do lado de fora. Ou prefere que eu vá te encontrar?” Seria preferível pedir para se encontrarem na saída, mas saiba que as gemas Gojo-Geto devem estar o arrastando para dentro de uma conversa fútil e infantil e não irá soltá-lo tão facilmente.
“Sem problemas. Irei ligar para Minami-san para vir nos buscar, não quero pegar o metrô a essa hora da tarde.” Avisou de antemão, já fechando o chat da conversa e procurando o contato de Minami.
“A essa hora de uma sexta-feira o metrô não está lotado.” Leu a resposta pela barra de notificação, parou alguns segundos e descobri, a informação (que já sabia) não muda a sua indisposição
“Sim, eu sei. Só não quero pegar o metrô.” Depois disso, Junpei não retrucou mais, sem dúvidas, já sabendo que hoje não está em um bom dia. Deu deixando de falar de mau humor, mas Junpei o conhece bem até demais, não é realmente necessário mostrar um comportamento ácido para ele entender o que aconteceu durante o sono.
Ainda sentado na cama hospitalar, direcionado especificamente para Minami, que atendeu no segundo toque e avisou que estará o esperando na porta da escola. Não esperou uma confirmação, sabe que se ele estivesse do outro lado da cidade ainda conseguiria um jeito de ir buscá-lo imediatamente, Minami é assim, leal como um cachorro. Uma das características que Mahito adorava, diga-se de passagem.
Pulou no chão no quinto soar do sino, pegando a mochila e jogando por cima do ombro. Shoko deve estar ocupado com algo importante (na área dos fumantes) então saiu sem dizer um muito mau agradecido “obrigado”, caminhou a passos confiantes até a porta pela qual passou hoje mais cedo e abriu-a no mesmo momento em que Jin pretendia entrar . Uma surpresa nenhum pouco bem-vinda.
— Está de saída? — Como se não fosse bastante óbvio, Jin disse, mostrando o sorriso inseguro de sempre. Apenas o encarou fixamente, sem emoção. — Ah, bem, acho que sim… eu vim buscá-lo. O sinal já tocou e você estava doente há pouco tempo, não é seguro andar pelos corredores sozinho agora. — Explicou um tanto atrapalhado, mas ainda demonstrando confiança.
Isso é sério?
Ele está fazendo parecer que desmaiou por falta de oxigênio no cérebro e ficou na UTI por duas semanas em estado vegetativo.
Tão dramático.
Dessa vez, não consegui segurar o revirar dos olhos. Deu um passo à frente e Jin abriu espaço imediatamente, deixando-o passar.
— Só tive um sangramento nasal. — Disse simplesmente, fechando a porta. Escutou Jin soltando um suspiro alto e cansado (quem não cansa de lidar com um adolescente mimado hein?) e com menos de três passos alcançado-lo. Amaldiçoa que ele seja tão alto quanto Sukuna e Choso (mas não pode dizer que é genética. Caso fosse, também seria alto).
— Toji e Gojo-kun disseram que o sangramento foi intenso e… você parecia sentir dor. — Parou de supetão, estreitando os olhos para a última frase. “Parecia sentir dor”, jura que ele quase o pegou nessa. Quase.
—Dor? — Perguntou incrédulo. Milhões de implicações passando pela cabeça, do tipo: “engraçado, eles não perceberam que eu também estava com dor depois de uma sessão brutal de sexo anal pela madrugada e fui obrigado a comparecer no seu almoço de domingo idiota.” No entanto, engolem essas palavras. — Como vocês comentam quando eu sinto dor. Ou melhor, como se realmente se importassem. — Disse, ao invés. Voltando a andar.
— É claro que nos importamos. Talvez realmente não entendamos quando estamos doentes, você usa exatamente a mesma expressão para tudo… mas estamos prontos para ouvi-lo e ajudá-lo, esse é o nosso dever como seus pais. — É verdade que demonstra algo além de desinteresse quando está na casa dos Itadori-Fushiguro, mas dizer que tem a mesma expressão para tudo é um eufemismo. É uma pessoa muito expressiva (diz-se: depressiva) e nunca percebiam NADA porque nunca se importaram, obviamente.
