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Language:
Português brasileiro
Stats:
Published:
2025-09-12
Updated:
2025-10-09
Words:
27,639
Chapters:
3/?
Comments:
4
Kudos:
5
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1
Hits:
107

Aprendendo a Amar (Você e Eu)

Summary:

Após a discussão com Pomni, Jax começa a se culpar. Ele jamais admitiria em voz alta, mas tinha começado a sentir uma conexão com ela. Desde a partida de Ribbit, têm sido difícil para ele conseguir se conectar com outras pessoas, mas a garota conseguiu penetrar sua máscara social como ninguém mais havia feito antes.

No entanto, ele está muito inseguro em relação a tentar se aproximar e decide inconscientemente a passar mais tempo com outros membros do circo. Isso o levou a descobrir mais sobre si mesmo e seus colegas.

Já Pomni tenta encontrar várias formas de descobrir mais sobre o passado do coelho. Com a ajuda de Ragatha e os demais membros do circo digital, ela acaba aos poucos reunindo informações sobre Jax.
Ao mesmo tempo, ela também acaba descobrindo mais sobre o misterioso jogo onde estava presa e sobre seu passado.

Em contrapartida, algo estranho está acontecendo com o circo. Caim está lentamente perdendo sua cabeça, já que ninguém parecia desfrutar de suas aventuras mirabolantes. Com o único fio de sanidade que lhe resta, ele bola algumas aventuras que saem bugadas e potencialmente mortais. (colocando em risco as vidas das pessoas que ali no circo habitam).

Notes:

ATENÇÃO:

Independente do que aconteça pós capítulo 6, essa história já tem um final planejado e seguirá arrisca seu final, sem sofrer quaisquer alterações para se encaixar no cânon. Jax pode ou não pode ter uma redenção na série original, mas aqui ele terá uma.
Essa história contará com um final feliz para o casal principal, então não se preocupem! No entanto, isso não os livrará do angst inevitável (mas vai ser bem no começo da fanfic, eu juro).

O primeiro capítulo vai ser o mais longo para estabelecer personagens, lugares e plots. Os outros podem sair um pouco mais curtos, não sei. Veremos!

Se você ler isso, por favor, deixe seu comentário e diga o que você gostou no capítulo. Adoro ler comentários e isso me motiva a continuar escrevendo.
Peço que tenham paciência com a minha escrita, eu não reviso e minha formatação é de 2 centavos, mas é feita com muito amor e carinho.

Chapter 1: Aventura na Fazenda - Parte 1

Chapter Text

A Escuridão predominava aquele lugar. Jax sentia a água molhar sua pelagem, deixando-a molhada. Não estava afundando, pois estava em uma superfície rasa. Sem enxergar nada.

 

Era um vazio imensurável– que era tomado por aquela névoa preta– não havia uma fonte de luz sequer para auxiliar sua visão.

 

Jax se questionou onde diabos ele se encontrava naquele momento. Quando ele tenta abrir a boca para falar alguma coisa, acabou percebendo que não possuía uma.

 

“ Estranho ” — Pensou, mas tentou não se desesperar com aquele fato. Só podia ser alguma peça pregada por Caim, certo? Precisava acreditar nisso, se não surtaria e perderia completamente a cabeça. Essa seria definitivamente a forma mais patética de abstrair.

 

O de cor roxa levantou-se e chacoalhou seu corpo para retirar o excesso de água. Assim como em um desenho animado, seu pelo ficou arrepiado por alguns instantes (como uma bolinha de pelos gigante), até que ele passou as mãos para que voltasse a ficar baixo novamente.

 

Não havia muito o que fazer sem poder ver, suas orelhas não captavam nenhum tipo de som. Apenas o mais puro silêncio lhe fizera companhia naquele momento.

 

Teve a ligeira impressão de que se uma agulha caísse do outro lado da sala, ele poderia escutar a quilômetros de distância. Embora– isso parecesse ser um pequeno exagero de sua parte– o pensamento era apenas uma reflexão do quão quieto tudo parecia estar.

 

Aquele lugar lhe dava arrepios.

 

Seguiu seu trajeto por um tempo e tudo parecia se repetir. Como se estivesse preso em um loop. Por acaso, estava ficando maluco como Kingo? Esperava que não.

 

Jax decidiu andar mais rápido, então ele começou a correr, tal qual um grande corredor de maratona... Com o passar do tempo, isso não o levou a lugar algum. Até que ele finalmente se cansou e caiu no chão. As gotas de suor escorrerem de sua testa.

 

“Onde é quê eu tô'?!” - Questiona mais uma vez em seus pensamentos. Afinal, ele não tinha uma boca para gritar em voz alta.

 

Então, parecia que suas preces foram finalmente ouvidas quando uma voz bizarramente familiar atrás de si lhe respondeu:

 

— Oras, você está no porão, bobinho. — Quem, quem havia dito isto?

 

Jax se vira, se deparando com... Ribbit. Ele arregala seus olhos, não acreditando no que estava vendo. Era real? Não poderia ser.

 

Ribbit parecia estar bem, não demonstrando sinais de abstração. Os olhos coloridos não tomavam conta de seu corpo, não como da última vez que ele o viu. Desprovido de irritação, sua postura era calma e doce. Assim como o coelho tentava preservar em sua memória.

 

“Ribbit, você está vivo. Desde quando?” — Insistiu em questionar, ainda sem entender ao certo como o outro conseguia ouvir seus pensamentos. Todavia, tamanho fora seu choque que ele não parou para se perguntar sobre isso. Suas pernas estavam instáveis, ele travou.

 

— Duh, essa é a parte mais engraçada da piada, eu não estou! — O sapo de aparência levemente humanoide respondeu, dando uma risadinha discreta. Para ele, era como se fosse o óbvio.

 

Aquilo doeu mais ainda em Jax, como uma agulha atravessando diretamente o ponto fraco das cordas de seu coração, porém ele não recuou.

 

“Que m#rd4 você tá falando, maluco?” — O desespero do coelho era evidente, já que estava xingando. Não tinha esse costume, pois odiava o som estúpido que a censura fazia.

 

Seu estômago se contorceu e ele sentiu vontade de vomitar.

 

Parecendo ignorar qualquer coisa que Jax havia dito, seu amigo deu uma volta ao redor dele e continuou falando:

— Vamos parar com as perguntas bobas por enquanto. Eu quero te contar uma piada. Toc, Toc?

 

“O quê? Ribbit, eu estou tão confuso.” — Fez uma breve pausa, antes de continuar: — Você abstraiu, te vi enlouquecer e não pude fazer nada. Agora, você está aqui, parado bem na minha frente.” — Os olhos de Jax ficaram semicerrados.

 

Não queria chorar. Pareceria tão idiota na frente dele, sua garganta já estava ardendo só de pensar.

 

— Qual é cara, você só vai fazer a piada ficar mais longa! Só responde logo a minha pergunta. — Bateu o pé levemente no chão, demonstrando estar impaciente com a demora do mamífero em responder sua questão.

 

Ainda hesitante, Jax engoliu seco e finalmente deu procedência à piada:

 

“Quem é?” — Assim que ele perguntou, Ribbit ficou em silêncio. Ainda encarando-o com o sorriso estampado em seus lábios e aqueles olhos brilhantes.

 

Abstraído.

 

Ficou confuso com a resposta. Não entendendo mais nada, decidiu ficar em silêncio.

 

-—Vamos Jax, termine. Sabes que eu odeio quando as piadas ficam longas demais. Assim a moral da história se perde muito fácil! — Levantou os braços para expressar seu descontentamento de forma mais evidente.

 

Aquilo já era tortura. Era mesmo necessário se submeter a isso?

 

E de quê adiantaria tentar gritar com ele agora? Da última vez, as coisas só pioraram.

Com o nervosismo tentando o engolir vivo, resolveu, mais uma vez, o responder. Queria finalizar aquela maldita piada:

 

“O abstraído, quem?” — Assim que termina de falar, vários olhos coloridos se abriram na escuridão, encarando Jax de volta.

 

Assustado, ele caiu novamente no chão e de joelhos.

 

O corpo de Ribbit começou a se contrair de uma forma não-humana, seu pescoço se distorceu para o lado direito, os braços viraram, a pele era engolida lentamente pela massa escura. Mudou de tamanho, ficando mais alto. Íris similares às que apareceram na escuridão, começaram a surgir em toda sua figura. Aos poucos, cobrindo sua pele inteira.

 

Então, respondendo a pergunta de seu melhor amigo, agora com uma voz assustadora e distorcida (tal como uma estática de rádio), ele berra:

 

VOCÊ.

 

Jax tenta se afastar se arrastando para trás, mesmo tremendo de medo. Ainda assim, aquela criatura o agarra com suas mãos e o abraça firmemente. Glitches contaminaram o corpo do garoto roxo, causando uma sensação de dor imensurável. Era como se sua pele queimasse. Queria gritar, mas ele não tinha uma boca.

 

Tudo que restava para ele era a agonia e o sofrimento eterno.

 

Sua visão já estava turva, os pixels estranhos se espalhavam cada vez mais. Passou a enxergar pequenas listras, como se enxergasse através de lentes quebradas.

 

Já estava perdendo lentamente a cabeça.

 

Mas ele merecia isso, não merecia? Sempre agiu como um cuzão. Lá no fundo, sabia disso, que era mais que um personagem. Só não queria admitir para si mesmo.

 

A dor da perda, o luto e seus próprios problemas internos, fizeram com que ele não enxergasse isso. Ergueu tantas paredes para se defender, que acabou por afastar todos que tentavam se aproximar dele. Ragatha, Pomni...

Especialmente Pomni, merda. Acabou estragando tudo, era só isso que sabia fazer.

 

Ribbit o sufocava ainda mais com seu abraço. Seus ossos estavam fazendo vários estalos, um de cada vez. Crec, crec... Crek!

 

Tudo escureceu, então...

 

Então...

 

Ouviu a voz de Caim.

 

Assim que abriu seus olhos, pulou com seu corpo inteiro pra fora cama.

Caiu de boca no chão da toca de coelho, a qual ele estava acostumado a se enfiar.

 

Dentro daquele lugar escuro, havia apenas sua cama (ele se cobria com uma manta daquelas de animais, esverdeada com tigres estampados).

No lado direito da cama, também possuía espelho com uma escrivaninha azulada que ficava perto da saída do buraco. Já do lado esquerdo da toca, haviam alguns equipamentos de caça.

 

Num outro canto, ele guardava uma bola de boliche e um conjunto de pinos que pareciam intocados já fazem um bom tempo (presentes dados por seu antigo colega Kaufmo).

 

Ah, e é claro, uma luminária azulada na cômoda branca. O subsolo estava iluminado pela luz azulada.

 

Assim que Jax olhou ao redor, deu de cara com a dentadura com olhos. Teria tomado um baita susto se já não estivesse acostumado com Caim.

 

— Jax, seu cachorrão danado! Estava procurando você para a nossa próxima aventura! Os outros estão esperando. — O showman parecia estranhamente agitado, mais do que o normal. Lançou seu cetro para o alto na frente de Jax, pegando-o sem dificuldades.

 

— Hãhm? Tá, tá... Uh. — O mais novo ainda parecia estar meio desorientado, eram efeitos colaterais do pesadelo e do despertar repentino.

 

Supostamente, os jogadores não conseguiam dormir no Circo. Então, por que ele teve um pesadelo? — Olha, eu tô' indo já. Só me dá um segundo.

 

— Tá bom, mas não demora viu? Se não, eu vou te teleportar à força. Assim como faço com Zooble. Hahahaha! - Caim dá uma risada maluca, antes de desaparecer num estouro... Literalmente.

 

Que cara esquisito.

 

Bem, ele não poderia enrolar. Se não, seria surpreendido com um teleporte instantâneo.

 

Ao se aproximar da escrivaninha, foi dar uma conferida em si mesmo no espelho. Assim como nos dias anteriores, estava péssimo.

 

“O show precisa continuar” — Costumava dizer para si mesmo mentalmente.

 

Odiava aquele corpo, se forçava a dizer que era o ápice da masculinidade. Tentava se convencer de que esse era quem ele era agora, um maldito coelho de desenho animado.

 

Cada dia se tornava uma tarefa mais difícil.

 

É por isso que você não foi ao funeral do Kaufmo.”

 

Porque você tem medo, você tem medo de demonstrar alguma emoção humana.”

 

As falas de Pomni ainda martelavam em sua cabeça, como pregos sendo cravados em uma fina tábua de madeira.

 

Não queria pensar sobre refletir ou pensar sobre isso.

Jax era um desenho animado, não uma pessoa.

 

Não um... Humano.

 

Quantas vezes teria que repetir isso até conseguir acreditar novamente?

 

— Por favor, só me deixa continuar fingindo. Se não, como eu vou conseguir lidar com toda essa dor? — Implorava para seu próprio reflexo.

 

Merda... Como estava se tornando cada vez mais patético.

 

Forçou aquele sorriso em seu rosto, se preparando para dizer as coisas mais horríveis que alguém poderia dizer à outra pessoa.

 

Se checando um pouco mais, percebeu que seu macacão rosa se encontrava amassado, passou as mãos levemente no tecido para dar uma ajeitada.

 

Pelo menos, ISSO ele poderia consertar agora, diferente de todo o resto.

 

Pegou o pente e deslizou de forma suave contra o pelo em sua cabeça. Satisfeito, ele salta da toca de coelho, indo para a superfície do quarto.

 

O andar superior parecia uma má imitação de um campo.

 

Tinha um carpete era verde cobrindo todo o chão, tentando simular a grama. Pedras de mentira de diversos tamanhos estavam espalhadas por aí, as paredes foram pintadas em leves tons de um azul bem forte. Nuvens brancas suspensas no teto por cordas de aço, ajudando a decorar o céu falso.

 

Além disso, haviam árvores mal polidas ao redor, completando aquele cenário digno do vale da estranheza.

 

Assim como suas palavras, até seu quarto era feito da mais pura mentira.

 

O rapaz roxo andou em passos pesados até a porta.

 

Antes de sair, ele deu uma olhada para trás e suspirou. Era hora de tentar sufocar seus pensamentos com outros, não queria pensar sobre esse pesadelo ou refletir sobre as palavras de Pomni. Empurraria isso para o canto mais fundo de sua mente, como ele sempre fazia.

 

Saiu do cômodo. Seria mais um dia de máscaras e mentiras vazias.

 

Certo?

 

[...]

 

Assim que ele chega na área do palco, seus olhos doeram um pouco com a iluminação extremamente clara do local.

 

Todas as áreas do circo eram coloridas, mas o centro parecia pior. Aquilo incomodava os olhos de Jax, já que coelhos possuíam olhos sensíveis.

 

Notou que todos estavam por ali. Surpreendentemente, até Zooble estava presente, o que era raríssimo de se acontecer, porém dada a expressão sorridente de Gangle, era provável chutar que a mascarada tinha algo a ver com a mudança de comportamento da outra.

 

Além da dupla, também estavam Kingo, Ragatha... E Pomni.

 

A garota até tenta olhar na direção do coelho assim que ele chega e– assim como alguns dias atrás– ele desviou o olhar, evitando qualquer tipo de contato visual.

