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A Gallows Marriage | Tradução

Summary:

"A alegria foi a última coisa que ela sentiu ao olhar para os olhos vazios que deveriam ser cinza brilhante. O rosto dele sempre fora pontudo e afiado, mas agora isso dava lugar à magreza. O cabelo, com o qual ele tinha sido tão exigente na escola, estava comprido e solto. Isso a fez se lembrar da aparência de seu pai em sua foto de prisão. Como ele queria ser igual ao pai quando estava crescendo. E agora ele era, talvez mais do que nunca. Um fantasma".

Depois de fazer mais do que sua parte para salvar o Mundo Mágico e carregar as cicatrizes do que isso custou, Hermione Granger acha que ganhou um pouco de descanso. Mas quando o carismático, embora caótico, Theodore Nott a convence a usar uma antiga lei para salvar um amigo querido que está prestes a conhecer o Beijo do Dementador, ela simplesmente não consegue ficar parada assistindo. Siga Hermione enquanto ela navega em um mundo que ainda acredita em status de sangue, um casamento para salvar a vida de um velho inimigo e a dor que vem com a sobrevivência.

Notes:

Chapter 1: Capítulo 1

Chapter Text

Capítulo 1

 

Hermione não conseguia superar a sensação de angústia que se alojava em seu estômago enquanto fingia tomar seu chá há muito tempo frio.

O mais jovem a receber o Beijo nos últimos 100 anos.

Ela reorganizou os papéis sobre sua mesa pela quinta vez, na esperança de que o ato de organização se estendesse à confusão de pensamentos que corriam em sua mente.

Fim de duas antigas linhagens dos Sagrados Vinte e Oito.

Hermione bateu com a ponta da pena na mesa, forçando-se a esquecer as palavras da capa do Profeta Diário e focar na proposta dos centauros que precisava ser redigida até o fim da semana. Os centauros precisavam dela. Não as antigas linhagens dos Sagrados Vinte e Oito, que provavelmente já deveriam mesmo ter chegado ao fim.

Marcado para 15 de junho.

Um último aniversário. A lembrança de uma coruja imponente carregando pacotes elegantes embrulhados em prata continuava se repetindo na mente de Hermione enquanto ela esperava pelos elevadores do Ministério, a caminho do refeitório. Sempre se orgulhou de sua memória, mas naquele momento, desejava poder esquecer um aniversário que caía em junho. E esquecer o garoto cujo aniversário era aquele.

Na verdade, não mais um garoto.

Cinco anos haviam se passado desde a guerra. Uma guerra que quase destruíra o Mundo Bruxo britânico e quase levara sua vida. Hermione ainda conferia suas proteções ao menos duas vezes por noite antes de apagar as luzes de sua pequena casa de campo. Mantinha uma bolsinha com feitiço de extensão discreta cheia de mantimentos, roupas extras e poções básicas ao lado da lareira com pó de flu. Mentia para si mesma dizendo que era para o caso de um incêndio, como se magia não pudesse apagar chamas. Ainda tinha aquela palavra gravada em seu antebraço. Hermione frequentemente se pegava tocando levemente as letras em relevo à noite. Quando o mundo ficava especialmente silencioso e ela jurava sentir o frio amargo da Floresta de Dean no inverno, ela traçava cada letra devagar, lembrando-se de que estava segura. Que tinha vencido.

Não era mais um garoto. Um homem de vinte e três anos.

Ela balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos que a seguiam o dia todo. Terminando em pequenas mordidas o sanduíche de ovo com agrião que mal havia tocado, sorriu para algo que Anthony Goldstein disse. Hermione torcia para que ele não tivesse notado que ela mal estava prestando atenção à história sobre o encontro da tia-avó dele com o MACUSA.