— Não sei o que você leva se considerar meu pai. Para mim você é apenas um doador de esperma e um cara idiota que depositou uma merreca de dinheiro que honestamente? Nunca cheguei a ver, e claro, um belo prejuízo prazeres que sempre atrapalhou meus compromissos com seus almoços e jantares em “família”. — Fez questão de usar um tom desdenhoso para a palavra família, e pelo canto do olho, viu Jin se encolher. — Mas não acho que você queira ter esse tipo de conversa no meio do corredor. Certo? — Perguntou inocentemente, com um sorriso pequeno.
— Tem razão. — Jin casual, concertando os óculos com as mãos trêmulas. — Conheço um lugar confortável e reservado, podemos ir até ele e esclarecermos alguns mal entendidos…— Tentou, esperançoso.
— Nunca foi um mal entendido que você transa com Toji. — Disse, revirando os olhos.
— I- Isso n- não envolve Toji-san. — Assegurou, novamente, consertando os óculos (que nem estão tortos no rosto). — É sobre nós. Antes de Toji-san chegar. – Tentador. Admite, mas tem zero interesse em saber esse passado, ouvir as justificativas de Jin não muda o que aconteceu.
— Belo convite, mas já tenho compromisso. — Dispensou-o, entrando no corredor cheio. Com seu tamanho pequeno, infiltrou-se facilmente na multidão, passando por baixo dos braços e desviando de corpos apressados. Jin, por outro lado, ficou meio preso no meio deles.
— Yuuji, espere por mim. — Pediu, dando sorrisos educados para os alunos que o cumpriram. Fingiu que não correu, continuando no ritmo acelerado. A última coisa que precisa é ter a imagem (ainda mais) associada a Jin e os Fushiguro, aquela pequena cena na aula de educação física poucas horas atrás já foi o suficiente. Obrigado.
Milagrosamente, para o seu desespero, Jin o alcançou muitos metros antes da saída, e pôs-se a caminhar lado a lado, semelhante à situação desconfortável com Toji pela manhã. Suspirou alto e cansado, deixando os ombros caídos na derrota e sem mais escolhas, aceito o trágico fim (tudo o que não queria era chamar atenção. E isso é tudo o que conseguiu na primeira semana de aula).
Mais um motivo para odiar esse lugar.
— Cuidado! — De repente, um puxão inesperado tirou-o do caminho que estava. Trazendo-o para frente de Jin (é sério que está abaixo do queixo dele?!)
— Mas que porra é-... — Começou, apenas para ganhar um beliscão na bochecha. — Aí! Você ficou louco de tanto foder, velhote?! — Perguntou indignado, não tão baixo quanto deveria, e alguns estudantes olharam levemente assustados.
Como recompensa, foi beliscado novamente, dessa vez, Jin colocou mais força nisso.
— Não fale palavras tão feias. — Reclamou, mas Yuuji não levou a sério. Ocupado demais em massagear o lado da bochecha que agora encontra-se dolorido (tem certeza que vai precisar cobrir a cobertura com maquiagem. Merda. Que sua avó falecida o perdoe, mas Jin é um tremendo filho da puta). — Não combina com seu rosto bonito, além de ser falta de educação e deselegante. Tive que afastá-lo, caso contrário teria batido no armário aberto. — Explique-se.
Ah. Ah. É verdade. Constatou, olhando rapidamente para trás.
— Hum… — Murmurou, afastando-se do contato físico.
— Preste mais atenção a sua volta. — Jin aconselhou, risonho e carinhoso (nojo).
Quando finalmente chegou a saída, avistou Junpei e as gêmeas facilmente. Sentiu uma onda de colapso invadi-lo, como se um peso tivesse sido tirado das suas costas, um suspiro profundo escapou-lhe da garganta e um sorriso pequeno tomou seus lábios involuntariamente.
