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Fragmentado

Summary:

Após um confronto com James Potter, Severus Snape é vítima de um envenenamento que o deixa à beira do colapso. Enquanto tenta se recuperar, confuso e dolorido, ele acredita que James é seu namorado, porque com certeza se o grifinório não fosse, ele saberia, certo?

Para James, que alega inocência, o desafio é lidar com as suspeitas dos professores e a ameaça de ser transferido, enquanto tenta proteger a si mesmo da confusão que tomou conta da escola. Em meio a mentiras, desconfianças e sentimentos distorcidos, ambos precisam enfrentar a própria mente e decidir o que é real.

Notes:

Nova fic pra vocês 🫶

Capítulo sem revisão. Boa leitura!

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Chapter 1: Capítulo 1

Chapter Text

**

 

Severus sentiu os pelos de seu corpo arrepiarem, como ele conseguia ser tão azarado daquela forma?

Ele só queria chegar até a comunal da sonserina, com toda a certeza ele não queria encontrar com Potter e Lily se agarrando no corredor e com certeza ele não queria ser visto pelos idiotas, mas foi exatamente isso que ele conseguiu.

— Vamos embora, James. — Evans tentou puxar o grifinório assim que viu Severus e o sonserino até a agradeceu mentalmente por aquilo, mas é claro que o idiota não o deixaria em paz, mesmo que Severus não tenha parado pra ter qualquer discução com eles. — James!

A voz de Lily saiu mais alta e mesmo sem se virar Snape sabia que Potter estava se aproximando dele, mas ele apenas continuou andando, isso até o bastardo o jogar contra uma parede.

Severus bateu com força nas costas contra a pedra fria, soltando um grunhido abafado. Seus dedos cerraram-se ao redor da varinha escondida dentro do manto, mas ele não a puxou. Não queria dar a Potter a satisfação de começar um duelo no meio do corredor lotado.

— Qual é, Sniv? — James falou baixinho a sua frente, com aquele maldito sorriso vitorioso estampado no rosto. — Vai simplesmente fingir que não viu a gente? Nem mesmo Lily, a sua amiga? Ops, sua ex amiga.

Severus desviou o olhar, forçando a máscara de indiferença que treinou tão bem. Não responder era a melhor forma de sair inteiro dali.

— Me solte agora mesmo Potter. — Eles estavam no último ano, Severus tinha coisas mais importantes pra fazer. — Você não se cansa disso não? Sempre procurando confusão.

— James, chega! — Lily exclamou, mas sua voz soou fraca, sem a firmeza de antes, apenas interrompendo Snape. Ele cerrou ainda mais os punhos.

Potter deu mais um passo pra frente, colando-se mais perto, Severus quase perguntou se o outro não queria se fundir a ele de uma vez.

— Vai realmente querer bancar o puritano? Sabe qual é o seu problema, Snape? — A voz dele se elevou, chamando a atenção de alguns alunos que passavam. — Você nunca vai ser alguém importante. Nunca. Nem aqui, nem em lugar nenhum.

As palavras cortaram mais fundo que qualquer feitiço. Severus sentiu o peito arder, mas não se moveu, não piscou.

— As pessoas se afastam de você porque você mesmo as empurra. — James continuou, impiedoso. — É sempre assim, você envenena tudo ao seu redor e depois age como se fosse vítima.

O silêncio que se seguiu foi pior que o próprio ataque. Severus ousou virar os olhos pra Lily, em busca de alguma centelha de compaixão, mas ela apenas desviou o olhar e, pra piorar, uma risadinha quase inaudível escapou de seus lábios. Exatamente como no lago negro, sua raiva aumentou.

Evans sabia ser rancorosa e era evidente que ela não perdoaria Severus pelo que ele disse, mas perdoaria Potter e todo o resto, porque afinal as brigas e humilhações nunca foram com ela.

Foi nesse instante que mais uma vez Severus sentiu algo se quebrar por dentro. Uma parte dele queria gritar, cuspir todo o ódio de volta, mas ele se obrigou a erguer o queixo.

— Acabou? Você já foi melhor nisso. — Murmurou, em tom gelado. Ele não daria aqueles dois nenhuma satisfação de o ver quebrar.

James riu baixo, satisfeito, o bastardo sabia que o tinha atingido, ele deu-lhe um último empurrão antes de voltar pro lado de Lily.

Severus, imóvel, esperou até que ambos se afastassem, até que o corredor voltasse a se esvaziar. Só então, com a respiração falhando no fundo da garganta, empurrou-se pra fora da parede e seguiu adiante, fingindo, pra o mundo e pra si mesmo, que nada daquilo o afetava.

Mas por dentro, cada palavra ainda queimava.

Ele faria os idiotas pagarem por aquilo, Potter o pagaria. Ele faria o idiota beijar o chão que ele pisava.

 

*

 

— Tem certeza que está bem? — Rosier perguntou ao seu lado na mesa da sonserina. O salão estava cheio pro jantar.

— Sim. — Severus murmurou sem dar muita importância pro amigo.

Tinha se passado três dias desde aquele pequeno confronto entre ele e Potter, mas uma parte de si se negava a esquecer aquelas palavras. Ele nem sabia o porquê daquilo o afetar tanto, não é como se ele nunca tivesse ouvido coisas piores sobre ele.

Mas aquilo não era verdade, ele tinha perdido a amizade de Lily, porém tinha conquistado outras também. Ele até se considerava amigo de Burbage e aquilo era um grande feito, a lufana era sempre tão gentil e educada, tão diferente dele, mas mesmo assim eles se tornaram amigos.

E ele também era amigo de pessoas sangue-puro, mesmo ele próprio sendo mestiço.

Até Lucius Malfoy era o seu amigo, mesmo que o loiro já tenha se formado ele nunca deixou Severus pra trás. Então, não, ele não envenenava tudo ao seu redor.

— Severus? — A voz de Regulus chamou sua atenção, olhando pro garoto mais novo ele viu o outro o olhando com preocupação. — Tem certeza que está bem? Você está mais pálido do que o normal, é quase como se fosse desmaiar-

E aquilo pareceu o momento perfeito pro seu próprio corpo o trair, em um momento ele estava bem, mas no momento seguinte seu peito apertou com uma falta de ar que o fez pensar que morreria ali mesmo.

Ele mal registrou a comoção de seus amigos e dos professores.

Foi graças a Evan que ele não caiu de qualquer jeito daquele banco, o garoto o segurou firme, ao longe ele ouviu a voz da madame Pomfrey o chamando. A última lembrança que ele tinha antes de desmaiar, foram os olhos cinzas assustados de Regulus olhando pra ele.

Acordar horas depois na enfermaria foi complicado e dolorido, seu corpo estava doendo, como da vez em que ele caiu da vassoura. Seus pulmões ardiam, cada músculo parecia pesado e a garganta estava seca, como se tivesse engolido pó, e o pior sem dúvidas era o seu estômago.

Severus piscou devagar, o cheiro de ervas queimadas e poções pairava no ar. Antes mesmo que pudesse se mover, uma voz grave e calma o chamou:

— Ah, vejo que finalmente acordou, Severus. — Dumbledore se aproximou da cama, o olhar carregado de uma preocupação que raramente se mostrava, por um segundo Severus até imaginou que estava tendo alucinações. Ao lado, Madame Pomfrey organizava frascos sobre uma bandeja. Snape tentou se sentar, mas foi impedido pela enfermeira.

 

— Não faça esforço. Seu corpo ainda está se recuperando.

— O que... o que aconteceu? — Sua voz saiu fraca, arranhada.

Dumbledore fez um gesto lento com a mão, como se ponderasse as palavras.

— Descobrimos que sua comida estava adulterada com poções.

— Poções? — Severus arregalou os olhos.

— Sim. — O diretor assentiu, sério. — Ainda não sabemos exatamente quantas, nem quais, mas a mistura foi suficiente pra desestabilizar o seu corpo. Felizmente, Poppy conseguiu neutralizar os efeitos antes que se tornassem irreversíveis, mas ainda assim você permanecerá aqui pra observação.

A enfermeira apenas resmungou algo do tipo "felizmente mesmo", sem levantar os olhos.

Severus inspirou fundo, confuso.

— Quem...?

— Já encontramos o responsável. — Dumbledore o interrompeu, firme. — Ele será punido conforme as regras de Hogwarts. Pode descansar quanto a isso.

Severus queria perguntar mais, queria saber o nome, queria saber por quê. Mas a mente parecia enevoada demais pra juntar as peças, ele estava cansado. Então apenas acenou lentamente com a cabeça.

O silêncio se prolongou até que uma preocupação atravessou seu peito ao olhar ao redor e não ver ele ao seu lado. Virou o rosto em direção a Dumbledore e Pomfrey, franzindo a testa.

— E onde está o meu namorado?

Os dois se entreolharam, claramente confusos.

— S-seu namorado? — Repetiu Pomfrey, arqueando as sobrancelhas.

— James, ele é da grifinória. — Severus respondeu como se fosse óbvio, a voz embargada pela ansiedade. — Onde ele está? Por que não está aqui? Ele também está machucado?

O silêncio que se seguiu foi denso. Pomfrey ficou imóvel, como se tivesse esquecido o que fazia. Dumbledore, por sua vez, franziu levemente o cenho, mas o olhar se manteve calmo, embora mais atento.

— Severus... — Começou o diretor, devagar, escolhendo cada palavra com cuidado. — James Potter não é-

— Ele é meu namorado. — Severus o cortou, ríspido, o tom cheio de convicção. — Acho que eu saberia se ele não fosse. Onde ele está?

Por um instante, apenas os sons dos pássaros lá fora ocuparam a enfermaria. Dumbledore manteve-se em silêncio, observando-o como quem encara um quebra-cabeça de muitas peças.

— Ele ficará em observação por tempo indeterminado. — Foi tudo que o diretor disse antes de sair apressado da enfermaria, deixando uma madame Pomfrey confusa e um Severus aflito.

 

*

 

James sentia o estômago revirar enquanto encarava a sala do diretor. O lugar, iluminado por velas altas e repleto de instrumentos mágicos estranhos, sempre lhe parecia imponente, mas agora parecia sufocante.

Já tinha se passado um dia desde aquela bagunça com Snape no salão principal, ele já tinha estado naquela sala na noite anterior e lá estava ele novamente. Ele pensou que apenas sua palavra na noite anterior bastaria ele estava confiante, afinal ele não tinha nada a ver com aquilo.

Dumbledore estava sentado atrás da mesa, com uma expressão grave. McGonagall, de pé ao lado, mantinha os braços cruzados e os lábios apertados em uma linha fina. Slughorn andava de um lado pro outro, murmurando coisas incompreensíveis.

Na mesa, bem à frente de James, repousava sua mochila aberta e dentro dela, uma coleção de frascos de poções que ele nunca tinha visto na vida. A mochila que ele tinha acabado de trazer.

— Não são minhas. — A voz dele saiu firme, mas trêmula na ponta. — Eu não coloquei isso aí.

— Regulus Black afirmou ter visto você olhando muito pro senhor Snape pouco antes dele passar mal. Exatamente como você sempre faz quando vai fazer alguma... brincadeira. — McGonagall falou e pelo seu tom de voz James sabia que a mulher estava com raiva. — E agora encontramos isso na sua posse.

James cerrou os punhos.

— Está dizendo que acredita mais em Black do que em mim?

Slughorn pigarreou.

— Potter, essas são poções perigosas. Algumas delas exigem manipulação avançada... não é coisa que um aluno simplesmente carregue por aí, muito menos um aluno mais novo igual o senhor Black.

James passou a mão pelos cabelos, frustrado.

— Eu não fiz nada disso! — Gritou, a voz ecoando mais alto do que pretendia.

Dumbledore ergueu a mão, pedindo silêncio.

— James. — O tom dele não era de acusação, mas também não era brando. — A situação é delicada. Severus poderia ter morrido. Se você de algo é melhor nos dizer. Agora.

As palavras pesaram ainda mais sobre ele. O coração disparou no peito.

E então, contra a própria vontade, sua mente viajou pra Sirius.

O melhor amigo, que sempre o incentivava a ir mais longe, a não deixar os sonserinos sem resposta. Sirius, que tinha uma criatividade perigosa pra pregar peças. Sirius, que já fez Snape ficar de frente a Moony em uma noite de lua cheia.

Não pode ser ele, James tentou se convencer. A lembrança do olhar ofendido de Sirius quando James perguntou, horas antes, ainda o corroía.

— Não fui eu. — Ele repetiu, agora mais baixo, quase num sussurro. — E se estão pensando que Sirius... não, ele também não faria isso.

McGonagall ergueu uma sobrancelha, surpresa pela menção ao nome do amigo.

— Ninguém falou de Sirius, Potter.

James engoliu em seco, maldizendo a própria língua solta.

O que doía mais, no entanto, não eram os olhares desconfiados dos professores. Era a imagem de Lily, minutos antes, olhando pra ele com uma mistura de incredulidade e decepção. Ela não disse nada, apenas deu um passo pra trás quando viu os frascos saindo de sua mochila, como se estivesse diante de alguém que não conhecia.

Eles não eram exatamente namorados, mas estavam próximos. Próximos o suficiente pra James acreditar que finalmente havia conquistado um espaço no coração dela. E agora, talvez tivesse perdido tudo em um piscar de olhos, por algo ele nem tinha culpa.

— Há algo mais, James. — Dumbledore falou de repente, o tirando de seus pensamentos. — Severus, ao acordar, mostrou-se... confuso. Acredita que você é seu namorado.

James piscou, atônito.

— O quê?

McGonagall pigarreou, desconfortável. Slughorn parecia prestes a cair pra trás.

— Não é incomum, em casos de envenenamento mágico, que a mente crie conexões falsas ou memórias distorcidas. — Dumbledore explicou de uma maneira calma. — O problema é que Severus acredita nisso com firmeza. Pra ele, você é a figura que deve estar ao lado dele nesse momento de recuperação. E ele com certeza usou a palavra namorado, mais de uma vez se não me falha a memória.

James sentiu o estômago despencar.

— Isso é loucura! Eu não tenho nada com Snivellus!

— Ninguém aqui está dizendo o contrário. — O diretor respondeu, mas seus olhos azuis brilharam de um jeito que não deixou James confortável. — O que digo é que, até que ele esteja melhor e sua memória esteja estável, será necessário... corroborar com essa percepção.

— O quê?! — James se levantou, indignado. — Quer que eu finja ser namorado do Snape?!

McGonagall suspirou, ajeitando os óculos.

— Potter, isso pode ajudar Snape a se manter calmo e estável enquanto se recupera.

— Não! — James cortou, o tom alto. — Isso é insano. Eu não vou me prestar a esse papel ridículo! Ninguém acreditaria nisso e por que eu tenho que passar por isso?!

O silêncio se abateu sobre a sala. Foi Dumbledore quem o quebrou, sua voz agora mais fria.

— Entendo a sua resistência, senhor Potter. Mas permita-me lembrá-lo... Hogwarts não é obrigada a mantê-lo aqui. Uma transferência em meio ao último ano certamente atrapalharia seu futuro, as outras escolas bruxas não costumam aceitar alunos que carregam acusações graves sobre envenenamento de colegas.

James congelou, sentindo o golpe da ameaça velada.

— O senhor não pode... — Começou, mas a voz falhou.

— Posso. — Dumbledore interrompeu, impiedoso em sua calma. — E farei, se necessário. Tenho sido muito indulgente com você.

James engoliu em seco, o coração disparado. Pela primeira vez, a ideia de perder Hogwarts, perder o time de quadribol, perder até mesmo a chance com Lily parecia real.

Dumbledore se recostou na cadeira.

— Quando sua mente estiver pronta pra aceitar a verdade, quando decidir contar o que está escondendo, seu castigo terminará. Até lá, Potter, você será pra Severus exatamente aquilo que ele acredita, seu namorado. — O diretor então soltou uma risadinha. — Mas pense pelo lado bom, ao menos não estou te deixando em detenção e nem te expulsando do time de quadribol, isso é bom, não é?

James teve vontade de gritar que não, aquilo não era bom. Não tinha nada de bom naquilo. O jovem grifinório abriu a boca pra protestar, mas se calou. Não havia como vencer aquela batalha agora.

Ele só pensava em uma coisa, se Snape acha que eu sou o namorado dele... isso vai ser um inferno.

 

**

Chapter 2: Capítulo 2

Notes:

Capítulo sem revisão. Boa leitura!

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Chapter Text

**

 

— O que você fez? — James gritou assim que passou pela porta do seu dormitório, seus amigos estavam todos lá. — O que você fez Sirius?

Ele tentou se aproximar do outro, mas Peter entrou na frente.

— Eu não fiz nada! — Pads se levantou, o seu amigo estava anormalmente sério. — Se eu tivesse feito algo vocês saberiam-

— Da mesma maneira que a gente ficou sabendo da sua estúpida ideia no quinto ano?!

O ar naquele quarto de repente pareceu pesado.

— Quantas vezes você vai esfregar isso na minha cara?

— Quantas vezes forem necessárias. — James se desvencilhar de Peter, andando até ficar cara a cara com Sirius. — O que você fez?

— Não fui eu e eu não sei quem foi o responsável.

— Estão achando que fui eu Sirius. Se você souber de alguma coisa…

— Eu não sei. — Pads parecia desesperado ao afirmar aquilo, Peter e Remus apenas olhavam de longe. James riu sem humor enquanto passou a andar pelo quarto. — James, não fui eu. Eu juro. M-mas eu posso dizer que fui eu, isso te ajudaria, não é?

— Não ajudaria em nada. — James sentia o seu mundo ruir ao seu redor. — Snivellus acredita que sou o namorado dele. E eu vou ter que ser a porra do namorado dele.

— O que? — Seus amigos perguntaram ao mesmo tempo, até Remus parecia mais interessado naquela conversa.

Desde o quinto ano, o seu pequeno grupo de amigos pareceu criar uma sutil separação. Peter e Remus, por mais que ainda falassem com eles, estavam mais afastados. E o pior era que James não poderia os culpar, especialmente Moony.

Sirius fudeu com tudo.

— Você concordou com isso? — Peter perguntou.

— E eu lá tinha a opção de não concordar Peter?! — Ele se virou pro outro garoto que ficou com o rosto vermelho. — Dumbledore não me deu uma escolha.

— Porra. — Sirius exclamou. — James, eu juro-

— Para de falar. — Potter não aguentava mais. — Eu juro Pads que se eu descobrir que foi você, nossa amizade acaba. Snape poderia ter morrido, de novo, e eu estou correndo risco de ser transferido, isso se alguma escola me aceitar, o que eu duvido dado o fato que eu estou sendo acusado de envenenamento!

Sua respiração estava pesada e ele estava com vontade de chorar. Ele segurou fortemente os seus cabelos, seus óculos estavam embaçados. Ele fervia de raiva, quando ele descobrisse quem foi, ele mataria o infeliz.

— James, tente se acalmar. — Moony se aproximou dele e envolveu em um abraço. — Respira pra mim, ok?

— Moony… — Ele choramingou. — Eu posso ser expulso por algo que eu não fiz.

— Eu sei, eu sei. — Remus disse baixinho contra o seu cabelo. — Apenas respire.

— E ainda tem Lily, eu tenho que conversar com ela. — O quarto ficou em silêncio absoluto. — Ela não vai acreditar em mim.

— Eu lamento Prongs. — Remus tornou a falar enquanto o abraçava mais forte.

 

*

 

James andava de um lado pro outro no jardim dos fundos do castelo, o coração batendo como se estivesse prestes a explodir. O ar frio da noite não o acalmava, tampouco o silêncio quebrado apenas pelo barulho distante da água no lago. Ele sabia que Lily viria, tinha deixado um bilhete no dormitório dela, pedindo, quase implorando, que o encontrasse ali.

Quando viu os cabelos ruivos surgindo pela curva da torre, sentiu o estômago se contrair. Ela caminhava devagar, braços cruzados contra o peito, a expressão fechada. O mesmo olhar que ele já conhecia, ele estava ferrado.

— Lily. — A voz dele saiu quase um sussurro.

— O que você quer, Potter? — Ela perguntou sem rodeios, parando a alguns passos de distância. — Porque se for mais uma desculpa ensaiada, já adianto que não quero ouvir.

James engoliu em seco. A garganta queimava, mas ele tentou sorrir.

— Eu só preciso que você acredite em mim. Eu não envenenei Snape, Lily. Eu nunca faria isso.

Os olhos verdes brilharam por um instante, mas não de compaixão. Havia ali apenas cansaço.

— Você realmente espera que eu acredite? Depois de anos perseguindo ele, depois de anos transformando o Snape em alvo das suas brincadeiras?

— Isso não é justo. — Ele deu um passo à frente. — Eu posso ter sido um idiota, mas eu nunca iria tão longe. Não fui eu.

Eles ficaram um tempo apenas olhando um pro outro, Lily parecia cansada, mas não mostrou acreditar nele.

— James… — Ela suspirou, desviando o olhar por um momento. — O problema é que eu não consigo mais separar até onde vão suas brincadeiras e onde começa a sua obsessão.

A palavra bateu como um soco. James piscou, confuso. Era o que?

— Obsessão?

— Sim. — Lily voltou a encará-lo, firme. — Desde o primeiro ano, você não consegue deixar Severus em paz. Eu tentei acreditar que era implicância de criança, rivalidade de casa, rivalidade pela minha atenção, qualquer coisa… mas agora? Agora eu só consigo ver que você é alguém que está sempre pensando nele. Sempre.

James abriu a boca pra responder, mas nada saiu. A acusação parecia absurda, e ao mesmo tempo, verdadeira demais pra ele negar sem hesitar. Até ele duvidou de si mesmo.

Que merda era aquela?

— Você não percebe? — Continuou Lily. — Você fala dele mais do que fala de qualquer coisa, talvez se iguale apenas ao quadribol. Você fala mais dele do que fala de qualquer um dos seus amigos. Tudo em você gira em torno de vencer, humilhar ou chamar a atenção de Snape. É… estranho, James. Estranho e doentio. Até naquele mapa estúpido você se esforçou pra deixar uma mensagem pra ele, exclusivamente pra ele.

Ele sentiu o rosto esquentar, como se tivesse levado uma bofetada.

— Isso não tem nada a ver. Eu só… eu só não suporto ele, ok? Ele escolheu o lado errado, ele mexe com magia das trevas, eu só estava tentando te ajudar a ver isso—

— E ainda assim, tudo que você faz parece ser sobre ele. — Lily o interrompeu, sem levantar a voz. — Eu já pensei em desculpas pra você tantas vezes que perdi a conta. Eu já disse a mim mesma que você podia mudar, que havia um lado bom escondido por trás da sua arrogância. Mas agora eu vejo que não. Você não muda, James. Tudo sempre volta pra Severus, ele sempre está no meio da sua vida. Eu não vou competir com isso. Então, não faz diferença se foi você ou não, porque eu estou cansada disso tudo.

Ele tentou se aproximar, mas ela deu um passo pra trás. Aquilo doeu mais do que qualquer palavra.

— Lily, eu… eu gosto de você. Você sabe disso. Sempre foi você, não Snape. Eu nem sei de onde você tirou essa ideia absurda.

Os olhos dela suavizaram por um instante, e foi esse instante que quase destruiu James. Porque havia carinho ali, mas não amor. Nunca houve.

— Eu sei que gosta. — Ela admitiu. — Mas gostar não é suficiente quando você não consegue ser honesto nem consigo mesmo. Você passa a vida tentando provar que é melhor do que Snape, e no fim, só prova que não consegue viver sem ele no seu pensamento.

James sentiu a garganta fechar.

— Então é isso? Você vai me deixar por causa dele? Por causa dessa ideia de que eu sou obcecado por ele?

— Não. — Lily balançou a cabeça, os cabelos ruivos balançando junto. — Eu estou terminando porque estou cansada. Porque eu quero alguém que olhe pra mim de verdade, não alguém que me veja como um prêmio de guerra contra Severus.

Aquelas palavras foram como um soco. Ele estremeceu, sem saber onde pôr as mãos, sentindo-se menor do que jamais havia se sentido.

— Lily, por favor… — A voz saiu embargada. — Me dá uma chance. Eu posso provar, eu posso-

— Não, James. — Ela o cortou, firme, definitiva. — Não existe mais chance. Acabou.

O silêncio que se seguiu pareceu eterno. Ele olhou pra ela, procurando qualquer brecha, qualquer hesitação, mas não encontrou nada além de uma decisão firme.

Por um momento, James quis gritar. Quis acusá-la de injustiça, de cegueira, de qualquer coisa que aliviasse a dor latejante no peito. Mas não saiu nada. O que estava acontecendo com as pessoas à sua volta?