 

O monarca parecia um pouco distraído para notar alguma tensão no ar. Estava a observar uma joaninha que caminhando na parte de trás de suas mãos flutuantes.

 

As meninas e a figura não-binária puderam notar que havia algo de diferente. Entretanto, ninguém se atrevia a falar alguma coisa a respeito do grande elefante na sala.

 

E Pomni também não sabia como tentar se aproximar do coelho.

 

Na verdade, não tinha certeza se era o certo a se fazer. Tentar se aproximar naquelas circunstâncias, não parecia ser algo bom.

 

Ragatha e ela haviam conversado após a premiação. Tinham discutido sobre como a mais velha se sentia em relação à distância entre elas. Também lhe dissera como era importante dar espaço às pessoas, algo que aprendeu com a conversa profunda com o sábio programador, Kingo.

 

Por ora, decidiu que seria melhor não insistir. Então, a bobo da corte apenas imitou a ação do mais novo, desviando seu olhar para outro ponto da sala.

 

Antes que alguém criasse coragem de quebrar o gelo, Caim surge para a sorte (ou azar) de todo mundo.

 

— Bom dia, meus ômegas, alfas e betas! Tudo bom?! — Surgiu, dando um rodopio pelo ar, falando com uma voz estridente e agitada. Alguns personagens reconheceram os termos, acabaram olhando para ele de olhos semicerrados. Especificamente, Gangle, Jax e Pomni.

 

— Você tá se referindo a gente usando termos de fanfiction ABO? — Gangle levanta sua mãozinha de fita, um pouquinho preocupada com o conhecimento proibido da máquina. Afinal, onde Caim teria aprendido isso?

 

— Não é de se surpreender que uma depravada que nem você saiba o que é ABO. — Jax diz em um tom zombeteiro, cruzando seus braços e colocando um pé na frente do outro. A garota das fitas se encolheu em resposta.

 

Zooble iria se colocar na frente dela para a defender, Gangle fez um sinal para que elu não avançasse.

 

— Isso significa que você também é um depravado. Já que sabe o que é. — Rebateu o comentário num tom de humor, surpreendendo a maioria dos presentes, principalmente Jax e Zooble.

 

A figura abstrata parecia particularmente estar orgulhosa.

 

Ragatha coloca a mão na frente da boca, tentando conter a risada. Já Pomni, achou a situação um tanto cômica e riu baixinho.

 

Já Kingo, levou as mãos até a cabeça, como se tivesse presenciado algo inacreditável acontecer. Só que, não estava nem prestando atenção na conversa e sim no fato de que a joaninha podia... Mudar de cor?

 

Voltando à Jax, ele franziu o cenho, ficando um pouco irritado. Não gostava disso, de perder o controle tão facilmente.

 

Também não apreciou o fato da palhaça rir com aquilo. O mais novo a encarou com uma expressão de mau humor. No entanto, ela não parecia se acanhar com isso e o encarou de volta com um sorriso zombeteiro.

 

“Mulher dos infernos, você vai ser a razão da minha loucura.” — Pensou Jax, antes de esfregar sua face com ambas as mãos.

 

Optou por disfarçar sua óbvia frustração com um riso forçado:

 

— Hah. Tá, tá. Que seja. Caim, anda logo e fala dessa aventura que você quer fazer. Não quero ficar mais um segundo perto dessas malucas! — Quanto menos elas olhassem, não perceberiam que sua máscara estava caindo aos poucos.

 

Como odiava essa sensação.

 

Aquilo pegou Gangle desprevenida, poderia jurar que ele iria para cima dela e quebraria sua máscara de porcelana de alguma forma. Isso não aconteceu, isso significava que ela... Poderia se defender. Era como Zooble disse, não era brinquedo dele.

 

— Ahem — A dentadura limpa a garganta, interrompendo a discussão para falar: — Ultimamente, eu tenho notado que vocês não estão satisfeitos com as minhas grandes e incríveis aventuras. Então, eu como o grande anfitrião que sou, não poderia deixar isto continuar acontecendo!

 

— Então, quer dizer que tu' vai FINALMENTE, usar a caixa de sugestões de novo? — Como sempre, ê não-binárie questiona a IA, usando seu tom de voz cansado e rouco.

 

— Que bom que perguntou Zooble... Eu decidi fazer melhor, peguei uma das ideias que um de vocês sugeriram e adicionei meu próprio toque pessoal. Desta vez, a aventura pode ser algo que agrade a todas as suas.... Cabecinhas e cabeçonas'. — Caim estendeu seu cetro, indo de Jax até Pomni.

 

— Ei, você me chamou de cabeçuda? — Pompom parecia indignada com a implicação.

 

Desta vez, o coelho foi quem riu da ofensa direcionada à moça. Inflou as bochechas, se segurando pra não chutar o traseiro dele.

 

— CONTINUANDO... A aventura de hoje será em uma fazenda. Um velho fazendeiro pede a ajuda de vocês para devolver o estado glorioso da fazenda da família Afthorn! Vocês passarão uma semana inteira em um casarão, no meio do nada cuidando de um milharal, não é emocionante?!

 

Ragatha arregalou os olhos, o riso de Jax se foi em um instante.

 

— FAZENDA?!/MILHARAL?! — Ambos falaram em uníssono, indignados.

 

Ao perceber o claro desconforto dos dois, Pomni rapidamente se lembrou da conversa do bar e da tripofobia do amigo. Isso certamente não seria uma boa ideia para uma aventura.

 

— Caim, será que algum de nós poderia pular- — A bobo da corte começa, mas então... O Anfitrião do Circo a encarou, começando a tremer compulsivamente. Aquilo a assustou um pouco.

 

Tinha algo de errado com Caim já fazia um tempo, mas ela não achava que era tão sério assim.

 

— Qual é, eu não quero participar de uma aventura com milharal, é chato e sem graça! - Inconsciente, acabou imitando a ação de Ribbit de seu pesadelo. Ele levantou os braços, como se isso ajudasse a expressar sua indignação de forma mais clara para o outro.

 

— Você só não quer participar porque tem medo de milho. — Zooble diz, como se fosse o óbvio e repousou seu braço de plástico ao redor da própria cintura.

 

— Cala boca! — As orelhas do coelho se abaixaram em descontentamento e ele fechou suas mãos.

 

— CHEGA! Ultimamente, vocês estão bem reclamões. Tá, quem não quiser participar da história, é só ficar na casa jogando “Verdade ou Desafio”. No entanto, para quem decidir participar, no fim da aventura, ganhará uma vantagem no circo. Uma de suas preciosas memórias do mundo real.

 

Aquilo parecia ter chamado a atenção de todos.

 

— Eu pensei que você não poderia mexer com as nossas mentes. — Pomni foi a primeira a falar, lembrando das palavras de Caim nos primeiros dias. Zooble prontamente concordou, balançando a cabeça várias vezes e olhando pra ele com uma expressão de indignação evidente em seu olhar.

 

— Hah, eu menti! Booom, eu não tenho o controle total da mente de vocês, isso é verdade. No entanto, eu consigo mexer com uma coisa ou outra. Fiz isso pra que vocês não pirassem completamente a caixola. Sabe? — Retirou sua cartola, descansando ela contra seu peito.

— Mas aí, vocês topam ou não?!

 

Uma memória da vida real.

 

Pelo preço de participar da história desse LARP esquisito.

 

Era a primeira vez em muito tempo, os membros do circo pareciam estar dispostos a participar daquela loucura.

 

Poderia ser uma mentira, é claro. Assim como também poderia ser uma chance.

 

Qualquer coisa que pudesse ser uma pista de como achar uma saída, parecia ser uma boa ideia.

 

Alguns deles haviam desistido temporariamente de escapar– para não enlouquecerem– porém aquilo, já era como uma fagulha de esperança em meio da escuridão.

 

Pomni levanta o seu olhar para observar Jax, quem parecia estar pensativo. Essa seria a chance dela convencê-lo de uma vez por todas de que ele era um humano. E que ele merecia ser amado.

 

Precisava o convencer a participar da história, mas como?

 

— Bom, vocês terão muito tempo pra decidir lá dentro. A Aventura os espera! — Caine estalou os dedos e todos caíram por um portal. Os sons dos gritos desesperados ecoaram, antes de serem finalmente cessados assim que a entrada mágica se fechou.

 

— Espero que essa aventura seja o suficiente... Porque se não for, eu já não sei mais o que fazer. — Batucou os dedos de ambas as mãos uns contra os outros. Não queria se sentir um fracasso, afinal.. Robôs não sentem nada.

 

— E aí, seu fracassado- BORA TOMAR UMA E MORRER DE PANCREATITE! — Bolha surge do mais absoluto nada.

 

— Quê isso, Bolha? A gente nem pode morrer aqui. — Parecia genuinamente perturbado pelo tom de sua voz.

 

[...]

 

Todos eles caíram em cima de uma carroça com diversos fardos de feno.

 

Jax foi o primeiro a se levantar, claramente incomodado e bateu suas roupas para se livrar da sujeira.

 

— Minha máscara de comédia! — Gangle lamentou, por quê aquilo sempre acontecia?! Ela saiu de cima do feno e foi recolher os pedaços para colar depois.

 

Olhando um pouco mais ao redor, ele percebeu que haviam caído em um celeiro velho e empoeirado. O Feno amarelado cobria boa parte do chão. Algumas madeiras da parte superior do celeiro estavam penduradas, quase despencando.

 

Os estábulos, onde os cavalos costumavam descansar, estavam vazios e cobertos de teia de aranha.

 

— Ah, tá de brincadeira. Que ótimo, agora eu tô' no meio de um celeiro esquisito com um bando de idiotas. — Ele revirou os olhos.

 

A boneca foi a próxima a se levantar, ajeitando seus cabelos de seda avermelhados com seus "dedos" de pano. Logo, estendeu a mão para ajudar Pomni- Quem teria caído logo ao seu lado- a se levantar.

 

— Obrigada. — Agradeceu murmurando e sorrindo pra ela. Gesto que fora retribuído pela mais velha.

 

— Não se preocupem, eu tenho experiência em ser fazendeira, quero dizer, como vocês já devem saber. Eu cresci numa fazenda, então essa aventura vai ser uma moleza! Só sigam o que eu disser e vai ficar tudo bem.

 

— Mais uma aventura onde você é a protagonista? Tô fora, já sei que vou morrer de tédio. — O de macacão rosado começou a andar pra longe do grupo.

 

— Espera, pra onde você tá indo? Nós temos que ficar juntos pra completar a história! — Já ficando agitada, a ruiva bateu seu pé no chão e gritou com ele.

 

— Vou esperar vocês terminarem essa aventura ridícula. Tô' indo procurar a tal casa que o Caim falou e ficar por lá. — Estava prestes a dar um passo para fora, quando foi impedido pela fala de Pomni.

 

— ESPERA! Você precisa ficar. — Levantou a mão na direção dele, como se quisesse alcança-lo.

 

Jax sentiu seus batimentos cardíacos vacilarem, seu corpo ficara imóvel no lugar. Não se atreveu a dar mais nenhum passo adiante.

 

Os outros membros do grupo olharam pra ela com desdém.

 

Zooble não sabia dizer ao certo, mas sentia que tinha algo rolando entre os dois já faz um tempo, só não podia provar. Elu arqueou a sobrancelha e observou a cena atentamente.

 

Não queria deixar na cara que estava desesperada pra falar com ele. Ela inventou a melhor desculpa que conseguiu pensar: — U-Uh, eu acho que é importante você participar. Já que é uma aventura que pode nos devolver uma de nossas memórias.

Vai que você lembra de alguma coisa que pode ajudar a gente a escapar.

 

Sendo desculpa ou não, tinha um fundo de verdade no que ela disse. Além disso, seria uma ótima oportunidade para Jax cair na real de vez, assim como havia pensado mais cedo.

 

Depois de um momento em silêncio, o roxo suspira e dá uma risadinha sarcástica:

— É sério que isso é o melhor que você pôde inventar? Meu Deus, Pomni. Se você queria tanto minha atenção, era só falar.

 

“M$!?$, seu m$@%. Pare de falar assim.” — O coelho se xingou mentalmente. Até seus pensamentos eram censurados? Como odiava aquele lugar.

 

As bochechas da palhaça ficaram levemente coradas e ela retrucou:

 

— Nem tudo que eu faço é pra chamar sua atenção. Você é quem vem com esse papo.

 

— Claro, eu finjo que acredito. Aposto que os leitores vão adorar esse fanservice. Pelo menos, deixem um comentário na história. A autora passou a noite inteira revisando porque percebeu que haviam repetições demais no texto, hah! — Jax se vira, apontando para uma direção onde ele acreditava ser a tela.

 

Isso fez Pomni revirar os olhos. Não estava com saco pra aguentar as brincadeiras dele agora.

 

— Ignorem ele. Aposto que ele só tá com medo do milharal. Você sabe, o Jax é sensível com essas coisas. — Ê não-binárie trouxe novamente o tópico do milho, ccom um tom de deboche em sua voz. Ofendido, Jax levou a mão até o peito.

 

— Eu não sou sensível, tá legal?! Quer saber, eu vou participar dessa... Bomba de aventura estúpida. Não por vocês e sim porque EU tomei essa decisão. — Derrotado, só decidiu sair do celeiro logo.

 

Ragatha, Pomni, Kingo, Gangle e Zooble se entre olharam, encolhendo os ombros respectivamente.

 

Convencer o coelho atingindo seu ponto fraco, o ego, pareceu ter funcionado.

 

Finalmente, Kingo decide quebrar o silêncio: — Não se preocupem, eu vou tentar conversar com ele mais tarde. Acho que o ideal seria focar na aventura, por enquanto. — Sorriu, tentando acalmar os outros.

 

— Tá, tá legal... É melhor a gente começar andando, não podemos deixar ele perambular por aí. Tenho certeza que ele vai se meter em confusão se a gente não ficar de olho. — Zooble se apressou para sair do local, indo atrás de Jax. Kingo e Gangle estavam logo atrás.

 

A garota humanoide permaneceu imóvel, ainda pensativa sobre a briga que tivera com o outro. Se sentia mal, eles tiveram um pequeno diálogo ali, mas ainda sim podia sentir a tensão. Pequenas piadas não iriam apagar tão facilmente as palavras dolorosas que o seu suposto... Não, seu amigo, dissera para ela.

 

Só desejava que ele fosse honesto, não só com ela, mas consigo mesmo. Pomni esfregou as próprias têmporas, tentando acalmar seus pensamentos.

Ragatha, quem havia ficado um pouco atrás do grupo, notou que sua amiga não estava a seguir os demais. Sabia que deveria dar espaço aos amigos, porém sentia que a outra precisava conversar.

 

“Okay, Ragatha. Sem pressão, se ela não quiser conversar, você só respeita o espaço dela. Não vai cair o braço perguntar, né?”

 

— Está tudo bem, Pomni? — A mulher parecia visivelmente preocupada com a inquietação da mais nova.

 

O som de sua voz parecia tê-la despertado de seu campo de pensamentos angustiantes. Ela respondeu com um sorriso amarelo:

 

— Não muito. — Admitiu, entrelaçando os dedos de ambas as mãos.