Apressou ainda mais o passo, desceu os degraus da escadaria e atravessou o pátio até o estacionamento sem nem perceber. Junpei interrompeu o que quer que estava falando para virar-se completamente na sua direção, os olhos escuros analíticos e conhecedores examinam-o momentaneamente, antes de assumir um brilho sereno.
Yuuji simplesmente mergulha no abraço quente que Junpei fornece, enterrado o rosto no meio do peitoral duro e inalando o cheiro de amaciante barato, perfume amadeirado e pistas de partículas de água. Venceu a primeira semana de aula em uma escola nova. A primeira semana morando com os Itadori-Fushiguro e deve essas pequenas conquistas a Junpei, não teria alcançado sem ele.
— Ei, ei, eu estou aqui. — Escutou-o cantarolar acima da sua cabeça, beijando-o ali mesmo. Riu nasalado, segurando o ronronar dentro do peito. — Muito cansado, hein? Mas ainda não temos tempo para descansar, me desculpe. — Bufou, tirando a cabeça do esconderijo (nenhum pouco secreto) e apoiando o queixo no peito duro, olhando-o de baixo.
— Só me abrace, vadia idiota. — Disse, falsamente mau humorado. Junpei revirou os olhos, dando um beijo na sua testa. Um pigarreio alto de quem diz: “vamos parar com isso?!” Chamou a atenção dos dois. Toji os encara fixamente (ele exala veneno) e qualquer um ficaria amedrontado pela postura de alfa dominante que ele emite sem soltar uma quantidade exorbitante de feromônios.
Felizmente, Junpei não é qualquer um. Ele é um adolescente que cresceu em Shinjuku e é o melhor amigo de Yuuji, alfas nunca poderia intimidá-lo.
— O que é agora?! — Perguntou, mórbido.
— Dessa vez não estou apertando as coxas e a bunda dele. — Junpei se defendeu antecipadamente, mostrando um sorriso simpático. — Entendendo que deve ser difícil para um padrasto ver o afilhado no meio de uma situação tão íntima, então manterei nossa modéstia na sua frente, pelo menos. — Completou, como se estivesse falando sobre a previsão do tempo, ignorando completamente o maxilar trincado de Toji e as veias proeminentes soltando dos braços cruzados na altura do peito.
— Você fala demais para quem não está namorando o meu filho mais novo, garoto. — Toji retrucou, dando ênfase no “meu filho”. Tanto Yuuji quanto Junpei ficaram surpresos, mas se recuperaram rapidamente.
— Sim, Junpei-kun não deveria fazer comentários tão atrevidos sobre seu melhor amigo, sabe? As pessoas têm uma ideia errada da relação de vocês ~... — Sorrindo como um gato, Gojo acrescentou. (De onde ele saiu? Ou melhor, quando chegou?) Acha que estava tão focado em Junpei que não o viu. O sorriso de gato, no entanto, é tenso. Forçado. Visivelmente não se encaixava na sua língua corporal, enviando um desconforto doloroso ao abdômen Yuuji instantaneamente.
— Idéia errada? Bem, é verdade que não estamos namorando, mas… o que isso tem haver com meus comentários? É exatamente por sermos melhores amigos que tenho passe livre para tocá-lo onde eu quiser, não é mesmo, Yuuji? — E para terceiros, essas palavras podem parecer uma afronta aos dois alfas adultos (estranhamente protetores) ou uma provocação, mas a verdade é que Junpei está sendo genuíno. Ele não vê problemas em compartilhar um banho com Yuuji, ficar pelado na sua frente e dar opiniões sobre seu peso e corpo. Seja isso uma prática normal ou não, eles têm esse tipo de relação íntima, e sem nenhum desejo sexual envolvido.
— Isso não é meio óbvio? — Arqueou uma sobrancelha, e Junpei riu, encolhendo os ombros.