— Eu queria… — A voz dele falhou. Tentou de novo. — Eu queria que fosse diferente.

— Eu também. — respondeu Lily, suavizando a expressão por um breve instante. — Mas não é.

E sem dizer mais nada, ela se virou e começou a se afastar. O som de seus passos ecoou pelo jardim até desaparecer completamente, deixando James sozinho, de pé sob a lua pálida, com o peito pesado e vazio.

Ele caiu sentado na grama, sem forças. Os dedos se enroscaram nos cabelos e os olhos ardiam, mas ele não chorou. Mas no fundo, ele sabia, Lily tinha terminado, e não havia volta. Ele perdeu sua chance.

E o pior não era a perda dela. O pior era o eco das palavras dela, martelando na mente: ‘Obcecado. Estranho. Doentio.’

Suspirando ele se jogou na grama.

— Ela é meio maluca, não é? — Ele resmungou pra si mesmo. — Talvez fosse por isso que ela já foi amiga de Sniv.

 

*

 

Severus estava sentado na cama, com as pernas balançando pra fora da cama enquanto ouvia seus amigos falarem sem parar.

—Sev. — Bruce começou de modo hesitante. — Pense melhor, ok? Potter não é-

— Eu entendo a preocupação de vocês, mas eu tenho certeza. — Ele cortou o amigo. — Já falamos sobre isso, eu estou bem. Então, apenas relaxem.

— Você enlouqueceu. — Avery resmungou, mas não falou mais nada e Severus não o deu importância.

Nenhum deles pareciam relaxados. Regulus era o único que continuava a encará-lo fixamente, olhos arregalados, como se ainda não tivesse se recuperado da cena no Salão Principal. Aquele olhar fez um aperto subir pelo peito de Sev. Reg era quase um irmão mais novo, alguém que ele se obrigava a proteger. Traumatizá-lo nunca fora sua intenção

Ele chegou a abrir a boca pra falar com ele, mas antes que ele pudesse falar a grande porta da enfermaria se abriu e por ela passou James e a professora McGonagall, Severus respirou aliviado.

James estava ali e parecia bem.

— James. — Ele cumprimentou o outro com o seu melhor sorriso, sorriso esse que travou ao ver a expressão do outro. Potter não parecia contente em vê-lo. Na verdade, parecia qualquer coisa, menos isso. Mas foi apenas a professora pigarrear que a atitude do outro mudou.

Se aproximando mais, James acenou com a cabeça pros outros sonserinos e quando se virou pra Severus, o grifinório não conseguiu olhar pra ele por muito tempo.

— E ai? — Potter parecia resignado, como alguém que estava indo pra forca e não apenas um namorado, ele nem mesmo parecia preocupado com ele.

Talvez Severus devesse se empenhar mais pra que o outro percebesse que eles estavam namorando, com isso ele se forçou a deixar sua voz mais animada.

— Se aproxime mais Jay. — Sua voz estava calma, pelo canto dos olhos ele viu os amigos desviando o olhar enquanto começavam a sair em silêncio da enfermaria. — Eu estava preocupado com você.

James acenou novamente com a cabeça, mas não fez sinal de se aproximar. Severus franziu o cenho e levou uma mão na cabeça, ele podia sentir que sua cabeça começaria a doer.

Madame Pomfrey, que estava por perto, falou sem olhar muito pra eles.

— Senhor Potter, não se sinta constrangido com a nossa presença. Pode ficar a vontade com o seu namorado, deixaremos vocês sozinhos pra que possam conversar.

Em poucos segundos, restou apenas ele e James.

Potter sacudiu os ombros ao se aproximar da cama, Sev bateu no espaço vazio ao seu lado, o grifinório olhou fixamente pra ele, com a mandíbula travada antes de forçar um sorriso e se sentar.

Severus sorriu ainda mais, especialmente ao se jogar no braços do outro, seus braços abraçando os ombros largos de James. O grifinório, agora parecia a beira de um colapso, mas ainda assim passou os braços ao redor de sua cintura, o abraço durou poucos segundos, mas Severus não se importava com aquilo, ao menos não quando ele estava vendo o quanto o outro parecia desconfortável.

— Você está bem? Fiquei preocupado com você.

— S-sim, eu apenas tinha algumas coisas pra conversar com o diretor. — James respondeu olhando pra frente, os braços cruzados.

— Ah, entendo. Fico feliz que esteja bem. Você sabe quem fez isso comigo? Os professores não me falaram muita coisa.

James passou a mão pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais. A cena arrancou uma risadinha de Severus, que logo estendeu os dedos pra ajeitar os fios, delicado, como se aquele gesto fosse a coisa mais natural do mundo.

Mas James travou. Rígido. Em segundos, se afastou bruscamente, se levantando da cama e ficando de frente pra ele.

— Eles suspeitam que seja eu. — Potter falou o olhando nos olhos. — Então, talvez até tudo se resolver seja melhor não ficarmos juntos-

— Não foi você. — Severus afirmou. — Somos namorados, você não faria isso comigo.

— É claro que você diria isso. — James soltou uma risada sem humor. — Podemos ir embora? Professora McGonagall disse que você já poderia sair e que estava apenas me… esperando pra te levar até a sonserina.

Severus se forçou a não rir da expressão do outro. Potter era engraçado.

— Sim, claro. — Ele se levantou e se aproximou levemente do outro, abaixando a cabeça um pouco, era uma pena que seus cabelos estavam presos em uma trança que Barty insistiu em fazer. — Mas… você não vai nem mesmo me dar um beijo? Ficamos muito tempo longe um do outro.

— O-o que?! — A reação de James foi instantânea. Ele deu um pulo pra trás, tropeçando em uma cadeira, os olhos arregalados. — Não.

Severus olhou pro outro sem entender aquela reação.

— Mas J-James… — Severus sentiu quase vontade de chorar de tanta vergonha, o que deve ter aparecido em seu rosto já que o outro suspirou enquanto passou a olhar pro teto.

James fechou os olhos, suspirando alto, e ergueu o rosto em direção ao teto como quem buscava forças. Então, rapidamente, se aproximou e o deu um beijo seco e forte na bochecha.

Foi rápido. Frio.

Mas Severus ainda sorriu.

— Na bochecha? — Severus se sentiu mais animado, não era aquilo que ele tinha em mente, mas serviria. Foi bom saber que ele apenas precisava quase chorar pra fazer o outro concordar com algo.

— Sim. Você ainda está doente, não vou te sobrecarregar. — Se virando, o grifinório passou a andar em direção a porta. — O que foi agora? Vamos embora.

Severus acenou com a cabeça e andou até ficar lado a lado do namorado e estendeu uma de suas mãos pra James.

Potter bufou alto com aquilo, mas pegou sua mão. Um aperto meio fraco, o que fez Severus entrelaçar seus dedos, mesmo que a respiração de James parecesse travada.

Com um sorriso eles caminharam em direção a comunal da sonserina, Severus não se importou nem um pouco com os olhares das pessoas a sua volta e nem na forma com que James parecia querer desaparecer.

Seu sorriso ficou ainda maior quando ao longe ele viu Lily olhando pra eles, a garota parecia ter chorado e James parou de andar por alguns segundos antes de aumentar o ritmo da caminhada e arrastar Severus com ele.

Severus apenas olhou por cima dos ombros e acenou pra ruiva com um largo sorriso, Evans apenas desviou o olhar.

 

*

 

O dormitório da sonserina estava tomado por um silêncio pesado. O clima era estranho, metade de seus amigos ainda não sabia se deveria rir ou se preocupar com o que Severus tinha feito.

Regulus estava sentado na beirada da cama, o rosto pálido refletindo as sombras verdes que dançavam nas cortinas, Severus já nem se surpreendia do menino estar sempre ali, era quase como se fosse seu próprio dormitório. Ele balançava a cabeça, incrédulo.

— Eu... eu não achei que você teria coragem de ir adiante com isso. — Murmurou, a voz tensa. — Se envenenar, Sev? Você sabe o que podia ter acontecido? Você poderia estar morto.

Severus, largado de maneira relaxada numa poltrona, parecia degustar a situação que ele mesmo causou. Um pequeno sorriso se formou em seus lábios.

— Eu sabia exatamente o que ia acontecer. — Ele ergueu o olhar. — E aconteceu do jeito que eu queria. Estou surpreso apenas de Dumbledore não ter pensado em uma maneira de Potter se safar disso, estou impressionado com o velho. Talvez finalmente esteja criando consciência.

Alguns dos rapazes trocaram olhares. Wilhelm resmungou:

— Você é maluco. Você acabou com o Potter e ainda arrastou a sua ex-amiguinha pra essa bagunça. Quem está impressionado sou eu com você.

Severus soltou uma risada curta, quase debochada, enquanto se inclinava pra frente.

— E o melhor de tudo é que ele não pode fazer nada. Notaram? O porco do Potter está com instruções bem claras de não me aborrecer. — O tom dele se encheu de sarcasmo. — Isso significa que eu posso brincar com ele o quanto quiser.

Regulus o encarava, parecia ainda dividido entre admiração e medo.

— Você pretende parar por aqui, não é? — Perguntou, mas o tom deixava claro que já sabia a resposta. — Pode ser perigoso se ele descobrir.

Severus arqueou uma sobrancelha, satisfeito com o efeito que causava.

— Parar? — Ele deixou escapar uma risadinha. — Não, Regulus. Eu vou fazer o restante desse ano ser um inferno pra Potter. Cada segundo que ele demonstrar não se importar, eu vou empurrar ainda mais. — Ele se recostou de novo na poltrona, cruzando os braços. — E ainda vou arrancar cada galeão possível dele. Ele vai pagar por tudo que destruiu.

Um silêncio tomou conta do grupo. Os rapazes se entreolharam, como se esperassem que alguém tivesse coragem de dizer algo. Mas só se ouviu a risada baixa de Severus, ecoando pelo dormitório.

— Merlin. — Evan murmurou com um sorriso. — Foi por isso que nos tornamos amigos.

Severus sorriu junto com Rosier. Ele estava tão animado, ele faria da vida de Potter ser miserável.

 

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Notes:

Tcharam!! Quem esperava por isso? kkk só pra deixar avisado que, como sempre, não pretendo fazer uma fic grande, então se preparem aí

Obrigada por lerem. Até a próxima 🖤

Chapter 3: Capítulo 3

Notes:

Capítulo sem revisão. Boa leitura!

Chapter Text

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Severus estava animado pra dizer o mínimo. Naquela manhã ele acordou em êxtase, era o primeiro dia que ele voltaria às aulas normalmente e era o início da miséria de Potter, o grifinório não poderia mais o ignorar.

Ele tentou o máximo pra parecer mais arrumado, por mais que suas roupas fossem de segunda mão, no final, ao se olhar no espelho, ele percebeu que estava bem. Bem até demais, Potter não merecia tudo aquilo dele, mas no momento ele seria o namorado empenhado em fazer o outro feliz e isso incluiria cuidar mais de si mesmo e de ficar o mais grudado possível no outro.

Severus mal podia esperar pra ver a cara dos quatro idiotas ao verem ele se sentar na mesa da grifinória.

Respirando fundo ele saiu do dormitório, naquele dia ele não esperaria pelos amigos. Ele caminhou com a cabeça erguida e a passos rápidos, sem se importar com as conversas que o seguiam. Ele não sabia se outros alunos já sabiam da sua situação, mas a julgar pelos olhares que estava recebendo, todos acreditavam que ele estava confuso devido ao envenenamento e que Potter bancaria o herói novamente.

Ele apenas esperava que ninguém tentasse o atrapalhar, ele tinha um plano bastante sólido, tudo o que ele não precisava era de um bando de intrometidos em sua vida.

Severus entrou no Salão Principal com firmeza e um pequeno sorriso. O burburinho habitual acabou no mesmo instante, mas logo depois pareceu se intensificar, uma parte dele queria sair correndo dali, ele odiava atenção desnecessária, mas ele não desviou o olhar do seu alvo.

Lá estava Potter, cercado pelos amigos como sempre. Black gargalhava de algo que Lupin dissera, enquanto Pettigrew apenas balançava a cabeça, tentando acompanhar. James, por sua vez, ria alto, os óculos escorregando um pouco pelo nariz, a expressão despreocupada demais pra alguém que estava prestes a ver a vida virar de ponta-cabeça.

Severus sentiu o coração acelerar. Aquele seria um dos momentos mais importantes, ele precisava que todos acreditassem em sua mentira. Ele não podia hesitar.

Com passos firmes, atravessou o corredor central até a mesa da Grifinória. O silêncio agora foi imediato e durou por vários minutos. Até mesmo Black, que nunca perdia a oportunidade de comentar algo desagravel, ficou calado, o encarando com descrença.

Sem pedir licença, Severus se sentou ao lado de James, tão próximo que seus ombros quase se tocavam.

— Bom dia, querido. — Disse em tom baixo, com uma doçura forçada.

James arregalou os olhos, o garfo parando a meio caminho da boca enquanto se virava lentamente em sua direção. Sirius tossiu, provavelmente engasgando com a própria saliva, Lupin piscou lentamente, como se tentasse processar a cena. Peter só arregalou os olhos, como se presenciasse um desastre iminente.

Severus sorriu, satisfeito.

Ele podia sentir diversos olhares sobre ele, mas ele não se importava nem um pouco.

— O que você está fazendo aqui?! — Potter perguntou alto demais, Sev franziu as sobrancelhas. Mas bastou que ele fingisse uma expressão magoada, que o porco ao seu lado se virou em direção a mesa dos professores e após um longo suspiro se virou novamente pra Severus. — D-desculpe, não queria falar desse jeito. Apenas fiquei surpreso.

— Surpreso com o que? — Severus teve que se esforçar tanto pra parecer inocente enquanto perguntava. — Não ficamos juntos no café da manhã?

— Não- sim. Nós ficamos. — Potter deixou o garfo em cima de seu prato, fechando ambas as mãos em punho. Ele estava com raiva. Adorável. — Apenas fiquei surpreso. Podemos ir pra outro lugar?

Severus percebeu a forma que os ombros do outro estavam tensos, a maneira com que ele olhava ao redor. Potter estava tentando achar um jeito de fugir daquela situação, Severus decidiu que a prolongaria o máximo que desse conta.

— Mas você ainda nem me ofereceu um copo de suco. — Severus falou baixo enquanto se aproximava ainda mais do outro. Potter desviou o olhar. — Não vai me servir suco, amor?

Severus perguntou num tom doce, apontando pra jarra à frente.

O grifinório piscou várias vezes, como se estivesse tentando decifrar em qual dimensão paralela tinha acordado, Severus não se lembrava de outra ocasião que tivesse visto o outro tão confuso como naquele momento. Black, por sua vez, deixou escapar uma risada engasgada.

— Isso é um pesadelo coletivo, só pode ser. — Black murmurou, ainda olhando pra eles com uma expressão esquisita.

Lupin escondeu o rosto atrás do livro, mas não rápido o suficiente pra Severus não ver seus lábios repuxando em um pequeno sorriso.

James, derrotado, suspirou e pegou a jarra. A mão tremia tanto que metade do suco quase foi parar na mesa, mas Severus, rápido, deslizou o copo em direção a ele e segurou sua mão por cima.

— Viu só? — Severus falou com sorrindo. — Não foi tão difícil agradar o seu namorado.

O rosto de James ficou tão vermelho que Severus teve de se controlar pra não gargalhar. O silêncio em volta foi quebrado por cochichos histéricos, metade do salão os olhava como se estivessem vendo um trasgo dançar balé.

Sirius não aguentou.

— Namorado?! James, você vai deixar ele falar assim? — Severus apenas ergueu a sobrancelha enquanto segurava um suspiro frustrado. Aquele garoto conseguia ser mais insuportável que Potter, o que era uma coisa e tanto.

— Está com ciúmes, Pads? Tenho certeza que você não precisa ficar assim, Moony está aqui também. — Severus queria vomitar, ele não tinha dimensão do quão dificil seria ter que aturar o bando de idiota.

Sirius bateu a mão na mesa, seu rosto ficando totalmente pálido, Lupin segurou fortemente os livros na entre as mãos, como se quisesse se esconder, mas continuou em silêncio.

— Pads?! E M-Moony não tem nada a ver com isso, seu idiota-

Lupin pigarreou.

— Sirius... talvez você devesse respirar.

Peter desviou o olhar pra longe daquela cena, como se não quisesse se envolver. O mais esperto entre todos eles.

Enquanto isso, Severus se servia calmamente de torradas, como se nada de estranho estivesse acontecendo. Ele chegou até a passar a faca na manteiga com elegância exagerada, apenas pra irritar ainda mais os grifinórios.

E então, com a maior naturalidade do mundo, cortou um pedaço e estendeu pra James:

— Abre a boca.

James encarou o pedaço de torrada como se fosse um bicho venenoso, sua boca se abriu em puro choque pela cena. Mas, Severus tem a certeza, que foi os olhos de Dumbledore, brilhando lá da mesa dos professores, que obrigou o outro a ceder. Por fim, Potter ele deu uma mordida, seus olhos estavam abaixados.

O idiota fazia parecer que estava sendo assasinado, quanto drama. Potter nunca poderia mentir pra salvar a sua própria vida.

Severus sorriu.

— Bom menino. — Severus se deixou cair levemente contra James. — Uma manhã perfeita.

Os demais alunos, por outro lado, pareciam à beira de um colapso nervoso.

 

*

 

Após o café da manhã, eles tiveram que se separar. Mas Severus não faria o outro sair ileso, ele se sacrificaria por aquilo, mas irritaria Potter um pouquinho mais.

— Jay. — Severus puxou a manga do uniforme do outro assim que o grifinório estava prestes a se separar dele em frente às grandes portas do salão principal. — Eu olhei no horário e percebi que temos apenas uma aula juntos, e ela será apenas no final do dia.

Potter, que estava em sua frente, sorriu levemente, aliviado, mas então franziu as sobrancelhas.

— E daí?

— Eu pensei que você poderia me levar até a sala da minha primeira aula. — Severus se aproximou do outro, levando sua mão até a mão do grifinório. — Assim como sempre fez.

Aquilo era meio que uma verdade, Potter, em diferentes situações, o acompanhou pelos corredores daquele castelo, apenas não foi por um motivo bom.

— O que? Por que?

— Ficaremos longe um do outro até o almoço. — Severus como se fosse óbvio, o que com certeza era.

— Você se lembra da arquitetura da escola?

— Sim.

— Então você pode ir até a sua sala sozinho.

Severus deu meio passo pra trás, soltando a mão de Potter, enquanto mordia o seu lábio inferior.

— Isso é jeito de tratar o seu namorado Potter? — A voz de Rosier soou atrás dele, fazendo com Severus se virasse pra olhar pro amigo, o dando um pequeno sorriso de agradecimento. — Tenho certeza que a chefe da grifinória ficará feliz em saber como um de seus alunos trata os demais, especialmente o garoto que ama.

Porra, ele amava ser amigo de Evan.

Potter fechou ainda mais a expressão. Severus fez o seu melhor pra bancar o papel de vítima.

— Está tudo bem Evan. Podemos ir só nós dois, certo? — Severus ia se aproximar do outro sonserino quando a mão de Potter se fechou em seu punho, o arrastando pra longe. — James?

— Sua aula agora é feitiços, não é? — Potter andava rápido, Severus queria poder azarar o outro. Delicado igual a um rinoceronte.

— Sim, você se lembra. — Sev apressou o passo até ficar lado a lado com outro e então abraçou o braço de Potter, o grifinório parou de andar por alguns instantes, antes de voltar a quase correr.

Ele podia jurar que cada grupo de alunos parava de conversar apenas pra assistir ao espetáculo de Snape pendurado no braço do capitão do time da grifinória. Era engraçado de ver, era uma pena que ele não podia rir de tudo aquilo.

— Você precisa me abraçar assim? — James sussurrou entre os dentes, tentando forçar o braço pra se soltar.

— Preciso. — Severus respondeu sem hesitar, repousando a cabeça de leve contra o ombro do outro, apenas pra piorar a cena. — Afinal, é assim que os casais apaixonados andam pelos corredores.

— Isso não é... — James parou a frase ao notar que Flitwick os observava de longe com um sorriso orgulhoso. — ...Merlin, ele acha que eu sou romântico.

— Eu sou tão sortudo de ter você. — Severus falou em tom doce, fingindo não ouvir o outro, ele tinha um sorriso satisfeito no canto da boca.

James parecia querer se afundar no chão quando uma dupla de alunas passou por eles e cochichou algo como: "finalmente Potter se aceitou". Seja lá o que fosse aquilo, não era esse tipo de comentários que Sev estava esperando, mas ele decidiu não se importar com aquilo.

— Eu quero morrer! — James murmurou, em puro desespero, enquanto Severus apenas apertava mais o braço dele, fingindo felicidade.

— Não seja melodramático. — Severus riu o mais docilmente que conseguia. — Devemos ficar felizes que os nossos colegas nos aceitam, isso é muito importante.

James fechou os olhos com força.

— Você vai acabar comigo, Snape.

Severus inclinou o rosto, tão próximo que ele tem a certeza qeu James sentiu a respiração dele contra sua orelha.

— Espero que seja de uma forma boa. — Ele disse baixo. — Sabe... na sonserina temos dormitórios individuais...

James engoliu em seco, acelerando o passo até quase tropeçar, puxando Snape junto com ele. Severus não aguentou e acabou soltando uma risadinha pela reação do outro.

 

*

 

O Salão Principal estava barulhento como sempre, mas Severus, ao passar os olhos pelas mesas, não encontrou James Potter em lugar nenhum. O que foi, de certa forma, um alívio. Sem a obrigação de fingir uma proximidade que ainda o irritava, ele se dirigiu direto pra mesa da Sonserina, onde Regulus, Evan, Mulciber, Wilkes e Avery já estavam reunidos.

Assim que ele se sentou, Evan levantou uma sobrancelha.

— Olha só quem resolveu nos dar a honra da presença — Disse, com um tom de provocação suave.

— Estava ocupado. — Severus murmurou, servindo-se de um pouco de purê de batata. Em seguida, ergueu a varinha debaixo da mesa e lançou um discreto Muffliato.

Regulus, que até então observava em silêncio, inclinou-se pra frente com um meio sorriso.

— Ocupado fingindo não odiar Potter. O doloroso de assistir, Sev.

Os outros riram baixo, e até Severus, com um resmungo quase imperceptível, deixou escapar um sorriso discreto.

— Ele parece um cachorro adestrado. — Mulciber comentou, claramente divertindo com a situação. — Basta você olhar pra ele e fingir estar perdido que o idiota vem correndo.

— Eu fui idiota em achar que o Potter era mais esperto. — Completou Wilkes, mordendo uma maçã. — Aposto que nem desconfia do que passa pela sua cabeça.

Severus não respondeu de imediato, apenas mexeu na comida. Avery, sempre mais impaciente, cutucou-o no braço.

— Vai me dizer que não é divertido ver o idiota sempre olhando pros professores antes de ceder? Como se fosse levar um sermão só por te contrariar.

Regulus soltou uma risada abafada.

— É patético. Ele parece um aluno prestes a ser pego colando na prova.

Dessa vez, Severus não conteve o riso. Baixo, mas audível o suficiente pra que os amigos percebessem. Evan ergueu a taça de abóbora.

— Ao nosso amigo que finalmente está se divertindo. Quem diria que sua mente perturbada seria tão... útil.

Severus ergueu o olhar, ainda com aquele sorrisinho quase secreto.

— Aproveitem enquanto durar. Essa palhaçada tem tempo determinado pra acabar.

Os garotos brindaram entre si, abafados pelo feitiço, e voltaram a comer, trocando piadinhas sutis. Pela primeira vez desde que acordou, Severus parecia à vontade em seu próprio corpo.

 

*

 

Já tinha duas semanas que Severus estava naquela situação de merda, ao mesmo tempo em que ele se divertia vendo a reação de Potter, ele odiava cada segundo. Tudo era tão cansativo, no final do dia, Snape se sentia esgotado, tanta interação social e todo aquele fingimento o consumia de um jeito que ele nunca esperou, mas agora ele não podia voltar atrás.

Ele tinha que ter calma, ele tinha que fazer com que suas memórias começassem aos poucos, pra não levantar suspeitas.