Enquanto voltavam para o Departamento de Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas no quarto andar do Ministério, ela decidiu que não passaria mais um momento pensando em olhos cinzentos tristes, sorrisos frios ou qualquer coisa que lembrasse loiro. Hermione havia feito sua parte e escrito em defesa dele para o julgamento, junto com Harry e Ron (este último bem mais contrariado que ela). Perdoara suas atitudes covardes como valentão na escola e aceitara que ele fora apenas uma criança desviada pelos adultos ao seu redor. Ele fora um soldado como ela, forçado a tomar decisões que mudariam sua vida cedo demais. Eram dois lados da mesma moeda. Hermione tinha feito sua parte pela guerra, pela sua comunidade e por um ex-inimigo. Ela já tinha feito o suficiente. O peso não precisava mais repousar sobre seus ombros. A decisão de condenar suas ações coube somente ao Wizengamot.

Ela tinha feito o suficiente.

Repetiu essas palavras enquanto testava novamente suas proteções.

Repetiu essas palavras enquanto verificava se sua bolsinha ainda estava ao lado da lareira.

Repetiu essas palavras enquanto a ponta dos dedos traçava um M irregular em meio à pele lisa de seu antebraço, enquanto se encolhia sob sua colcha gasta.

Ela tinha feito o suficiente.

~~

Ela encarava o teto.

Nuvens giratórias, estrelas e uma lua redonda brilhavam sobre ela. O brilho luminescente refletia um leve brilho em suas unhas enquanto cutucava as cutículas. Um feitiço traiçoeiro.

Hermione passara mais uma noite sem dormir tentando recriar o céu noturno sobre sua cama, lembrando-se de um castelo distante nas colinas verdejantes da Escócia. Um lugar que guardava tantas memórias, boas e terríveis.

Agora, as estrelas cintilantes e a luz da lua pareciam intensificar seus pensamentos inquietos.

Ela havia prometido a si mesma parar de pensar nele.

Com surpreendente falta de autocontrole, virou a cabeça em direção à constelação cujo nome a impedia de dormir. Um agrupamento de dezessete estrelas. Ao longo dos anos, se pegava pausando tempo demais naquela constelação. Assim como, às vezes, pausava tempo demais em um certo garoto.

Hermione sentiu o calor líquido colorir suas bochechas enquanto pressionava os calcanhares das palmas contra os olhos, tentando apagar fisicamente seus pensamentos. Estava sozinha, mas isso pouco ajudava a conter a vergonha. Uma paixonite infantil. Nem isso. Uma curiosidade.

Hermione sempre fora uma criança curiosa. Amava enigmas. Vivenciava o momento em que tudo se encaixava. Não resistia ao chamado de um novo mistério, descobrir como funcionava, encontrar a explicação. E, comparado à sua criação trouxa, um garoto sangue-puro parecia um mistério completo. Ela também não conseguia (nem se importava em) explicar por que Ron nunca teve o mesmo magnetismo natural. Não, não era uma paixonite. Hermione simplesmente tinha uma curiosidade. Não era como se esses pensamentos durassem mais do que um breve instante. Muitas vezes, aquele grupo de estrelas merecia seu desprezo. Ele tinha sido cruel, e Hermione frequentemente se sentia enojada por aquela crueldade.

Ela precisava dormir. Nada explicava melhor essa visita indesejada ao passado do que a falta de sono. Ela não era mais a menina de onze anos abrindo a porta da carruagem e vendo um garoto loiro curioso de olhos cinzentos e queixo pontudo olhando de volta. Não era mais a menina de quatorze anos esbofeteando aquele mesmo rosto pontudo, agora mais alto e um pouco mais largo. Nem era mais a garota de dezessete anos, preocupada com um garoto que parecia tão solitário e assustado.

Não.

Ela não era mais aquela garota. E ele havia deixado de ser aquele garoto no topo da torre de astronomia, numa noite de junho, cinco anos atrás. O mesmo mês de seu aniversário. O mesmo mês em que morreria.

~~

Hermione tentou conter um bocejo de forma pouco elegante. Não se lembrava de ter adormecido, mas de algum modo a luz do sol a despertou, junto a um miado bastante irritado. As exigências de Crookshanks por café da manhã às vezes eram a única coisa que a convencia a sair da cama nos fins de semana.