— Não temos culpa se nossa amizade é diferente das demais, senhor padrasto Fushiguro-san. — Pode ver agora, que o entendimento de amizade que compartilha com Junpei, é incompreendido por Toji e Gojo, e até mesmo pelas gêmeas e Megumi. Eles... estão confusos.
Toji, pelo menos, absorveu o que foi dito como: estou fodendo com Yuuji, mas não namoramos, senhor. Seus pensamentos são tão altos e furiosos que conseguem ouvi-los a quilômetros de distância. E sendo honesto, o tom de Junpei não ajuda em nada. Soltou um suspiro, amassando a bochecha contra Junpei, seria divertido deixar-los continuar confusos, mas também seria um pé no saco ter uma nova conversa sobre “proteção sexual” com Toji e Jin, e não tem humor para fazer piadas mirabolantes.
— Não entendo porque você está tão irritado, Toji-san. — Começou, afastando-se a contragosto do corpo quente que o abraça. — Já tivemos essa conversa antes, e eu te assegurei que não estou fodendo com Junpei. Somos só amigos íntimos, tipo irmãos, e sim, ele pode me ver pelado ou tomar banho junto de mim, fiz o mesmo com o seu filho. — Como se para confirmar, Toji olhou para Megumi, e este acenou positivamente, com um leve tom rosado nas bochechas. — Mas aparentemente, aquela conversa que aconteceu no início da semana de nada funcionou. Se você não acredita no que digo, então porque se dá o trabalho de me perguntar? — É uma situação chata, sem dúvidas, mas está acostumado com os adultos ignorando o que diz. Kaori e Jin passaram a vida inteira fazendo isso.
— Eu-... — O interrompiu.
— Você ou seu amigo Stuart Little não tem nada a ter com quem me fode ou deixa de me foder, nem se incomodar com comentários atrevidos que nem me incomodam, em primeiro lugar. OK? — Concluiu, encarando-os seriamente.
— Stuart Little realmente não tem nada a ver com isso, eu concordo. Mas você é meu filhote, tenho todo o direito de saber com quem está namorando. — Quase riu. Toji obviamente não se importa antes de perguntar o motivo das bandagens nos seus pulsos e pescoço, nem moletons no verão, e agora escuta um discurso como esse? E pior, está totalmente decidido.
— Podemos conversar sobre isso em casa. — De repente, sugeriu Megumi.
— Não temos o que conversar. — Retrucou, abismado.
— Sim, nós temos o que conversar, filhote. — Toji defendeu, como um animal selvagem pronto para dar a bote. Bufou, mostrando uma expressão aborrecida para esconder a surpresa que sentiu ao ser chamado de filhote novamente (Quando foi a última vez que alguém o chamou assim?).
— É uma pena, não terei tempo. — Disse, cruzando os braços e dando uma rápida olhada no relógio de pulso. — Tenho um compromisso em poucas horas. Aliás, talvez eu volte um pouco depois do toque de instalar… — E isso é uma merda. Estava tão ansioso para esse maldito jantar e com um péssimo humor por causa do pesadelo (e todas as merdas que aconteceram na semana) que simplesmente esqueci de falar com o vovô sobre chegar mais tarde esta noite.
— Já estendemos o seu horário, e Sukuna ainda não-... — Interrompeu Toji.
— Estarei acompanhado, e devo chegar apenas uma hora mais tarde. — Isso é, se tudo ocorrer conforme o planejado. Respirou fundo, vendo Jin se aproximar, após se despedir de um colega de trabalho que o atrapalhou no meio do caminho. — E não estou pedindo sua permissão, só estou dando um aviso. — Completou, e recebeu um empurrãozinho de Junpei.
— O que ele quer dizer é que tem um encontro especial esta noite e não pode desmarcar, seria muito descortês. — As gêmeas que estavam observando-os silenciosamente até agora, arregalaram os olhos, parecendo meio perplexas. Junpei enviou tão simpático quanto sempre, ignorando Gojo e sua visibilidade visível.
— Hum… encontro? — Megumi perguntou, desconfiada.