Suspirando ele se preparou pra sua nova cena, ele e os outros alunos começaram a entrar na sala de aula, a próxima aula seria de Transfiguração. Severus, com passos medidos, se dirigiu à mesa onde Sirius ainda ocupava o lugar ao lado de James. Com uma inclinação amigável e um sorriso calculadamente casual, Severus falou:

— Pads, seria pedir muito você desocupar meu assento por alguns minutos? — Severus sempre tinha a vontade de morrer todas as vezes que usava aquele apelido ridículo com aquele cachorro sarnento.

Sirius ergueu uma sobrancelha, surpreso, mas não resistiu ao tom amistoso de Severus, ou melhor, não resistiu aos olhares não muito sutil da professora McGonagall.

— Tudo bem, Sniv-Snape... mas ainda acho tudo muito estranho. — Ele murmurou, levantando-se e lançando um último olhar pra James.

Severus agradeceu com um leve aceno e se sentou ao lado de James, sentindo a satisfação de tomar aquele lugar, ele importunar James sempre que tivesse a oportunidade. O grifinório olhou pra ele, ainda desconcertado, mas não fez nenhum comentário imediato.

Enquanto Potter mexia distraidamente nos livros, Severus discretamente retirou do bolso um exemplar amassado da Revista Bruxa Ilustrada, resultado de um furto furtivo de alguma colega. Com um estalar dramático, abriu a revista e virou algumas páginas em direção a James, apontando pra um anúncio reluzente: "Poções de Cuidado Capilar Sleekeazy: brilho, volume e controle de oleosidade instantâneo!".

— Estava pensando... — disse Severus, com a voz baixa e mansa, — Você poderia comprar isto pra mim. Claro, será apenas um empréstimo, vou te pagar assim que der...

Severus na verdade não pagaria nada, mas talvez falar aquilo pareceria menos suspeito.

James arregalou os olhos, como se Snape tivesse pedido pra ele assinar um contrato com Voldemort em pessoa.

— Você... você quer que eu compre shampoo mágico?! Pra você?!

— Não qualquer shampoo. — Corrigiu Severus, com um revirar de olhos. — Este. O efeito dura semanas.

Sirius, ainda próximo e se recostando na cadeira, quase caiu de tanto rir.

— Merlin, James! Vai ter que virar-

Black foi forçado a se calar por Pettigrew, que cobriu imediatamente a boca do outro com a mão.

James lançou um olhar mortal pra o amigo, mas rapidamente desviou o olhar pra a mesa da McGonagall, que apesar de estar em uma conversa com uma aluna, ainda mantinha os olhos atentos neles. James engoliu em seco.

— Isso é... ridículo. — Murmurou, encarando a revista como se estivesse amaldiçoada. — Eu não vou gastar dinheiro comprando shampoo pra você, Severus.

Severus suspirou dramaticamente, fechando a revista com um estalo que ecoou discretamente.

— Shampoo não, Potter. — Por mais que ele estivesse fervendo de raiva do outro, ele se forçou a falar de forma calma. — Tratamento avançado. Achei que você quisesse me ver feliz e você sempre comentou sobre o meu cabelo... muitas coisas desagradáveis e e-eu então pensei que você quisesse me ver-

Severus abaixou a cabeça quando sua voz embargou.

Merlin, que papel ridículo ele estava fazendo, mas pelo menos ele conseguiu ouvir ao longe alguns comentários baixos sobre como Potter era cruel e avarento.

James massageou a testa, exasperado, enquanto Sirius ria tão alto que mais alguns alunos começaram a prestar atenção. Lupin, que estava sentado atrás deles e tentava não rir, murmurou baixinho:

— James... se disser não, ele vai fazer aquela cara de órfão abandonado e McGonagall vai te crucificar em praça pública. — Severus se virou imediatamente pro outro, Remus o deu um sorrisinho de desculpas. — Sinto muito, estou tentando te ajudar. Eu estou do seu lado.

— Cala a boca Moony. — James fechou os olhos, respirou fundo e finalmente cedeu, a voz carregando uma mistura de derrota e resignação. — Está bem. Eu compro o que você quiser dessa porcaria.

Severus sorriu triunfante. Dobrou a revista com cuidado e entregou-a a James, marcando cuidadosamente a página com o anúncio.

— Obrigado, Jay. Assim você não se confunde.

James pegou a revista com a ponta dos dedos, como se segurasse algo altamente perigoso.

— Isso é a pior coisa que já me aconteceu.

— Não seja assim. — Severus encostou o ombro no dele, satisfeito. — Estou fazendo isso mais por você do que por mim, eu sei como você ama o meu cabelo.

Potter parecia estar morto ao seu lado, ombros caídos e olhar perdido.

Respirando fundo, Severus o deu um leve beijo em sua bochecha, a conversa ao seu redor se intensificou. O sonserino fez o possível pra não jogar Potter pra longe dele.

Mas tudo estava valendo a pena, enquanto observava James resmungar baixinho, Sev pensou consigo mesmo: Já está na hora de você começar a gastar dinheiro comigo.

 

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Chapter 4: Capítulo 4

Notes:

(See the end of the chapter for notes.)

Chapter Text

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James Potter estava cansado. Não cansado de treinos de quadribol, de puxões de orelha de McGonagall ou de inventar desculpas convincentes pra justificar porque Sirius aparecia constantemente com cheiro de álcool e ervas no dormitório. Não, ele estava cansado de algo muito mais exaustivo: ser o namorado oficial de Severus Snape.

Oficial, claro, só na cabeça de Snape. E, aparentemente, na de metade dos professores e de até alguns alunos que, por algum motivo, haviam decidido vigiar a situação como se fosse parte do currículo escolar.

O problema é que fingir ser namorado de alguém envolvia… logística. James nunca tinha se dado conta disso. Era flores, presentes, olhares carinhosos, ou, no caso de Snape, revistas de beleza roubadas de alguma aluna inocente. James ainda sentia uma dor física toda vez que lembrava da conversa sobre o “shampoo avançado”.

Shampoo! Ele, James Potter, o maior talento do quadribol de Hogwarts, aquele cujo sorriso derretia corações, agora se via obrigado a atravessar o Beco Diagonal com frequência pra comprar diversos tratamentos capilares pro cabelo oleoso de Snape e mais um tanto desproporcional de diversos produtos.

Ele jamais esqueceria quando ele foi obrigado a escolher e comprar meias quentes pro sonserino.

Não tinha como afundar mais.

— Eu juro por Merlin, Prongs — Sirius resmungou, andando ao lado dele pelo corredor do sexto andar. — Se você comprar mais uma poçãozinha de brilho pro Snape, vou mandar bordar “Consultor de Beleza” na sua capa de quadribol. Por Merlin, tenha um pouco de dignidade, você é um homem ou um rato?

— Ei! — Peter gritou pouco atrás deles.

Remus, ao lado, soltou um riso abafado, mas ninguém deu muita importância pro descontentamento de Peter sobre aquele comentário.

— Você devia considerar isso como um estágio extracurricular. Vai que o time de quadribol cai, sempre pode abrir um salão. Seu pai ficaria orgulhoso.

— Cala a boca, vocês dois. — James respondeu com um fio de voz. — Eu já estou vivendo um pesadelo, não preciso de comentários adicionais.

— Pesadelo? — Peter, arregalou os olhos. — Mas você não gosta dele agora? Tipo… você às vezes é bastante convincente?

James fechou os olhos, respirou fundo e tentou não explodir.

— Peter. — ele começou, com a paciência de quem estava a um fio de um colapso — Eu não gosto dele. Eu sobrevivo a ele. É diferente.

O grupo seguia pelos corredores como se estivesse atravessando território inimigo. Cada esquina, cada sombra podia esconder Snape, pronto pra aparecer com mais uma ideia genial que inevitavelmente acabaria no bolso de James. E, claro, não ajudava que Snape parecia ter desenvolvido uma habilidade sobrenatural pra surgir justamente quando eles menos esperavam.

— Aposto dez galeões que ele vai brotar atrás daquela armadura — Sirius sussurrou, apontando pra um corredor lateral.

Todos prenderam a respiração. Silêncio. Nenhum Snape.

— Hah! — Sirius comemorou. — Ele não é onipresente. Eu disse que estava certo.

Dois segundos depois, uma voz melosa ecoou atrás deles:

— Jamie.

James sentiu a alma deixar o corpo. Ele se virou devagar, com o coração já na garganta. Lá estava Severus, abraçado a um livro enorme, o rosto iluminado por um sorriso doce e seus cabelos mais limpos e brilhantes do que nunca.

— Ah, Merlin, me leva logo. — James murmurou, baixo o bastante pra só Remus ouvir.

— Olá, meninos. — Snape sorriu pro seus amigos e estendeu um pequeno embrulho pra Remus e Peter. — Eu estava na cozinha e os elfos fizeram doces de mel, estão muito bons. Trouxe um pouco pra vocês. — Então o sonserino se virou pra James, o rosto vermelho. — James, pensei que poderíamos dar uma volta.

Aquilo era outra coisa que os confundia em relação ao sonserino, Snape era sempre gentil com eles, especialmente com Peter e Remus, ele parecia gostar genuinamente dos dois. E contra todo o bom senso, os dois grifinórios também pareciam ter se acostumado com a presença de Snape e até a gostar dela.

— Dar uma volta. — Repetiu James, sem energia pra argumentar. — Sim, claro.

Snape o deu um sorriso tímido e James viu algo que só percebeu nas últimas semanas, Snape tinha covinhas.

Como os cabelos do outro estavam mais cuidados, o sonserino passou a usá-lo de diferentes formas e isso dava uma visão completa de seu rosto, que graças as poções que madame Pomfrey sempre o dava, estava mais gordinho e saudável.

Sirius tossiu alto pra disfarçar a gargalhada e isso tirou James de seus próprios pensamentos. Mas que merda ele estava fazendo reparando naquilo?

E foi assim que, minutos depois, eles se encontravam em uma parte afastada do jardim, com Snape confortavelmente instalado ao lado de James no banco de pedra, como se fosse o lugar mais natural do mundo. Sirius, Remus e Peter estavam de frente, fingindo observar as flores e as árvores ao redor, mas claramente espionando cada gesto.

James tentava manter distância, mas Snape parecia ser feito de imã. Não importava o quanto ele se inclinasse pra direita, Snape sempre encontrava um jeito de encurtar o espaço.

— Estava pensando… — Severus começou, mexendo nas próprias mãos com um ar pensativo. — Vocês sabem que minha memória está meio confusa, não é? Eu acho que comecei a me lembrar de algumas coisas.

O coração de James gelou. Ele lançou um olhar rápido pros seus amigos, que estavam agora muito, muito atentos. Remus se endireitou na cadeira. Até Peter parou de roer a unha. Sirius se debruçou levemente na direção deles.

— Lembrar? — James repetiu, tentando soar despreocupado, mas sua voz saiu dois tons mais agudos.

— Sim. — Severus olhou pro horizonte, ele entortou um pouco os lábios pra direita. Uma mania que Potter reparou que o outro sempre tinha quando estava confuso com algo. — Fragmentos, talvez sonhos. Não sei se são memórias reais.

James engoliu em seco. Desde que tudo começou, ele sonhava na possibilidade de Snape recuperar a memória. Isso poderia significar sua liberdade.

— Por exemplo… — Severus continuou, com a serenidade de quem não fazia ideia de que aquilo podia mudar tudo pra eles. — Eu sonhei que Sirius tentou me pregar uma peça usando um lobisomem.

O silêncio caiu como uma pedra. Sirius congelou. Remus arregalou os olhos. Peter deixou escapar um “oh” estrangulado.

James sentiu a espinha gelar.

— S-sonho — Ele disse rápido demais, como se tentasse apagar a palavra anterior. — Deve ter sido só um sonho!

Severus franziu o cenho, inocente.

— Pois é, pensei o mesmo. Afinal, somos todos amigos agora, não é? Não vejo Sirius fazendo algo tão cruel comigo. Nunca mereci ser tratado daquela forma, certo?

Severus olhou pra cada um deles, especialmente pra James e Sirius, como se esperasse que eles concordassem com aquilo.

— Foi um sonho. — A voz de Pads não passava de um sussurro. — E-eu não faria isso com n-ninguém.

Sirius falou enquanto olhava fixamente pro chão, o rosto pálido. Remus estava vermelho até as orelhas. Peter parecia pronto pra sair correndo.

— Claro que não! — James disse, a voz forçada demais. — Isso é… absurdo. Foi só um sonho, Sev.

— Sim, deve ter sido mesmo — Severus concluiu, com um sorriso satisfeito, apoiando o ombro contra o de James como se tivesse acabado de revelar uma lembrança boba da infância. — Afinal, eu me dou tão bem com vocês. Nem sei porquê mencionei isso.

O silêncio que seguiu foi sufocante. James podia sentir a tensão pairando sobre eles. Sirius mordia o lábio até quase sangrar. Remus mexia nervosamente nas mangas. Peter não conseguia parar de piscar enquanto olhava pra Snape.

Snape, por sua vez, parecia perfeitamente confortável, o retrato da inocência, como se não tivesse acabado de cutucar a maior ferida aberta deles.

James tentou rir, mas saiu como um soluço.

— Sonho engraçado, não é? — Ninguém respondeu, com exceção de Snape o respondeu, o sonserino apenas acenou com a cabeça com um pequeno sorriso.

No fundo, James sabia que o clima estava oficialmente arruinado.

Snape, ao seu lado, pegou um livro e uma pena, como se nada tivesse mudado.

James fechou os olhos, sentindo a cabeça latejar.

 

*

 

O dormitório da grifinória estava um caos silencioso. Não o tipo de caos barulhento que envolvia explosões de poções clandestinas de Sirius ou brigas de travesseiros que terminavam com Peter engasgando com penas. Era um caos pesado, sufocante..

Dois dias tinham se passado desde que Snape, com aquele maldito sorriso inocente, soltou a bomba sobre o sonho da pegadinha de Sirius. Dois dias e ninguém falava direito com ninguém.

Sirius passava as horas deitado de barriga pra cima, girando a varinha entre os dedos, olhando fixamente pro teto como se esperasse que ele desabasse a qualquer momento. Remus estava enterrado em livros, mas James sabia que ele não lia de verdade, só mexia nos mesmos parágrafos, os olhos piscando rápido demais. Peter evitava todos, como se estivesse tentando se tornar invisível.

E James… James estava à beira de um ataque.

Ele nunca suportou o silêncio prolongado, ainda mais vindo de seu grupo. O quarteto era barulho, era risada, era confusão, era planos absurdos às três da manhã. Agora, tudo o que restava era esse clima de velório.

Se ele não soubesse da real situação de Snape, ele até poderia acreditar que aquela conversa tinha sido de propósito, apenas pra fazê-los ficar distante um dos outros.

James rolou na cama pela enésima vez, até que finalmente sentou-se de uma vez, os óculos escorregando pelo nariz.

— Isso não dá. — Ele murmurou pra si mesmo, mas alto o bastante pra que todos escutassem.

Sirius mexeu a varinha, mas não respondeu. Remus fingiu virar a página. Peter fingiu dormir, embora James tivesse certeza de que ele estava com os olhos abertos.

James inspirou fundo, se levantou e começou a andar de um lado pro outro.

— Se continuarmos assim, Snape vai viver como o príncipe da inocência eterna e nós vamos apodrecer aqui dentro. Eu vou apodrecer, o nosso ano não falta muito pra acabar, o que me resta depois? Eu vou ter que me casar com ele?! É ridículo.

— E qual é a alternativa, Prongs? Pelo menos, por enquanto não temos nada a fazer. — Sirius retrucou, sem tirar os olhos do teto. — Contar pra ele a verdade? Que eu, Sirius Black, fui idiota o bastante pra quase jogá-lo na boca de um lobisomem? Contar pra ele que o lobisomem é Moony?

Remus estremeceu ao ouvir aquilo, e James percebeu o quão cruel foi Sirius verbalizar de forma tão direta.

— Não — James respondeu, firme. — A alternativa é descobrir quem envenenou ele em primeiro lugar.

Isso fez todos erguerem os olhos.

— O que você quer dizer? — Remus perguntou, finalmente fechando o livro.

— Quero dizer que nada disso teria acontecido se alguém não tivesse colocado a mão no Snape e feito essa porcaria de misturar várias poções. Ele não esqueceu ou confundiu metade da vida sozinho. Isso foi consequência de um atentado calculado, foi planejado. E eu quero saber quem fez isso.

Sirius soltou um riso curto, quase sem humor.

— Você acha mesmo que alguém teria coragem de mexer com poções avançadas só pra ferrar o Snape? Logo o Snape? O mesmo cara que quase arrancou sua orelha com um feitiço que ele mesmo criou.

James estremeceu ao se lembrar daquele feitiço, ele teve sorte de ter tido apenas um leve corte na bochecha e que Snape foi obrigado a dizer o contrafeitiço. Ele, sinceramente, não queria ver o que aquele maldito feitiço era capaz de fazer com alguém.

— Você mesmo já fez coisas piores só pra rir. — James rebateu sem pensar muito.

Sirius se calou.

Remus coçou a nuca, pensativo.

— Se você descobrir quais ingredientes foram usados, talvez os professores consigam reverter.

— Exato. — James apontou pra ele como se tivesse acabado de ganhar um debate. — É isso. Eu não aguento mais esse teatro. Eu quero minha vida de volta.

Peter resmungou da cama.

— Mas como você vai descobrir isso?

James respirou fundo, como quem se prepara pra anunciar um plano suicida.

— Eu vou entrar na comunal da Sonserina.

O efeito foi imediato. Sirius sentou-se na cama de um pulo. Remus arregalou os olhos. Peter engasgou no travesseiro.

— Você enlouqueceu! — Sirius quase gritou. — Vai entrar lá sozinho? Isso é pedir pra voltar em pedacinhos. Ninguém lá gosta de você.

— Eu tenho intuição. — James disse, firme. — Se o responsável está em algum lugar, é lá.

— Intuição?! — Sirius repetiu, indignado. — A sua intuição já nos fez correr de um trasgo pelado, James!

— Esse dia foi engraçado. — Peter murmurou, mas se calou ao ver o olhar mortal de Sirius. — Desculpe.

Remus respirou fundo, tentando manter a calma.

— Prongs, isso é perigoso. Você nem sabe a senha da comunal deles.

— Ah, mas eu tenho métodos. — James sorriu de canto, ajeitando os óculos.

Todos sabiam o que ele queria dizer. A capa da invisibilidade, o Mapa do Maroto, e muita audácia e coragem.

— Você vai acabar morto. — Sirius insistiu.

— Não seja exagerado. — James deu de ombros, a coragem mascarando o frio na barriga que começava a sentir. — Mas alguém tem que fazer alguma coisa. Os professores não parecem muito preocupados com isso, eles acreditam que fui eu o responsável. Tenho que fazer alguma coisa.

Todos ficaram em um silêncio que parecia eterno, mas Remus foi o primeiro a ceder.

— Se você encontrar qualquer coisa, qualquer ingrediente, traga direto pra mim. Vou analisar.

James assentiu.

Sirius balançou a cabeça, incrédulo, mas no fim suspirou.

— Você é um idiota, Prongs. Mas… quer que eu vá com você?

— Não, não é necessário. — James piscou, pegando a varinha.

 

*

 

O castelo à noite era o local favorito dos marotos, sempre era tão animado, mas naquela noite James não sentia a mesma empolgação de sempre. Enquanto deslizava sob a capa da invisibilidade, cada sombra parecia maior, cada barulho ecoava mais do que deveria.

O mapa estava aberto em suas mãos, as manchas de alunos se movendo pelos corredores. Ele observava as passadas lentas de Filch, ele até passou por Pirraça, até que ele finalmente chegou ao vazio absoluto perto das masmorras.

Perfeito, pensou James, engolindo em seco.

Chegar à entrada da sonserina foi simples. O difícil seria entrar. A parede de pedra cinzenta estava ali, impassível, sem sinal de senha ou mecanismo. Ele esperou, imóvel, até que um grupo de sonserinos se aproximou rindo baixo.

— Sangue Frio. — Uma das garotas disse.

A parede se abriu como uma boca silenciosa, revelando a comunal verde-escura. James se esgueirou atrás deles, o coração batendo alto demais.

A sala era sombria, iluminada apenas pela luz verde que vinha do lago através de janelas grossas. Estantes cheias de livros escuros, sofás de couro, e a sensação de estar em território inimigo.

James prendeu a respiração.

Ele precisava de pistas. Poções, frascos, pergaminhos. Algo que apontasse pro culpado.

Enquanto os sonserinos iam pro dormitório, ele correu até uma mesa próxima à lareira. Vários pergaminhos abertos, anotações sobre ingredientes, frascos pequenos com restos de líquidos brilhantes.

Mas no fundo ele sabia que seria inútil, o culpado não deixaria qualquer prova solta daquele jeito. Quem poderia ter sido? Talvez ele pudesse entrar em alguns dormitórios.

Ele começou a andar pelos corredores dos dormitórios, com sorte algum estaria aberto e vazio, e então ele poderia entrar. James estava tão perdido em seus próprios pensamentos que não notou um corpo vindo em sua direção, quando ele menos percebeu estava no chão frio com alguém parcialmente em cima dele.

Porra.

Ele estava lascado.

Com a queda, a capa escorregou um pouco, revelando suas pernas. Respirando fundo ele se preparou.

— Mas que desgraça é essa? — A voz de Avery estava alta e até meio desesperada enquanto via apenas as pernas do grifinório. O sonserino praticamente pulou pra longe dele, rapidamente passos foram ouvidos se aproximando, olhando pra cima, ele viu o rosto confuso de Snape, Wilkes e Mulciber. — O que é isso? O que é isso Seveurs?!

A voz de Avery parecia quase que com medo enquanto se levantava e se aproximava dos amigos.

Suspirando, James decidiu que não teria escolha. Se levantando e saindo de baixo da capa, ele deu o melhor sorriso pra Snape.

— Surpresa, morceguinho! — Ele o deu o seu maior e melhor sorriso pro outro enquanto via a expressão confusa de Snape e os olhares confusos dos outros. De onde surgiu aquele apelido? Ele era tão idiota.

Merda, ele queria morrer.

O silêncio que se instalou foi tão pesado que James quase podia ouvi-lo tilintar contra o vidro grosso das janelas submersas. O coração dele batia alto, quase abafando o som das bolhas subindo do fundo do lago.

Mulciber foi o primeiro a reagir, dando um passo à frente com a varinha já na mão.

— Você perdeu a cabeça, Potter? — Ele se aproximou, os olhos estreitados, cheios de ódio. — Entrar aqui? Sem ser convidado.

James ergueu as mãos num gesto teatral, como se não fosse nada demais.

— Vim só fazer uma visita pro meu namorado… e vocês são péssimos anfitriões, devo dizer.

Wilkes não riu. Ninguém riu. Avery parecia ainda mais nervoso, como se tivesse visto um espectro. Seus olhos iam de James pra Snape, quase suplicantes por alguma explicação.

Snape, por outro lado, permanecia imóvel. O olhar dele, escuro e frio, atravessava James como lâminas. Não havia surpresa genuína ou aquele brilho inocente, apenas uma análise cuidadosa, perigosa. James franziu as sobrancelhas, era como se ele estivesse de frente ao velho Snape, o que costumava o odiar.

Mas aquele olhar foi embora tão rápido quanto surgiu. Em questão de segundos, o olhar do sonserino mudou pra algo alegre. Potter duvidou de si mesmo.

— Você é ainda mais bobo do que eu pensava, Jamie. — A voz de Snape soou baixa, animada enquanto ele se aproximava e abraçava um de seus braços. — Entrar aqui, sozinho... você poderia ter me dito que queria me ver.

James respirou fundo, engolindo a vontade de soltar alguma piada ainda mais idiota. Ele estava ferrado e sabia disso, mas não podia deixar que vissem. Então, inclinou a cabeça, o sorriso ainda no rosto.

— Talvez eu só queria fazer uma surpresa pra ver você, morceguinho.

— Bom, sendo assim… — O rosto de Snape estava vermelho. — Boa noite garotos, vejo vocês amanhã.

Com isso o sonserino puxou James pro seu dormitório, Potter queria sair correndo.

— Severus? — Wilkes chamou o outro, sua voz parecia alarmada.

— Eu estou bem, Will. — Snape acenou com a mão pro outro sonserino.

James mal conseguia raciocinar enquanto era puxado por Snape pelos corredores silenciosos até o dormitório individual dele. Cada passo ecoava, e cada fibra de seu corpo gritava que aquilo era uma péssima ideia.