— Hermione, você está exausta. Dormiu bem?

Hermione ergueu os olhos rapidamente, sentindo-se um pouco sonhadora e presa ao cansaço.

— Ah, estou bem, Sra. Weasley. Aquela reescrita da proposta dos centauros só me desgastou um pouco.

A mentira escorregou da sua língua com a facilidade de quem já tinha praticado.

A Sra. Weasley franziu levemente os lábios, mas aceitou a resposta enquanto servia uma xícara forte de chá e a entregava firmemente a Hermione. Ela apreciou o calor da caneca lascada. Também lhe deu algo com que ocupar as mãos e o tempo enquanto tomava um longo gole e desviava o olhar dos olhos castanhos maternais e insistentes.

Hermione era muito grata por a Sra. Weasley continuar próxima, mesmo quando as coisas com Ron não tinham funcionado como o esperado. Eles não chegaram a terminar. Normalmente é preciso começar um relacionamento para que ele acabe. Depois da guerra, eles tentaram fazer dar certo. Tentar encaixar as peças num mundo novo, que não envolvia mais escapadas noturnas ou esconderijos em tendas gastas. Saíram em alguns encontros, transaram com frequência por alguns meses e depois de forma intermitente por mais alguns. Nada nunca parecia se firmar. Hermione começou seu trabalho gratificante, mas frequentemente exaustivo, no Departamento de Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. Ron iniciou sua carreira como Auror.

No fim, eles não romperam — apenas se apagaram. Sem explosões, só um reconhecimento silencioso de que não era o momento certo. Hermione se perguntava com frequência se algum dia seria. Mas às vezes Ron a olhava e sorria daquele jeito que a fazia se sentir amada e valorizada, e ela conseguia imaginar uma vida com feriados na Toca e um casamento num jardim da família na primavera. O tipo de família da qual ela não se sentia parte desde que Obliviara seus pais.

Hermione apertou com mais força a caneca que esfriava rapidamente, imaginando se conseguiria quebrar a cerâmica com as próprias mãos.

— Hermione! Há quanto tempo você está aqui?

Ginny entrou, vassoura na mão, com o longo cabelo ruivo grudado de leve na testa suada.

— Ah, talvez há uma hora.

— Teríamos parado de jogar se soubéssemos que você tinha chegado! Sinto que não te vejo há séculos.

Hermione sorriu quando o rosto avermelhado do melhor amigo apareceu junto com sua voz. Não importava quantos anos tivessem se passado, quando olhava para aquele cabelo escuro que nunca assentava direito e para os olhos verdes marcantes, ela via apenas Harry. Não Harry, o Auror Chefe, ou Harry, o Marido. Apenas Harry, um garoto com óculos que frequentemente precisavam ser limpos ou consertados.

— Estava tomando um chá com a Sra. Weasley. Você sabe que eu não gosto muito de Quadribol, mas o tempo está tão bom que eu não os faria parar. E me desculpem, estive ocupada com a—

— Reescrita da proposta dos centauros — disseram todos ao mesmo tempo, seguidos de uma risadinha leve.

Hermione sorriu, um tanto sem graça.

— Você pode ter mencionado isso algumas vezes — disse Ginny, sorrindo.

— Ou o tempo todo — brincou uma voz mais alta enquanto Ron entrava com a vassoura nas mãos. Ele sorria de forma jovial, indicando que não havia intenção ofensiva. Hermione retribuiu o sorriso com afeto. Ron estava bem atraente. Seu cabelo escurecera um pouco, ficando mais puxado para o castanho-avermelhado, e ele crescera dentro do corpo que antes era esguio demais. Ao envelhecer e se tornar um ótimo Auror, ganhou uma confiança que não tinha na juventude. Havia momentos em que Hermione tinha certeza de que poderia amar e ser amada por Ron, o que a fazia se perguntar por que não tinham funcionado. Mais um enigma no qual Hermione se pegava pensando em algumas noites.