— Não é exatamente um encontro… eu acho. É apenas um jantar e-... — Novamente, respirou fundo, sentindo-se estranhamente desconfortável com os olhares de todos pesando sobre seus ombros.
— Com quem é esse encontro? —Jin perguntou, curioso. Seus olhos dourados brilhavam de interesse, e não eram nada inocentes.
— Alguém especial. — Respondeu simplesmente, dando de ombros.
— Ou, alguém que será muito especial. — Junpei acrescentou categoricamente, provavelmente apenas para provocar Gojo e Toji. Revirou os olhos, rindo suavemente. Sua simples presença faz tudo ser mais fácil.
— De qualquer maneira, voltarei tarde hoje a noite, avisarei ao vovô caso atrase mais do que uma hora. — Disse, concluindo o assunto.
— Você está doente, deveria ir para casa descansar. — Mimiko falou pela primeira vez, com o rosto sério. — Shoko-san falou que suas horas de sono são insuficientes, e suas olheiras denotam isso, então deveria ir descansar. Sua pessoa especial com certeza entenderá se explicará o porquê não pode ir, e ainda pode marcar para outros dados. — Do seu lado, Nanako acidentalmente, e Megumi também. Eles... estão preocupados? Piscou, virando o mini pescoço para Junpei, que apenas encolheu os ombros, sem dar uma resposta (verbal ou não), mas permanece travesso nesse silêncio conhecido.
Cumpre a agenda personalizada pelo tio desde… bem, desde sempre. Não importa se é um dia bom ou ruim, se está doente ou indisposto, atender as expectativas do tio é o primeiro item na lista de prioridades e nada está relacionado ao fato de ser forçado e não pode dizer um “não”, só é estranho negar algo pelo qual ver as pessoas se esforçando a sua volta enquanto continua se lamentando por nada.
Tudo o que precisa fazer é comparecer ao jantar, conversar com os Tsukumo e ouvir a proposta deles, sorrir e tentar ser receptivo. O tio não está pedindo o impossível, ele só pede que faça a sua parte como o Killer Cat.
Isso é pedir demais?
— É uma boa ideia. — Comentou, mostrando um pequeno sorriso gentil. — Mas não importa o que aconteça, devemos ter responsabilidades com nossos compromissos, sejam eles importantes ou não. Além de que estou ansioso para hoje a noite, só ficarei mais ansioso em remarcar para outro dia, e imaginem? Junpei me odeia ver ansioso e roendo as unhas. — Brincou, dando uma cotovelada leve nas costelas de Junpei. Parte disso é verdade, adiar o jantar com Yuki o fará ficar ainda mais ansioso, e as chances de ter uma crise existencial e desistir da parceria também aumentam.
— Mesmo assim, você está doente… — Nanako tentou, com o cenho franzido. Elas parecem tão pequenas assim, realmente incomodadas pela teimosia de Yuuji, como crianças que não entendem porque precisam ir para a escola ao invés de dormir até tarde.
— E a causa dessa doença é justamente porque não descansa. — Mimiko acrescentou, cruzando os braços.
— Se uma pessoa é tão especial, vai entender. — E Megumi concluiu, tão sério quanto às gêmeas.
— Nem sempre é possível cumprir com todas as responsabilidades, filhote. Em alguns dias não estamos satisfeitos a nos esforçar tanto para agradar outras pessoas, e está tudo bem com isso, o único a quem deveria se esforçar para agradar é a si mesmo. Quando colocamos a satisfação das pessoas acima da nossa, a única tendência é nos machucar. — Deixando a postura rígida e violenta de lado, Toji mostrou um lado compreensivo e protetor. Poderia dizer que ele sabe exatamente o que Yuuji teme ao cancelar o jantar, que é nada mais, nada a menos que decepcionar o tio Kenjaku, no entanto, esse não é o caso. Como ele poderia saber?