A porta se fechou atrás deles com um estalo abafado. O quarto era escuro, com cortinas pesadas e verdes, móveis antigos e a luz bruxuleante de velas espalhadas, lançando sombras estranhas pelas paredes. James olhou em volta, tentando absorver tudo, a mesa coberta de frascos, livros empilhados de forma meticulosa, um pequeno caldeirão ainda soltando fumaça no canto. O cheiro era uma mistura de ervas amargas, metal e algo doce, quase sufocante.

— Uau — disse James, aproximando-se da estante. — É como se você tivesse trazido toda a biblioteca pra cá. Você tem até… uma coleção de caldeirinhos minúsculos?

Desde quando Snape tinha dinheiro pra aquilo?

— Eles foram presentes de Narcisa, ela me deu no meu aniversário de treze anos. — Snape o respondeu com um leve sorriso brincava nos cantos de seus lábios. — E você, Potter, se perde nos detalhes ao ponto de esquecer que está comigo. Pensei que tinha vindo me ver.

— E eu vim ver você. — James respondeu, dando alguns passos, olhando cada frasco e pergaminho. — Mas… tudo em você é tão interessante que é difícil não observar o seu quarto. Interessante… você tem… Perfume de Rosas Noturnas? Gosta de rosas?

— É pra ocasiões especiais — Snape respondeu, a voz baixa e quase brincalhona.

James engoliu em seco.

— Ah… sim. Entendo. — Ele sorriu de canto, nervoso. Merlin, ele precisava sair dali.

O silêncio caiu por um instante, mas, surpreendentemente, não era desconfortável. James não viu com nitidez, mas podia sentir cada músculo do corpo reagir à proximidade de Snape. Pelo canto do olho ele viu a sombra do sonserino se inclinar levemente, James virou a cabeça, e sem que nenhum dos dois percebesse direito, os lábios se tocaram num selinho acidental, ambos ficaram alguns segundos com os lábios encostados e olhos arregalados.

— Merda. — James falou, surpreso ao se afastar.

O rosto do sonserino tinha perdido aquele sorriso alegre, agora sua boca estava levemente aberta e seus olhos arregalados enquanto seu rosto pálido ia ficando cada vez mais vermelho.

James percebeu que nunca havia visto o outro com tanta vergonha. E ele próprio não deveria estar muito diferente, por algum motivo idiota, um frio se instalou em seu estomago enquanto seu coração acelerava.

— Isso… não era… intencional. — Murmurou Snape, desviando o olhar e se afastando de James enquanto levava as mãos até os lábios finos.

— Sim, claro… — James respondeu, nervoso enquanto olhava ao redor.

Snape respirou fundo, os olhos ainda desviados, corando enquanto brincava com os dedos.

— Bem… talvez seja… educativo. Um… exercício. E somos namorados, não é?

Os olhos de James se arregalaram ainda mais. Porra.

— D-depois. — Os olhos de James, sem o seu consentimento, caíram sobre os lábios rosados de Snape. Merda, merda. O que ele estava fazendo? Balançando a cabeça e batendo em seu próprio rosto ele se distanciou do outro, Snape agora o olhava como se ele fosse louco. — N-não, e-eu tenho que ir-

Potter não esperou por respostas, ele apenas correu, o mais rápido que pôde.

 

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Notes:

A única coisa boa de ser uma "escritora jardineira" é que eu vou descobrindo o enredo da fic junto com vocês 🫠que ódio kkk

Obrigada por lerem. Até a próxima 🖤

Chapter 5: Capítulo 5

Chapter Text

**

 

A porta bateu devagar quando James saiu, mas pra Severus o som soou como um estrondo dentro do dormitório vazio. O silêncio que se seguiu foi ainda pior. Ele ficou de pé no meio do quarto, imóvel, como se a ausência repentina tivesse congelado o ar ao redor.

Só então percebeu que estava com as mãos cerradas em punhos. Abriu os dedos devagar, sentindo a pele úmida de suor. O coração ainda martelava no peito, acelerado como se tivesse acabado de fugir de um duelo.

Porra, o que foi que ele fez?

Não era aquilo que ele queria, ele só queria irritar o porco do Potter, ele não queria aquele beijo. Se é que poderia chamar aquilo de beijo, mas mesmo assim, ele não queria saber qual é a sensação de sentir os lábios carnudos do grifinório. Ele não queria aquilo.

Passou os dedos pelos lábios, hesitante pra logo mudar pra algo mais brusco e irritado, como se quisesse apagar o toque. Mas o gesto só serviu pra reacender a memória. Ainda conseguia sentir a pressão breve do beijo, o calor desconcertante, a surpresa de Potter estampada nos olhos dele antes que saísse correndo como um covarde.

Severus fechou os olhos, girando nos calcanhares. A raiva veio primeiro. Sempre vinha.

— Imbecil... — Murmurou pra si mesmo.

Começou a andar de um lado pro outro no dormitório estreito. Quanto mais repetia a cena na cabeça, mais se enfurecia. Não com Potter, não dessa vez. Mas consigo mesmo.

Odiava perder o controle sobre qualquer coisa à sua volta. Odiava ainda mais quando o porco era a causa. E Potter, aquele maldito, era exatamente um lembrete constante de tudo que Severus desprezava. Popularidade fácil. Sorrisos gratuitos. Confiança irritante. Crueldade disfarçada de brincadeira. Severus o odiava.

E agora também... aquilo.

Severus parou diante do espelho rachado sobre a cômoda e se encarou. O rosto pálido parecia ainda mais abatido sob a luz fraca. As olheiras fundas, os olhos semicerrados, a boca.

A imagem o enfureceu ainda mais. Foi apenas um erro de cálculo, tudo bem que ele deveria imaginar que o intrometido viraria a cabeça, mas ainda assim, foi apenas um erro.

Mas por que, então, o peito estava tão apertado? Por que a mente insistia em repetir o instante exato em que James arregalou os olhos?

Por que o idiota não o olhou com raiva?

Severus apertou os olhos, tentando esquecer aquilo. Não queria admitir, nem em voz alta e nem em pensamento, que havia algo de satisfatório em vê-lo desconcertado. Uma inversão de papéis. Pela primeira vez, Potter perdera o controle. O estado em que ele deixou Potter foi diferente de quando eles brigavam, ou de quando Sev se aproximar pra segurar suas mãos e até mesmo diferente de quando os professores estão olhando.

Mas era tudo uma brincadeira, uma brincadeira que ele estava começando a se arrepender de ter começado.

Era isso. Só isso. Nada mais.

Repetiu a frase mentalmente como um feitiço. Ao menos ele encontrou o idiota antes que ele pudesse se intrometer nos assuntos que acontecia dentro da sonserina.

Suspirou fundo, afundando na cama desarrumada. O colchão rangeu sob o peso, e Severus levou as mãos ao rosto. A frustração queimava na pele, quase insuportável.

Virou-se de lado na cama, encarando o teto de pedra. Mas quanto mais tentava se convencer, mais sentia a lembrança se infiltrar, como veneno. A visão de Potter, parado na sua frente ruborizado, sem palavras. O jeito como ele saiu apressado, como se fugisse de algo maior do que podia suportar.

Virou-se de novo, socando o travesseiro com força.

— Idiota... — Sussurrou outra vez, sua raiva estava começando a desaparecer, deixando pra trás apenas vergonha. — Mas talvez eu possa me aproveitar disso, certo?

Ele não tinha certeza e acreditava que o que estava fazendo estava errado além dos seus próprios limites.

Porra, ele deveria ter ouvido Regulus.

 

*

 

James correu pelos corredores como se o próprio Filch estivesse em seus calcanhares. A capa da invisibilidade ainda enrolada em uma das mãos, os óculos escorregando pelo nariz, e o coração disparado. Ele não sabia se queria gritar, rir ou vomitar. Talvez tudo ao mesmo tempo.

Um selinho. Um maldito selinho.

Não foi planejado, não foi dramático, não foi como nas histórias que Lily lia escondida embaixo da cama do dormitório das meninas — ele sabia disso porque já tinha roubado alguns daqueles romances baratos pra rir com Sirius. Não havia música, não havia declarações, não havia nada. Apenas um deslize, uma inclinação errada da cabeça, e pronto, lá estava ele, James Potter, beijando Severus Snape.

Ele empurrou a porta do dormitório da grifinória e entrou sem fazer barulho. Seus amigos estavam espalhados como sempre: Remus com um livro na mão, mas claramente prestando atenção em cada passo que James dava; Sirius deitado na cama, mastigando um pedaço de caramelo roubado; e Peter fingindo dormir, mas com os olhos meio abertos.

— Prongs? — Sirius ergueu uma sobrancelha. — Você parece que viu um dementador.

James jogou a capa num canto e passou as mãos pelos cabelos já bagunçados.

— Eu- eu… — Ele tentou, mas as palavras não saíram. O coração batia tão rápido que parecia prestes a explodir. — Eu beijei ele.

O silêncio caiu no dormitório.

— Você… — Sirius se endireitou na cama, cuspindo metade do caramelo. — O QUÊ?!

Remus levantou os olhos do livro, petrificado. Até Peter se sentou, com cara de quem tinha acabado de acordar de um pesadelo.

— Eu não queria! — James gritou, desesperado, jogando os braços pro alto. — Foi um acidente! Foi tipo… sei lá… quando duas pessoas se esbarram na escada e… pronto, um beijo.

— Beijo por acidente. — Peter repetiu devagar, como se degustasse as palavras. — Isso existe?

— Agora existe! — James rebateu, nervoso, andando de um lado pro outro como um leão enjaulado.

Remus pigarreou, tentando trazer razão à cena.

— Certo. Um beijo acidental. Isso pode acontecer. Vocês estavam… perto demais, imagino?

— Ele tem um maldito campo de gravidade e eu sou o ponto de gravidade dele! — James gritou, gesticulando com tanta força que quase derrubou a luminária de cabeceira. — Não importa pra onde eu vá, Snape sempre está lá, sempre se inclina, sempre encurta a distância, e eu, como um idiota, deixo. E aí… pronto.

Sirius gargalhou. Gargalhou como se tivesse acabado de presenciar o maior espetáculo da Terra.

— James Potter, o terror dos sonserinos, beijando o Snivellus.

— Não foi um beijo de verdade! — James rebateu, o rosto pegando fogo. — Foi só… foi só um selinho…

— Ah, claro, isso muda tudo. — Sirius rolava na cama, rindo até quase cair. — Um selinho é praticamente uma troca de informações acadêmicas. Normal, todo mundo faz isso.

Remus fechou o livro de vez, olhando sério pra James.

— E como você se sente em relação a isso?

James parou no meio do quarto, os olhos arregalados.

— Como eu me sinto?! Eu estou surtando, Remus! Eu não sei o que está acontecendo comigo. Ele é Snape. Snape, o cara que inventou um feitiço só pra arrancar minha orelha! Eu deveria odiar ele. Eu odeio ele. Mas então… por que eu… — James travou, engolindo em seco.

Sirius, que ria até agora, parou abruptamente. A seriedade tomou conta do rosto dele.

— Espera aí, Prongs… você gostou?

James gelou.

— Não! Quer dizer… não sei. Foi estranho, foi… foi rápido demais, mas… — Ele passou as mãos pelo rosto, desesperado. — Eu senti alguma coisa, Sirius. Alguma coisa no estômago, como se tivesse bebido cerveja amanteigada quente demais.

Remus trocou um olhar rápido com Sirius, como se não soubesse se deveria rir ou ficar preocupado. Peter, por sua vez, parecia fascinado.

— Talvez você esteja apaixonado. — Peter soltou, inocente.

— NÃO! — James gritou tão alto que até próprio se incomodou. — Eu não estou apaixonado! Eu não posso estar apaixonado. Ele é o Snape, por Merlin, Peter. — Ele caiu sentado na própria cama, segurando os cabelos com as duas mãos. — Isso é um pesadelo. Eu sou James Potter, eu devia estar preocupado com quadribol, com os exames, com… sei lá, reconquistar a Lily. Não com o formato da boca do Snape.

O silêncio voltou, pesado.

— Formato da boca, hein? — Peter comentou, com um sorriso malicioso.

— Eu não falei desse jeito! — James rebateu, vermelho até a raiz dos cabelos.

Remus suspirou, tentando trazer calma à situação.

— James, respira. Não é o fim do mundo. Foi só um selinho, e você está confuso porque não esperava sentir nada. Isso não significa que você está apaixonado, só que talvez sua relação com Snape seja mais complicada do que você imaginava ou que talvez você goste de garotos também.

James não se importou com metade das coisas que Moony disse.

— Complicada? — James riu, nervoso. — Essa palavra é educada demais.

Ele se jogou na cama, encarando o teto, o peito subindo e descendo rápido.

— Eu não posso gostar dele. Eu não posso. É Snape. É o cara que odeio desde o primeiro ano. O cara que vive me olhando como se quisesse me amaldiçoar até a eternidade. O cara que eu… — James parou, a voz sumindo. — Ele nem é ele mesmo agora, está todo estranho. Aquele não é o Snape normal, certo?

— Talvez ele sempre foi assim, nós apenas não sabíamos. — Peter murmurou, James não se deu o trabalho de responder.

Sirius ficou em silêncio dessa vez. Até ele sabia quando não havia graça.

Remus fechou os olhos, murmurando:

— Talvez você só precise de tempo pra entender o que sente.

— Eu não quero entender. — James virou de lado, cobrindo o rosto com o travesseiro. A voz saiu abafada. — Eu quero esquecer que esse selinho aconteceu.

Mas ele sabia que não ia esquecer. Nunca.

 

*

 

O corredor de pedra estava quase vazio naquela manhã, exceto pelo som ritmado dos sapatos de James batendo contra o chão frio. Ele vinha apressado, como de costume, mas não o bastante pra não perceber a figura esguia encostada junto a uma janela, os braços cruzados e a expressão de quem estava esperando.

— Jamie. — A voz baixa de Severus chamou, sem nenhuma pressa.

James forçou um meio sorriso automático, ele já estava acostumado a sorrir por outro, sempre havia algum professor olhando. Mas, Severus se aproximou de forma inesperada. Antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, o sonserino se levantou quase nas pontas dos pés e roçou os lábios nos dele em um selinho rápido, suave.

Snape estava agindo como se tudo aquilo fosse normal, o que com certeza não era.

James ficou paralisado. O beijo durou menos que um piscar de olhos, mas sua mente parecia ter travado por inteiro.

— Bom dia, querido. — Severus falou com um sorriso tímido no rosto, como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo, afastando-se sem pressa.

— B-bom dia... — James gaguejou, os olhos arregalados, tentando disfarçar o rubor que subia pelo pescoço. Snape apenas acenou com a cabeça antes de se virar e deixar James pra trás.

Mas que porra estava acontecendo agora?

Ele ficou olhando Severus caminhar pelo corredor até desaparecer numa curva. Só então respirou fundo. Ele precisa consertar a cabeça perturbada de Snape.

No dia seguinte, James jurou pra si mesmo que não seria pego de surpresa. Ele se preparou mentalmente: caso Severus viesse de novo com aquela ousadia estranha, ele se manteria firme, indiferente, talvez até se afastaria do outro. Mas quando encontrou Severus no jardim interno, parado entre as sombras das árvores, tudo aquilo foi por água abaixo.

— James. — O sonserino o chamou com um sorriso, James foi até o outro, ele não sabia se era já por te se acostumado ou se era curiosidade por Moony estar junto com o sonserino, mas antes que ele pudesse abrir a boca, Severus inclinou-se e lhe deu outro selinho.

— O-oi... — James respondeu, sua voz saiu meio estrangulada, sentindo o estômago dar um salto ridículo.

Remus ergueu os olhos do livro bem a tempo de ver James recuar meio tropeçado. A sobrancelha dele subiu, e o canto da boca se contraiu num quase sorriso.

— Então… uau, você estão bem, não é? — Ele perguntou, com o tom neutro que só Remus conseguia sustentar.

James tossiu, ruborizado até a ponta das orelhas.

— Eu... bom... não é...

Severus ajeitou a manga da túnica, sem dar a mínima atenção à reação dos dois.

— E eu não posso beijar meu namorado, Lupin? — Severus perguntou, olhando de forma brincalhona pra Remus. James se sentiu em um mundo paralelo. — Isso te incomoda?

Remus deu de ombros, mas seus olhos piscavam de divertimento.

— De forma alguma. Só pensei que James não fosse do tipo que... cumprimenta assim.

James abriu a boca, depois fechou de novo, completamente sem saber o que fazer ou falar.

— É... é uma brincadeira nossa. — Ele simplesmente falou a primeira coisa que veio a sua mente, que coisa mais ridícula. — Só isso.

— Brincadeira. — Severus repetiu as palavras como se as testasse na língua, sem desviar o olhar de James. Não parecia discordar, nem confirmar. Apenas deixou a explicação pairar no ar, pesada.

James engoliu em seco. Ele realmente não queria irritar o sonserino.

Remus fechou o livro devagar, a expressão de quem claramente estava se divertindo, mas que também não faria perguntas.

— Certo. — Ele se levantou, batendo a poeira da roupa. — Vou deixar vocês dois com a “brincadeira” de vocês.

— Não precisa sair por causa disso. — James disparou, nervoso. James já tinha se arrependido de ir até lá´.

Por que mesmo ele foi até Snape?

— Não estou saindo por causa disso. — Remus sorriu de leve, quase piedoso. — Só tenho uma sessão de estudos com alguns alunos daqui a pouco.

E foi embora, deixando James sozinho com Severus, o ar de sombra das árvores ainda mais sufocante.

O silêncio pesou. James passou a mão pelo cabelo, um gesto automático, tentando parecer relaxado.

— Então... — começou, mas a voz falhou. Tossiu outra vez. — Então você resolveu repetir, é isso?

— Repetir? — Severus arqueou uma sobrancelha, o tom tranquilo. — É apenas um cumprimento normal entre namorados.

— Cumprimento?! — James quase riu, mas o som saiu nervoso. — Quem em Merlin cumprimenta assim?

— Namorados? — Severus o respondeu, mas seu tom parecia mais uma pergunta.

Potter segurou a vontade de gritar que eles não eram namorados de verdade.

— Olha... — Ele tentou, a voz vacilante. — Você não pode... fazer isso toda vez que me encontrar.

Severus inclinou a cabeça, estudando-o.

— Não posso?

— N-não! — James ergueu o dedo, apontando, mas a mão tremia levemente. — Quero dizer... não deveria.

— Não deveria. — Severus repetiu como antes, sem se comprometer. — Mas na maioria das vezes é você que me encontra.

O que? Aquilo era mentira.

James respirou fundo, tentando retomar o controle. Mas então notou o leve brilho nos olhos do sonserino, algo entre desafio e provocação. Não havia malícia escancarada, não havia sorriso cruel. Era pior, havia calma. Naturalidade.

E isso deixava James ainda mais perdido.

— Você está tentando me enlouquecer, não está? — Ele perguntou, cruzando os braços.

Severus ergueu uma sobrancelha, impassível.

— Se está enlouquecendo, não é culpa minha. Mas eu pressupondo que isso seja normal dentro de um relacionamento romântico.

James piscou, sem acreditar no descaramento.

— Claro que é sua culpa! Quem mais sai distribuindo... — Ele parou no meio da frase, incapaz de pronunciar a palavra. O rubor subiu de novo, queimando-lhe o rosto.

Severus não respondeu de imediato. Apenas o observou, de cima a baixo, como quem analisa uma peça rara. Depois, deu um passo pra trás e ajeitou a capa com a calma de sempre.

— Está tarde. Tenho coisas a fazer.

Virou-se pra sair, e James soltou o ar preso no peito.

— Espere! — Ele chamou, sem pensar.

Severus parou, mas não se virou.

— O que foi agora, James? Pensei que você não me queria por perto.

James abriu a boca, mas as palavras sumiram. Tudo que restou foi o calor nos lábios, a lembrança absurda que se repetia sem parar.

— N-nada. — Ele balançou a cabeça, frustrado. — Esquece.

Severus suspirou, mas apenas continuou andando.

James deixou-se escorregar pelo tronco da árvore, até se sentar na grama, com as mãos no rosto. O coração ainda corria uma maratona dentro do peito.

Ele tinha jurado que estaria preparado. Que seria firme, indiferente.

O que estava acontecendo com ele afinal?

Deve ser uma praga de Lily, é, aquela garota só pode ter jogado uma praga nele.

 

*

 

O céu já começava a escurecer, tingido de tons arroxeados, quando James desceu em espiral até o gramado. O treino tinha sido puxado — Wood estava insuportável com as jogadas mal executadas — e tudo o que ele queria era largar a vassoura e se jogar de costas na grama. Mas, ao tocar os pés no chão, notou uma figura imóvel à beira do campo.

Regulus Black.

O sonserino estava com os braços cruzados, a expressão dura e um ar de quem gostaria de estar em qualquer lugar do mundo, menos ali.

— Regulus? — Sirius o chamou do outro lado, ainda montado na vassoura, mas o irmão nem pestanejou, o olhar fixo em James.

— O que você fez? — A voz dele cortou o ar como uma lâmina afiada.

James piscou, confuso.

 

— O que… eu fiz?

— Não se faça de idiota. — Regulus avançou dois passos, o queixo erguido, frio como sempre. — Severus está estranho há dias, se lamentando pelos cantos por um namorado que parece odiá-lo. E agora ele está na enfermaria. Então, Potter, o que você fez?

O mundo pareceu se estreitar ao redor de James. Ele largou a vassoura no gramado sem perceber, caminhando até o sonserino.

— Espera. — O tom dele soou mais sério do que gostaria. — Eu nem sabia que ele estava na enfermaria. O que ele tem?

Regulus riu, mas sem humor.

— Como se você realmente se importasse.

Sirius desceu no mesmo instante, o olhar alternando entre o irmão e James, claramente pronto pra se meter. Mas Regulus não lhe deu tempo.

— Ele anda pálido, com dores de cabeça constantes, quase não come. — A cada palavra, a acusação se cravava mais fundo. — E tudo porque alguém decidiu brincar com os sentimentos dele.

James travou no lugar. O coração bateu em um ritmo desconcertado, como se quisesse protestar contra a lógica fria de Regulus. Brincar? Ele nunca... Bom, talvez estivesse mantendo uma distância forçada, talvez tivesse sido ríspido demais, mas brincar? Isso não soava certo.

— Eu não brinquei com nada — Ele respondeu, a voz mais baixa. — E não tenho culpa se ele inventou coisas na cabeça.

— Inventou... — Regulus estreitou os olhos, bufando. — Você é pior do que eu pensei. É culpa sua.

Sirius avançou um passo, erguendo a mão.

— Chega, Regulus. Não é o momento pra isso.

O sonserino se virou de súbito pro irmão, com o olhar carregado.

— Claro que você ia defendê-lo. Você sempre escolhe os amigos em vez da própria família. — As palavras foram tão secas que Sirius deu meio passo pra trás, os punhos cerrados.

— Snape não é minha família-

— Não estava falando dele.

James, porém, não conseguia desgrudar a mente da primeira parte. Enfermaria. Severus estava mal. Mal de verdade.

As lembranças recentes se chocaram em sua cabeça: os sorrisos doces de Snape, os selinhos repentinos que o deixavam atordoado, o jeito como parecia querer se aproximar, mesmo quando James fazia de tudo pra se manter afastado. E agora... isso.

Ele se virou pra Regulus, a testa franzida.

— Ele ainda está na enfermaria?

— Como se fosse fazer diferença. — O sonserino bufou, mas James não recuou.

— Regulus, me diz. — A firmeza no tom surpreendeu até a si mesmo. — Se ele está mal desse jeito... eu preciso ver.

Por um instante, os dois ficaram apenas se encarando, como se o ar entre eles fosse um campo de duelo. Finalmente, Regulus desviou o olhar, irritado, mas com um quê de hesitação.

— A Madame Pomfrey não vai gostar de visitas. — Ainda assim, sua voz traiu um detalhe importante, ele não disse que James não podia ir, apenas que seria mal-visto.

Sirius suspirou, passando a mão pelos cabelos.

— James... — Seu amigo começou, mas James já havia decidido.

Sem esperar, ele pegou a vassoura do chão e a jogou no ombro. O treino, a discussão, tudo isso poderia esperar.

Enquanto subia as escadas em direção à ala hospitalar, James não conseguia afastar a sensação incômoda de culpa. Ele tinha se convencido de que manter distância era o melhor, evitar olhares, evitar conversas, evitar aquela estranha proximidade que Snape parecia querer forçar com os malditos selinhos. Mas e se essa frieza tivesse custado caro demais?

E se suas ações realmente prejudicassem a recuperação do sonserino?

Snape estava se lamentando por ele. Por ele, James Potter.

O pensamento o deixou mais confuso do que qualquer outra coisa.