— Que bom que você veio, Hermione — disse Ron, puxando-a para um abraço. Ele cheirava a grama e suor, mas ela se permitiu afundar no abraço por um momento. Ron dava dos melhores.

— Claro, Ronald, eu não perderia por nada.

E era verdade. Embora Hermione não tivesse certeza se um dia faria parte da família como Harry já fazia mesmo antes de se casar com Ginny, ela ficava feliz só de estar por perto.

— Hermione!

A paternidade tinha feito bem a Bill Weasley. Seu rosto marcado por cicatrizes estava iluminado de afeto enquanto ele envolvia Hermione em um abraço. Um passo atrás, Fleur parecia tão deslumbrante como sempre, carregando uma criança rechonchuda com cachinhos loiro-morango.

Fleur sorriu para Hermione e lhe deu dois beijos rápidos nas bochechas. Em seguida, plantou a criança nos braços de Hermione de forma nada cerimoniosa, enquanto pegava a caneca agora fria de suas mãos.

— Feliz aniversário, Victoire — disse Hermione um tanto sem jeito para a garotinha de dois anos usando uma coroa de papel. A pequena sorriu e passou a contar uma história elaborada e confusa, feita em sua maior parte de balbucios, enquanto a levava para passear. Depois de alguns minutos, enrolou os dedinhos nos cachos de Hermione.

— Ah, não, minha querida — Bill retirou habilmente o cabelo das mãos gordinhas da filha e a tirou dos braços de Hermione. — Desculpe, Hermione, ela está numa fase de puxar cabelo.

E com isso, os dois se afastaram.

Hermione ouviu uma risadinha ao seu lado.

— Ocupados, não? Não sei como a Sra. Weasley deu conta de sete.

Hermione concordou com Harry.

— Dá pra entender por que meus pais tiveram só um.

Ele assentiu.

— É, mas também acho meio bonito. Sempre ter alguém pra brincar. Alguém pra viver aventuras junto.

— Acho que tivemos aventuras de sobra crescendo.

Harry revirou os olhos.

— Sim, mas me refiro a aventuras normais, como aprender a voar numa vassoura ou desafiar o outro a experimentar Feijõezinhos de todos os sabores. Não lutar contra um Lorde das Trevas todo ano antes das férias de verão.

A forma despreocupada com que Harry falava sobre a infância nada convencional deles sempre surpreendia Hermione. Quando ela perguntara como ele conseguia falar sobre tudo aquilo com tanta leveza, ele simplesmente respondeu:

— Nós vencemos, Hermione. Nós conseguimos. Temos o direito de ficar bem.

Depois explicou que derrotar um dos bruxos mais poderosos aos dezessete anos também trazia bons motivos para se gabar — e às vezes comida de graça — e ela o cutucou com o cotovelo nas costelas.

— Você sabe que eu e a Ginny estamos pensando em ter filhos no futuro.

Hermione já sabia, claro. Harry queria a família grande que lhe havia sido tirada. Ainda assim, a menção disso a pegou de surpresa. Havia momentos em que ela sentia como se ainda estivesse naquela tenda na Floresta de Dean, enquanto Harry agora contemplava ter filhos. Sentiu uma pontada feia de inveja. Não que não quisesse que Harry e Ginny, dois de seus melhores amigos, fossem felizes. Eles só pareciam estar mais próximos disso do que ela.

— Não agora, claro. A Ginny ama as Holyheads, e eu quero que ela jogue o quanto quiser. Talvez em breve, talvez não. Mas um dia.

Hermione engoliu o nó na garganta.

— Você vai ser um pai incrível, Harry.

Hermione sabia disso como sabia que Amortentia precisava ser feita num caldeirão dourado e que um unicórnio representava “1” na aritmancia.