 

— Suponho que tenha a ver com o Jax, já que vocês formaram dupla da última vez. Aconteceu alguma coisa? Isto é, se você quiser conversar é claro! Sem pressão. — Não queria passar da linha outra vez. Preferia evitar outro possível afastamento por parte da mais nova.

 

Não queria perder ela, assim como perdeu Jax.

 

A mais baixa parecia travar uma batalha interna sobre conversar sobre isso ou não. Seus lábios se espremeram e ela soltou um suspiro:

 

— A gente brigou no final da aventura, ele me disse algumas coisas dolorosas. — Pomni se sentou em um dos fardos menores, descansando a cabeça nas mãos.

 

— Oh, eu... Sinto muito, Pomni. Jax é assim mesmo, difícil de lidar. Sei bem como é. — Se sentou do lado dela. — Ele também já me disse muitas coisas cruéis e horríveis. Acho que ele faz isso com todo mundo.

 

A palhaça ficara em silêncio por um tempo, mas tornou a falar:

 

— Eu sei que tudo o que ele fala pra machucar, não passam de mentiras. — Disse em um tom de voz baixo.

 

Ragatha levanta a cabeça, olhando ela com surpresa em seu olhar:

— Como assim?

 

— Jax confiou em mim, durante a aventura toda. — Começou a falar sobre o dia que tiveram juntos na aventura das armas. — Contou-me seus medos, se divertiu comigo e ele também se desculpou quando atirou em mim por acidente. Ele nunca se desculpa! Não só isso, me encorajou quando eu senti insegurança em relação ao circo. Pela primeira vez, eu me senti em casa.

 

Os olhos de Pomni brilharam com melancolia, a água começou a juntar em suas pálpebras. - Aí, ele... Levantou as paredes de novo, dizendo que tudo aquilo que não significou nada, mas eu SEI que isso não é verdade. Deve ter SIM significado alguma coisa pra ele, ele só não se permite ser amado.

 

Fechando os olhos, seus lábios tremeram e ela sentiu sua visão ficar borrada:

— Confesso que estava na esperança de que se, ele participasse dessa aventura e recuperasse uma de suas memórias humanas de volta, isso poderia ajudá-lo a ser mais humano.

 

Parecia muito bem compreender a confusão pela qual a outra estava passando naquele momento. Muito tempo atrás ela já esteve nessa exata posição, tentando compreender seu amigo e falhando miseravelmente no processo.

 

Até sentiu uma pontada de ciúmes ao perceber que eles eram tão próximos. Todavia, sabia que aqueles sentimentos não serviriam de nada agora. Se sentiu um pouco egoísta por pensar nisso naquele momento.

 

Deixando isso de lado, ela decide falar um pouco sobre sua própria experiência:

 

— Olha, eu nem deveria estar te contando sobre isso, mas... O Jax nem sempre foi assim, sabe? Cruel. Quero dizer, ele ainda pregava peças, mas ele não era desse jeito. — Torceu o nariz, relembrar essa época era um pouco doloroso para a mesma. Se segurou no feno abaixo de si firmemente: — Tudo mudou depois que algo muito ruim aconteceu. É claro, isso não é desculpa pra ele magoar os sentimentos das pessoas. Eu ainda o odeio muito, já que ele é terrível com a Gangle e também comigo.

 

— Mas o quê aconteceu, o que pode possivelmente ter acontecido pra ele mudar da água pro vinho assim tão de repente?! — Questiona Pomni com desespero evidente em sua voz: — Por acaso, é sobre o tal amigo dele que você mencionou na aventura de olhar pras estrelas?!

 

Ragatha cobriu sua boca, se silenciando sobre aquilo. Não poderia falar mais do que o necessário, se não... Jax a odiaria mais do que já odeia no momento. E também, não era babaca de espalhar coisas pessoais, mesmo que se tratassem do coelho.

 

— Olha, se você quer mesmo saber. Acho que ele deve te contar... Isso é algo muito pessoal pra ele. — Pendeu a cabeça para o lado, se recusando a falar sobre aquele tópico. Conversar sobre Ribbit não era fácil, nem mesmo pra ela.

 

Mesmo com toda a ansiedade que sentia em seu coração, a mais nova respirou fundo e escolheu respeitar o silêncio da outra mulher sobre o assunto.

 

— Olha, o que eu posso te contar é que... Eu sei que ele tá colocando uma máscara. Só que, pra mim, foi mais fácil se afastar do que continuar insistindo, sabe? Não dá pra fazer muita coisa quando a pessoa não quer ajuda, haha. — Deu uma risada sem graça, o nó já se formava em sua garganta.

 

— Isso foi difícil de aceitar por um tempo, eu continuei insistindo tanto em tentar ajudar ele, que ele começou a me odiar.

 

Pomni se encolheu, sentindo seu coração pesar contra seu peito. Em resposta, acabou por abraçar ainda mais o próprio corpo.

 

— Eu sou a pior pessoa pra te dar um conselho em relação a ele, Pomni, mas eu queria te lembrar que você não tem que se sentir responsável– digo– pela forma que ele age.

Se Jax procura ficar sozinho invés de pedir ajuda, isso não é culpa sua. Não sei se essa aventura realmente vai mudar alguma coisa naquele cérebro confuso. - Ela repousou as mãos em seu próprio colo. — Se quer um palpite, deixa ele se aproximar no tempo dele. Não cometa os mesmos erros que eu cometi. Não sei se o Jax vai mesmo pedir ajuda agora, ele não pediu no passado.

 

O ar parecia estar cada vez mais pesado, não havia mesmo esperança? Pomni começava a enxergar espirais em sua visão.

 

“Não entre em pânico, não por causa de Jax.” — Tentava se dizer mentalmente.

 

— Alguém me disse um dia que um relacionamento é uma mão de via dupla. Não dá pra fazer todo o trabalho pesado, se a outra parte nem se esforça. Você já fez a sua, ele já tem plena consciência que tu se importa.

Agora é a vez dele de escolher se ele quer isso lutar por isso ou não.

 

A de olhos azuis e vermelhos pareceu refletir sobre o conselho da amiga. Isso era verdade, deveria ser uma decisão partida dele e não dela.

 

Só que ela tinha medo que o outro não tomasse uma iniciativa para resolver as coisas.

Ela não diria isso à outra, no entanto.

 

Sabia que ela estava tentando seu melhor para ajudar e não queria parecer ingrata. Bem, ela ajudou. Pomni se sentiu um pouco mais aliviada em desabafar sobre a discussão com alguém.

 

— Obrigada pelo conselho, Ragatha... E por me ouvir, fico feliz que você continue sendo minha amiga. Eu também agradeço pelo espaço que você me deu, estava precisando mesmo disso. — Um sorriso se formou em seus lábios, até chegou a secar algumas lágrimas finas que insistiram em escorrer de seus olhos.

 

A ruiva se pega sorrindo de volta, mesmo sentindo-se exausta emocionalmente. A sensação de alívio também viera à tona, por finalmente ser sincera com seus sentimentos: — Obrigada você, eu meio que também precisava ter essa conversa com alguém.

 

— Bom, é melhor a gente alcançar os outros. Melhor não deixar eles sozinhos com o Jax por muito tempo. Vai que Zooble se cansa e joga ele no meio do milharal. — Pomni brinca e se levanta num pulo.

 

— Ai, não. Hahaha, eu não tinha pensado nisso. Melhor correr, se bem que ele tá merecendo por me jogar numa fritadeira na aventura do Spudsy's. — Imitou a ação da menor.

 

— Ragatha, isso não foi bem gentil da sua parte!

 

— Ué, não foi você quem falou que tá tudo bem em ser malvada às vezes? - Deu uma risada descontraída e vai acompanhando a outra até a saída.

 

— Aí, você tem um ponto. — Pomni balança a cabeça em negação, rindo com o comentário da outra. Ambas saíram do celeiro.

 

[...]

 

Não demorou muito para as outras alcançarem o restante do grupo. Todos estavam esperando na frente de uma casa de campo gigantesca, parecia uma mansão de tão grande.

 

— Ah, finalmente vocês chegaram. Precisava dessa demora toda? — O rapaz roxo batia o pé no chão, visivelmente incomodado pela demora das duas... Ou era por algo mais? Jamais admitiria em voz alta.

 

— A gente precisava discutir algumas coisas antes, mas já estamos aqui. Já encontraram os NPC's? — Só da boneca perguntar, um NPC surge.

 

Magicamente, todos trocaram de roupas para roupas de fazendeiros. Eram o mesmo conjunto de roupas para todos:

Chapéu de palha amarelado, calças jeans azuladas e botinas de couro de cor marrom. O único detalhe individual de cada membro, eram as cores de suas camisas listradas.

 

A de Jax era vermelha, Ragatha trajava uma azul, a de Zooble era uma amarela, Kingo vestia a laranja e a de Gangle era verde. E por fim, mas não menos importante, Pomni vestia camisa onde havia uma divisão. O lado esquerdo era azul e direito era vermelho.

 

— Somos os Power Rangers de Festa Junina ou o quê? — Fez uma piada, mas os outros não entenderam muito bem.

 

— O que é “Festa Junina”? — Gangle levanta a mão, questionando com a voz tristonha.

 

— Cara, às vezes esqueço que vocês são gringos. Bom, é até mais engraçado que vocês não entendam. — O coelho ri, confundindo ainda mais o grupo.

 

— Ara, bem-vindos caros viajantes vindos de tão-tão distante. O nômi' é Bernard Afthorn, prazer em conhecer ocês'! — O NPC que era apenas um manequim vestido com macacão jeans e botas os cumprimentou.

 

— O prazer é todo nosso, Sr.Afthorn! — A Boneca se curva respeitosamente, levantando a saia de forma delicada.

 

— Bão? Ceis' tão aqui pra me ajudar, né não? Sabe, ultimamente a família Afthorn têm passado por dificuldades com a falta de peões. Graças à Caine, ocês' vieram. Bem, tem muita coisa a ser feita. Vou distribuir os afazeres em duplas pra não ficar muito difícil. — O manequim foi andando pela área, o grupo seguiu logo atrás.

 

Jax ainda observava Pomni pelo canto do olho– quando ela devolvia o olhar– ele continuava a desviar rapidamente.

 

[...]

 

Praticamente, ficaram o dia todo fazendo tarefas comuns de fazenda. Como pegar ovos do galinheiro.

 

Jax se encarregou disso com a ajuda de sua dupla, Zooble. No entanto, as coisas saíram um pouco fora de controle, já que o coelho decidiu pregar uma peça nelu, jogando um ovo em sua cabeça.

 

E é claro, havia ficado furiose, Jax desviou o olhar como se não fosse com ele. Zooble pegou um dos ovos que havia recolhido na cesta e atirou em Jax, quem parou de rir no mesmo instante.

 

— Ah, é guerra que você quer ter? Então, vamos guerrear! — O rapaz rapidamente pegou uma galinha marrom, apertando ela e a utilizou como uma metralhadora de ovos.

 

Elu se desesperou, abaixando no mesmo instante para evitar ser atingide. Então, imitou a ação de Jax, pegando uma galinha preta perto de si.

 

[...]

 

Não era exagero dizer que o galinheiro estava completamente bagunçado no fim da brincadeira. A dupla estava coberta de claras de ovos e penas.

 

Então, as portas se se abriram, revelando a figura de Ragatha, quem passou para checar como estava o progresso de cada um.

 

Ela havia se encarregado de ser a “chefe” dos peões. Percebendo o estado em que o galinheiro se encontrava, acabou abrindo a boca em formato de ‘O’, horrorizada. Com sua ação, sua prancheta com a lista de afazeres caiu no chão.

 

— Ah, eu acho que a gente exagerou um pouquinho. — Zooble encarava o teto, estava cansade. Apesar das circunstâncias estranhas, aquilo parecia ter sido divertido por um instante com aquela brincadeira infantil.

 

— Um pouquinho?! Vocês praticamente destruíram o galinheiro! Agora o Sr.Afthorn vai matar a gente! — A boneca colocou as mãos na cabeça, ficando desesperada e puxando seus cabelos de seda. Não haviam ovos em nenhuma das cestas, todos foram destruídos e as galinhas demorariam para colocar novos.

 

— Ai, relaxa bonequinha. A gente consegue resolver isso depois, cê’ tá exagerando. — Jax se sentou, enojado com a meleca que os ovos tinham deixado em sua pelagem.

 

— Exagerando, exagerando?! — Falou duas vezes, andando em passos pesados, mas apressados.

 

Acabou puxando ele pela camisa vermelha, o que fez o coelho arregalar os olhos um pouco, ela o chacoalhou: — Essa é a única chance da gente conseguir alguma memória de volta e está estragando ela agindo feito um idiota. Pior, você tá arrastando Zooble pra agir de forma imatura que nem você, qual é o seu problema?!

 

O sorriso de Jax se desfez por um momento, deu seu máximo para sorrir novamente.

 

Aquilo havia doído nele, mas ele ainda precisava continuar fingindo.

 

Sabia que ela estava certa, que essa poderia ser única chance deles de ter algo para conseguirem achar a saída. No entanto, ele preferia se manter no controle.

 

Por quê ele continuava querendo ter o controle mesmo?

 

Ê não-binárie ficou de pé, chacoalhando seu corpo para tentar se livrar um pouco do líquido amarelado das gemas:

 

— Ragatha, eu posso pensar por mim mesme. Por mais que eu odeie ele, a culpa não foi só do Jax. Eu sinto muito. — Elu disse em um tom de voz cansado, parecia exauste depois da guerra de ovos.

 

Como sempre, Jax decidiu tomar a pior decisão possível e cutucou uma velha ferida que a ex-amiga tinha:

— Ai, Ragatha... Cê' tá até parecendo sua mãe, agindo desse jeito toda mandona. — Jax debocha, com aquele sorriso irritante, fazendo Ragatha arregalar o olho.

 

— O que foi que você disse? — Questionou entre dentes, ele estava comparando ela com sua mãe. Ragatha apertou seu agarre no macacão do outro.

 

— Foi exatamente o que você ouviu. Sua hipócrita. — Aquilo a enfureceu ainda mais.

 

A ruiva havia levantado sua mão para bater nele, mas foi impedida por Zooble. A ruiva virou lentamente sua cabeça para encarar elu com uma expressão irritada em seu semblante. Já ê outre, negou com a cabeça suavemente num: “Não vale a pena” silencioso. Ela respirou fundo e soltou Jax, deixando ele cair no chão.

 

— Ai! — Reclamou ao bater a cabeça no solo, fazendo massagem na parte atingida.

 

Cansada, Ragatha começou a falar novamente:

 

— Só... Limpem tudo antes que o fazendeiro venha checar. Eu vou me virar tentando explicar o motivo do sumiço dos ovos. — Ela se vira, abrindo as portas do galinheiro para sair.

 

— E Jax... Por favor, não estraga isso. Não é só por mim, mas pela Pomni também.

Ela quer muito lembrar de alguma coisa.

 

A respiração de Jax vacilou ao ouvir a menção do nome da mulher que mais amava. Suas pupilas se dilataram, como dois pontos pretos enormes.

 

Como Ragatha ousa...

 

— E por quê eu deveria me importar com o que ela quer? — Torceu o nariz numa expressão irritada. Linhas de expressão cartunescas se formaram abaixo de suas pálpebras.