Quando finalmente chegou à porta da enfermaria, respirou fundo antes de empurrá-la. O cheiro de poções e lençóis limpos o envolveu de imediato. Madame Pomfrey apareceu quase instantaneamente, com o olhar severo.

— Senhor Potter, já era de se esperar.

James engoliu em seco.

— Eu só... queria ver como ele está.

A enfermeira o analisou como quem avalia se um aluno merece ou não crédito por uma desculpa esfarrapada.

— Ele precisa descansar. Mas... talvez seja útil ter alguém conhecido por perto. E como vocês estão se aproximando… — Ela suspirou, cedendo. — Não demore.

James assentiu, avançando entre as fileiras de camas até encontrar a figura de Severus, deitado, pálido contra os travesseiros. Mesmo inconsciente, parecia carregar sombras pesadas nas feições.

James parou ao lado da cama, sentindo um nó se formar na garganta.

James ficou imóvel diante da cama por alguns instantes, observando Severus. O rosto dele parecia ainda mais magro do que lembrava, como se as próprias sombras do castelo tivessem se debruçado sobre sua pele. O peito subia e descia devagar, e o silêncio da enfermaria parecia pulsar junto com cada respiração.

— Ele vai ficar bem? — James murmurou, sem desviar os olhos.

— Vai — respondeu Madame Pomfrey atrás dele. — Mas não sem dificuldades.

James virou-se, franzindo o cenho.

— O que quer dizer?

Ela caminhou até a cama, ajeitando os frascos na mesinha de cabeceira. A expressão no rosto dela não era de simples preocupação, mas de cautela, como quem mede cada palavra.

— Severus começou a se lembrar de algumas coisas. Fragmentos.

James piscou, ansioso.

— Lembrar... de quê?

— De memórias antigas que provavelmente havia bloqueado. — Pomfrey suspirou, baixando o tom como se a própria enfermaria pudesse fofocar. — É normal em situações de envenenamento. Mas o problema é que esses flashes vêm acompanhados de dor de cabeça intensa, confusão, fraqueza. Ele se perde entre o que é real e o que não é.

James sentiu um peso no estômago.

— E eu... eu tenho alguma coisa a ver com isso?

Pomfrey o analisou por longos segundos.

— Ele menciona você com frequência. Não sei se como parte dessas lembranças ou como parte da confusão, mas é você quem ele chama. — James sentiu o rosto esquentar. Uma mistura de desconforto e culpa o atravessou. Ele não sabia se queria ser chamado naquele estado, ser lembrado daquele jeito. Pomfrey então mudou de assunto com a praticidade de quem tinha mil pacientes pra cuidar. — De qualquer forma, vou precisar que você faça algo útil.

— O quê?

— Traga roupas pra ele. — A enfermeira cruzou os braços. — Não vou deixar um aluno passar dias deitado aqui usando sempre as mesmas vestes ou apenas roupas da enfermaria.

James piscou, incrédulo.

— Eu?

— Sim, você. — O tom não admitia discussão. — Já que consegue entrar na Sonserina com essa... facilidade que todos sabemos.

James abriu a boca, fechou de novo. Uma parte dele queria protestar, mas a outra não tinha força pra negar. Afinal, ela estava certa: ele já tinha invadido aquele dormitório outras vezes, mas nunca com um propósito tão... íntimo.

— Certo... — Ele murmurou, coçando a nuca. — Eu trago.

 

*

 

Os corredores das masmorras eram sempre mais frios à noite, e James se encolheu um pouco dentro do uniforme ainda úmido de suor do treino. A senha pra a sala comunal da Sonserina vinha fácil à mente.

A parede de pedra se abriu diante dele, revelando o salão. As chamas verdes queimavam nas lareiras, espalhando sombras oscilantes pelas paredes úmidas. O lugar estava vazio, um alívio e, ao mesmo tempo, um incômodo.

James atravessou o salão silencioso, se sentindo um intruso. Tudo ali exalava disciplina, rigidez, orgulho silencioso. Era um mundo que não lhe pertencia.

Quando chegou ao dormitório, as cortinas eram escuras, caindo de forma impecável, sem as dobras desleixadas que James estava acostumado a ver no seu próprio dormitório. Havia uma ordem meticulosa em tudo, uma arrumação quase obsessiva.

James parou diante do guarda-roupa. O móvel parecia observá-lo, pesado, como se soubesse que ele não tinha o direito de estar ali. Por um instante, considerou desistir. Dizer a Pomfrey que não encontrou. Que não conseguiu. Mas a imagem de Severus pálido na cama voltou como um soco.

Engolindo em seco, ele agarrou a maçaneta.

O rangido ecoou pelo quarto, e James prendeu a respiração. O interior do guarda-roupa se revelou como um retrato do próprio Snape: túnicas negras alinhadas com perfeição, roupas dobradas em pilhas simétricas, cada coisa no seu devido lugar. Mas, apesar de tudo estar limpo, era tudo de segunda mão.

Potter se lembrou de todas as vezes que zombou das roupas do outro, ele sentiu vergonha de si mesmo ao se lembrar daquilo.

Ele hesitou antes de tocar os tecidos, tudo preto, sem uma única variação de cor.

Ele puxou uma camisa, depois outra, tentando ignorar o peso estranho que apertava o peito. Aquilo não deveria significar nada. Eram apenas roupas. Apenas um favor pra Pomfrey.

Mas não parecia ser só isso.

Uma parte dele queria olhar tudo, ver o que Severus escondia. O sonserino sempre chamou sua atenção, na maioria das vezes de forma negativa, mas ainda assim.

E, naquele momento, ele não era o inimigo do outro, mas sim o seu namorado, e foi a própria madame Pomfrey que o mandou até lá, então, aquilo ainda seria uma violação de privacidade?

De certo modo, sim. Era uma invasão de privacidade.

Mas tudo sobre Snape chamava sua atenção e agora ele não conseguia parar de querer saber mais.

 

*

 

James respirou fundo, encostado na parede fria do corredor, enquanto observava Severus à sua frente. Snape havia recebido alta há quase duas semanas e fazia quase duas semanas que James estava mais empenhado em ser um bom namorado.

Inicialmente o sonserino ficou meio arisco com ele, mas parece que Snape realmente gostava dele, quando esse sentimento surgiu James não fazia ideia, mas era essa a impressão que Snape passava pra ele.

Então, o grifinório apenas aceitou.

E ele realmente estava mais perto do outro, no mesmo dia em que ele foi até a enfermaria ver o sonserino, Sirius ficou estranho. Pro seu amigo era inconcebível a ideia de James ser minimamente gentil com o sonserino, então ele apenas preferiu dar espaço ao outro grifinório. Ele não queria brigar com ninguém, mas também não queria brigar com Severus ou o ver na enfermaria novamente.

O sonserino caminhou até ele com um largo sorriso, ele estava vestindo as vestes escolares que James o presenteou e, Potter estaria mentindo se dissesse que o sonserino não era bonito à sua maneira.

— James… você está distraído. Está tudo bem? — Severus disse assim que se aproximou dele, sua voz estava baixa e calma. Potter se preparou pro que vinha a seguir e então lá estava, Severus o deu um leve beijo.

James respirou fundo e sorriu, olhando pro rosto inocente do outro, ele não pôde deixar de perceber que Severus nunca deixava de o surpreender.

— Estou bem. Só… pensando.

— Está me evitando de novo? — Severus perguntou, inclinando-se levemente, como se James fosse o único centro do mundo naquele instante.

James sentiu o rosto esquentar. Aquela proximidade sempre o desconcertava, os dois nunca tiveram aquele tipo de relação, mas James estava aprendendo muito sobre o outro nos últimos tempos, então ele apenas sorriu.

— Não… não estou. — Ele realmente não estava, pelo menos não de forma consciente. Não tinha porque fazer aquilo.

Severus sorriu, mas sua expressão ainda estava cabisbaixa, como se não acreditasse em James nem um pouquinho.

— Fico feliz em ouvir isso. — Aproximou-se mais, tão perto que James podia sentir a respiração do outro. — Porque… as vezes me parece que você está cansado de mim e e-eu não entendo o que fiz de errado.

James engoliu em seco, os olhos desviando pro chão. Ele estava cansado, mas não era cansado do outro e sim da situação como um todo. Era tudo tão complicado.

— Não é isso. — Murmurou, mas a voz saiu fraca, quase derrotada. — Severus inclinou a cabeça, examinando-o com aquele olhar perspicaz que sempre deixava James desconfortável. — Eu apenas estou preocupado com o jogo que vai acontecer no próximo sábado.

Os ombros de Severus relaxaram visivelmente.

— Ah, é isso. — Severus olhou ao redor e então, pegando em sua mão, o puxou pra longe dos corredores. Ambos caminharam até um dos jardins, de mãos dadas. James também já tinha desistido de tentar fugir dos toques do outro, Snape parecia um polvo, era impossível fugir dele.

— Por que estamos aqui? — Potter perguntou assim que se sentaram em um banco mais afastado.

— Eu percebi que você e seus amigos não estão muito bem. — James se sentiu tenso com aquilo, era verdade, ele e o restante do grupo não estavam em seus melhores momentos. — E agora você admitiu estar preocupado com o jogo, então pensei que talvez fosse bom pra você pegar um pouco de ar fresco, longe de todos. Não temos mais aula hoje e ainda falta muito pro jantar, então…

Era por atitudes como aquela, que James ficava ainda mais confuso.

— Você sempre foi assim? — James finalmente sussurrou, a voz baixa, hesitante. — Gentil, atencioso…

Severus ergueu a sobrancelha, claramente surpreso pela pergunta, até James estava surpreso consigo mesmo. Snape se inclinou levemente, deixando a ponta de seus dedos roçarem sobre os de James, num gesto quase imperceptível.

— Sempre? Eu não sei. — Sua voz estava baixa. — Acho que depende do contexto.

James franziu a testa, confuso. Contexto?

Ele olhava pra Severus tentando decifrar o olhar sereno, o jeito de inclinar a cabeça e a suavidade na voz, como se tudo fosse natural, como se aquele cuidado nunca tivesse sido ensinado, mas instintivo.

Snape nunca o olhou daquela forma, nunca falou com ele daquele jeito. E notar isso fazia seu coração acelerar. Severus estava conseguindo o que queria.

— Por que você está me olhando desse jeito? — Severus perguntou, a ponta de um sorriso se formando nos lábios. — Está tentando descobrir algum segredo meu?

— Eu… eu só… — James respirou fundo, tentando organizar os pensamentos. Ele nunca tinha visto Severus agir tão livremente, tão genuinamente. Tudo sempre foi tão caótico. — É estranho, não sei se você sempre foi assim e isso me confunde.

Severus apoiou os cotovelos sobre os joelhos.

— Talvez seja só com você, James. — Ele disse baixo, com um sorriso. — Ou talvez… você finalmente esteja prestando atenção. Estou a semanas tentando fazer você se abrir comigo.

James desviou o olhar. Mas algo no tom, na calma com que Severus falava, era difícil de ignorar. James sentiu o coração apertar e, ao mesmo tempo, bater mais rápido.

— Eu… eu nunca te vi assim antes. — James confessou, a voz falhando levemente. — Sempre pensei que você fosse… frio. Reservado. Indiferente. Mas você não é, pelo menos não agora. Não comigo.

— É isso que você pensava de mim? — Severus arqueou uma sobrancelha, os olhos fixos nos dele. — Quem disse que sou indiferente, James? Talvez eu apenas tenha escolhido cuidadosamente quando e pra quem mostrar, e não acho que estou errado em relação a isso.

James engoliu em seco. Ele não sabia se deveria se sentir aliviado ou aterrorizado com aquela resposta, porque ao mesmo tempo que aquela resposta o fazia parecer certo sobre os seus pensamentos em relação ao outro, também o fazia parecer errado em seu julgamento anterior.

A dúvida e a confusão dançavam dentro dele, mas havia algo em Severus que o fazia querer permanecer ali. Ele começou a perceber que talvez não estivesse apenas confuso sobre Severus… talvez ele estivesse se perdendo nele também.

O pior, é que ele não se importava em se perder.

 

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Chapter 6: Capítulo 6

Notes:

Capítulo sem revisão. Boa leitura!

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

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Os dias desde aquele selinho acidental pareciam ter se estendido numa espécie de realidade paralela pra Severus. Ele nunca, em toda sua vida, imaginara que encostar os lábios em Potter, mesmo que por acidente pudesse abrir uma caixa de sentimentos e situações tão absurdas.

O plano dele, se é que se podia chamar de plano, havia sido simples: transformar aquele deslize em arma. Se os grifinórios adoravam debochar de tudo o que envolvia a Sonserina, então que provasse do próprio veneno. Bastava avançar de vez em quando, roubar um selinho rápido e observar Potter explodir de indignação. A vergonha dele deveria ser combustível pra Severus se divertir.

Mas Potter não explodiu. Não mais.

Não ficou vermelho, não gritou, não empurrou, não fez aquela expressão de estar sendo obrigado a passar por situações como aquela.

Não. James Potter simplesmente sorria. Às vezes um sorriso pequeno, às vezes confuso e às vezes até malicioso.

E era isso que o confundia.

Porque cada selinho que Severus dava, cada tentativa de envenenar o orgulho do grifinório, terminava em... nada. Ou melhor: terminava com Potter aceitando, como se aquilo não passasse de algo comum entre eles.

Era enlouquecedor. Não era pra ser assim.

E foi por isso que ele estava dando um jeito de acabar logo com aquilo, ele finalmente tinha começado a fingir que suas memórias estavam voltando ao normal, ele até pensou que o grifinório ficaria feliz com isso, mas o porco apenas inventada uma desculpa pra todas as lembranças que Severus trazia a tona.

Era simplesmente frustrante.

No seu dormitório, Severus estava afundado no sofá de couro verde, os dedos batendo contra o braço da mobília. Regulus, sentado na cama, Severus nem sabia o que aquele garoto estava fazendo ali, observava-o como quem analisa um experimento de poções prestes a explodir.

— Você está estranho. — A voz de Regulus cortou o silêncio.

— Estranho? — Severus não ergueu os olhos. — Isso é novidade?

— Mais estranho do que o normal. — Regulus esticou as pernas, relaxado. — Com aquela cara de que o mundo desabou, mas ninguém além de você percebeu.

Severus bufou.

— Você fala demais, Regulus.

— E você mente mal. Pelo menos pra mim. — Regulus sorriu de canto. — Isso tem a ver com Potter, não é?

Severus finalmente ergueu os olhos, estreitando-os.

— Não sei do que está falando.

— Não? — Regulus se inclinou pra frente, apoiando os cotovelos nos joelhos. — Você sabe muito bem do que eu estou falando. Você anda grudado nele como se fossem realmente um casal.

— É provocação. — Severus respondeu seco, quase automático.

— Provocação? — Regulus arqueou as sobrancelhas. — Você chama “provocação” de sair dando selinhos nele nos corredores?

— Exatamente. — Severus respondeu, ríspido. — Ele se irrita, eu me divirto. É simples.

Regulus riu.

— Não é simples. É confuso. E sabe o que mais? — Ele inclinou a cabeça. — Você está se apaixonando, Severus.

— Não diga besteira. — O tom de Severus saiu baixo, ele não precisava das ideias absurdas de Regulus rodeando sua cabeça.

— Besteira? — Regulus deu uma risadinha. — Potter pode ser tudo o que você detesta, mas não há como negar. Você não estaria desse jeito, confuso, se fosse apenas um joguinho.

Severus apertou os dedos contra o braço do sofá.

— Você não entende nada. É apenas uma brincadeira.

— Eu entendo o suficiente. — Regulus se levantou e se aproximou de onde ele estava sentado, se agachando na sua frente. — Potter sente alguma coisa por você.

O coração de Severus deu um salto estranho, e ele se odiou por isso.

— Isso é ridículo.

— É? — Regulus ergueu uma sobrancelha. — Então por que ele deixa? Por que ele não afasta você, não xinga, não reclama? Ele fazia isso no começo, mas não mais. E Potter não é exatamente conhecido por ficar calado quando algo o incomoda.

Aquela observação ficou pairando no ar, incômoda. Severus não respondeu. Apenas se levantou, pegou seus livros e foi embora, ele nem se deu o trabalho de responder o garoto mais novo. Regulus às vezes era romântico demais, fantasioso demais.

Ele tentou esquecer aquele assunto, ele tentou mesmo, mas conforme os dias foram passando, Severus se pegou observando Potter mais do que gostaria de admitir.

Nos treinos de quadribol, James parecia sempre cercado de amigos, rindo alto, com aquela energia irritante que Severus tanto desprezava. Mas, em determinados momentos, Severus jurava que os olhos de Potter procuravam pelos seus e, o pior, o idiota sorria pra ele.

Durante as refeições, quando passavam próximos, James não desviava mais o olhar. Às vezes sorria, um sorriso breve, quase cúmplice. E Severus, pra sua própria irritação, sentia o estômago dar um nó.

Ele se obrigava a lembrar de todas as razões pra odiar James Potter: a arrogância, a popularidade, a insolência, a crueldade, a soberba. Mas, quanto mais tentava, mais aqueles selinhos e os sorrisos cheios de covinhas invadiam sua memória.

Era uma armadilha. Tinha que ser. Ele não poderia ser tão idiota igual sua mãe foi ao se apaixonar por alguém que só a machucou.

 

*

 

Poucos dias depois da conversa com Regulus, a cena que assombrariam seus dias aconteceu.

Severus estava andando pelo corredor principal, junto com alguns amigos, quando percebeu a aproximação barulhenta do grupo da grifinória. O riso de Sirius Black ecoava alto, acompanhado pelos comentários animados de Pettigrew e os resmungos de Lupin. James estava no meio, como sempre, irradiando aquela confiança insuportável.

Severus o odiava, ele repetiu pra se mesmo.

Severus preparou-se mentalmente pra ignorar, seria mais fácil assim, fingir que não os viu. Mas não houve tempo.

De repente, braços fortes o envolveram por trás, o prendendo num abraço firme.

Severus ficou rígido, o corpo inteiro em alerta. O cheiro de couro, de vassoura recém-usada, misturado ao perfume amadeirado, denunciava o culpado. Potter.

Por que o maldito não continuou apenas a fugir de Severus? Por que isso teve que mudar?

Por que mudou?

— Ora, ora... — A voz dele soou perto do ouvido de Severus, baixa e com uma estranha suavidade. — Peguei você distraído, o que é quase um milagre.

O coração de Severus disparou. Ele estava cercado. De um lado, seus amigos arregalavam os olhos, alguns soltando risadinhas. Do outro, os grifinórios observavam com um misto de surpresa e diversão.

Era a pior situação possível.

Severus deveria ter reagido. Deveria ter empurrado Potter, dado um jeito de se distanciar, mas o corpo não obedecia, quer dizer, não com a força necessária, o aperto de Potter estava firme demais. E ao invés de se empenhar mais em se soltar, ele apenas virou levemente o rosto e o escondeu contra o peito de James, tentando ocultar o rubor que ameaçava tomar suas bochechas, especialmente devido ao olhar de ‘eu te avisei’ de Regulus e o olhar de chocado de Evan.

As risadas aumentaram.

— Que cena adorável. — Sirius Black zombou.

Severus quis desaparecer no chão. Mas James não o soltou. Pelo contrário, apertou o abraço, como se não desse a mínima pros olhares, o que com certeza não fazia sentido.

Sua ida pra enfermaria dias antes e as suas memórias voltando deveria ter deixado Potter ainda mais feliz e mais empenhado em ficar longe dele, mas o grifinório estava fazendo o oposto do que Severus acreditou que aconteceria. Quando foi que tudo começou a mudar?

— Deixem em paz. — James disse calmamente, sem perder o tom firme. — Ele é meu.

As palavras foram claras o suficiente pra fazer todos se calarem por um segundo.

Severus sentiu o estômago despencar. O calor em seu rosto se intensificou. Meu. James Potter tinha acabado de dizer isso na frente de todos.

Mas que desgraça estava acontecendo?

Por que ele teve que seguir em diante com aquele plano idiota? Porra, ele deveria ter ouvido Regulus.

Quando finalmente James afrouxou o abraço, Severus afastou-se rápido, mantendo o olhar fixo no chão. Não ousou encarar ninguém.

Merda. Merda.

Mas, em meio às risadas abafadas e cochichos que se seguiram, Potter simplesmente se abaixou levemente e capturou o deu um leve beijo, não foi um beijo completo, mas ainda assim, mais prolongado do que os selinhos que Severus iniciava pra irritar o outro.

Severus queria apenas desaparecer. Aquilo tinha que acabar o quanto antes.

 

*

 

James aparece à porta do dormitório da sonserina com o sorriso habitual que sempre fazia Severus querer encolher-se. Trazia a mochila jogada de qualquer jeito ao ombro e um olhar de quem já esperava um não, Severus prendeu a respiração.

— Sev…— Potter chamou por ele, prolongando o apelido, quase cantado. — Você vem comigo até a vila? Preciso comprar umas coisas. E ouvi dizer que alguém aqui tem bom gosto pra revistas e artigos curiosos.

Severus ergue a cabeça devagar, fingindo não se surpreender por ser o alvo das investidas. O assim chamado “alguém” bateu os olhos com uma mistura de ironia e… carinho?

Que bagunça sua vida estava se tornando.

Agora Potter nem se incomodava mais de comprar produtos pra Severus? Não, não, aquilo estava errado.

— Eu tenho... coisas pra fazer. — Respondeu ele enquanto desviava o olhar, já se preparando pra recusa automática da sua resposta. Potter nunca aceitava um ‘não’.

— Ah, claro. — James faz um biquinho teatral. — Coisas importantes, sem dúvida. Mas eu tenho certeza de que você prefere gastar seu tempo escolhendo um novo tinteiro ou um conjunto de frascos de poções do que estudar. Vamos, Sev. Vai ser bom pra você sair um pouco.

Era ridículo, Potter sugerindo que ele deveria preferir fazer compras a estudos, compras com o dinheiro da família Potter. Ainda assim, o comentário sobre as revistas acende algo dentro dele, uma mistura de vaidade e irritação. Ele não vai negar que pede a James pra comprar alguns produtos que lhe interessam, não por amizade, mas por conveniência e por dívida, o grifinório já destruiu muitos itens seus.

— Não tenho paciência pras multidões. — Diz ele, tentando soar indiferente, mas, de uma forma irritante, ele já sabia que aceitaria.

— Eu cuido das multidões — James rebate com um sorriso confiável. — E prometo manter você longe de vendedores insistentes. Além disso, eu sei que você gosta dessas pequenas extravagâncias. Você sempre pede pra eu comprar algo que viu nas revistas, não é? Não consegue resistir a um enfeite novo. Inclusive nunca imaginei que você fosse assim.

Nem eu sabia que era assim, Severus pensou com ironia, ser pobre, beirando a miséria, fazia ele desconhecer várias partes de si mesmo.

Severus sente um rubor traidor subindo pela garganta. Ele recorda, as vezes em que, ao folhear as páginas de alguma revista, perguntou a James alguma idiotice sobre tamanhos ou texturas porque queria testar a paciência do outro ou porque gostava, secretamente, de partilhar um detalhe íntimo com alguém que, até então, ele definia como inimigo. Era absurdo admitir aquilo até pra si mesmo e nem sequer fazia sentido.

— Isso não é verdade — Sev resmungou, com a voz tão baixa que deveria ser inaudível.

— Claro que é — James insiste, se aproximando, mas não tocando. — Você faz cara de quem observa um artigo como se fosse um feitiço novo. Você é previsível, Severus. Previsível e... adorável.

Potter pareceu um pouco incerto ao dizer aquilo, mas ao mesmo tempo, ele parecia tão certo ao fazer aquela afirmação. Severus o encara por um segundo, tentando entender se aquela insolência é desprezo ou algo mais. Ele negou com a cabeça. Ele não tinha que entender nada, aquela situação tinha tempo determinado pra acabar.

— Ainda assim, eu não tenho tempo para... distrações. — Ele diz, passar mais tempo com o outro apenas o confundiria mais.

James apenas sorri, tão satisfeito enquanto dá um passo adiante, e a sinceridade leve que atravessa o rosto dele, uma coisa simples, sem malícia, arranca de Severus a última resistência.

— Vá comigo. Eu pago o chocolate. Prometo que compro daqueles doces que você tanto gosta. — James levanta a sobrancelha, quase suplicante, e então o sonserino sabe que perdeu.

Severus resmunga, mas aceita. Não por James, pensa ele, apertando os livros aos peitos, mas porque ceder é mais fácil do que argumentar.