— Obrigado, Hermione — ele sorriu, as bochechas ficando levemente coradas. Então, caminharam para fora, rumo às festividades dignas de uma criança usando uma coroa de papel.

O sol já pendia baixo no céu, e a aniversariante era carregada sonolenta escada acima por seu pai carinhoso.
O Sr. e a Sra. Weasley estavam repreendendo George, que testara um novo caramelo das Gemialidades Weasley em Ron, fazendo com que ele grasnasse como um pato por trinta minutos (“Sabores diferentes produzem sons diferentes! Eu preciso saber quanto tempo dura! Tenho certeza de que vai passar logo!”). Harry e Ginny estavam sentados lado a lado num sofá de dois lugares, a cabeça de Ginny repousando sobre o ombro de Harry. Ron estava numa poltrona, soltando grasnados esporádicos enquanto terminava uma fatia de bolo. Uma leve brisa entrava pela janela aberta. O ambiente tinha aquele brilho suave que só aparece em uma noite de maio mais quente do que o normal, depois de um dia cheio de amigos e comida. Hermione estava em paz.

— Você viu aquela matéria sobre o Malfoy no Profeta? — perguntou Harry de repente.

E com isso, a paz de Hermione escorregou para fora da sala junto com os últimos raios de sol da primavera.

— Não acredito que realmente o sentenciaram ao Beijo — ele continuou.

Ginny se remexeu desconfortável no assento.
— Eu sabia que era uma possibilidade, mas honestamente achei que os testemunhos de vocês teriam causado mais impacto.

Hermione não queria falar sobre isso. Nem pensar, na verdade. Mas não conseguia parar o ciclo quase interminável de pensamentos desde que lera a matéria. Desde que vira a foto.

Hermione sempre teve fascínio pela magia. Quando leu seu primeiro livro bruxo e percebeu que as fotos se mexiam, sentiu uma alegria genuína.

Alegria era a última coisa que sentira ao encarar aqueles olhos vazios, que antes deviam ser de um cinza vivo. Seu rosto sempre fora pontudo e afilado, mas agora era só magreza. Seu cabelo, do qual sempre cuidara tanto na escola, pendia comprido e sem vida. Lembrava-a da foto de ficha criminal de seu pai. De como ele sempre quis ser como o pai enquanto crescia. E agora era, talvez mais do que nunca.

Um fantasma.

Esse tinha sido o primeiro pensamento de Hermione. Ele parecia um fantasma. Olhando direto para a câmera, sem pestanejar. Já não parecia orgulhoso, nem com raiva, nem assustado. Só... ausente.

Hermione não queria falar sobre isso.

Harry assentiu com a cabeça.
— Tentei falar com o Robards, mas ele não soltou muita coisa. Talvez porque fui eu que escrevi o depoimento. Aparentemente, foi uma sessão fechada do Wizengamot. Por isso pediram os testemunhos por escrito em vez de nos fazer falar no julgamento. Nem deliberaram por mais de trinta minutos. Já sabiam o resultado quando entraram.

— Isso é sequer legal?

Hermione não percebeu que as palavras tinham saído de sua boca até ouvir a própria voz. Tentou parecer indiferente enquanto levava à boca um pedaço do bolo um pouco endurecido que estava empurrando no prato.

— Acho que é uma zona cinzenta. Eles estão julgando Comensais há anos. Tom tinha muitos seguidores, vários cometeram atos piores, e querem acelerar o processo. Aumentar a moral do povo depois da guerra. O Malfoy ficou em prisão domiciliar por alguns anos, e foi levado no ano passado.

— Isso não parece nem um pouco ético. O sistema não deveria funcionar assim. Ele merece um julgamento justo.

Hermione sentia aquele peso familiar no peito enquanto a frustração crescia com o que ouvia. Nunca fora do tipo que se calava diante de uma injustiça. Um zumbido preenchia seus ouvidos, e ela sentia a adrenalina furiosa subir.