 

A mais velha pausou por um instante, então o olhou por cima do ombro:

 

— Porque ela está fazendo isso principalmente por você. — Então, se foi.

 

Como assim, Pomni queria recuperar as memórias... Por ele?

 

"M3r#4, Pomni."

 

Por quê ela se importava tanto?!

 

Não merecia um coração tão puro se preocupando por ele.

 

Como ela enxergava toda aquela maldade e ainda sim, queria estar lá por ele? Por mais que tentasse, não conseguiu entender.

 

Nesse meio tempo, Zooble foi pegar um esfregão, querendo dar privacidade para ambos conversarem assim que se certificou que não iriam se matar. Quando retornou, não havia pego um para Jax, pois tinha plena certeza que o outro deixaria o trabalho todo para elu.

 

— Cadê o meu? — Observou ê outre começando a limpar a bagunça que tinham feito sozinhe. Ele ficou de pé novamente.

 

Surprese, elu levantou a cabeça e a sobrancelha:

— Bom, eu achei que...

 

Jax interrompeu e também foi atrás de um esfregão para si mesmo: — Pra sua sorte, eu tô me sentindo caridoso hoje. Não se acostuma.

 

Negou com a cabeça, ficando ainda incrédule com o bom comportamento repentino do outro:

— O que garotas palhaço não fazem.

 

[...]

 

Todos passaram o restante do dia fazendo o restante das tarefas que faltavam: Arar a terra, plantar e ordenhar as vacas. Jax até mesmo tentou atropelar Zooble com um trator. Então, ê mais nove revidou, colocando milho nas calças de Jax.

 

E ele berrou muito. Gangle quase se mijou de tanto rir da cena do outro correndo pra lá e pra cá tentando se livrar da verdura dentro de suas roupas.

 

Fora isso, Jax tentou ao máximo levar a aventura a sério. Do jeito dele.

As palavras de Ragatha martelavam em sua cabeça, mais do que gostaria. O pesadelo que tivera no começo do dia contribuiu ainda mais para sua paranóia.

 

Um combo de pensamentos perigosos, que faziam Jax se.... Importar. E ele não queria isso.

Por quê ele se importava? Ela só enlouqueceria e o deixaria sozinho

 

Assim como Ribbit, assim como o Kaufmo.

E todos os outros que vieram antes deles.

 

Depois de terminarem os afazeres do dia, foram para dentro da casa de campo.

E para dizer no mínimo, aquele local era um pouco assustador. Muito espaçoso. Estava mais para um casarão de filme de terror.

 

Enquanto tentava dormir, ele se debatia na cama do quarto de hóspedes.

 

Quanto mais olhava ao redor, percebia o quão macabro aquele cenário era.

 

Não havia praticamente nada naquele quarto, exceto pela cama, o lampião pendurado acima da porta, a janela coberta por cortinas de seda rosas, um tapete azul no chão e o guarda-roupas antigo de madeira que estava à sua frente.

 

Assim como em filmes americanos clichês, sua cama parecia cama de hotel. Com os lençóis, o travesseiro e o cobertor de uma só única cor: Branco.

 

Quanto tempo mais precisariam passar naquela aventura tediosa? Ele queria voltar para o circo e ficar trancado em seu próprio quarto para sempre ou pelo menos, até a próxima aventura sangrenta. Onde ele só poderia machucar a todos e esquecer de seus próprios sentimentos.

 

Acabou se aprofundando ainda mais em pensamentos com o passar do tempo. Haviam alguns que deixaram um gosto amargo em sua boca.

 

E outros também o faziam se sentir extremamente feliz e eufórico. Como pensar em Pomni.

 

Sempre que ouvia ela rir por uma piada boba que ele pensou em contar, fazia ele sentir o coração na garganta. Perto dela, se sentia seguro o suficiente para não ser aquele estereótipo de homem másculo. Ele se sentia ele mesmo.

 

Será que ela o aceitaria como quem ele realmente era, lá no fundo?

Provavelmente, sim. Era boa demais para isso.

 

Entretanto, ele é covarde demais para se deixar amar ou contar sobre seu segredo mais profundo.

 

É difícil para o coelho deixar outra pessoa entrar em seu coração, assim como Ribbit entrou.

 

— O que você tá fazendo comigo, Pompom? — Grunhiu frustrado, cobrindo o rosto com ambas as mãos.

 

Então, seus pensamentos vagaram mais adiante... Ragatha, sua ex-amiga.

Ela havia dito coisas tão dolorosas da última vez em que discutiram, por causa de Ribbit.

 

Lá no fundo, sabia que precisavam resolver as coisas entre os dois também.

 

Jax nem sabia se queria resolver, para falar a verdade.

 

E se ela voltasse com aquele sufoco? Aquela positividade tóxica que só machucava?

 

A boneca sequer se importava com ele?

 

Todas as conversas que tiveram nos últimos tempos, se centravam em sua rivalidade estúpida para conquistar a amizade de Pomni.

 

É, provavelmente ela nem sequer estava pensando na amizade que tinham juntos ou quem sabe, ela estava utilizando a rivalidade como pretexto para ficar perto dele.

 

Cansado de ficar sozinho com seus próprios pensamentos, ele grunhiu e se levantou da cama. Precisava dar uma volta lá fora, para espairecer sua mente.

 

[...]

 

Fechou a porta atrás de si e desceu pelos degraus da escadinha que ficava na frente da casa. O casarão do lado de fora, era tão assustador quanto por dentro. A tintura branca da madeira estava desgastando, dando aquele aspecto sujo à estrutura e a varanda de madeira parecia querer ceder só de você tocar nela.

 

O imóvel era como qualquer outra casa de campo. Possuía dois andares, a maioria das janelas tinham cortinas da mesma cor de seu quarto, com a única exceção das janelas da cozinha, as quais possuíam cortinas flaneladas vermelhas.

 

Enquanto caminhava sozinho no meio da noite, ele percebeu que pisava no chão de forma mais brusca do que o necessário. Isto provavelmente era um dos efeitos de sua ansiedade, ele estava perturbado.

 

Distraído com sua própria cabeça ao caminhar, por pouco ele deixa a presença de Kingo passar despercebida. O mais velho estava fazendo um piquenique sozinho em alguns centímetros de distância dali, perto da cerca dos cavalos.

 

Aquele personagem “maluco” (como Jax o categorizou) estava a observar as estrelas, ficando maravilhado e fascinado pelos pontos brilhantes no céu.

 

— Ah, e aí Kingo. — Decidiu cumprimentá-lo, acenando para o outro. O que fizera o rei se sobressaltar um pouco pela surpresa. Não esperava que alguém estivesse acordado essa hora da noite.

 

Após se recuperar do susto, ele leva uma mão flutuante ao peito e acenou para ele logo em seguida: — Oh, olá Jax! Veio ver as estrelas também?

 

Jax levou as mãos até os bolsos da calça jeans, numa tentativa de esconder o turbilhão de sentimentos que sentia no momento: — Eh, na verdade... Não, eu só vim dar uma volta porque não consegui dormir.

 

— Ora essa, então junte-se a mim para observar as estrelas. Quem sabe isso não acalma sua mente um pouco?

 

Normalmente, ele recusaria um convite proposto por um “louco”, mas esta noite ele decidiu agir de uma forma diferente. Sentia que precisava de um momento pra relaxar e observar as estrelas parecia ser ótimo. O momento o lembrava da aventura de Pomni.

 

Não que ele se importasse com isso, é claro.

 

Em resposta, ele apenas se sentou ao lado de Kingo em silêncio. Assistiu às estrelas junto dele, permitiu que seus lábios relaxassem um pouco.

Seu sorriso vinha quebrando muito ultimamente, assim como o todo resto.

 

Só estava cansado de tudo, de fingir e sentir aquela sensação horrível no fundo do estômago.

 

Às vezes, sua mente sussurrava para ele parar de ser o que não é. Ele a ignorava, é claro.

 

— Uau, as estrelas estão lindas esta noite... Não é? — O programador interrompeu seus pensamentos depreciativos com uma pergunta inocente.

 

Mexeu suas longas orelhas desconfortavelmente, enquanto ele deu uma risada sem humor. Jax deitou as costas sobre a toalha quadriculada e repousou a cabeça nas mãos: - Pfft, de quê adianta apreciar elas? Elas nem são reais, assim como tudo aqui nesse lugar.

 

A peça de xadrez juntou suas sobrancelhas cartunescas, ainda observando o céu.

— E por isso elas deixam de serem belas?

 

Aquilo o pegou desprevenido, fazendo com que olhasse para cima outra vez. O maluco tinha razão, eram bonitas, da sua própria forma.

 

— Mesmo sendo, você sabe que não é a mesma coisa, velho. — O comentário do mais novo, fez o rei rir - O que é tão engraçado?

 

— É que você me lembra a mim. No começo, eu pensava exatamente da mesma forma. — A peça de xadrez cessou seu riso aos poucos. Assim que se recuperou, ele apoiou suas mãos no solo. — É claro, as estrelas daqui nem se comparam com as de verdade, mas elas não te trazem um certo conforto? Como uma boa lembrança de um tempo bom. Tipo, uma fotografia que guarda uma memória preciosa.

 

Pensou um pouco sobre o comentário do outro. Era verdade, mesmo algumas coisas não sendo reais no circo, elas remetiam à vida real em alguns momentos. Obviamente, ele tentava ao máximo ignorar essas partes mais realistas para continuar com seu mecanismo de defesa nada saudável.

 

Ao refletir especificamente sobre lembranças, instantaneamente sua mente vagou entre memórias com Ribbit e Kaufmo. Os bons momentos em que tiveram juntos, antes de tudo desabar.

 

Se ele tivesse se esforçado mais para fazer lembranças felizes, talvez eles não tivessem enlouquecido. Não conseguia evitar esses tipos de pensamentos de culpa.

 

— Acho que lembranças de um tempo bom não adiantam de nada num lugar como esse. Uma hora, você tá por aí, sorrindo e pulando alegre.

No outro, você tá chorando num funeral com a foto de um de seus amigos num baú vazio, com coisas que ele gostava ao redor.

 

— Mas isso não apaga os momentos bons que teve com ele, certo? Você não se arrepende de ter se tornado seu amigo. — Aquela resposta o calou no mesmo instante.

 

— E-Eu, eu não me arrependo, mas... Por quê não poderia ser diferente? Eu tentei tanto, mesmo assim ele se foi. - Sua voz vacilou por um momento, ele fechou os olhos com força: — Ah, esquece. Deixa isso pra lá.

 

Os olhos amarelados ameaçavam a derramar uma tempestade de lágrimas, entretanto– o dono daquele par– não se permitira chorar. Odiava se sentir vulnerável na frente dos outros, ele sempre escondia esse lado sensível– que precisava de colo– o máximo que ele conseguia.

 

Então, ele sentiu uma mão repousar sobre a sua, assustando-o um pouco. Jax recolheu a mão no mesmo instante. Kingo apenas balança a cabeça de forma compreensiva:

 

— Sinto muito por isso, Jax. — Ele se desculpa brevemente.

 

— Tá legal, eu só não tô acostumado com alguém me tocando. Geralmente, as pessoas só tocam em mim pra me estrangular. — O rapaz brinca, o doloroso sorriso sarcástico tomou conta de seus lábios novamente.

 

O rei poderia ficar bravo com o fato de que ele insistiu em colocar uma barreira para desviar do assunto. No entanto, ele não fez isso.

 

Como uma figura paternal, apenas demonstrou sua gentileza e sorriu pra ele. Era como se recebesse um abraço caloroso, mesmo com a ausência de toque físico.

Não merecia um amigo tão legal quanto ele.

 

O monarca tentou novamente se aproximar e dessa vez, o mais novo não recua. No mesmo momento, uma estrela cadente atravessou o céu azulado, fazendo um contorno reluzente de uma ponta à outra.

 

Aquele pequeno acontecimento pareceu maravilhar Jax, ele se sentia como uma criança novamente. Seus olhos brilhavam:

— Uau.

 

Livre de julgamentos, responsabilidades, pensamentos pesados... Eram só os dois ali e mais ninguém.

 

— Os bons momentos ainda estarão lá, só porque ele se foi, não quer dizer que ele não foi feliz.

Infelizmente, essas coisas horríveis, como “abstrair” simplesmente acontecem por aqui... Mas eu te pergunto, vale mesmo a pena sacrificar sua felicidade agora, só pelo medo do que vai acontecer no futuro?

Não vale muito mais a pena, fazer uma pessoa se sentir amada e querida enquanto ela ainda está viva, do que simplesmente deixar essa chance passar, só por medo de que um dia ela vá embora?

 

Sentiu seu peito pesar, só do fato de pensar que a palhaça bobo da corte poderia abstrair, achando que ninguém a amava, seria algo que ele nunca poderia se perdoar. Tinha feito Ribbit feliz, nem que fosse só um pouco, certo? Kaufmo também.

 

Negar essa mesma oportunidade à Pomni parecia até errado, ele se sentiu um completo imbecil naquele momento. Assim como após a briga e nos dias seguintes.

 

O piadista sai de cima da toalha, ficando em pé e passou a mão atrás da nuca:

— Meu pai amado, você é mesmo maluco. Sabia? Quase me pegou com esse papo emocional.

 

O velho dá uma risada cansada, fechando os olhos:

— E não somos todos no fim?

 

— É, eu acho que você tem razão. — Jax já ia andando em passos calmos, se distanciando do piquenique.

 

Então, ele para em uma pequena distância e sussurra:

— Não fala dessa conversa pra ninguém, velhote.

 

— Não se preocupe, eu não irei. Afinal, como você mesmo disse... Eu esquecerei disso amanhã. — Cuidadosamente, o rei pega um de seus sanduíches e dá uma “mordida”.

 

— Pfft, que seja... — Balançou a cabeça e continuou andando.

 

Mentalmente, Jax pensou:

Obrigado por isso.”

 

Mas ele era covarde demais para dizer em voz alta.

Preferia morrer do que demonstrar alguma fraqueza e esse era seu maior defeito.

 

Precisava trabalhar nisso se quisesse ir a algum lugar, mas não seria hoje.

Uma pessoa não mudava do dia pra noite, só com uma ou duas conversas. Isso levava tempo.

 

Amanhã seria um novo dia.

 

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Notas de autor:

 

Capítulo revisado! A parte 2 será postada em breve. Tinham algumas sentenças e palavras se repetindo nesse capítulo. Isso me incomodou profundamente, então resolvi dar uma revisada.

 

Espero que tenham gostado.

Chapter 2: Aventura na Fazenda – Parte 2

Summary:

Pomni está preocupada com Jax, então pede a ajuda de Zooble para poder formar dupla com ele, mas algo inesperado acontece e emoções ficam à flor da pele (Principalmente, para Jax).

Caim está perdendo sua sanidade pouco a pouco ao buscar aprovação dos membros do circo. Sendo sufocado por um mar de sentimentos negativos. Ele não percebe que pouco a pouco está criando consciência.

Ragatha tenta seu melhor para manter a cabeça no lugar, apesar de ser uma aventura que lhe trás memórias muito ruins de sua infância.

Gangle têm um desenvolvimento em sua coragem e força de vontade.