Nessa mesma semana eu acabo com tudo, promete a si mesmo, repetindo a sentença como um encantamento que deveria guardar sua mente do perigo de se acostumar àquilo que o desconcertava.

 

*

 

O dia do passeio finalmente chegou, era um sábado, o dia estava até bonito. O céu estava tão azul, era um dia bom.

Eles caminham lado a lado até a vila. A distância entre Hogwarts e o vilarejo local foi feita quase que em completo silêncio, pelo menos da parte de Severus. James, entretanto, não deixa o assunto morrer. Ele conduz as conversas com a naturalidade de quem compartilha segredos rotineiros, apontando pra vitrines, sugerindo que entrem ocasionalmente em alguma loja, e sempre, em algum momento, retorna à tal das revistas.

— Olha ali — O grifinório diz, puxando Severus pela manga, apontando pra uma pequena loja onde papéis coloridos brilhavam ao longe — Talvez haja uma edição com anotações de poções exóticas. Ou alguém que vende penas raras... Você devia ver. Você gosta de tinteiros e penas elegantes.

Severus resiste a olhar interessado, mas sua curiosidade o vence. O cheiro de tinta e o brilho das capas agem como um imã. Ele se vê cedendo, as mãos tremendo ligeiramente ao manusear revistas, livros e pergaminhos. James o observa com uma satisfação tão pura que Severus sente vontade de afastá-lo, de recuar pra aquela postura austera que o protege.

Na loja de bugigangas, James escolhe peças com uma facilidade irritante — conversa com os vendedores, experimenta chapéus, compra um chocolate pra Severus sem que este peça. O gesto, simples, produz uma desordem minúscula no peito dele. Severus aceita o chocolate de forma hesitante, tentando não olhar pra James quando este pega uma pequena caixa decorada e a segura como se dissesse: Olha, pensei em você.

— É só um presente bobo — James comenta casualmente, como aqueles gestos de pequenas gentilezas não significassem nada.

Severus aperta a caixa, sentindo o calor de uma decisão, ele vai fechar o assunto naquela semana, vai pôr fim a esse jogo que tomou caminhos que ele não autorizou. Mas, por ora, o aperto se desfaz em contemplação. Ele permite que James pague a conta, que puxe conversa com os aldeões, que ria alto e Severus, relutantemente, permite ser puxado junto.

A rua principal do vilarejo estava cheia, mas James parecia completamente à vontade no meio da confusão. Ele caminhava com as mãos nos bolsos, às vezes inclinando o corpo pra falar com Severus, como se fosse impossível manter distância.

O idiota não tinha o menor senso de espaço pessoal.

— Você reparou que metade das lojas daqui tem cara de ser uma armadilha? — James comentou, olhando pra uma vitrine cheia de bonecos que se mexiam sozinhos. — Olha só, aquele ali está me encarando como se fosse me atacar a qualquer momento.

Severus desviou o olhar pro tal boneco, que piscou de forma estranha.

— É só um encantamento básico.

— Básico? — James arregalou os olhos. — Pra mim, isso parece o tipo de coisa que acorda no meio da noite e arranca seu cabelo enquanto você dorme.

— Acho que ele desistiria na metade se fosse arrancar os seus cabelos. — Severus respondeu seco, mas com um canto da boca ameaçando levantar. Idiota.

James parou de andar e olhou pra ele, com uma expressão falsa de quem havia acabado de ser ofendido.

— Está insinuando que meu cabelo é indomável?

— Estou afirmando. — Severus rebateu, já andando à frente. — Acredito que nem um feitiço consegue domar isso daí.

James alcançou-o em dois passos, rindo.

— Pois saiba que esse cabelo é uma marca registrada. Muitas pessoas gostam dele.

— Muitas pessoas com gosto duvidoso, imagino. — Severus arqueou uma sobrancelha. Sem o seu consentimento, as imagens de Potter paquerando e sendo paquerado por outros alunos veio a sua mente, ele odiou.

James sorriu enquanto o olhava atentamente.

— Você franziu as sobrancelhas, isso foi ciúmes? Não precisa disso, eu sei que sou bom em tudo, mas estamos juntos, não é?

— Não seja ridículo. — Severus cortou, mas sentiu o calor subindo pelas orelhas. Ciúmes, por Merlin, era só o que estava faltando.

Que absurdo. Que garoto mais riquinho, mimado. Insuportável.

James percebeu, claro. Ele sempre percebia.

— Nunca imaginei ver Severus Snape com ciúmes de mim. Você me deixa lisonjeado, morceguinho.

Severus bufou e se enfiou na primeira loja que encontrou aberta, apenas pra se livrar da conversa ou pra evitar azarar o outro. James o seguiu, satisfeito.

Lá dentro, havia estantes cheias de pequenos objetos mágicos e não-mágicos, coisas sem muita utilidade prática. James pegou um chaveiro com formato de sapo e balançou diante do rosto de Severus.

— Acho que combina com você.

— Um sapo? — Severus o encarou incrédulo.

— É. Quieto, sempre de cara fechada, mas, no fundo, meio... fofo. — Potter olhou pro sapo e então olhou pra Severus e sorriu levemente. — Mas ainda acho você mais parecido com um filhote de morcego, mas aqui não tem chaveiro de morceguinhos.

Severus piscou, sem acreditar no que ouvira.

— Sapo? Morcego? E você acabou de me chamar de fofo?

— Eu disse meio fofo. — James respondeu, segurando o riso. — Grande diferença. Quando você está muito rabugento não tem nada de fofo em você.

Severus pegou o chaveiro da mão dele e colocou de volta na prateleira com firmeza.

— Você é insuportável.

— Talvez. — James se inclinou, aproximando-se perigosamente. Como se fizesse de propósito, apenas pra provocá-lo. — Mas pelo menos faço você falar mais do que três palavras seguidas.

Severus revirou os olhos, mas sabia que o outro tinha razão.

Eles saíram da loja com uma sacola nas mãos de James, que, sem avisar, comprou uma caixa de chocolates e ainda enfiou dentro dela o chaveiro de sapo. Quando Severus percebeu, já era tarde.

— Eu não quero isso. — Severus disse, segurando a sacola como se fosse venenosa.

— Vai ter que aceitar. — James respondeu, sorrindo vitorioso. — Considere um presente.

— Eu não pedi.

— Melhor ainda. — James inclinou a cabeça, malicioso. — Os melhores presentes são os inesperados.

Severus abriu a boca pra responder, mas não conseguiu. No fundo, sentiu algo estranho no peito, uma pontada desconfortável de... felicidade? Ele odiava aquilo.

Não, não. Aquilo não podia estar acontecendo. Ele não podia ser tão azarado e estúpido assim.

A volta pra Hogwarts foi menos barulhenta, quase tranquila. James caminhava perto demais, como sempre, e Severus não tinha forças pra afastá-lo. Estava cansado de lutar contra algo que não fazia sentido.

Quando estavam perto do castelo, James parou e o puxou suavemente pelo braço. Severus se virou, surpreso.

— O que foi agora?

James parecia mais sério, embora o brilho travesso nunca deixasse seus olhos.

— Só queria dizer uma coisa antes da gente voltar pro meio da confusão.

Severus franziu o cenho, desconfiado.
— Fale logo, então.

James respirou fundo, como se estivesse tentando ganhar coragem. Depois, sorriu de leve.

— Você está diferente nesses últimos dias, é quase como se estivesse fugindo de mim. Fiz algo errado?

O mundo pareceu parar por um instante. Severus ficou imóvel, o coração disparado, a garganta seca. Ele abriu a boca, mas nenhuma resposta saiu.

— N-não. — Severus sentiu suas mãos começarem a suar. — São apenas minhas memórias que me deixam confuso…

James acenou com a cabeça com um leve sorrisinho de canto, irritante.

E foi nesse silêncio que James se aproximou, devagar, com um cuidado que Severus não esperava. Uma mão pousou de leve na lateral de seu rosto, e antes que ele pudesse pensar em recuar, James o beijou.

Não foi um selinho. Foi um beijo de verdade, lento, suave, mas cheio de segundas intenções. Diferente dos beijos roubados que Severus costumava dar apenas pra irritá-lo. Esse parecia… sincero.

Severus ficou rígido por alguns segundos, mas então, sem perceber, seus olhos se fecharam e o corpo cedeu, respondendo de forma hesitante. Era como mergulhar em algo desconhecido, assustador, mas estranhamente bom.

Quando James se afastou, ainda perto demais, Severus estava com o rosto quente e a respiração descompassada.

—Assim é bem melhor. Gosto de te ter quando você é apenas você. — James sussurrou, com aquele sorriso pequeno.

Severus não respondeu. Apenas puxou a sacola contra o peito e saiu andando rápido, como se o chão tivesse pegado fogo.

Merda. Porra.

Ele sentiu seus olhos lacrimejarem. No que ele se meteu dessa vez?

Ele podia sentir os olhos de James fixos em suas costas, mas ele não ousou olhar pra trás, apenas acelerou seus passos.

Severus só conseguia pensar em uma coisa, Regulus estava certo e ele odiava quando Black estava certo.

 

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Notes:

Esse capítulo foi apenas do ponto de vista do Sev, mas o próximos será do ponto de James, acho que assim fica melhor pra se ter mais dimensão dos sentimentos deles

E só pra relembrar que a ideia inicial é essa fic ser curta, então não esperem grandes desenvolvimentos aqui

Chapter 7: Capítulo 7

Notes:

Capítulo sem revisão. Boa leitura!

Chapter Text

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Os dias seguintes ao beijo foram estranhos.

James tinha certeza de que havia sentido algo real ali. Não era como os selinhos rápidos, meio debochados, que Severus tinha o hábito irritante de lhe roubar. Não. O beijo que trocaram tinha sido lento, verdadeiro, um beijo de verdade, como James gostava de pensar.

Só que, ao contrário do que ele imaginara, nada mudou pra melhor depois. Severus não se aproximou, não buscou mais contato, não deu sequer mais um selinho. Pelo contrário: parecia fugir.

O que não fazia sentido nenhum. Como as ações do outro mudaram tanto em tão pouco tempo?

No salão comunal, James às vezes se pegava olhando pro lado da mesa da Sonserina, esperando algum sinal, um olhar, qualquer coisa. Mas Severus mantinha a cabeça baixa, falando baixo com os amigos, como se James tivesse deixado de existir.

“Foi só confusão dele”, James pensava, mexendo no prato de comida sem fome. “Ou então… ele realmente me odeia, e eu inventei coisas que não existem.”

Ele não pode ter se confundido. Ele não era tão estúpido assim.

Mas, se fosse isso, por que Severus tinha correspondido? Ele se lembrava da hesitação do outro, do jeito como os olhos se fecharam, da respiração rápida quando se afastaram. Não, aquilo não tinha sido invenção da sua cabeça.

Ainda assim, James não sabia como lidar. Ele estava confuso demais.

Em um momento Severus parecia disposto a tudo pra ficar ao seu lado, mas no momento seguinte o sonserino parecia preferir ver o próprio Voldemort do que James.

Nos corredores, tentou algumas vezes se aproximar. Fazia comentários idiotas, deixava um doce em cima da mesa de poções ou até fingia que precisava de ajuda com alguma poção ou feitiço. Mas cada tentativa terminava da mesma forma: um olhar duro, um resmungo mal-humorado ou, pior, silêncio absoluto.

Ele está me evitando.

Naquela noite, James estava deitado na cama do dormitório, girando a varinha entre os dedos. O teto parecia mais pesado que nunca, e o riso distante de Sirius e Remus jogando alguma coisa soava irritante.

Ele fechou os olhos e se forçou a lembrar de todas as razões pelas quais odiava Severus Snape: arrogante, desagradável, maldoso. Um verdadeiro pé no saco desde o primeiro ano.

Só que, agora, junto com essas memórias, surgiam as mais recentes: Severus comendo chocolate de forma quase envergonhada, Severus tentando esconder o rubor quando o chamava de fofo, Severus relaxando por um breve segundo quando James ria de verdade.

E aquele beijo. Todos os beijos.

James apertou os olhos, afundando no travesseiro. O peito parecia pesado. Ele não estava pronto pra admitir o que sentia, porque talvez não tivesse nome ainda. Mas uma coisa era clara: ele não queria que Severus o evitasse, não mais.

Mas foi dois dias depois que tudo desmoronou de vez.

James tinha acabado de sair do treino de quadribol quando ouviu dois alunos cochichando perto do corredor da ala hospitalar.

— Você soube? O Snape está na enfermaria. — A menina comentou, animada. — Parece que ele… voltou ao normal.

— Sério? — O outro respondeu, surpreso. — Então a confusão acabou.

James parou no meio do corredor, o coração disparado.

Voltou ao normal?

As palavras ecoaram na cabeça dele, frias e cortantes.

Ele largou a vassoura no ombro e ficou ali, imóvel, sentindo o estômago despencar. Se Severus recuperou as memórias, então tudo que tinham vivido, os selinhos, os abraços, o beijo, podia não significar absolutamente nada.

Mas aquilo seria impossível, ele sabe exatamente o que viu.

De forma automática, ele se lembrou da expressão do sonserino fugindo dele nos últimos dias e a ansiedade apertou o peito.

E se agora ele me odiar ainda mais? E se tudo aquilo foi só um erro?

E se ele tivesse entendido tudo errado?

James passou a mão pelos cabelos desgrenhados, respirando fundo, mas não adiantava. O coração estava em disparada. Ele queria correr até a enfermaria naquele instante, exigir respostas, olhar nos olhos de Severus e descobrir se havia perdido tudo antes mesmo de começar.

Mas, pela primeira vez em muito tempo, Potter hesitou.

 

*

 

James respirou fundo mais uma vez, sentindo o ar frio do corredor que levava à ala hospitalar. O coração martelava tão alto que ele quase podia jurar que qualquer um que passasse ouviria.

Vai estar tudo bem. Eu só preciso olhar pra ele. Só isso.

O corredor parecia mais longo do que nunca. As paredes de pedra, sempre iguais, agora tinham um ar opressivo, como se cada pedra murmurasse “você já perdeu” a cada passo. Quando chegou diante da porta branca da enfermaria, sua mão hesitou sobre a maçaneta de ferro.

Empurrou.

A sala estava em silêncio, exceto pelo ranger leve de uma pena de Madame Pomfrey sobre um pergaminho. Ela levantou o olhar e arqueou as sobrancelhas ao vê-lo.

— Potter. — A voz dela foi seca, mas não hostil. — O que faz aqui?

— Eu… eu vim ver o Sev-Snape. — James pigarreou, tentando parecer mais confiante do que realmente estava. — Ele está?

Pomfrey respirou fundo, como se tivesse previsto aquela pergunta.

— Não mais. — Ela respondeu, tornando ao pergaminho. — Recebeu alta há pouco tempo.

James piscou, incrédulo.

— Alta? Como assim alta? Ele… suas memórias não estavam ruins?

— Estavam. — Pomfrey retrucou, olhando-o por cima dos óculos. — Mas como você mesmo deve ter ouvido, a confusão de memória já passou. Ele está bem o suficiente pra voltar aos afazeres normais. Você não precisa mais se preocupar em ter que fingir.

James abriu a boca pra protestar, mas fechou logo em seguida. Não havia mais ninguém na enfermaria, apenas camas impecavelmente arrumadas. Severus tinha ido embora.

E sem procurá-lo ou esperar por James.

Tudo bem que ele estava confuso, mas aquela pequena cobra ainda era meio irritante, não é?

Ele agradeceu de forma abafada, quase inaudível, e saiu da sala, com os pés pesados como chumbo.

James não fazia ideia de onde o sonserino poderia estar, provavelmente na comunal de sua casa, mas ele precisava ter certeza antes de tentar entrar naquele lugar. Ele precisava do mapa dos marotos.

O dormitório da Grifinória estava cheio do calor habitual. O fogo na lareira crepitava, lançando sombras dançantes pelas paredes. Com um suspiro cansado e ignorando os colegas de casa, ele subiu direto pro seu dormitório.

Sirius estava largado numa poltrona, pernas jogadas por cima do braço da cadeira como se fosse dono do espaço. Remus lia um livro, encostado contra a cabeceira de uma cama, e Peter beliscava biscoitos de alguma erva a que provavelmente não tinha sido comprada de forma legal.

— Aí está ele! — Sirius anunciou, sem notar de fato que James estava com a expressão sombria. — O herói do quadribol, o terror das Sonserinas-

— Cala a boca, Sirius. — James jogou a vassoura num canto e se atirou na própria cama.

Os três se entreolharam.

— O que aconteceu? — Remus perguntou, fechando o livro no colo.

James enfiou as mãos nos cabelos, bagunçando-os ainda mais.

— Fui até a enfermaria. — Murmurou. — O Snape não está mais lá.

— Não está? — Peter repetiu, arregalando os olhos. — Mas… maas memórias dele não tinham…?

— Ele está bem. — James respondeu rápido, quase cuspindo as palavras. — Recebeu alta. Voltou ao normal.

Sirius endireitou-se um pouco na poltrona, observando o amigo com cautela.

— E isso é ruim porque…?

James o encarou com um olhar carregado de frustração.

— Porque agora ele deve odiar ainda mais a minha cara, Sirius! Tudo o que aconteceu… — James parou, respirando fundo. — Tudo o que aconteceu talvez não signifique nada pra ele. Talvez ele até ache que eu estava me aproveitando dele.

O quarto se encheu de um silêncio desconfortável. Até Peter parou de mastigar.

Remus foi o primeiro a falar.

— Talvez você esteja se precipitando, James. Ele pode ter voltado à memória, mas isso não apaga o que aconteceu nesses dias, talvez os sentimentos dele tenham mudado.

— Ou apaga sim. — James retrucou, amargo. — Se ele me evitava antes, quando dizia estar tendo apenas fragmentos de sua memória, agora ele vai me evitar em dobro.

Sirius bufou, passando a mão pelos próprios cabelos.

— Sinceramente, Prongs, às vezes você complica demais. O Snape sempre foi uma criatura insuportável, não sei por que está se martirizando com isso. Nós deveríamos estar comemorando a sua liberdade.

James olhou pra ele, e por um instante, a velha raiva quase ressurgiu. Mas algo dentro dele estava cansado demais pra brigar.

— Porque… — James começou, depois suspirou. — Porque eu acho que gosto dele, Sirius. E não sei o que fazer com isso. Entendeu agora?

As palavras pairaram no ar como uma bomba prestes a explodir. Peter tossiu engasgado com o biscoito. Remus ergueu as sobrancelhas até o limite da testa. E Sirius… Sirius arregalou os olhos, mas logo escondeu o choque com uma risada curta e incrédula.

— Merlin, James… você tá falando sério?

— Estou. — James disse firme, encarando-o de volta. — Mais sério do que nunca.

Sirius se levantou, andou alguns passos, coçou a nuca.

— Escuta, eu sei que você ainda desconfia de mim por causa daquele envenenamento idiota… — Ele começou, hesitante. — Mas vou repetir: eu não tive nada a ver com aquilo. Eu nunca machucaria o Snape desse jeito, por mais que ele seja um desgraçado. Então, você não precisa se sentir que de alguma forma é culpado pelo que aconteceu com ele, você não precisa achar que gosta dele.

James olhou pro amigo. Sirius parecia hesitante ao falar com ele, o que era bastante raro.

— Eu sei. — James disse de repente, quase sem pensar. — Eu acredito em você. Não foi você. Mas essa história não tem nada a ver com o que eu acho que sinto por ele. Nós dois passamos meses colados um no outro e ele é simplesmente diferente do que eu pensei que fosse, é difícil ignorar isso. Eu me deixei vê-lo de verdade e eu gostei do que vi.

O silêncio que seguiu foi quase palpável. Sirius piscou, surpreso.

Sirius abriu a boca, fechou, sem saber o que falar. Pads olhou pros outros dois amigos provavelmente em busca de ajuda. E então Peter resolveu abrir a boca.

— Uau. Isso é provavelmente a coisa mais bonita que você já disse, Prongs. Estou emocionado. — Fingiu enxugar uma lágrima.

Remus revirou os olhos, mas havia um sorriso discreto nos lábios.

— O que? — Sirius se voltou pra Peter. — Não, Peter. Apenas não. James, não dê ouvidos pra ele-

— Nada disso importa agora. — Potter interrompeu Sirius. — Não importa quem envenenou quem, quem está certo ou errado. O que importa é que eu preciso encontrar o Severus. Preciso me acertar com ele.

— E como pretende fazer isso? — Remus perguntou, cauteloso.

— Eu não sei. — James admitiu. — Mas não posso deixar as coisas desse jeito.

Sirius se jogou de volta na poltrona, esticando as pernas.

— Você é idiota. Como alguém pode sair de ‘gostar da doce senhorita Evans’ pra um ‘acho que gosto de Snivellus’? — Pads deu uma risada sem humor. — Mas boa sorte com isso, amigo. Você vai precisar.

James ignorou o comentário. Passando as mãos pelo rosto ele suspirou, ele precisava saber onde Snape estava, mas antes que ele pudesse procurar pelo mapa um estalo seco ecoou no dormitório.

Um pequeno elfo doméstico apareceu no meio da sala, orelhas enormes balançando, olhos arregalados.

— Senhor Potter! — A criatura anunciou com a voz aguda. — O diretor deseja vê-lo em seu escritório imediatamente.

James se levantou num pulo, o coração de novo disparado.

— Dumbledore? — Que maravilha, agora ele estava ferrado de vez, ele pensou com sarcasmo.

O elfo assentiu.

E antes que James pudesse fazer qualquer pergunta, a criatura estalou os dedos e desapareceu, deixando apenas o silêncio pesado pra trás.

Ele tinha se esquecido que o diretor ainda pensava que ele foi o responsável pelo envenenamento de Severus, ele ainda estava sob a ameaça de ser expulso. Que merda.

James olhou pros amigos. Sirius arqueava uma sobrancelha, Remus franzia o cenho, e Peter parecia mais assustado do que todos.

James respirou fundo. Ele realmente estava ferrado.

 

*

 

O corredor que levava à escadaria do escritório do diretor parecia mais frio do que nunca. James subia os degraus com passos pesados, cada um ecoando como um aviso de que algo ruim estava por vir. Quando a gárgula de pedra se abriu, ele respirou fundo e entrou.

O escritório de Dumbledore era tão impressionante quanto sempre: prateleiras abarrotadas de livros antigos, instrumentos estranhos que tilintavam e giravam sozinhos, e os quadros dos antigos diretores cochichando entre si. Fawkes, a fênix, repousava silenciosa no poleiro, os olhos brilhando como se soubessem mais do que deveriam.

Dumbledore estava de pé, as mãos cruzadas às costas, observando algo pela janela. Quando James entrou, ele se virou devagar, o rosto marcado pela serenidade, mas os olhos azuis intensos brilhando de uma forma que deixava Potter ainda mais nervoso.

— Senhor Potter. — A voz dele era calma, quase acolhedora, mas carregava um peso que não deixava espaço pra leviandades. — Sente-se, por favor.

James obedeceu, afundando-se numa cadeira de couro diante da grande mesa. Suas mãos suavam, mas ele tentou esconder, apoiando os cotovelos nos braços da cadeira e forçando uma postura confiante.

— Imagino que o senhor saiba por que está aqui. — Dumbledore continuou, acomodando-se do outro lado da mesa.

James pigarreou.

— Sobre o Snape…

— Exatamente. — O diretor inclinou a cabeça. — Como certamente já percebeu, o senhor Snape recuperou suas memórias. Está lúcido, alerta e perfeitamente consciente de tudo. Sendo assim, não há mais necessidade de que mantenha essa… encenação de namoro, como foi previamente sugerido.

Sugerido… James quase riu, ele foi obrigado a fazer aquilo.

Mas a palavra “encenação” soou como um soco, não havia como explicar que nada daquilo tinha sido fingimento pra ele. Pelo menos não no final.

— Certo. — Foi tudo que ele murmurou, desviando o olhar pra as engrenagens douradas que giravam numa das prateleiras.

Dumbledore o observou em silêncio por alguns segundos, antes de pousar as mãos sobre a mesa.

— No entanto, há algo que ainda me preocupa. — Sua voz ficou mais grave. — Até agora, não obtive uma resposta clara de quem foi o responsável pelo envenenamento do senhor Snape.

James voltou a olhar pra Dumbledore.

— Eu já disse que não fui eu.

— Sim, disse. — Dumbledore respondeu com calma. — E também negou que qualquer um de seus amigos tivesse envolvimento.