— Não acho que muita gente esteja exigindo tratamento justo para Comensais, Hermione. E de novo, as leis são meio frágeis. Muitas leis bruxas são antigas e nunca foram atualizadas. Tipo, já li umas bem doidas que você não acreditaria que ainda existem, mas tecnicamente existem. Tipo, se você tem testrálios, precisa ter pelo menos oito. Só porque quem fez a lei tinha oito e pensou “por que não?”. Isso é uma das razões de ser tão difícil conseguir licença pra criar testrálios—

— Então um homem está sendo condenado à morte por atos que cometeu quando era criança, e isso foi decidido em trinta minutos? Isso é absurdo! — cortou Hermione.

Agora ela estava sentada ereta, deixando o prato de lado com um estalo alto. Estava genuinamente em choque. Hermione achava que tinha havido um julgamento completo. Quando pediram o testemunho por escrito, ela pensou que fosse apenas protocolo. Não sentiu necessidade de ir pessoalmente porque acreditava que o processo seria conduzido com o cuidado que a vida de uma pessoa — qualquer pessoa — merecia. E estava errada.

Hermione odiava estar errada.

— Quer dizer, ele é culpado, né?

Todos se viraram para o ruivo, que finalmente parara de grasnar.

— Não é como se o Malfoy fosse inocente. A gente sabe que ele foi Comensal. A gente sabe que ele deixou os Comensais entrarem em Hogwarts. E tá, ele não lançou a Maldição da Morte no Dumbledore, mas também não tentou encontrar uma saída. E continuou sendo Comensal depois da morte do Dumbledore.

— Ele era uma criança! O Tom estava morando na casa dele! Ele não tinha muitas opções! — Hermione cerrava os punhos.

— É, mas tinha algumas. E não esquece aquelas matérias no Profeta. Ele usou Maldições Imperdoáveis na guerra. Em nascidos trouxas.

Hermione engoliu em seco. Ela lera aquelas matérias. Sobre como o jovem Malfoy começara a usar a Maldição Cruciatus em prisioneiros levados à Mansão Malfoy. Histórias de um Malfoy de expressão vazia conjurando feitiços enquanto Bellatrix Lestrange o instruía por trás. Inconscientemente, Hermione coçou o antebraço esquerdo sobre a manga do suéter.

— Malfoy não é uma boa pessoa. Ele fez suas escolhas. E agora está enfrentando as consequências dessas escolhas. Pessoas morreram. Ele escolheu o lado errado.

— Ele não tinha um lado pra escolher, Ron. Você iria contra sua família? Contra toda sua criação?

— Bom, minha família estava do lado certo. A dele não. A família inteira dele é podre, Hermione. Você mesma disse. Sei que você gosta de defender criaturas e quem não pode se defender sozinho. Mas o Malfoy é uma criatura ruim, e você não vai conseguir consertar isso, por mais que queira. Nem a Bruxa Mais Inteligente de Sua Geração pode salvar um homem do Beijo duas vezes.

Ron não disse isso com crueldade. Falou num tom calmo, como se explicasse para uma criança que a Fada do Dente não existia. Como se ela precisasse que o conceito fosse quebrado em pedaços menores para que pudesse entender.

Hermione sendo Hermione. Todos ririam de Hermione querendo salvar os elfos. Hermione, empurrando papel no Ministério esperando fazer a diferença. Hermione, falando da proposta dos centauros que previa terras seguras para eles depois de tudo o que haviam perdido. Algo que talvez só importasse para ela. E para os centauros, se algum dia respondessem.

— Nem todo mundo merece ser salvo, Hermione. E o Malfoy provavelmente nem ia querer ser salvo por alguém como você.

Aí doeu.

Hermione sempre teve orgulho de sua origem, mesmo quando isso foi usado contra ela. As pessoas costumavam usar seu sangue como arma quando se sentiam ameaçadas por ela — e ela até gostava disso. Mas do jeito que Ron disse, como se fosse óbvio. Aquilo doeu mais.