Notes:

Desculpa pela demora em atualizar a fanfic, para compensar trouxe um capítulo de 10 mil palavras! Espero que vocês gostem. Por favor, deixem um comentário se gostaram.

Chapter Text

No dia seguinte, o coelho e a figura abstrata estavam reunidos na parte da frente da casa de campo, colocando melancias dentro de um caminhão azul (que tinha uma caçamba de madeira marrom enorme atrás).

 

O céu estava azul e bem limpo. O Sol escaldante pairava sob suas cabeças, tornando aquele trabalho ainda mais cansativo.

 

Zooble passava as frutas em diante para que Jax–que se encontrava em cima da caçamba– as recolhesse e as colocasse lá dentro cuidadosamente. O coelho parecia exausto, já que não possuía o melhor aspecto físico para carregar coisas pesadas.

 

— Dá pra andar mais rápido?! Você é molenga mesmo. — Jax gritou, com uma carranca de raiva escancarada em sua face.

 

Aquele trabalho era estúpido, assim como aquela aventura. Apostava que era sugestão da boneca de pano, de quem mais seria?! Ninguém seria louco o suficiente para dar uma ideia tão chata. Caim conseguia transformar o que já era ruim em algo péssimo.

 

Também parecia exauste, elu arfava ao carregar melancias tão cheias de suco:

— A-Arf, arf.. Ghh! Cara, cê’ tá fazendo a parte mais fácil do serviço e ainda assim tá reclamando? — Juntou as sobrancelhas em irritação e gesticula com a mão levantada pra cima.

 

O rapaz roxo coloca as mãos na frente da boca, aumentando sua potência vocal:

— Bom, eu não reclamaria se você andasse logo, força nesses cambitos aí!

 

— Grrr, você é insuportável. — Ê não-binárie grunhiu de raiva, se contendo para não jogar uma das melancias na cabeça daquele delinquente.

 

Pomni os observava ao longe, sem saber muito se deveria interagir ou não com os dois. Ela inala ar em seus pulmões pelo “nariz” e exala pela boca para tentar se acalmar.

 

Vamos, você precisa parar de ser medrosa. Ter uma conversa casual não quer dizer que você o perdoou. Afinal, você quer se certificar de que Zooble não está sendo incomodade demais.” — Era uma desculpa frívola que ela inventou para si mesma em sua mente. Bem lá no fundo, sabia que queria vê-lo.

 

Bem, isso não importava agora. Menos pensamentos e mais ações.

 

Andando até eles, ela sentiu suas pernas ficarem bambas, graças ao nervosismo. Acabou por se desequilibrar um pouco, tropeçando em seus próprios pés. Rapidamente, ela apoiou seu braço em uma das cercas daquela pequena área em que residiam os cabritos da fazenda.

 

Pelo barulho– O de olhos amarelados levantou suas orelhas em estado de alerta– enquanto Zooble direcionou seu corpo inteiro na direção da mulher. Pomni até tenta fazer uma pose confiante, fingindo que nada demais aconteceu. No entanto, era evidente que sentia vergonha pelo leve descuido que teve. Pouco depois, suas bochechas pálidas ficaram levemente ruborizadas, realçando ainda mais os blushes de seu avatar.

 

Um sorriso nervoso brota em seus lábios, enquanto tentava falar sem gaguejar:

— E aí, pessoal! O que vocês estão… Fazendo? — Algumas gotinhas de suor surgiram em sua testa. Odiava aquele corpo digital por isso, só deixava seu nervosismo ainda mais aparente!

 

Ê coloride relaxou um pouco ao perceber que se tratava apenas de sua amiga, abaixando a guarda. O rapaz agiu de forma similar, esboçando aquele sorriso grande de orelha a orelha.

 

— Ah, é só você. — Disse a pessoa de formas diferentes.

 

— E aí, Pomni. Tá me perseguindo? Isso tá ficando meio estranho, você é tipo uma stalker? — Jax brinca e suas pupilas se dilataram.

 

Ficou visivelmente ainda mais vermelha com o comentário do mais novo, acabou cerrando os punhos de forma defensiva, o que fez o coelho alargar seu sorriso.

 

— O quê?! Não, de jeito nenhum. — Protestou, sentindo o rosto pegar fogo.

 

Sua provocação não durou muito, pois Zooble jogou uma melancia para ele pegar. Por pouco, não a deixou cair no chão: — Aiii, qual é o teu problema?!

 

A de cabelos castanhos riu suavemente com a interação, levando a mão até a boca e sua expressão se suaviza um pouco. Apesar de ser o alvo da piada, o garoto roxo se sentiu feliz em vê-la rir daquele jeito. Porém, optou esconder isso por trás de uma expressão irritada.

 

— Haha, muito engraçado. — Torceu o nariz e foi pro fundo do caminhão colocar a fruta junto das outras.

 

— Não liga pra ele. Você já terminou seus afazeres? — A figura abstrata revira os olhos após ouvir o outro resmungar.

 

— Ah, já sim! Eu queria ver se precisam de ajuda… — Se aproxima para poder sussurrar — E também ver se ele não está te incomodando demais.

 

É claro, ela sabia que Zooble desconfiava um pouco de suas motivações só pelo olhar que elu lançou logo em seguida, elu estava com a sobrancelha levemente erguida. Por algum motivo, sempre sabia quando os outros escondiam alguma coisa.

 

E a garota não era exatamente uma mentirosa profissional, também.

 

— Já estamos terminando por aqui, o fazendeiro Afthorn quer que a gente leve essa carga até a cidade. — Explica ao pontar para o veículo carregado de melancias e outros tipos de alimentos variados.

 

Esses dois juntos? Poderia não ser uma boa ideia. Zooble é calme, porém Jax conseguia tirar elu fora do sério sem muito esforço. Sinceramente, aquele cara conseguia fazer qualquer um ficar maluco com suas provocações.

 

A figura abstrata era aquele tipo de pessoa que sempre estendia a mão para quem precisava, mas quem estendia a mão à elu?

 

Pensando no melhor, decidiu que queria se oferecer para ir no lugar delu. Sabia lidar com o temperamento de seu amigo melhor do que ninguém, ao menos era o que acreditava.

 

Também duvidava que ele exageraria depois da discussão que tiveram, porém, ela precisava estar preparada para tudo. Afinal, o roxeado poderia ser imprevisível em sua forma de agir.

 

Bem, ela tentaria não exagerar com ele. Não queria provocar outra situação em que tivesse que pular em cima dele ou morder sua perna, rezava para que não chegassem nesse extremo, não outra vez.

 

Levou a mão até o peito e perguntou com uma voz calma:

 

— Você não prefere que eu vá no seu lugar? Acho que Gangle se sentiria muito mais confortável se você estivesse por aqui para ajudá-la com as tarefas. — Ofereceu sua ajuda, esperando que ê outre aceitasse. Seria mais fácil dessa forma.

 

Ê maior mexe um pouco seu braço removível, parecendo refletir sobre a proposta. Percebeu que a outra ofereceu aquela ajuda com a melhor das intenções. Pomni estava tentando ser empática já faz um tempo, havia percebido isso ao observá-la de longe. Tudo mudou depois da aventura de terror, há algumas semanas atrás.

 

Seja lá o que aconteceu naquela aventura, parecia ter mudado a atitude assustada e inquieta da novata.

 

Elu também não esperava muito dela, afinal, cada um reagia de uma forma diferente ao confinamento no circo. Ver que ela se importa, era algo agradável.

 

Pelo menos, alguém além da moça das fitas se importava com seus sentimentos e tentava fazer aquele inferno digital ser um pouco mais tolerável de se conviver.

 

Querendo oferecer o mesmo tipo de apoio, colocou a mão no ombro da mulher baixinha e tentou dizer com palavras dóceis:

— Agradeço pela sua preocupação, mas acredito que consigo lidar com esse m3rd#. Não se preocupe comigo. — Mexeu um pouco a cabeça para o lado, encarando Jax que ainda estava tentando organizar as melancias sozinho na caçamba. — Eu vou ficar de olho nele pra você. Afinal, alguém tem que te oferecer apoio de vez em quando.

 

Os olhos de Pomni ficaram bem abertos, representando bem seu choque com a gentileza oferecida por parte de ê colegue. Ok, ela não esperava por uma demonstração de amizade tão genuína.

 

— A-Ah, tem certeza? É que… Bem. — Não sabia muito bem o que dizer ou fazer. Acabou mexendo nos sininhos nas pontas de seu chapéu, numa tentativa de se livrar do nervosismo que sentia.

 

Percebendo um pouco a forma hesitante como a outra agia, elu decidiu perguntar:

 

— Eu percebi que vocês não andam se falando tanto, você tá querendo conversar com ele a sós, não é? — Suspirou cansade.

 

Merda, era tão óbvio assim?

 

É claro que elu perceberia. A esse ponto, acreditava que todos haviam percebido.

 

Balançou a cabeça de forma aflita, mesmo com a confrontação direta, não se deixou abalar pelo questionamento. Bem, já que fora questionada, de nada adiantaria continuar negando. Seria honesta:

 

— Sim, é verdade que preciso conversar com ele. Até prefiro que ele venha até mim primeiro, mas gostaria de, pelo menos, criar essa oportunidade. Sei que ele não conversaria comigo com os outros olhando. — Descansa a mão atrás do pescoço:

— E também porque estava preocupada contigo, não quero que ele diga algo que possa te chatear no caminho pra lá e gerar mais tensão do que já existe entre nós.

 

Compreendia muito bem o que ela queria dizer com isso. Havia percebido o exagero das provocações mais recentes. O de olhos amarelados piorava a cada dia que passava. Principalmente, com tudo aquilo de ser o personagem “divertido”.

 

Era estranho e sentia que nunca conseguiria compreendê-lo de verdade. Não que elu se importasse com isso. Só esperava que Pomni não acabasse se ferindo nas mãos desse infeliz.

 

— Olha, eu posso trocar de lugar contigo. Só quero que me prometa que você não vai deixar ele te tratar que nem bos-[$$@]. — Queria se certificar de que ela não seria tratada da mesma forma que Gangle.

 

Pomni mordeu a parte interna de sua bochecha. Sabia muito bem que aquilo era verdade, estava sendo lembrada disso tantas vezes pela boneca de pano. As opiniões dos outros em relação à Jax não era muito favoráveis, mas ele também não se ajudava.

 

— Não se preocupe, eu sei quando desistir de caras tóxicos. E é como eu disse, se ele não se esforçar pra fazer as pazes, não vai ter muita coisa que eu possa fazer. Já tive minha cota de ex’s inseguros no passado. — E era verdade.

 

A de cabelos negros poderia contar nos dedos quantos namorados horríveis ela teve durante sua adolescência. A maioria com complexo de superioridade ou de masculinidade frágil.

 

Também não era uma pessoa 100% santa, sabia que tinha ferido muitas pessoas na sua trajetória para a vida adulta e ela se arrependia amargamente de seu passado. Inclusive, era até por isso que queria ajudar Jax.

 

Se ela poderia mudar, ele também poderia, com um pouco de esforço.

 

Obviamente, isso não queria dizer que passava pano para as atitudes questionáveis dele. Apenas acreditava que ele poderia ser um alguém melhor. Não só por ele mesmo, mas pelos outros que estavam no circo.

 

Se não houvesse mesmo uma saída daquele lugar, teriam que conviver– talvez para a eternidade– juntos. Não gostava de pensar nisso, mas era uma realidade que ela não poderia se dar ao luxo de negar. Por mais que a deixasse angustiada.

 

Não queria que ninguém mais fosse abstraído, muito menos ele.

 

Então, a convivência entre os membros precisava ser no mínimo tolerável. Ajudá-lo seria benéfico para o restante de seus amigos também.

 

Como Kingo havia dito, o pior que pode se fazer a uma pessoa, é deixar ela acreditar que não merece ser amada. Pomni estava disposta a deixá-lo saber que se importava com ele, mesmo que ele agisse como um cabeça dura.

 

— Bem, se você tem certeza. — Zooble entrega a chave do caminhão na mão da baixinha. Ela pega o objeto sem pensar duas vezes.

 

Ambos trocam sorrisos, apesar de ê outre não possuir boca, ainda conseguia expressar sua felicidade através do olhar.

 

— Eu tenho, obrigada por isso. — Agradeceu e foi andando até o caminhão.

 

Jax parecia ter detectado seus passos, pois moveu suas orelhas ao captar o som. Prontamente, ele se vira ao reconhecê-los. Seu olhar passou dela até Zooble, quem se afastava da dupla. Pra onde diabos estava indo?

 

Elu não o deixaria com Pomni, certo? [##$@%], seria uma situação embaraçosa de se lidar. Definitivamente, não queria estar a sós com ela.

 

A jogaria do caminhão apenas para evitar uma conversa e as coisas piorariam, pois ele era assim.

 

— Olha, não que eu me importe, mas pra onde você vai? — Jax questiona com um tico de nervosismo em sua voz.

 

Mesmo com a pergunta, Zooble pareceu não ligar muito e seguiu seu trajeto em paz.

 

— Você já não é mais problema meu. Se resolva com a sua namorada aí. — Fez um sinal de despedida com a mão e continuou andando sem olhar para trás.

 

Aquilo fez Jax ficar vermelho das bochechas até as pontas das orelhas. A Bobo da Corte parece ter ouvido também, ficando na mesma coloração que seu parceiro de viagem.

 

— Hah, como se eu precisasse de alguém. Não sou carente que nem você, Zoobs. — Berrou como uma criança mimada, fechando seus punhos e juntando as sobrancelhas em descontentamento. Seu sorriso se contorceu em algo que mais parecia uma careta.

 

Merda, como odiava essa sensação.

 

Essa sensação de se sentir vulnerável com a mínima provocação causa por alguém.

 

Ele não era assim antes.

 

Com ê outre fora de vista, o mais novo se vira para encarar sua colega, quem o observava com uma expressão pensativa. O que será que se passava por trás desses olhos gigantes e coloridos? Não sabia dizer, mas era melhor não ponderar muito.

 

Seus pensamentos tinham tendência a se tornarem desagradáveis quando ele pensava demais.

 

Jax suspira cansado e desce da caçamba:

— Vai ficar me encarando? Mexe esse traseiro logo, baixinha. — Deu um peteleco em um dos sininhos da cabeça da outra e foi andando até a cabine do motorista.

 

Aquela ação parece ter atordoado a outra, fazendo ela ficar surpresa com a provocação repentina. O modo como ele agiu naquele momento, a confundiu ainda mais.

 

Por que ele agia como se estivesse tudo bem entre eles?

Ele continuava com aqueles comentários e brincadeiras mesmo tendo aquela discussão horrível.

 

É claro, demorou um tempo até que ele voltasse a falar com ela outra vez. Estavam se evitando até um dia atrás, não trocando mais que algumas palavras por causa da aventura.

 

Essa era a forma dele de evitar o assunto? Bem, ele não conseguiria. Não se dependesse dela e de sua persistência.

 

Se lembrou que Jax sequer saía de seu quarto nos primeiros dias pós-discussão. Pomni teve muito medo de que algo horrível tivesse acontecido com ele. Então, ela passava para checar de vez em quando.