— Porque não tiveram! — James rebateu, mais alto do que gostaria. Ele respirou fundo e baixou o tom. — Sirius, Remus, Peter… nenhum deles faria isso. Eu também não.

O diretor o encarou por um longo instante, James se sentiu desconfortável.

— Então quem, senhor Potter?

James apertou os punhos.

— Eu não sei.

Dumbledore se recostou na cadeira, pensativo. O silêncio que se seguiu foi quebrado apenas pelo suave trinar de Fawkes.

— É curioso. — O diretor disse por fim. — Porque, querendo ou não, sua palavra pesa pouco diante da gravidade da situação.

— Mas eu estou dizendo a verdade! — James explodiu, sentindo a frustração borbulhar. — Eu nunca faria algo assim! Eu e o Snape brigamos, sim, mas isso não significa que eu tentaria matá-lo!

Dumbledore não respondeu de imediato. Passou os dedos longos pela barba prateada, observando-o como se tentasse ler cada camada de seus pensamentos e isso assustou James.

— Talvez não, James. — disse com suavidade. — Mas a verdade é que não cabe a mim decidir sozinho seu destino agora.

James sentiu um arrepio correr pela espinha.

— Como assim?

Dumbledore se inclinou ligeiramente pra frente.

— Sua permanência em Hogwarts, neste momento, está nas mãos do senhor Snape.

James arregalou os olhos.

— Do Snape?

— Exato. — O diretor confirmou com a serenidade de sempre. — Ele tem o direito de relatar sua versão dos fatos. O que ele disser sobre o período antes do incidente e nos momentos em que esteve sob os efeitos do veneno será decisivo.

O coração de James disparou, tão forte que parecia sacudi-lo por dentro.

— E se ele… se ele disser que eu…? — Sua voz falhou, e ele não conseguiu terminar. Ele realmente achava que Severus gostava dele, mas ele também achava que o sonserino deveria estar com raiva dele.

Dumbledore completou, sem piedade.

— Se ele disser que acredita que o senhor foi o responsável, não terei escolha senão providenciar sua transferência pra outra instituição.

James engoliu em seco, as palavras do diretor ecoando como uma sentença de morte. Transferência. No meio do último ano. Longe de tudo o que ele conhecia. E nem tinha a certeza se alguma escola o aceitaria a tempo.0

Ele respirou fundo, tentando reunir alguma coragem.

— E se ele disser a verdade? — James perguntou, mais baixo, quase um sussurro. — Que eu não fiz nada?

Dumbledore o observou por alguns segundos, e então respondeu:

— Então talvez ainda haja esperança de que conclua seu último ano em Hogwarts.

James fechou os olhos por um instante. Seu futuro dependia de alguém que passara anos sendo seu inimigo e que agora era a pessoa por quem, confusamente, ele começava a nutrir sentimentos que mal conseguia entender.

Quando abriu os olhos de novo, Dumbledore já estava se levantando, sinalizando que a conversa havia terminado.

— Pode se retirar, senhor Potter. — O homem disse com gentileza. — Recomendo que reflita com cuidado. Afinal, estamos sempre a um passo de sermos lembrados mais por nossas escolhas do que por nossas intenções.

James levantou-se devagar, como se o chão tivesse se tornado frágil sob seus pés. Ele saiu do escritório com a mente em turbilhão, o peito pesado e uma única certeza: precisava encontrar Severus antes que fosse tarde demais.

 

*

 

James tinha a mente em chamas quando deixou o escritório de Dumbledore. Não conseguiu jantar, nem rir de uma das piadas maldosas de Sirius. A única coisa que conseguia pensar era em Severus.

Ele precisava vê-lo. Precisava entender o que estava acontecendo.

Quando todos no dormitório já dormiam, ele puxou do baú o velho pedaço de pergaminho dobrado em quatro.

— Eu juro solenemente que não pretendo fazer nada de bom.

As linhas do mapa se espalharam pelo papel e James procurou freneticamente o nome.

Severus Snape.

 

Ali estava ele, parado no dormitório da Sonserina, sozinho.

James sorriu com um misto de nervosismo e adrenalina, o mesmo sentimento que Severus sempre despertou nele. Aquilo era tão emocionante. Pegando sua capa da invisibilidade ele saiu apressado, sem olhar pra trás.

O castelo parecia mais silencioso do que nunca, tão diferente de como ficava durante o dia. Passando pelas paredes verdes da Sonserina, James sentiu uma pontada de ironia, anos tentando entrar ali pra pregar peças e agora estava entrando como se fosse se declarar justamente pra pessoa que ele tanto dizia odiar.

Chegando de frente a entrada da sala comunal ele torceu pra que aquele garoto do primeiro ano não tivesse mentido pra ele sobre as senhas, o que pra sorte do menino deu certo. Ele tinha conseguido entrar.

Chegando à porta do dormitório, espiou o corredor vazio, respirou fundo e com um feitiço abriu a porta devagar.

Severus estava sentado na beira da cama, um livro aberto no colo. As cortinas da cama fechadas atrás dele, uma vela acesa ao lado, e o cenho franzido em concentração. Não parecia alguém surpreendido, parecia alguém que estava esperando.

— Tire essa capa ridícula, Potter. — O sonserino disse sem levantar os olhos.

James congelou.

— Como…?

Severus fechou o livro com um estalo seco e ergueu o olhar.

— Você respira alto demais pra ser invisível. Isso sem contar o barulho de seus passos, você anda igual a um porco.

James suspirou e tirou a capa, jogando-a sobre uma cadeira.

— Você lembra. — James disse, meio acusação, meio constatação.

— Lembro. — Severus confirmou, seco. — De tudo.

James sentiu o estômago despencar. O “de tudo” soava terrível em seus ouvidos.

— Então… — James começou, hesitante. — Isso significa que… que aquilo… os beijos… não…

— Que não significaram nada? — Severus completou com uma ironia cortante. — É isso que você quer ouvir?

James engoliu em seco.

— Quero ouvir a verdade.

Severus se levantou devagar, fechando ainda mais o rosto.

— A verdade, Potter, é que eu me lembro de cada maldito detalhe da nossa história. De cada vez que você me humilhou, de cada vez que me chamou de nomes, de cada vez que riu quando o mundo inteiro ria de mim. — Ele deu um passo à frente, a vela iluminando os olhos escuros. — E agora, de repente, você resolve brincar de ser meu namorado. Você não tinha esse direito.

James sentiu o golpe como se fosse físico.

— Não foi brincadeira. — Disse firme, a voz mais baixa. — No começo… foi apenas eu fazendo o que me mandaram fazer, mas no final não foi fingimento.

Severus riu sem humor enquanto dava um passo pra trás.

— Claro. E eu tenho certeza que você deve ter odiado me fazer de idiota na frente de todos ao fingir que eramos namorados.

— Não! — James deu um passo à frente, quase implorando. A que ponto ele chegou? — Eu não estava brincando, Severus. Eu… eu não sei quando aconteceu, mas mudou. Não consigo te ver da mesma maneira.

O silêncio entre os dois pareceu pesar mais que a pedra do castelo. Severus cruzou os braços, como se precisasse de algo pra se proteger.

— Isso é só culpa. — Ele cuspiu. — Você se sente culpado pela nossa história, pelo que aconteceu comigo. E agora inventou essa… essa paixãozinha pra compensar. Não é real.

Potter não sabia se o outro estava dizendo aquelas coisas pra ele ou pra si mesmo. A um certo ponto, Severus parecia quase que frenético ao negar tudo.

— Não é culpa. — James insistiu. — Eu sei o que é culpa e eu sei o que é olhar pra você e querer que você sorria, mesmo que seja só um segundo não tem absolutamente nada a ver com culpa.

Severus desviou o olhar, mas a respiração estava pesada. James viu as mãos dele tremerem, quase imperceptíveis.

— Você não entende. — Severus murmurou. — Eu não posso… saia daqui.

James se aproximou mais, até que só um passo separava os dois.

— Não, eu não vou embora até resolvermos isso. — A voz dele saiu rouca e firme. — Você fez muito esforço pra me ter por perto, Severus. E agora que eu acho que me apaixonei por você, eu não vou ficar sem você. — Ele respirou fundo, encarando-o de frente. — E eu sei que você sente o mesmo. Eu sei o que eu vi.

Severus levantou os olhos, pronto pra negar. Mas não saiu nenhuma palavra por seus lábios.

Foi James quem tomou a iniciativa. Aproximou-se, rápido demais, uma mão tocando o braço de Severus enquanto a outra segurava o rosto magro do sonserino, ele se inclinou e o beijou.

Um beijo de verdade. Com pressa, com força e com bastante entusiasmo.

Severus hesitou, o corpo rígido por um instante. Mas então, com um suspiro, ele correspondeu.

James sentiu o mundo inteiro desaparecer. Não havia guerra, não havia escola, não havia mal entendidos. Só Severus.

Quando se afastaram, os dois respiravam rápido. James sorriu de leve, um sorriso nervoso.

— Eu não sei o que está passando por sua mente agora, mas eu vou te conquistar. — Ele prometeu, num sussurro decidido. — Não importa quanto tempo leve. Você me queria e agora você me tem.

Severus não respondeu. Apenas desviou o olhar, as bochechas coradas, se afastando de James como se o grifinório estivesse pegando fogo.

E talvez James realmente estivesse pegando fogo.

 

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Chapter 8: Capítulo 8

Notes:

Capítulo sem revisão. Boa leitura!

(See the end of the chapter for more notes.)

Chapter Text

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Severus estava no mínimo confuso com tudo que estava acontecendo, ele pensou que ao dizer que sua memória estava boa, Potter o deixaria em paz. Ele pensou que pelo menos seria ignorado depois de tudo, mas não era isso que o idiota estava fazendo, na verdade o grifinório estava fazendo o completo oposto.

O porco parecia ter algum hiperfoco em Severus, Potter sempre pareceu muito focado nele, mas nas últimas semanas estava pior e de uma forma diferente. Não importava onde Severus tentava se esconder, Potter sempre o achava e sempre dava um jeito de chegar e tentar conversar com o sonserino, e mesmo quando Severus o ignorava, não fazia efeito nenhum. O grifinório não tinha problema em falar sozinho, ele parecia apenas preocupado em estar perto de Severus e aquilo estava começando a irritá-lo de verdade.

Ele já estava confuso mais do que o suficiente, não precisa daquele idiota dizendo que acreditava estar se apaixonando por ele.

Maldita a hora em que ele teve a ideia de fingir toda aquela história. Ele realmente deveria ter seguido os conselhos de Regulus, se ele tivesse feito isso não precisaria estar passando por aquela situação e nem iria precisar ser alvo de risadas de seus amigos.

— Você parece com dor de cabeça, Snape. — A voz arrastada de Avery quebrou o silêncio preguiçoso do grupo.

Estavam todos ali, no ponto que há anos era considerado “deles”: uma clareira escondida depois da orla da Floresta Proibida, cercada por árvores antigas e o som distante de sapos e grilos. No centro, uma fogueira discreta iluminava os rostos, refletindo tons dourados sobre os emblemas verdes e prateados de suas capas.

Regulus estava reclinado contra uma pedra, mexendo distraidamente em um galho, enquanto Mulciber e Wilkes disputavam quem conseguiria lançar o feitiço mais rápido num tronco caído. Rosier estava deitado na grama, bufando a cada vez que um feitiço falhava e uma fagulha ricocheteava.

Severus, no entanto, mantinha-se afastado, com os cotovelos apoiados nos joelhos e o olhar perdido no fogo. E tinha Aurora e Charity, as duas loucas, que cochichavam entre risadas abafadas, trocando olhares cúmplices que só as duas entendiam, Severus nunca deixaria de se surpreender o fato de que seus amigos puro sangue pareciam aceitar bem a presença delas, especialmente de Charity, que era uma nascida trouxa.

— Cala a boca, Edmund. — Severus respondeu sem desviar o olhar das chamas.

— Ah, mas o amor dá muita dor de cabeça. — Wilkes comentou com um sorriso preguiçoso, sem nem olhar pra ele. — Principalmente quando o amor atende pelo nome de Potter.

Aurora gargalhou.

— Merlin, eu ainda não acredito que o idiota caiu de amores pelo nosso Sev.

— Nosso? — Avery ergueu uma sobrancelha, provocando. — Eu acho que Potter odiaria esse termo.

— Potter é completamente maluco e idiota. — Regulus disse com um tom preguiçoso mas o sorriso malicioso. — E, sinceramente, vocês não acham essa situação toda muito engraçada, não?

— Não tem graça nenhuma — Severus rebateu, irritado. — Ele está me seguindo pelos corredores, Regulus. Seguindo.

— O que não é nenhuma novidade. — Rosier riu, jogando a cabeça pra trás. — O garoto dourado perseguindo um sonserino mal-humorado. Digno de uma peça teatral. É engraçado.

— Eu odeio todos vocês — Severus murmurou, sem convicção.

Charity, que mordiscava um marshmallow encantado que soltava faíscas prateadas, sorriu.

— A gente sabe, Sev. Mas olha pelo lado bom, desde que tudo começou o idiota nunca deixou faltar nada pra você. Ele compra absolutamente tudo o que você quer e isso é bom.

— Não é engraçado e não é bom. — Ele insistiu. — O porco pode me cobrar por tudo.

— Pare de fingir que não está gostando de receber todos esses presentes. — Regulus deu um meio sorriso e se inclinou pra frente. — E eu ainda disse que não era uma boa ideia, lembra? Fingir aquele envenenamento, perder a memória... Devia ter me escutado.

Severus o fuzilou com o olhar.

— Foi uma ideia excelente.

— Excelente? — Regulus arqueou uma sobrancelha. — Você está sendo assediado por um Potter apaixonado e metade do colégio acha que vocês estão tendo um caso. Um caso de verdade.

Rosier explodiu em gargalhadas, e até Aurora precisou esconder o riso com a mão.

— Bem, tecnicamente, vocês tiveram um caso, não? — Wilkes provocou. — Ouvi dizer que rolou beijo.

— Foi um acidente! — Severus rebateu imediatamente, sentindo o rosto esquentar.

— Aham, claro. — Regulus cantarolou. — Um acidente que se repetiu várias vezes.

Charity caiu na risada.

— Vocês são insuportáveis. — Severus passou a mão pelo rosto, tentando conter a irritação ou, mais precisamente, esconder o rubor.

— Ah, vá lá, Sev. — Mulciber chamou sua atenção. — Não é como se fosse uma surpresa ele ter se apaixonado, ele sempre pareceu todo esquisito com você.

— Ele só acha que está apaixonado — Severus respondeu, amargo. — Porque não sabe o que aconteceu de verdade, não sabe que eu estraguei tudo.

Regulus inclinou a cabeça, curioso.

— E o que seria esse tudo?

Severus hesitou por um segundo, mas respondeu com um suspiro.

— Ele perdeu a chance dele com Lily por minha causa. Acho que ele está confuso por isso, como se eu fosse algum tipo de substituto emocional.

— Lily Evans? — Charity franziu o cenho.

— Exato. — Severus apertou os dedos contra o joelho, tenso. — Potter sempre quis ser o herói dela, mas o feitiço que usei bagunçou tudo, eu meio que o obriguei a passar muito tempo comigo. Agora ele acredita nessa besteria. É apenas confusão.

— Você é o novo objeto de devoção dele. — Regulus completou, divertido. — Você deveria ter me ouvido, isso não estaria acontecendo.

— Isso não tem graça.

— Não acho que isso seja verdade. — Aurora falou enquanto olhava pra ele de forma incisiva, Severus não gostava quando a garota olhava pra ele daquela forma, parecia que ela estava vendo toda a sua alma. — Bruce estava certo, Potter sempre foi esquisito co você. Acho que de uma maneira distorcida, ele sempre tentou chamar sua atenção, era sempre você e não Evans. O seu nome sempre vinha em primeiro lugar.

— Vinha em primeiro lugar porque era eu que ele ofendia. — Severus não acreditava que estava tendo aquela conversa.

Sinistra deu de ombros.

—Eu não discordo que ele é a personificação de um estrume, mas ainda acho que ele não está apenas confuso.

Severus não se dignou a responder, aquilo era absurdo.

— E o mais irônico — Charity acrescentou com um pequeno sorriso. — É que ele parece mais simpático quando está perto de você do que quando estava com Lily.

Severus lançou-lhe um olhar indignado.

— Isso é ridículo. Não acredito que logo você está concordando com isso. — Ele esperava ouvir aquelas idiotices de qualquer pessoa menos de Charity, a lufana nunca suportou Potter, nem mesmo quando Severus ainda não era seu amigo.

— Eu concordar que ele está realmente apaixonado por você não me faz acreditar que ele merece você.

— E não finja Severus, ridículo é você fingir que não pensa nele. — Rosier disse, em tom provocativo. — Ultimamente você parece mais irritado, mas não mais indiferente.

Severus bufou e se levantou.

— Eu não preciso ouvir esse tipo de tolice.

Edmund riu ao olhar pro seu rosto que com certeza mostrava o seu descontentamento com toda aquela conversa.

— Ah, vai, Sev. Relaxa. Estamos só aproveitando o momento.

— É fácil pra vocês rirem. — Severus cruzou os braços. — Vocês não têm um grifinório idiota seguindo seus passos, fazendo perguntas absurdas e dizendo coisas que-

— Que o deixam vermelho? — Regulus o interrompeu, de propósito.

Severus virou o rosto, e o silêncio que se seguiu foi interrompido apenas pelo estalo do fogo e uma gargalhada abafada de Avery.

— Eu vou embora. — Severus se virou, mas não precisou esperar muito tempo pra ouvir passos e conversas abafadas atrás dele e mesmo que ele não tivesse olhado pra trás ele sabia quem era, Charity e Evan.

Ele não deu importância pros amigos, sua mente estava bastante longe dali.

Nos últimos dias, o grifinório parecia realmente sincero. Ele o procurava pra conversar, mesmo quando Severus respondia com monossílabos ou sarcasmo. Levava doces e presentes, elogiava seus trabalhos, e, pior, olhava pra ele daquele jeito, aquele olhar idiota, caloroso e completamente desarmado.

Esse tipo de pensamento o incomodava mais do que deveria.

Ele só acha que está apaixonado, Severus repetiu mentalmente, tentando se convencer. Ele só está assim porque não sabe o que eu fiz. Se soubesse, me odiaria mais do que nunca.

Severus não quis pensar no porque seu coração apertou ao pensar aquilo.

— Sev? — A voz de Charity o trouxe de volta. Ela o olhava com um sorriso gentil. — Está tudo bem?

— Estou ótimo. — Ele mentiu, ajeitando a postura. — Só cansado.

Mesmo com o silêncio confortável, a mente de Severus permanecia inquieta, voltava sempre pro mesmo ponto.

Lily. James. E o que havia entre os dois, e agora, entre ele e James.

Lily sempre fora tudo o que James admirava, ela era brilhante, confiante, cheia de luz.
E ele… bem, era o oposto. A sombra que Lily deixava pra trás.

Talvez seja isso, pensou, amargo. Potter se cansou da Lily e agora resolveu brincar comigo por curiosidade. Ou talvez ela tenha lhe dado mais um fora, não que ele acreditasse realmente nessa hipótese, sua ex amiga parecia bastante entusiasmada com o grifinório.

Mas, ao lembrar dos olhos castanhos esverdeados fixos nos seus, e da maneira hesitante como James o chamou de morceguinho dias antes, algo dentro dele vacilou. Por Merlin, aquele apelido era ridículo, então por que ele ficava tão ansioso ao pensar naquilo?

 

*

 

O relógio antigo da sala do diretor fazia um barulho irritante.

Cada som parecia ecoar dentro da cabeça de Severus, acentuando o desconforto que ele já sentia apenas por estar ali. Ele odiava aquela sala, ele nunca teve uma experiência boa estando ali.

Dumbledore estava sentado atrás da mesa de carvalho, os dedos entrelaçados, o olhar sereno e, pra desespero de Severus, absurdamente atento. Havia algo naqueles olhos azuis que parecia ver mais do que o aceitável.

Severus odiava o homem à sua frente. Falso moralista, Severus odiava pessoas assim.

— Então, Severus — Começou o diretor, a voz mansa, quase paternal, completamente falsa. — Como você tem se sentido desde o incidente?

Incidente. Era sempre assim que Dumbledore se referia a tudo que acontecia com ele naquele castelo.

Severus respirou fundo, tentando manter o rosto impassível. As mãos estavam apoiadas no colo, apertadas uma contra a outra sob a capa do uniforme.

— Tenho me sentido bem, senhor. Um pouco de dor de cabeça no início, mas já passou. — Ele respondeu, num tom ensaiado.

Dumbledore inclinou levemente a cabeça, como quem analisa um possível criminoso.

— Certo… E quanto à memória? — Perguntou, com um leve sorriso. — Há algo que ainda pareça fora do lugar?

Severus hesitou por um instante. Ele havia treinado essa resposta dezenas de vezes diante do espelho, mas agora, sob aquele olhar, as palavras pareciam evaporar.

— Não… não exatamente. Algumas coisas ainda estão um pouco embaralhadas, mas nada grave. — Manteve o olhar no chão, evitando encontrar os olhos do velho. Melhor evitar correr o risco do velho olhar dentro da sua mente. — Às vezes me confundo com pequenas lembranças.

— Pequenas lembranças. — Dumbledore repetiu calmamente. — Poderia dar um exemplo?

Maldição.

Severus engoliu seco. O diretor estava testando-o, claro. Ele sabia que Dumbledore desconfiava, não havia nada que aquele homem não percebesse.

— Algumas conversas antigas. — Ele improvisou. — E datas. Eu me lembro de eventos, mas nem sempre quando aconteceram.

Houve um breve silêncio. O velho bruxo observava-o com um interesse irritante.

— Entendo. É natural, após um trauma, especialmente por envenenamento. — Disse, por fim. — Trauma. Severus precisou conter o impulso de rir. — E quanto ao senhor Potter? Têm conseguido conviver com ele?

O estômago de Severus se contraiu. Ele já devia saber que o assunto chegaria ali.

— Tem sido… suportável. — Ele mentiu, tentando parecer indiferente. — Potter não tem me incomodado.

Dumbledore arqueou as sobrancelhas, surpreso.

— Não tem incomodado?

Ótimo, pensou Severus, agora ele vai achar que estou ficando sentimental.

— Ele parece… diferente. — Admitiu, desviando o olhar. — Não como antes.

Dumbledore cruzou os braços e se recostou na cadeira, o olhar curioso.

— Diferente de que maneira?

De maneira menos insuportável, ele quis dizer. De maneira confusa. De maneira que faz meu peito apertar e minha cabeça doer.

Mas o que saiu foi:

— Menos irritante.

O velho riu baixinho, e Severus teve vontade de desaparecer.

— Curioso. — Dumbledore murmurou. — O jovem Potter parece ter se mostrado… mais atencioso com você, segundo alguns professores. Mais até de quando ele precisou contribuir pra sua recuperação.

Severus levantou os olhos num sobressalto.

— Professores?

— McGonagall, por exemplo. — Respondeu o diretor, tranquilo. — Disse ter notado que ele tem se comportado melhor nas aulas, e que até tentou intervir quando Sirius Black implicou com você.

Severus apertou o maxilar, lembrando-se perfeitamente da cena. Sirius havia soltado uma piada qualquer, algo sobre seus cabelos não parecerem mais tão sujos, e Potter o silenciou com um olhar que ninguém esperava dele.

— Potter é inconsistente. Provavelmente está apenas tentando parecer virtuoso.

— Talvez — Dumbledore disse sem soar convencido. — Ou talvez esteja tentando se redimir.

O silêncio que se seguiu era tão espesso que Severus podia ouvir o ranger da cadeira sob o peso do diretor.

Se redimir de quê?, quis perguntar. Não eram apenas brincadeiras na visão do diretor? Então por que o velho idiota estava fazendo todo aquele teatro?

Mas ele não podia se aprofundar muito naquela conversa, não quando ele mesmo era o culpado por tudo aquilo.

— E quanto à sua convivência com os outros alunos? — Dumbledore continuou, interrompendo-lhe o turbilhão de pensamentos. — Sente-se confortável?

— Sim, senhor.

— Mesmo com Potter sempre por perto?

Severus ergueu o olhar, irritado com a insistência.

— Ele não está sendo um problema.

— Não? — Dumbledore sorriu de leve. — Costumava ser.

— Talvez a consciência das pessoas realmente pesam em algum momento. — Rebateu Severus. — Você acredita nisso, diretor? Acredita que até mesmo grandes bruxos como você tem coisas pra se redimir?