— Sim, quando você prioriza seus próprios sentimentos, não se machuca e não machuca as pessoas em sua volta. —Jin disse. Mordeu a língua para não soltar um comentário tóxico e extremamente nojento, que poderia mandá-lo para prisão (ou quem sabe, Jin seria o único a fazer terapia por dez anos após ouvi-lo), porque no fundo, é deixando a amargura na sua voz calma e os olhos dourados não são tão dóceis quanto normalmente.
— E ninguém irá chamá-lo de irresponsável por isso. — Gojo acrescentou, com um sorriso acolhedor. Suspirou, ignorando o desconforto abdominal.
— Boa tentativa, mas eu ainda estou indo. — Disse, encolhendo os ombros.
— Eu vou garantir que ele descanse um pouco antes do grande acontecimento, não se preocupe tanto. — Junpei dispensou-os com um aceno de mão despreocupado, quando as gêmeas o olharam de forma suplicante.
— Exatamente! Enquanto eu estiver com Junpei, estarei bem. — Piscou um olho, mostrando o questionamento para cima. — Agora precisamos ir, Minami-san está nos esperando. — Entrelaçou os dedos nos de Junpei e o deixou para longe do grupo intrometido.
— Até mais, papais de Yuuji. — Junpei acenou falsamente.
— Você não está falando de Jin e Toji, está? — Perguntou, revirando os olhos, e tudo o que escutou foi uma risada divertida.
— Estou falando deles, mas Gojo-sensei pode ter se sentido incluído, eu acho… — Que ótimo.
A confusão nunca para
Fechando paredes e marcando relógios, vou
Volte e leve você para casa
Eu não poderia parar isso, você já sabe, cantando
Saia em minhas éguas
Malditas oportunidades perdidas
Sou parte da cura?
Ou sou parte da doença?
Voce e
Voce e
Casa, casa, onde eu queria ir
Casa, casa, onde eu queria ir
Casa (você), casa, onde eu queria ir (estão)
Relógios - Coldplay
Notes:
Comecei o processo de publicação desse capítulo às 07:50hr, assim que cheguei no escritório, e terminei agora, às 18:21hr no meu pequeno intervalo antes de mais uma jornada de 03:30hr de horas extras.
Ainda não começamos a trabalhar no próximo capítulo, mas novamente, irei condicionar meus horários para conseguir escrevê-lo. Promessa de dedinho.
Desejem-me boa sorte!
Ah, espero que tenham gostado do capítulo!
Beijossssssss dá Tatá e Tsuki ꒰⑅ᵕ༚ᵕ꒱˖♡
Chapter 10: Aviso.
Chapter Text
Hey! Tudo bem com vocês? Nós realmente esperamos que sim.
Gostaria de avisar que a história "Os Pedaços do Meu Coração" entrará em hiatus por tempo indeterminado.
Gostaria de pedir desculpas pelo atraso do aviso, já faz algum tempo desde o último capítulo postado, sim? Acontece que a Tata estará muitíssimo ocupada nos próximos meses... E em 2025 mais ainda. Trabalho, faculdade, vestibulares e noivado (sim, a Tata está noiva!). Literalmente zero tempo livre!
Eu (Tsuki) atualmente estou responsável pela história, mas não estou psicologicamente bem para escrever há alguns meses. Acontece que estou precisando lidar com (muitos) problemas familiares, concursos, saúde mental e tentando conciliar trabalho com estudos.
Eu realmente espero que entendam. Estou desgastado demais, preciso priorizar minha saúde mental acima de tudo, pelo menos agora.
Tentarei atualizar a fanfic antes de fevereiro, mas não é uma certeza... Novamente, eu espero que vocês entendam tudo que está acontecendo.
Aproveitarei esse tempo em hiatus para revisar os capítulos que ainda não foram revisados e ao menos fazer o esqueleto dos capítulos que ainda faltam (com base no planejamento inicial).
Bom dia, tarde ou noite. Amamos vocês! Desejem felicidades pro noivado da Tata, ela merece! XD
E um "boa sorte" também, nós merecemos. XD
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