 

E se agora ele deu uma brecha para ela se aproximar novamente, é porque se importa. E ela não desistiria disso que construíram juntos. Seja lá o que for.

 

Apenas queria entender o que se passava naquela cabeça enigmática.

 

Recuperando-se um pouco do choque, ela coloca as mãos nas bochechas e balança a cabeça levemente. Os sininhos fizeram barulho com seu movimento abrupto. Sem demorar muito, ela o seguiu logo atrás.

 

Quando se direcionou até o lado da cabine do passageiro, percebeu que Jax já estava sentado no lugar.

 

— Você não achou mesmo que EU ia dirigir, né? Cruzes, Pompom. — Disse de forma sarcástica, apontando o dedo para seu peito. — É melhor que você tenha uma carteira de motorista.

 

Ah, ele odiava conduzir veículos que não tivessem uma buzina legal.

Tinha se esquecido desse detalhe.

 

— Estou começando a achar que isso é só uma desculpa e você nem sabe dirigir. — Mesmo assim, deu a volta e foi até o lado do motorista. Não adiantava discutir com ele sobre isso.

 

— Blá, blá, blá. Pense o que quiser, eu não dou a mínima. Agora, pisa fundo. — Direcionou seu olhar à estrada.

 

Deus, me dê paciência pra não estrangular ele até o fim dessa aventura.” — Pensou, antes de subir em cima do caminhão–com um pouco de dificuldade– em seguida colocou o cinto de segurança. Nem precisavam disso nesse mundo, já que não poderiam morrer, mas a dor ainda era bem real.

 

Agora que tinha uma visão mais clara da cabine, ela notou que tudo estava bem limpo. Desde o retrovisor, até o volante e os assentos. Bem, pelo menos não teria que lidar com lama ali.

 

Acima do porta-luvas, haviam um pequeno boneco de cabeça balançante de Caim. O outro se distraiu com aquilo por um tempo, dando um peteleco na cabeça dele para fazê-la se mexer.

 

Seus olhos vagaram entre o rapaz e o objeto de plástico. Os olhos dele ficaram tão gigantes, parecia um gatinho brincando com um pontinho. Um sorriso se desenhou em seus lábios.

 

Que fofo.” — Não pôde evitar o pensamento.

 

Por um momento, ela até se esqueceu que estava irritada com ele. Seria bom se continuassem assim até o fim do dia.

 

Então, ela gira a chave (que já estava na ignição) e deu partida. Engatou a marcha e começou a locomover o veículo na estrada de terra até a cidade.

 

[…]

 

Algum tempo se passa, estavam em silêncio durante o caminho. Pomni não se atreveria a puxar assunto primeiro. Estava focada na estrada à sua frente, já haviam saído do sítio e estavam em um caminho asfaltado, repleto de árvores e outros tipos de plantas ao redor.

 

Jax havia desistido de brincar com o boneco, ele observou a moça pelo canto de sua visão periférica. Sabia muito bem que ela ainda estava frustrada com ele e não a culpava por isso, foi culpa dele por deixar ela se aproximar daquela forma.

 

Se lembrara das palavras de Kingo da última vez, não queria deixar ela desapontada como estava.

 

Ainda era tão difícil de lidar com isso, desejava que a outra simplesmente continuasse o odiando como todo mundo.

 

Mas Pomni não era como os outros.

 

Ela continuava se importando, mesmo depois de ferrar com tudo. Até queria que ele recuperasse seu lado humano.

 

Para ser honesto, não dava a mínima para quem ele era antes desse mundo. No começo, ele até se importava, mas ficar preso em um lugar por vários anos, o fez mudar.

 

Ele sabia que não era mais aquele garoto que chegou no circo desesperado, olhando para todos com confusão e medo em seu olhar.

Não era mais o inseguro que corria para os braços de Ragatha, buscando algum conforto em meio ao pesadelo que era estar preso dentro do circo digital

 

Ou aquele que pregava peças com seu melhor amigo, Ribbit e assistia ao péssimo show de comédia de Kaufmo quando anoitecia.

 

Não era mais Felix e sim, Jax.

 

Aquele que sacaneava com os outros por diversão.

 

Que infligia dor e sofrimento.

 

“Merda, isso foi cringe.” — Jax refletiu, abaixando as orelhas ao se lembrar do discurso que deu à Pomni, para convencê-la a se afastar e desistir dele. Bateu o pé no chão em ansiedade.

 

Precisava se distrair e rápido. Não queria acumular pensamentos negativos demais, ele sabia que essa era uma atitude perigosa que poderia desencadear em um ataque de pânico e ele definitivamente não precisava de um desses agora.

 

— Pomni, olha. Uma barata no seu pé. — Falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça

 

— QUE?! — Estava um pouco distraída com a estrada à frente e seus próprios pensamentos. Quando ouviu o que ele falou, ela arregala os olhos e se desespera. Acabou quase virando o volante para o lado direito. Os corpos de ambos inclinaram levemente para essa direção.

 

Um arzinho saiu do nariz do coelho, que ficou risonho ao ver como a outra reagiu à sua pequena piada de mau gosto.

 

Ainda bem que não era com Ragatha, a outra já teria jogado o caminhão para o lado e ambos cairiam de um barranco.

 

O pensamento fez Jax rir um pouco mais alto.

 

— Hah, você tinha que ter visto sua cara. — Semicerrou os olhos, observando ela com um sorriso largo nos lábios.

 

O coração de Pomni estava acelerado pela adrenalina e o susto. Irritada, ela não deixou isso passar.

 

— Por que você fez isso, eu tô literalmente dirigindo. Quer matar a gente?! — Questiona, levantando o tom de sua voz com a clara irritação que sentia dentro de si.

 

— Meu Deus, Pomni. Foi só uma piada, cê’ tá parecendo a Rags. A gente nem pode morrer. — Revirou os olhos, cruzando os braços como se fosse o óbvio.

 

— É, mas ainda conseguimos sentir dor, seu baba-[$#5%]! — Rangia os dentes, enquanto segurava firmemente no volante.

 

Aquilo fez o outro estalar a língua, estava odiando cada segundo dessa viagem juntos. Tudo seria mais fácil se qualquer um dos outros estivessem ali no lugar dela.

Poderia apenas ser um cuzão e ficar fazendo piadas desnecessárias. Eles já estavam acostumados.

 

Incomodar a palhaça era ruim, ele se sentia seu peito doer fisicamente. Pensar nisso até lhe causava arrepios. Nem parecia ele falando.

 

— Olha, eu- — Até tentou proferir um “Sinto muito”, mas ele era muito orgulhoso. Apenas desviou o olhar para o lado. — Deixa pra lá.

 

Já estava cansada dessa merda e eles mal começaram a conversar um com o outro.

 

De repente, sentimentos adormecidos vieram à tona. A discussão sobre a máscara de Jax, o jeito que ele gritou como não se importava.

 

Pomni era emocionalmente matura, de verdade. Só que conversar com ele era demais. Não conseguiu conter o veneno na ponta de sua língua, precisava colocar tudo pra fora.

 

— Esse é o seu problema, você sempre tenta desviar do assunto. Não consegue pedir desculpas como uma pessoa normal. — Manter os olhos no caminho parecia se tornar uma tarefa cada vez mais difícil a cada segundo que se passava perto dele.

 

As orelhas de Jax tremeram com a acusação. Ofendido, se virou para encarar ela com raiva:

 

— O que te faz pensar que eu pediria desculpas a você? Hahaha. Tá mesmo chateada por causa de uma piadinha?! Deu risada, como se tivesse ouvido o maior absurdo de sua vida.

 

— Não é só pela piada. Jax, você sabe muito bem disso. — Sua garganta começou a arder. Que sensação de merda.

 

Ambos ficaram em silêncio por alguns minutos, então ela continua:

 

— Isso é porque eu sei que se sente mal, só pelo jeito que tá falando e olhando pra mim nos últimos dias. Não sou cega e nem muito menos surda, Jax. — A tensão apenas aumentava entre os dois.

 

Aquela menina conseguia tirar ele do sério, qual era o problema dela?

 

Indignado, ele se inclina na direção de Pomni, fazendo o ar quente se sua respiração bater contra sua pele.

 

Ba-dump.

 

A velocidade de seus batimentos cardíacos aceleraram. Era sempre ele quem conseguia causar esse efeito nela, mesmo quando estava frustrada.

 

— Você não sabe nada sobre mim. Acha que só por causa de algumas “aventurinhas” juntos e alguns papos soltos, tu acha que me conhece?! Você não sabe, nada. NADA. — Ele cutuca o rosto dela, empurrando sua cabeça um pouco.

 

O sentimento de preocupação se misturou com a raiva que sentia. Desviou o olhar da estrada para encará-lo com os lábios espremidos, como se tivesse chupado limão:

— Posso até não conhecer cem por cento, mas te conheço o suficiente para saber que tudo o que diz sobre não se importar é mentira. Eu te vi sem a máscara e é isso que te incomoda. — Seus olhos ficaram brilhantes e vermelhos, como se estivesse prestes a chorar.

 

Aquilo fez o outro recuar um pouco. Suas mãos começaram a tremer e ele cobriu suas orelhas de coelho, puxando elas pra baixo. As puxou de uma forma dolorosa, como se quisesse abafar o som da voz da outra com sua própria dor:

— Cala boca, por favor! — Implorou em berros.

 

Isso era patético. Jax era patético.

 

E Pomni era pior ainda por insistir em tentar pescar alguma coisa naquele mar de ignorância e egocentrismo que era seu coração.

 

Cegada pela angústia que sentia, ela berra e as lágrimas começaram a escorrer de seus olhos:

— Você tem medo de se apegar as pessoas, pois aí você vai perceber que elas não são personagens. Vai finalmente perceber que tem feito coisas horríveis pra pessoas que sofrem o mesmo que você, todos os dias. Não somos NPC’s, Jax. Somos humanos!

 

Invés de responder alguma coisa em retaliação, Jax percebeu um chiado esquisito vindo da estrada. Ele virou a cabeça em direção ao vidro, suas pupilas retangulares se arregalaram em pura tensão. Pomni imitou a ação, para olhar para onde ele estava e também ficara horrorizada.

 

A parte do mapa à frente estava totalmente distorcida. A continuação da estrada parecia corrompida. Haviam grades de colisão azuladas no céu. O chão tinha a famosa textura de erro, aquela com vários quadrinhos pretos e rosas.

 

A de cabelos castanhos até tentou pisar no freio, mas já era tarde demais.

 

O caminhão acabou atravessando o mapa colorido, eles foram surpreendidos por um buraco negro gigantesco no chão. Acabaram tombando ali, ficando pendurados entre o mapa corrompido e o normal. A parte da cabine estava caindo no buraco, enquanto a parte da carreta ainda estava fora dele.

 

Atordoada pela situação horrível em que se encontravam, ela começou a falar com a voz trêmula. Acabou se esquecendo completamente da discussão acalorada que tiveram, pois fora tomada pelo medo:

— J-Jax… — O caminhão fez um som fino, como se estivesse deslizando um pouco com o movimento mínimo que fizessem.

 

— Não se mexa. — Parecia tão tenso quanto ela. Linhas de expressão se desenharam abaixo de suas pálpebras cartunescas, expressando a aflição que sentia naquele momento.

 

Olhando o vidro à frente, eles perceberam que logo abaixo estava o porão. Onde todos os abstraídos estavam presos. O que diabos estava acontecendo com aquela aventura?

 

Múltiplos olhos coloridos encararam a única fenda de luz do lugar, onde estava o caminhão. Por sorte, eles não estavam tão perto deles. Não o suficiente para que eles os alcançassem, pelo menos.

 

Mas seria uma questão de tempo até o veículo cair.

 

Ficaram em silêncio por um momento, então o coelho engoliu seco e forçou seu sorriso amarelo:

— Pomni, escuta… O que eu vou te falar com atenção, tá bom?

 

Ela assentiu com a cabeça, aterrorizada. Vendo a concordância da outra, ele começou a instruir.

 

— Abre a sua porta devagar… Bem devagar mesmo.

 

Com a mão trêmula, ela respirou fundo e lentamente levou a mão até alavanca da porta para a abrir com cuidado. Só de se mexer, o caminhão deslizou um pouco mais para frente.

 

— J-Jax, não dá… Eu tô com muito medo. — Parou de se mover no mesmo instante, sua voz tremia e ela já estava começando a chorar de novo.

 

Não queria mesmo cair e ficar presa no porão. Sabia que Caim apenas os deixariam para morrer e todos seguiriam em frente como se nada houvesse acontecido. O pensamento aterrorizava ela.

 

— Se acalma, Pomni. Tente abrir de novo, eu sei que você consegue. É que nem na aventura de armas, só… Acredita em você mesma. Se não, a gente vai virar jantar o Kaufmo e dos outros. — Se agarrava firmemente em suas orelhas.

 

— E-Eu sei, não precisa me lembrar que ele tá literalmente debaixo da gente! — Ela sussurra quase gritando de desespero.

 

Novamente, ela começa a abrir com cuidado. Então, finalmente consegue.

 

— T-Tá… Eu consegui e agora? — O encara pelo canto do olho, suava frio de nervosismo.

 

— Você tem que sair e se pendurar na parte de trás do caminhão e andar até conseguir sair do buraco.

 

— O que?! E se eu cair? — Parecia desesperada com aquele plano maluco.

— Você tem uma ideia melhor? Aliás, você sabia fazer isso antes. Aposto que deve ter feito muitos parkours enquanto explorava prédios abandonados. — Tentava convencê-la da melhor forma que conseguia.

 

Precisava tirar Pomni dali logo.

 

Ela estava em perigo, tudo por culpa dele.

 

Queria muito chorar de angústia, por que sempre as pessoas que ele amava? Esse circo o odiava. Parecia uma piada cruel.

 

Pomni estava tremendo de nervosismo e medo. Seu coração parecia querer sair pela boca. Tinha que ser corajosa ou morreria ali. Jax tinha razão, era como no parkour.

 

Vamos focar nisso e não nas criaturas assustadoras lá de baixo.

 

Notou que Jax queria que ela saísse primeiro. Não queria deixá-lo para trás. Se ele caísse, ela nunca se perdoaria.

 

— Você estará logo atrás de mim, certo? — Questiona e o encarou com uma seriedade intensa em seu olhar.

 

Aquilo acabou o deixando frustrado, eles estavam em uma situação de vida ou morte e ela estava preocupada com ele?

 

— Tem tanto momento pra você se preocupar, Pompom. Concentre-se em se salvar primeiro. — A repreendeu e continuou: — Eu prometo, só anda logo.

 

Sua linguagem corporal tensa pareceu se aliviar um pouco com a confirmação, então ela olha para a janela.

 

Okay, Pomni. Você consegue… Use suas habilidades de exploradora de prédios abandonados. Foco, calma e determinação.”

 

Mesmo estando insegura, ela se mexe com cuidado para não fazer o caminhão andar mais do que deveria. Então, ela coloca um dos pés pra fora e se pendura na caçamba de madeira. Com cuidado, ela colocou o outro e saltou no espaço onde as frutas estavam. Ah, era por isso que não tinha deslizado com tudo pra baixo.

 

Ao saltar, o caminhão fez um barulho e isso deixou um frio na barriga dela. Precisava sair dali e rápido.