Dumbledore observou-o longamente, o sorriso morrendo devagar. Quando falou novamente, a voz estava mais baixa, quase triste:

— Sim, mesmo eu, em certos momentos, tomo atitudes das quais preciso me retratar. Mas me responda com sinceridade, senhor Snape. Você acha que o senhor Potter foi o responsável pelo seu acidente?

A pergunta caiu como um feitiço.

Por um instante, Severus pensou em responder a verdade. Que não havia acidente algum. Que tudo não passava de uma encenação maldita criada pra manipular o próprio Potter.

Mas então viu a expressão de Dumbledore, gentil, confiante, como se já esperasse uma resposta honesta. Como se pela primeira vez acreditasse nas palavras de Severus.

Era estranho estar daquele lado pela primeira vez e foi justamente isso que o fez hesitar.

Ele não sabia por que, mas as palavras saíram diferentes do que pretendia:

— Não — Ele disse, a voz mais baixa do que esperava. — Não acho que ele tenha sido o culpado.

Porra, ele acabou de perder a oportunidade perfeita de se livrar do porco e de se vingar por completo.

Dumbledore inclinou a cabeça, satisfeito, e anotou algo em um pergaminho sobre a mesa.

— Fico feliz em ouvir isso. Há muitos na escola pedindo pra que ele seja transferido, sabia?

Severus o encarou, confuso. Ele não sabia sobre aquilo, ele apenas pensou que o grifinório não teria outra punição além de ter que fingir ser o seu namorado.

— Transferido?

— Sim. Alguns alunos, e até professores, acreditam que ele possa representar perigo.

Severus sentiu o estômago revirar. Potter, fora da escola? Por causa de mentiras dele?

Por que aquilo já não parecia tão atrativo?

O coração batia rápido, como se tentasse fugir de dentro do peito.

— Eu… — Ele começou, sem pensar direito. — Eu não acho que deva ser transferido.

Dumbledore ergueu os olhos, surpreso.

— Não?

— Ele não teve culpa. — Repetiu Severus, nem ele estava conseguindo se entender. Aquela era a oportunidade que ele esperou durante anos. Por que ele apenas não falava que acreditava que Potter era o culpado? — E… tirá-lo da escola não vai ajudar em nada.

Houve um momento em que o velho pareceu analisá-lo novamente. Depois, apenas acenou com a cabeça.

— Muito bem, senhor Snape. Acredito que você esteja certo.

O silêncio voltou, mas era diferente agora. Mais leve, embora Severus não soubesse explicar por quê.

Dumbledore se levantou devagar, caminhou até ele e colocou uma das mãos em seu ombro.

— Fico contente de ver que vocês dois estão conseguindo se entender melhor. — Disse suavemente. — É uma pena que tenham tido que passar por muitas situações desagradáveis e por muitas mentiras perigosas… Espero que nada volte a se repetir, acredito que todas as minhas conversas com o senhor Potter tenha clareado sua mente e espero que a nossa conversa também tenha sido esclarecedora pra você também.

Severus engoliu em seco, sentindo o toque pesar.

— Sim, senhor. Eu entendi.

O diretor sorriu, satisfeito, e o dispensou com um aceno.

Quando Severus saiu da sala e a porta se fechou atrás dele, só então percebeu o quanto estava tremendo.

Não sabia se era medo de ser descoberto ou de estar começando a se importar com o grifinório que, até pouco tempo atrás, ele jurava odiar.

 

*

 

Já fazia dois dias desde que James conversou com Dumbledore, e as palavras do diretor ainda martelavam em sua cabeça.

 

Severus disse que não acredita que você o tenha envenenado, o diretor o disse.

Uma frase simples. E, de alguma forma, elas haviam bagunçado tudo dentro dele.

James se pegava olhando pro sonserino sem perceber, como se o olhar tivesse vontade própria. Era quase ridículo que ele, James Potter, o capitão do time, o garoto popular, estava agindo como um completo tolo apaixonado por um sujeito que provavelmente o odiava com todas as forças do corpo e da alma.

Mas alguma coisa entre eles havia mudado, ele não era mais o mesmo, Severus não era mais o mesmo.

Havia algo diferente no modo como Severus andava pelos corredores, menos raiva, talvez, ou apenas mais cuidado. As palavras continuavam afiadas, é claro, afinal, era Snape, mas havia um tipo de hesitação nos gestos dele que deixava James curioso e feliz.

Ele o observava de longe, no salão principal, nas aulas, no pátio, às vezes ele até se aproximava do outro. Às vezes, quando tentava ser discreto e manter distância, Severus o pegava no flagra e arqueava uma sobrancelha, como se dissesse “você é patético”.

E, mesmo assim, James não conseguia parar. Na verdade ele queria mais, ele começou a querer tudo de Severus.

Naquela manhã, por exemplo, ele havia entrado na aula apenas pra encontrá-lo sentado sozinho, anotando algo em seu caderno, o rosto meio escondido pelo cabelo escuro. A luz que passava pelas janelas fazia brilhar alguns fios, e James, sem querer, achou bonito.

Bonito. Essa palavra nunca havia passado pela cabeça dele em uma frase que envolvesse Snape.

Mais tarde, já no dormitório da grifinória, James estava sentado na beirada da cama, girando a varinha entre os dedos quando Sirius entrou, seguido de Remus e Peter.

— Você está com cara de quem viu um dementador pelado. — Disse Sirius, jogando-se na cama ao lado. James franziu as sobrancelhas, tinha como ver um dementador pelado? — O que houve agora? Snape te lançou outro olhar mortal no corredor?

James levantou o olhar devagar, lançando-lhe um meio sorriso.

— Não exatamente.

— Não exatamente? — Remus ergueu uma sobrancelha, curioso. — Isso soa promissor.

Peter se sentou aos pés da cama, mastigando algo.

— Você só fica sorrindo assim quando acontece algo a ver com o Snape.

— Tudo tem a ver com o Snape ultimamente. — Sirius bufou enquanto fazia uma voz caricata. — Oh, vejam, o cabelo dele hoje está mais brilhante, será que ele usou a poção nova que comprei pra ele?

James jogou uma almofada na direção dele, mas Sirius desviou com um revirar de olhos.

— Vocês são insuportáveis.

— Peter está certo, eu nunca te vi assim e olha que eu já vi você sendo bem bobo pra Lily ou pra outras garotas. — Remus comentou, sorrindo levemente pra ele.

James ficou em silêncio por alguns segundos. Pensou em mentir, dizer que estava apenas cansado, ou preocupado com o quadribol ou com suas notas. Mas a verdade já estava pesada demais pra continuar escondendo.

Ele não tinha contado da sua conversa com Dumbledore pros amigos, ele não queria ter que lidar com perguntas comprometedoras.

— Dumbledore me chamou pra conversar.

Os três o encararam imediatamente.

— E o que o velho disse? — Sirius perguntou com o tom falsamente despreocupado, os olhos atentos.

James suspirou enquanto olhava pro teto.

— Disse que Snape falou com ele também. E que ele não acredita que eu tenha sido o responsável pelo envenenamento.

— O quê? — Remus foi o primeiro a falar. — Ele disse isso? Snape?

James assentiu.

— E por que isso te deixa com essa cara? — Sirius perguntou, confuso. — Achei que você ficaria aliviado.

James riu, sem humor.

— Eu fiquei. Mas… sei lá, Pads. É estranho. Ele podia ter me ferrado se quisesse. Podia ter confirmado qualquer coisa. Mas não fez.

Remus o observava com aquele olhar que parecia atravessar tudo.

— Você acha que ele fez isso por quê?

James demorou pra responder. Baixou o olhar pro chão, girando o anel da família Potter no dedo.

— Talvez… — Começou, hesitante — Talvez ele não me odeie tanto quanto eu pensei. Talvez eu esteja certo do que eu vi.

Sirius bufou.

— Ah, claro, e talvez eu seja o novo ministro da Magia. Vamos, Prongs, é o Snape. Ele provavelmente só não quis parecer um dedo-duro.

— Não é isso, Pads. Severus nunca se importou com isso. — James levantou o olhar, sério. — Eu acho que ele realmente não quis me ver punido.

Sirius o fitou por alguns segundos, e então uma carranca se formou em seu rosto.

— Meu Merlin… Você está mesmo apaixonado por ele.

— Não começa. — James virou os olhos.

— Estou só constatando o óbvio. Vai me dizer que não passou a pensar nele com frequência desde o dia em que o levou pra um encontro?

Remus tossiu alto, reprimindo um riso.

— Você levou Snape pra um encontro?

James sentiu o rosto queimar.

— Foi apenas uma vez.

— Apenas uma vez porque o esquisitão quis assim. — Sirius repetiu, balançando a cabeça. — Você estava todo sorridente o dia todo. Nojento.

— Eu achei fofo. — Peter falou enquanto comia uma rosquinhas de mel. Todos olharam pra ele, incrédulos. — O quê? Vocês fazem parecer que é o fim do mundo. Talvez seja bom pra vocês.

James suspirou, passando a mão pelos cabelos.

— Eu não sei se é bom. Só sei que é real. Severus não pode ter conseguido me enganar daquela forma.

— Você está completamente apaixonado por ele. — Remus sorriu de leve. Seu amigo parecia meio incrédulo. — Deus, você está apaixonado logo por ele.

— É. — Ele riu, um som pequeno, resignado. — Eu sou um idiota apaixonado.

— Mal gosto. — Sirius acrescentou. —Você tem um gosto terrível.

James não poderia se importar menos com a fala do amigo. Ele sabia que tinha um gosto excelente e com aquela conversa com o diretor ele sabia que o sonserino realmente gostava dele.

Ele tinha uma chance.

 

*

 

O sol ainda lançava seus últimos raios alaranjados sobre os jardins do castelo, pintando de dourado a relva e os arbustos bem cuidados. James estava ajoelhado perto de um banco, embrulhando o próximo presente pra Severus, o papel escolhendo cuidadosamente, a fita tentando não enrugar. Havia algo de obsessivo e carinhoso no cuidado que dedicava a cada detalhe, algo que ele mesmo começava a achar estranho.

Sirius, Remus e Peter se espalhavam ao redor, aparentemente despreocupados, embora James pudesse sentir o olhar curioso e julgador deles.

— Você está muito concentrado, Prongs. Vai acabar amassando tudo. — Sirius comentou, jogando uma bolinha de papel em sua direção.

— Não estou amassando nada. É importante, Sirius. É pra ele. — James respondeu, apertando a fita com mais força do que precisava.

Remus ergueu uma sobrancelha.

— Snape? Outro presente?

James engoliu seco, tentando não corar.

— Sim… é só… algo pequeno. Um gesto, nada demais.

— Nada demais, claro — Peter comentou, mordendo a borda de uma rosquinha. — Aposto que ele vai adorar… se você não derrubar a poção nutritiva do pacote em si.

— Por Merlin, me dê isso aqui. — Sirius tomou o embrulho de sua mão, arrumando ele mesmo o laço. James revirou os olhos, mas não pôde deixar de sorrir. Pads reclamava sem parar o sonserino, mas ainda assim ajudava James.

Seu olhar inevitavelmente buscava Severus, que agora caminhava pelos jardins, a capa preta balançando levemente com o vento da tarde. O som de seus passos discretos fez o coração de James acelerar.

Severus parou a poucos metros, mas não olhou pra James. Ele parecia mal-humorado, os lábios apertados e os olhos em Peter e Remus. James franziu a testa, confuso.

— Ei, Sev… — James começou a falar, mas Severus não respondeu. Ele continuou andando, com poucos passos ele parou na frente de Peter e Remus.

— Vocês dois — Severus falou com o tom afiado que sempre deixava James em alerta. — Por que deixaram de aparecer na reunião de estudo? Vocês não aparecem a semanas.

James e Sirius trocaram olhares confusos.

— Reunião de estudo? — Black repetiu, claramente sem entender.

— Achamos que… bem… que você não ia querer da gente por perto agora que recuperou a memória. — Peter respondeu, as bochechas gordas e brancas ficando vermelhas. — Dado a nossa história.

Severus arqueou uma sobrancelha, um sorriso quase imperceptível surgindo nos cantos da boca. Rápido e discreto, mas o suficiente pra Potter sentir uma pontada no peito.

— Se vocês não aparecerem por lá na semana que vem, eu vou castrar vocês dois. Odeio ficar esperando. — A voz dele era calma, mas a ameaça era algo que nenhum deles duvidava, o que fez os seus dois amigos engolirem seco.

James sentiu o aperto no peito. Algo em Severus ainda o irritava de uma forma que ele não queria admitir. O jeito como o sonserino falava com Peter e Remus, tão frio e provocativo, mas ao mesmo tempo tão caloroso, fez uma pontinha de ciúmes se infiltrar. Ele sabia que não tinha motivo real pra sentir isso, mas não conseguia evitar.

Severus lançou um último olhar pros dois, apenas pra ver os grifinórios acenaram positivamente com a cabeça antes de se afastar em direção ao castelo. James não conseguiu se controlar. Levantou-se rapidamente, tomando o embrulho de Sirius e correu alguns passos atrás do outro.

— Morceguinho. — Ele chamou, sem pensar direito, ele nem se deu conta que as pessoas a sua volta ouviram o novo apelido de Severus.

Severus virou a cabeça, surpresa clara, mas não disse nada. James diminuiu o passo, aproximando-se dele com cuidado, sentindo cada batida do próprio coração.

— E-eu queria te dar isso. — Disse James, segurou o pacote cuidadosamente embrulhado na altura do peito. — É… Nada demais, só… — Ele parou, engolindo seco. — Só porque… você sabe…

Severus ergueu uma sobrancelha, o rosto tão sério que James quase se arrependeu. Se ele não tivesse se acostumado com o jeito do outro de demonstrar afeto, ele acreditaria que o sonserino ainda o odiava.

— Mais um presente, Potter. Eu não preciso de caridade. — A voz baixa do sonserino fez o coração de James saltar. — Ou você acha mesmo que preciso disso?

— Bem… Sim, mas… — James começou e se arrependeu assim que viu o rosto do outro se fechar. Não foi sua intenção dar a entender que estava falando da condição financeira do outro, mas pelo jeito foi exatamente isso que ele conseguiu. — Desculpe, eu só queria… sei lá… mostrar que… eu me importo e agradecer por você ter dito a verdade pra Dumbledore.

As pessoas à sua volta pareciam ainda mais interessadas neles, alguns até começaram a andar devagar. Snape também olhou em volta com irritação.

— Vocês não têm nada melhor pra fazer? — Severus perguntou, a voz fria, mas com um toque de ironia que sempre deixava James um pouco perdido entre rir e se desculpar. — Saiam daqui!

Quem estava mais próximo deles voltaram a andar com pressa, sem olhar pra trás. James sem querer deixou uma risadinha escapar, o que fez Severus voltar o seu olhar pra ele.

— Eu só queria me desculpar — James insistiu, a voz quase implorando. — De novo.

Severus soltou um suspiro exasperado e olhou pro céu, como se pedisse paciência aos deuses antigos.

— Potter, você já fez isso pelo menos quinze vezes nas últimas semanas.

— Dezessete. — James corrigiu, automaticamente, e percebeu o que disse tarde demais.

Severus apenas piscou lentamente, os olhos semicerrados e uma expressão que mesclava cansaço e incredulidade.

— Dezessete. Você está contando?

— Não, quer dizer, talvez. — James se atrapalhou. — Eu só quero que você saiba que… que eu realmente sinto muito, está bem? Por tudo. Por ter sido um idiota. Por ter te feito passar vergonha e por ter te machucado.

Severus ergueu uma sobrancelha, o canto da boca se contraindo, quase um sorriso, quase.

— Isso pelo menos você acertou.

— O quê?

— Ter sido um idiota. — Severus respondeu, e virou-se pra ir embora.

James, no entanto, não deixou. Correu atrás dele, o presente ainda nas mãos.

— Espera, Sev!

O sonserino parou, rígido.

— O que foi agora, Potter? Vai se desculpar pela décima oitava vez?

— Não. — James protestou, e depois hesitou. — Quer dizer… talvez. Mas é que eu só quero entender o que eu fiz de errado. Eu sei que você me odeia metade do tempo, mas tem momentos em que parece que- eu não posso ter entendido errado.

— O que? — Severus se virou de repente, e os olhos dele brilharam de irritação. — Você acha que eu gosto de você? É isso?

James abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu.

— Eu… sim? — Ele disse, com um encolher de ombros meio desajeitado. — Às vezes parece que sim. Outras, parece que você quer me matar. É confuso.

— Excelente. — Severus cruzou os braços, o tom completamente ácido. — Porque é exatamente isso que eu sinto, confusão.

James deu um passo à frente, e o outro recuou de leve.

— Isso é bom, significa que você também sente algo. Eu só queria-

— Querer não muda o fato de que você é irritante. — Severus cortou, voltando a andar pra em direção a um corredor mais isolado, James o seguiu sem precisar pensar muito sobre aquilo. — Você aparece em todo lugar, fala sem parar, age como se eu fosse algum tipo de divindade. O que é o total oposto de como você me tratava, é confuso e irritante.

— Eu não sou assim. — James respondeu, a voz subindo um pouco mais do que deveria. — Eu só quero te conhecer de verdade. Ficar próximo de você aqueles meses me fez ver um lado seu que eu não conhecia e eu gostei do que vi. Quando você não está sendo um bastardo maldoso e irritante é bom estar perto de você, bom e fácil.

Severus o olhou como se ele tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo.

— Bom? — Repetiu, num tom seco. — Potter, nós nos conhecemos há anos. Você sabe exatamente quem eu sou.

— Não. — James balançou a cabeça, aproximando-se mais. — Eu só conheci o Snape que você deixava os outros verem, o Snape que eu trouxe a tona. O cara que faz comentários sarcásticos, que se esconde atrás da raiva. Mas agora… eu estou vendo o outro lado. É fácil se apaixonar por você quando você não está se escondendo.

O silêncio que se seguiu foi cortante. Severus o encarou por longos segundos, o maxilar travado, ele parecia tão perdido. Ele não respondeu, apenas virou-se e começou a andar pelo longo corredor.

James hesitou, mas não resistiu ao impulso de segui-lo. De novo. Aparentemente ele era quase um cachorro seguindo o dono que estava tentando o abandonar, era irritante.

O corredor estava vazio. O som dos sapatos ecoava pelas pedras antigas, e James podia jurar que Severus estava segurando o impulso de correr.

— Vai me seguir até o inferno, Potter? — Severus perguntou sem olhar pra trás, a voz baixa e irritada.

— Se for o único jeito de te fazer falar comigo, talvez.

Severus parou tão de repente que James quase esbarrou nele. O sonserino se virou, os olhos faiscando.

— Você é insuportável! Não entende quando alguém quer ficar sozinho?

— Eu entendo. — James respondeu, tentando não sorrir com o quanto Severus ficava bonito irritado. As bochechas dele estavam coradas, os lábios apertados, o cabelo caindo de leve sobre os olhos. Merlin, por que ele tinha que ser assim? Por que James só estava percebendo aquilo agora? Eles perderam tanto tempo. — Mas eu também sei que você não quer de verdade que eu vá embora.

— Arrogante. — Severus rosnou, dando um passo pra frente. — Você acha que todo mundo quer você por perto.

— Todo mundo não. Só você. — James respondeu automaticamente.

Severus piscou, surpreso e por um segundo, pareceu perder o ar.

— Você é realmente uma pessoa mentalmente perturbada.

James riu, ele gostava do Severus atencioso, gentil e amoroso que viu nas semanas anteriores, mas sentia falta do Severus mal educado, irritado e maldoso. Era bom ter o outro de volta.

— Não finja que não sente o mesmo. Você me entendeu, não é?

— Não, Potter, eu nunca entendo as suas idiotices.

— Acho que entende sim. — Ele respondeu, um sorriso de canto escapando.

— Você é impossível. — Severus se virou pra sair novamente, mas James segurou levemente o pulso dele.

Severus o olhou com olhos furiosos e James, Merlin o ajudasse, só conseguiu pensar em como ele era lindo. A pele pálida, os cílios longos, até mesmo o nariz grande adunco era bonitinho.

— Me solta, Potter.

— Severus… — James murmurou, e o nome saiu mais suave do que ele pretendia. — Eu só quero entender.

— Entender o quê? Que eu te odeio?

— Então por que você quis tanto ficar próximo de mim? — James perguntou, e os dois ficaram tão próximos que o hálito de um se misturava ao do outro. — E por que não me manda embora de vez?

Sev desviou o olhar enquanto respirava fundo. E antes que o outro pudesse dizer qualquer coisa, James simplesmente o beijou.

Foi rápido, quase um impulso, mas o suficiente pra incendiar tudo ao redor. Severus congelou por um instante, e James jurou sentir o mundo parar junto. O gosto era quente e amargo.

Empurrando o outro contra a parede, James fez o possível pra não deixar Severus pensar, se o outro pensasse demais, o grifinório correria um alto risco de ser azarado.

Quando por fim se separaram ambos estavam grudados um no outro, Severus prensado contra a parede, o sonserino abriu a boca pra possivelmente brigar com Potter, mas o grifinório foi mais rápido, colocando o presente nos braços do outro, ele agarrou Sev com força e precisão.

Ele podia sentir o pequeno embrulho pressionado contra o seu peito enquanto abraçava o outro ainda mais forte. Severus tinha os lábios tão beijáveis. Era tão bom.

James não sabia exatamente quanto tempo ficaram assim, Severus encostado contra a parede e o beijando de volta, e James sentindo seu corpo esquentar. Eles apenas interromperam os beijos quando passos foram ouvidos, Severus o empurrou a tempo porque logo depois Lily e Marlene apareceram, ambas estavam conversando e demoraram pra ver eles.

Severus parecia querer desaparecer. James suspirou.

— Meninas. — Potter as cumprimentou sem se afastar do outro.

Marlene parecia querer o matar apenas com o olhar e Lily sorriu brevemente pra ele, ambas nem sequer pararam por eles. Mas foi o suficiente pra James ver Severus seguindo Lily com o olhar de forma discreta, o grifinório começou a se irritar com aquilo.

— Você não gosta dela não, certo? — Ele perguntou se abaixando e colocando sua cabeça na frente de Severus que estava olhando pro lado. O sonserino o olhou e bufou.

— Me deixe em paz Potter. — Severus queria parecer irritado, mas era impossível quando ele estava corado e com os lábios inchados dos beijos de James.

— Você gosta dela?

— Não, Potter. Eu apenas não me sinto confortável que ela veja nós dois assim, há pouco tempo vocês estavam juntos.

— Não estávamos juntos. — Eles realmente não estavam juntos, eles se beijavam e saiam às vezes, mas não estavam namorando.

— Você é um insensível. — Severus o acusou. — Você vivia dando em cima dela.

— Eu me desculpei por ter a magoado e ela entendeu. E eu não sei porque você se importa tanto, ela já riu de você, sabia? Quando vocês ainda eram amigos.

Aquilo fez Severus parecer recuar.

— E você já quase me deixou nu na frente de toda a escola.

— E eu me arrependi e estou tentando me redimir com você. Diferente dela. E vocês nem são mais amigos, por que você ainda se importa com ela? Você é bom demais, sabia? Ela não merece tudo isso.— James se afastou brevemente do outro, olhando ao redor ele viu que já não havia ninguém por perto. — Por que você está tão preocupado com ela ou com a possível relação que eu tive com ela? Eu gosto de você, não dela.

Severus se afastou, olhando ao redor de modo ansioso.

— Você não gosta de mim.

— Gosto sim.

— Você só acha que gosta porque não sabe o que eu fiz.

James olhou pro outro com interesse, Severus estava bem a sua frente, a voz baixa e olhar vago, quase triste.

— E o que você fez de tão grave que me faria me desapaixonar por você? Eu sei exatamente o tipo de pessoa que você é.

— Não, não sabe. — Severus se aproximou ainda mais, James de forma automática passou os braços na cintura do outro, que segurava o presente nas mãos como uma tábua de salvação. — Você quer saber o por que eu disse pra Dumbledore que não foi você que me envenenou?

James levantou uma sobrancelha, aquilo estava ficando interessante. Severus parecia tão ansioso, tão perdido. Potter queria apenas poder abraçar o outro com força, mas ele segurou esse impulso.

Ele realmente queria saber o que Severus queria dizer com aquilo. E, mesmo sem querer, seu coração começou a acelerar.

 

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Notes:

Gente, me tira uma dúvida aqui rapidinho. Os capítulos estão ficando longos, vocês gostam assim? Ou preferem eles mais curtos?

As vezes eu me empolgo demais kk

Notes:

Obrigada por lerem. Até a próxima 🖤