Ela sabia que sua curiosidade não era correspondida. Mesmo na escola, quando jurava que o pegava olhando pra ela de canto de olho, ou via um leve sorriso depois de algum comentário espirituoso, qualquer reconhecimento tornava aqueles momentos amargos. Ele retribuía com olhares duros, sarcasmo, ou ódio cuspido. Não. Aquela curiosidade era só dela. Draco Malfoy era sangue-puro. Hermione Granger não era.

— Ron, para de ser idiota — disse Ginny, lançando um olhar de fúria fraterna como só uma irmã consegue.

— Não, Hermione, você sabe que não foi isso que eu quis dizer.

— Ron, sério. Você continua sendo um idiota.

— Ela sabe que não foi isso que eu quis dizer!

Hermione não sabia disso. Mas aquela sensação boa que tivera ao ver Ron no início do dia rapidamente foi substituída por um pensamento recorrente: talvez Ron nunca a tivesse entendido tão bem quanto ela esperava, mesmo depois de todos esses anos. Eles sempre pareciam estar em ritmos diferentes.

Hermione suspirou e forçou um sorriso contido.
— Claro, Ronald. Eu sei que não foi isso que você quis dizer.

Às vezes, mentir era só menos cansativo.

Eles terminaram o chá no silêncio mais confortável que conseguiram reunir. Depois, Ginny a acompanhou até a lareira, enquanto Ron e Harry foram ajudar George com a bagunça como penitência pelo caramelo.

— Não liga pro Ron. Ele está melhorando bastante, mas a morte do Fred… bom, afetou ele profundamente. E ele ainda não voltou por completo. Talvez nunca volte. E além disso, o Malfoy sempre foi um ponto sensível pra ele. O Harry tinha uma rivalidade com o Malfoy, mas o Malfoy o tratava quase como um igual. Já o Ron… sempre foi como se fosse sujeira na sola do sapato dele. Isso não justifica ele ser um idiota, claro. E eu sinto muito por isso. Posso enfiar mais uns caramelos daqueles nele, se você quiser.

Hermione riu e abraçou a amiga.

— Obrigada por sempre proteger minha honra. Eu sei que o Ron não quis ser cruel. Sei que às vezes me deixo levar pelas minhas ideias.

— Suas ideias são incríveis, Hermione. Você é uma boa pessoa e luta pelo que acredita. Não tenha vergonha disso.

Hermione sentiu um leve ardor nos olhos com as palavras doces de uma amiga querida. Palavras que, às vezes, ela precisava mais do que estava disposta a admitir — nem para si mesma, quanto mais para os outros.

— E eu sei que o Malfoy é um ponto fraco pra você.

Hermione foi pega de surpresa.

— O-o quê?

Ginny deu um sorriso maroto.

— Hermione, você não é a única inteligente por aqui. Eu via o jeito que você olhava pra ele quando ninguém estava olhando. Ele era bonito, mesmo com a personalidade que tinha. Eu sou mulher o bastante pra admitir isso. E sei que nunca houve nada. Às vezes, essas paixões de escola não fazem sentido.

— Ginny, você se casou com seu crush de escola.

— Sim, mas ele quase morreu todo ano, e morreu de verdade naquele outro. Se eu tivesse sido mais esperta, teria ficado com um lufano. Só estou dizendo que você teve uma paixonite—

— Curiosidade. Não paixonite.

— Tá bem, uma curiosidade, tanto faz. E agora com a sentença… ficou real. E é assustador. E eu só queria dizer que sinto muito. Eu te conheço. Sei que você vai se sentir culpada por não ter salvado ele. Mas você fez tudo que podia. Você fez o suficiente.

Essas palavras se repetiram na mente de Hermione naquela noite, depois que chegou em casa e completou seu ritual noturno. Testou as proteções, checou a bolsinha, e tocou suas cicatrizes.

Ela tinha feito o suficiente.

Só que agora, Hermione não tinha mais certeza se conseguiria fingir que acreditava nisso.