 

Ela olha pra trás e nota que Jax havia imitado sua ação, abrindo sua própria porta e se pendurou na carroça.

 

Sem hesitar, ela anda até ele e oferece uma mão para ajudá-lo.

 

— Obrigado, Pompom… Mas eu lembro de ter dito pra você sair primeiro. Céus, você nunca ouve o que eu tenho pra falar, criatura? — Ironiza e agarrou a mão dela.

 

Assim que ele estava finalmente na outra parte do veículo, parece que o caminhão começou a deslizar pra valer. Aquilo deixou a ambos tensos.

 

— CORRE! — Pomni grita e solta a mão dele.

 

Com as orelhas pra cima, o coelho saiu correndo junto de sua parceira.

 

Estavam chegando ao final, Jax conseguiu pular a tempo, mas Pomni acabou deslizando no último segundo. Ela balançou os braços em desespero, cairia no porão.

 

Maldição, suas habilidades de parkour a abandonaram no último segundo?! Só podia ser sacanagem.

 

O tempo parecia ter congelado, assim como sua respiração.

 

Era como em seu pesadelo.

Todos esqueceriam dela.

Ninguém se lembraria de seu nome.

 

Então, ela sentiu uma mão segurando seu pulso. Luvas amarelas.

 

Percebeu que não estava caindo. Ela olha pra cima, Jax… Jax estava puxando ela de volta. Com toda a força que ele tinha, não permitindo que ela caísse.

 

De repente, era como se… Os outros também estivessem ali. Segurando sua mão. A mesma sensação que sentiu no funeral de Kaufmo.

Não estava sozinha. Ela nunca estaria.

 

Assim que parte do corpo de Pomni estava fora do buraco, ela se esforçou para escalar também. Conseguindo se salvar com a ajuda dele, ela deitou ao lado do coelho, com a respiração ofegante e o corpo trêmulo.

 

Ficar entre os abstraídos, o quão perturbador isso poderia ter sido? Um calafrio percorreu seu corpo. Não queria imaginar.

 

Olhou para o lado, o outro respirava com dificuldade. Suas pupilas estavam finas e ele espremia os lábios. Quase como se quisesse chorar.

 

Pomni quase caiu lá,

Era tudo sua culpa.

 

Então, ele se lembrou das palavras que ela havia dito mais cedo. Somando isso, mais a adrenalina do momento, ele sentiu seu peito apertar. O cérebro estava ficando sufocado com tantos pensamentos.

 

— J-Jax? — Chamou pelo nome do outro, se virando na direção dele.

 

Estavam a poucos centímetros de distância. De forma hesitante, colocou levou sua mão trêmula até o rosto dele, tocando sua bochecha.

 

O toque era tão reconfortante, tanto que ardia em sua pele. Como chamas devastando uma casa de madeira.

 

Não conseguia pensar direito. A única coisa que pensou era que não poderia surtar na frente dela.

 

Ele se afasta de forma abrupta do toque e apoia as mãos no chão para se levantar. Pomni se retrai, recolhendo o braço para si mesma e o encarou com dor em seu olhar.

 

 

— … S-Sinto muito. — Ele proferiu– quase que de forma inaudível– antes de começar a correr em direção do lado normal do mapa, correndo até a parte da mata da estrada, desaparecendo entre as árvores.

 

Os olhos de Pomni se arregalaram em choque. Jax pediu mesmo desculpas?

 

Não correu atrás dele, ficando sem saber como reagir.

 

Confusa e cansada, Pomni permanece deitada ali.

 

[…]

 

Assim como os outros cômodos da casa, a sala era um ambiente era bem organizado.

 

A sala de estar possuía uma TV de tubo em cima de uma cômoda amarelada de madeira e algumas estátuas de anjinhos decoravam as prateleiras inferiores abaixo do aparelho (eram apenas figuras de Caim e Bubble cinzentas com asinhas brancas).

 

Além disso, havia um tapete vermelho com bordados dourados de flores e quadros da família Afthorn nas paredes. O piso também possuía uma madeira de coloração caramelo e um papel de parede rosa bebê estampado com margaridas roxas.

 

Também haviam majestosas escadas de madeira marrom escura e estavam bem polidas encostadas no lado direito da sala. Pareciam brilhar de tão limpas.

 

A iluminação, assim como o restante da casa, provinha de lampiões pendurados nas paredes, o que dava até um aspecto reconfortante.

 

Bem, não nesse caso.

 

Já estava escurecendo, Ragatha andava pela sala de estar pra lá e pra cá. Batia o pé no chão de forma impaciente ao esperar por Jax e Pomni chegarem. Já faziam horas!

Zooble havia lhe informado que trocou de lugar com a outra, pois estava se sentindo cansade.

Os nervos tomavam conta do corpo da ruiva, puxava seus cabelos feitos de seda em um sinal claro de estresse.

 

E se Jax tivesse feito algo à Pomni?

E se ele disse coisas cruéis o suficiente para fazê-la abstrair?!

 

Não queria agir como sua mãe controladora, mas nesses momentos, não poderia evitar puxar esses traços de preocupação exagerados.

O cenário ao seu redor também não ajudava nem um pouco. Uma aventura na fazenda com certeza trazia as piores lembranças nela. Será que Caim estava testando seu limite?

 

Nunca deveria ter deixado a outra sozinha, poderia ter evitado isso. Era uma péssima amiga, se Pomni não tivesse feito equipe com Jax, eles não se aproximariam dessa forma e ele não falaria coisas tão cruéis para ela.

 

Sim, ela precisava de espaço aquele dia, mas não poderia evitar se sentir assim. Tentava repetir as palavras de Kingo em sua cabeça para se acalmar, mas aquilo não adiantava de nada. Sua única pupila visível se tornara uma espiral e ela começou a suar frio.

 

Dizer aquelas coisas no galinheiro foi um erro? Agora ele poderia ter feito alguma coisa ruim com ela por vingança ao ter quase batido nele. Só o pensamento a fez engolir seco.

 

Todos vão te deixar sozinha no fim, filha. Você não precisa da vida na cidade quando se tem sua família aqui.” — Ouviu a voz de sua mãe em um canto de seu subconsciente.

 

Aquela memória da discussão que tiveram sempre a visitava nesses momentos de tensão.

 

Então, ouviu uma coisa diferente. Uma frase nova:

Olha só pra você, não ouviu sua mãe e agora está aí… Presa em um jogo. Você está orgulhosa de si mesma, criança estúpida?”

 

Não, eu não queria! — Berra em voz alta, chutando a mesa de centro. Ela chacoalha, virando para a direção oposta.

 

Não entre em pânico, não entre em pânico, não entre-...

 

Sua crise pessoal foi interrompida ao ouvir um click vindo da porta da frente. A maçaneta girou, mostrando a figura exausta da Bobo da Corte que parecia morta de cansaço.

 

As pálpebras de seus olhos possuíam leves contornos e bolsas escuras. Não só isso, ela podia perceber que estavam vermelhos também. Havia chorado?

— Oi, Ragatha… — Pomni acena.

 

Uma onda de alívio preencheu seu coração instantaneamente ao vê-la inteira. No entanto, ainda estava preocupada com o que a garota possivelmente havia passado.

— Pomni, Onde você estava?! E cadê... — Ela nota a ausência do coelho roxo. Oh não, o quê tinha acontecido?

 

Sabia que precisava contar a verdade. Qualquer mentira que dissesse poderia virar uma bola de neve depois.

 

— O Jax? Eu não sei, e-eu… Aconteceu uma coisa horrível, o mapa bugou e o nosso caminhão ficou pendurado num buraco que dava naquele lugar onde o Caim coloca os abstraídos. — Enquanto falava, a de cabelos escuros colocou a mão em seu braço e apertou seus próprios olhos. Se sentia péssima.

 

Ragatha arregalou seu olho, ela tentou o máximo que pôde para resistir à vontade de tocar no ombro de Pomni. Isso poderia deixá-la mais tensa ainda, preferia evitar.

 

— E o Jax? Onde ele… Não me diga, que… — A voz dela começara a falhar.

 

— Eu não sei, ele me impediu de cair e me puxou pra fora do buraco. Foi tão… Tão assustador. O Jax entrou em pânico e saiu correndo pro meio da floresta. — Ela fechou os olhos com força.

 

A respiração dela estava trêmula e ela caiu de joelhos no chão. Não impedira a tempestade de lágrimas que tomara conta de seu olhar.

As lágrimas rolaram de suas glândulas lacrimais e rolaram por suas bochechas.

Mesmo que não tivesse um nariz, água começou a escorrer de onde ele supostamente estaria também.

 

Imediatamente, sua amiga se agacha para ficar na altura dela. Como uma forma de demonstrar que estava ali. Suas sobrancelhas estavam levantadas em preocupação.

 

— F-Foi tudo minha culpa, eu deveria ter prestado atenção na estrada… E mesmo assim, ele me salvou. — Ela inclinou seu corpo contra seus joelhos, queria gritar.

 

— Pomni… — Suspira, sentindo pena do estado em que a mais nova se encontrava. Decidiu se atrever um pouco e passou a envolver seus braços ao redor do corpo da pequena. Queria confortá-la de alguma forma.

 

Seu coração se quebrou quando notou que ela a abraçou de volta com muita força.

 

Odiava contato físico, mas ainda sim retribuiu o gesto.

 

— Olha, não foi sua culpa… Essas coisas acontecem, foi um acidente. Respira fundo. — Passou a mão nas costas dela.

 

As palavras da palhaça a deixaram pensativa. Uma aventura bugar daquele jeito não era algo normal, nunca tinha visto acontecer antes.

 

No máximo havia visto objetos colidindo, pessoas caindo do mapa ou NPC’s desaparecendo.

Agora, uma abertura direta para o porão abaixo do circo? Caim jamais daria acesso para eles a esse lugar de propósito. Alguma coisa estava muito errada e isso a assustava um pouco.

 

Alguns minutos nos braços da ruiva pareciam tê-la tranquilizado um pouco. Decidiu seguir o conselho dela e respirou bem devagar. Com o tempo, os soluços ficaram mais calmos.

 

Ragatha continuou sussurrando com um tom de voz maternal: — Tá se sentindo melhor?

 

Assentiu com a cabeça lentamente. Ótimo, isso é bom.

 

— S-Sim. Obrigada, Ragatha. Desculpa por te preocupar tanto. — Ultimamente, ela vêm ajudando e muito.

 

— Relaxa, tá tudo certo. Nem sempre todo mundo está bem cem por cento do tempo. Nem mesmo eu, às vezes. Hahaha. — Deu uma risada sem graça. A ruiva fica em pé e oferece sua mão como apoio para Pomni levantar, a moça aceita e imita a ação da outra.

 

— A gente ainda precisa achar o Jax e avisar os outros, eu não quero que ninguém mais caia em algum buraco por acidente. — Ela diz, agarrando nas pontas de seu chapéu de bobo da corte. A boneca concorda.

 

Já tinha dado sua cota de experiências de quase morte.

 

— Acho que Zooble e Gangle estão desenhando lá em cima com o Kingo. Vamos pedir ajuda a eles e ir procurar por Jax. Se alguma coisa perigosa acontecer, podemos contar uns com os outros. — Sugeriu, colocando as mãos na saia de seu vestido.

 

— É um bom plano, bora lá! — Foi na frente para subir as escadas da casa.

 

[…]

 

O trio estava reunido no quarto de hóspedes onde Zooble dormia. Estavam sentados no chão, desenhando em seus respectivos cadernos de esboço.

 

Gangle havia sugerido este exercício para ajudar Kingo a melhorar sua memória e também para lembrá-los das coisas boas da vida real.

 

O lado positivo de desenhar, é que você poderia criar o que quiser. Inclusive, fazer desenhos do seu pior inimigo vestido de empregada doméstica. Não que a garota das fitas fizesse isso no seu tempo livre…

Tá, ela fazia isso, mas ninguém precisava saber. Principalmente, o alvo de seus desenhos.

 

Ultimamente, ela vêm tentado ser mais corajosa, seus esboços a ajudaram com isso. Quanto menos ameaçador Jax parecesse em seus olhos, ela não teria medo dele. Isso até tem dado certo. Quando o enfrentou no dia anterior, ela se sentiu maravilhada. Como se pudesse encarar todos seus problemas e desafios de uma só vez.

 

Se sentia orgulhosa de si mesma. Tudo isso era graças à Zooble. Se não fosse por elu, jamais teria tomado a iniciativa que precisava.

O pequeno empurrão na direção certa a ajudou tomar uma atitude. Seu corpo fervia em euforia e isso só a inspirou a desenhar mais e mais. Quando havia se dado conta, já estava desenhando a figura abstrata com um uniforme de super-herói.

 

Pois para Gangle, elu era como um.

 

Kingo desenhava uma silhueta de alguém que costumava conhecer. Ele mesmo não se lembrava exatamente de quem era, mas a figura feminina insistia em aparecer em seus pensamentos aleatórios de vez em quando. Era uma peça de xadrez– como ele– Só que marrom.

 

Já ê não-binárie tentava replicar o desenho de uma tatuagem que elu costumava ter na vida real. Era uma fênix chamas. A única coisa específica que sabia sobre si, era que tinha ela tatuada no braço. Foi um de seus primeiros testes como tatuadore.

 

Desejava que aquela aventura lhe desse mais memórias além da tatuagem. Como alguma coisa sobre sua própria identidade. Ainda não se sentia bem com aquele corpo, o detestava.

 

Sentia que descobrir alguma informação sobre como elu era na vida real poderia diminuir um pouco seu ódio próprio.

 

Os pensamentos foram interrompidos por passos pesados vindo em direção do quarto. Então, batidas um pouco desesperadas soaram na porta logo em seguida.

 

— Já tô’ indo! — Zooble deixa seu caderno de lado e foi andando até a porta.

Ao abrir, se deparou com as figuras de Pomni e Ragatha que pareciam um pouco agitadas. O quê havia acontecido desta vez?

 

— Fala aí, vocês duas. Aconteceu alguma coisa? — Elu se afasta para que pudessem passar, se quisessem.

 

— Uh, bom… Por onde eu começo- — Ragatha começou a falar meio incerta e olha para Pomni como se pedisse ajuda.

 

Hesitante, ela entrelaça os dedos de ambas as mãos. Seria uma informação que deixaria todos nervosos, mas era necessário arrancar o bandaid da ferida logo.

 

— O mapa está bugando, Jax e eu quase caímos em um buraco que dava acesso direto ao porão dos abstraídos. — Apenas soltou a bomba com um sorriso meio torto.

 

Gangle e Kingo soltam os lápis que estavam segurando. A garota das fitas fica particularmente chocada.

 

— Que?! Meu Deus, como isso foi acontecer? Explica isso direito! — Zooble puxou ambas para dentro. Pomni encolheu com o contato físico, mas não reclamou.

 

— Meu Deus, os abstraídos! — O Rei começa a falar com as mãos flutuantes na cabeça — O quê são abstraídos?

 

Decidiram ignorar o questionamento do rei, pois haviam assuntos mais importantes em jogo.

 

— Te explicamos depois, Kingo… — Gangle conforta brevemente, levando as mãozinhas de fita até sua máscara de tragédia.

 

Pomni começou a dar um resumo sobre o que aconteceu, assim como fez com Ragatha. Sua garganta estava um pouco seca e ela parecia agitada enquanto falava. Gangle deixa uma lágrima cair de sua máscara de tragédia, com um olhar notório de preocupação nos espaços negros que eram seus olhos.

 

— E foi assim que aconteceu… Não sei onde ele está agora, precisamos encontrá-lo. Se tinha um buraco no meio da estrada, poderia ter em outros lugares do mapa. Assim que o encontrarmos, seria bom chamar o Caim.

 

Zooble suspira cansade, colocando a mão na cintura de seu corpo de plástico.

 

— Soa como um bom plano. Por mais que eu não seja grande fã daquele canalha, ninguém merece ser potencialmente devorado vivo por uma abstração. Além disso, ele te salvou… Pelo menos sobrou algum tipo de empatia naquele coração de pedra. — Ao terminar de falar, Gangle concordou com sue amigue.

 

Pomni encara Ragatha com um olhar de culpa. Lembrou de seu primeiro dia, ela abandonou a boneca no corredor após o ataque de Kaufmo e fugiu para encontrar a saída. Pressentindo o olhar da amiga sobre si, a segunda mais velha do grupo fita o chão.

 

A mascarada foi a próxima a falar, ela batia suas fitas uma na outra numa clara demonstração de ansiedade.

— Não me dou muito bem com o Jax, ele me assusta… Mas a ideia de ter um espaço a menos na mesa de jantar me dá calafrios. — Encolheu seu corpo inteiro.

 

Todos ali presentes concordam, Kingo inclusive sugere com um breve pensamento de lucidez passando por sua mente:

— Está escuro lá fora, não seria bom se levássemos lampiões? — Kingo os encara com seus olhos esbugalhados.

 

— Huh. Tô surprese que você teve uma ideia boa. — Apontou sua garra removível em direção de Kingo, quem coçou a própria cabeça.

 

— Do quê a gente tava falando mesmo? — Questiona, já se esquecendo do tópico da conversa.

 

O amontoado de peças revirara os olhos e continuou falando:

—Vamos logo atrás dos lampiões. — Saiu do quarto e o grupo seguiu atrás.

 

[…]

 

Caim vagava de “cabeça” baixa pelos corredores do circo vazio. Estava refletindo sobre os últimos acontecimentos, ninguém havia votado nele na “Premiação de Personagem Favorito” e isso já era algo que estava fixado em seus componentes que o faziam pensar. A inteligência artificial estava sedenta por aprovação dos demais, até mesmo dos NPC’s do circo e até estes não pareciam apreciar sua presença.

 

Mas estava tudo bem, não é? Quem precisava de aprovação de meras sub inteligências artificiais, moldadas a partir de suas próprias linhas de código?

Espera, se eram mesmo feitos a partir dele, então isso significa que ele se odeia?

 

— Pfft, que pensamento bobo! — Chacoalhou a mão no ar, falando consigo mesmo.

 

Contanto que ele ainda pudesse satisfazer os desejos de seus convidados especiais e amigos, tudo ficaria bem. Apenas precisava encontrar uma forma de agradar Zooble com alguma aventura que elu goste.

 

Já fazia um tempo que a figura abstrata não participava das aventuras por vontade própria. Aquilo o deixava ansioso e para ser franco, com raiva.

 

Raiva, raiva era o que sentia sempre que Zooble começava a fazer um comentário sarcástico ou desnecessário em relação às suas ideias criativas.

 

Apesar de utilizar as ideias da caixa na última vez, aquilo não o deixava cem por cento satisfeito. Não, ele queria que os outros apreciassem o que ele tinha a oferecer. Queria que eles notassem sua inteligência e capacidade. E quando não faziam isso, ele se sentia perdido, sem direção e com o que os humanos chamam de nó na barriga.

 

Era curioso como sentia tudo o que um humano poderia sentir, a diferença é que ele, assim como os outros, estava preso dentro daquele lugar e não poderia sair. Não tinha um corpo para chamar de seu, não tinha uma boca para falar e muito menos poderia sentir os prazeres que aqueles humanos uma vez sentiram no mundo real.

 

A inveja também era um sentimento que se fazia presente constantemente quando pensava nisso. Os humanos ainda tiveram a sorte de experienciar essas sensações. Diferente deles, Caim jamais poderia sentir algo parecido. Suas emoções também provavelmente eram fabricadas, assim como tudo que os cercava.

 

Preso nestes emaranhados de pensamentos, ele não percebe os seus arredores começarem a distorcer. Alguns objetos do cenário do circo começaram a desaparecer, outros entraram um no outro e ficaram ‘bugando’ por um tempo. O Mapa também começou a piscar, revelando o vazio e suas milhares de linhas de código ao fundo.

 

— Caim? — Uma voz feminina soou do céu, despertando Caim de sua crise temporária. Ele a reconheceu instantaneamente.

 

— Ah, Lua! — Caim desaparece e reaparece do lado de fora do circo.

 

Num passe de mágica, tudo ao redor pareceu voltar ao normal, por enquanto. Caim parecia animado ao ver a outra, ele dá um giro no ar e invoca seu cetro.

 

— Como você se encontra nesta maravilhosa noite? Os aventureiros estão participando de uma aventura agora, então podemos conversar tranquilamente a sós. — Comicamente, cílios apareceram em seus glóbulos oculares cartunescos.

 

— Estou incrivelmente fantástica agora que você está aqui, Caim. — O comentário fez as bochechas não-existentes de Caim ficarem levemente ruborizadas.

 

— Ah, é mesmo? Conte-me mais sobre como você se sente… — Ele se apoia seu cetro, ficando bem próximo dela.

 

[…]

 

Jax se encontrava sentado perto de um pequeno riacho no meio da mata. Observava seu reflexo que aparecia graças ao brilho da lua naquela noite. Seus olhos estavam vazios e ele não carregava o característico sorriso largo em seus lábios.

 

A experiência de quase-morte não havia sido agradável, não porque tinha medo de morrer, mas sim porque quase perdeu outra pessoa importante para ele. Sempre que pensava que as coisas não poderiam piorar, algo ruim acontecia e o provava o contrário.

 

Talvez, fosse melhor se ela ficasse longe dele, evitaria situações perigosas como essas. Ele só machucava as pessoas ao seu redor. Inevitavelmente, por estar vagando entre esses pensamentos, ele começou a se lembrar da noite em que Ribbit abstraiu.

 

Ele se deitou no chão, se sentindo culpado por tudo. Pelas discussões com Pomni, a briga com Ragatha, as palavras cruéis que ele proferia aos demais membros do circo.

 

A maioria o culpava pelo que havia acontecido e se– Pomni descobrisse, ela também o culparia. Quem não faria isso em sua plena consciência?

 

Como você se diz ser o melhor amigo de alguém e de repente, você se torna a razão dessa pessoa ter praticamente surtado ao ponto de não conseguir mais raciocinar? Ragatha tinha razão, suas piadas machucavam Ribbit lá no fundo. Ele só era cego demais para enxergar isso. Agora, ele se foi.

 

Jax não percebeu que machucavam tanto, se não ele não teria exagerado. Deveria ter prestado mais atenção ao que o outro estava passando, se ele tivesse levado mais a sério aquelas teorias mirabolantes, a saída era um tópico tão importante pra ele e ele nem percebeu a gravidade.

 

Os primeiros dias de Pomni o fizeram lembrar dele. Sua personalidade ansiosa, porém confiante em momentos certos, seu bom humor na medida certa, a gentileza. Céus, ela era tão gentil e continua sendo nos dias de hoje. Até com ele.

 

Não merecia Pomni. Ainda sim, como o egoísta que era, ele ansiava por ela, mesmo que tentasse a afastar de si. Apenas esperava que ela nunca abstraísse com suas atitudes horríveis.

 

Era verdade o que ela havia dito aquela vez, atitudes como a dele poderiam causar a abstração em alguém. Já havia ocorrido no passado, ele tentava ao máximo mascarar a culpa que sentia, mas ela era tão aparente que até a bobo da corte havia percebido.

A abstração era quase como suicídio, a diferença era que as pessoas não “morriam” exatamente, porém, ficavam num estado eterno de agonia e dor profunda. Sem poderem se comunicar, raciocinar, comer ou dormir.

 

A pior parte disso tudo é ver todo mundo seguir em frente, como se nada tivesse acontecido. Como se aquelas pessoas não estivessem presas dentro de um buraco escuro. Kaufmo, Ribbit, Bobo, o cachorro esquisito e todos os outros que vieram antes.

Era até essa a razão pela qual não conseguia ir aos funerais. Não estava pronto para dizer “adeus”, mas lá no fundo, ele sabia que a probabilidade daquelas pessoas retornarem ao circo era improvável.

 

Se perguntava se pessoas sequer poderiam voltar da abstração.

Se algum dia escapassem do circo, será que elas simplesmente teriam uma morte cerebral ou pior, agiriam como animais no mundo real?

 

Por causa das abstrações, ele também não se permitia deixar se conectar com os outros. Já que ele temia se machucar novamente, era um tópico que discutiu com a versão lúcida de Kingo na noite anterior. Até tinha uma direção para poder seguir, no entanto, ele não se sentia pronto para sair de sua zona de conforto. Não enquanto ainda tinha todo aquele medo e culpa assolando sua mente.

 

“Você tem que parar de se culpar, Felix.” — Ouviu uma voz familiar dizer e ele salta do lugar num susto. Ao olhar ao redor, ele percebe Ribbit deitado bem ao seu lado, com uma expressão serena e parte de seu corpo abstraído. Os múltiplos olhos coloridos cobriam metade de seu rosto e braço.

 

Merda, ele estava mesmo enlouquecendo? O Coelho coloca as mãos nos olhos, esfregando-os. Assim que fez isso, o amigo desapareceu de sua vista. Isso respondia mesmo sua pergunta.

 

— Tch. O que tá acontecendo comigo? — Pergunta para si mesmo, apoiando as mãos no solo.

 

Estava cansado, precisava tirar um cochilo. Até tiraria um, se não fosse pelo som das vozes vindas da outra parte da floresta, há alguns centímetros dele. Suas orelhas ficaram levantadas, ele reconheceu instantaneamente as vozes de Zooble, Ragatha, Pomni, Kingo e Gangle.

 

— Jax, cadê você?! — Pomni grita enquanto andava entre as árvores. Não conseguia enxergar quase nada, ela carregava um lampião para iluminar seu caminho.

 

Merda, por que todo mundo estava atrás dele? Queria pegar Pomni pelo chapéu e sacudir. Tinha certeza que ela havia contado sobre a situação de mais cedo. Agora todos sabiam que ele se importava com alguém.

 

Usariam isso contra ele, com toda a certeza. O pensamento o deixou irritado.

 

Se começassem a tratá-lo como um bebê que precisava de atenção, mandaria todos se foderem. A paciência estava zero pros sermões de Ragatha.

 

Apesar de tudo, algo lá no fundo conflitou com seus pensamentos negativos. Parte dele até se sentiu… Feliz? Por terem se preocupado. Ele rapidamente chacoalha a cabeça, colocando o sorriso forçado no rosto.

 

Lembre-se do que aconteceu da última vez que você se importou com alguém. Eles não vão ficar no final. Continue fingindo.

 

Mas eu não aguento mais.”

 

Jax se levanta do lugar e vai andando até a direção das vozes. Só teve que subir um barranco não muito alto para chegar até onde estavam. Não foi difícil encontrá-los, já que conseguiu enxergar as luzes provindas de seus lampiões.

 

O de olhos amarelados pula atrás de alguém, assustando essa pessoa com um grito:

— BOO! — Gangle dá um pulo, soltando sua luminária a querosene, que acabou caindo no chão e se quebrando. Por muita sorte, não ateou fogo na floresta. O rapaz dá uma risada estridente, segurando seu estômago e deixou algumas lágrimas pequenas brotaram em seus olhos.

 

Por consequência, os outros acabaram se assustando também, mas não deixaram suas lanternas caírem no chão. Infelizmente, a sorte não estava ao lado da garota de fitas vermelhas.

 

— A minha lanterna… — Ela lamenta, colocando as mãos na máscara.

 

— Qual é o seu problema, seu c&z40? — Zooble leva a mão até o peito.

 

— Jax! — Ragatha berra, clássico.

 

O coelho coloca as mãos atrás das costas e se inclina. Apesar de se sentir culpado por dizer coisas cruéis, ele não se arrependia de pregar suas peças de vez em quando.

 

— Oopsie, Gangle. Eu nem sabia que era você, tava querendo assustar a Ragatha. — A ruiva franziu o cenho e colocou a mão na própria cintura.

 

— A gente veio aqui morto de preocupação que você poderia ter caído num buraco e é assim que você agradece?! — Estava bem zangada com ele.

 

O olho do rapaz tremeu um pouco, ele desviou seu olhar para Pomni, quem estava logo atrás dela. Ela tinha mesmo aberto a boca pra todo mundo?

 

— Olha aqui, não é minha culpa que vocês não conseguem ficar um segundo sem a minha ilustre presença. Tá certo que eu sou irresistível, mas isso se torna sufocante. Até o personagem favorito do público precisa de seus momentos sozinho. Se não, como é que eu vou tramar pelas costas de vocês? — Olhou para a própria mão. De repente, uma memória desagradável surgiu e ele a abaixou. Era a mesma mão que utilizou para empurrar Pomni naquele dia.

 

— Estou lentamente me arrependendo de ter vindo te procurar. — Zooble semicerrou os olhos e juntou as sobrancelhas.

 

— Aww, assim você parte meu coração, Zooble. — Levou a mão até o peito, fingindo estar arrasado com o comentário hostil. Ele merecia.

 

Antes que continuassem discutindo, a garota de pompons decide interromper a conversa.

 

— Não seria melhor voltarmos pra completar a aventura de uma vez? Acho que todos os objetivos foram concluídos. Bem, todos… Exceto o da venda das frutas, mas acho que essa parte o Caim vai perdoar, já que a gente quase caiu fora do mapa. — Ela não olhava para Jax, ele havia percebido isso e se sentiu um pouco incomodado.

 

Ragatha nota que o sorriso de Jax se desmanchou por um instante. Huh. Isso sim era esquisito. Decidiu não dar tanta importância, por enquanto. Então, ela decide fazer um comentário a respeito do tópico que Pomni trouxe à tona.

 

— Ah, céus. Sim. Eu acho que se eu continuar por mais um segundo nessa fazenda, vou surtar. — A boneca reclama, deixando as mãos caírem na frente de seu corpo.

 

— Mais ainda? — O pregador de peças questiona com os olhos bem grandes. Ela grunhiu em irritação.

 

— Pomni tem razão, tenho um mal pressentimento de que se continuarmos aqui fora, pode ser que o Caim faça aparecer algum monstro pra perseguir a gente. — Kingo fala dessa vez, encarando todos com seus olhos esbugalhados. — Ele pode reutilizar o Anjo do Mistério da Mansão Mildenhall.

 

— Não fala isso nem de brincadeira. — A Bobo da corte sorriu forçadamente, ainda tinha pesadelos com aquela aventura.

 

O rapaz roxo estalou a língua, revirando os olhos. Lembrou-se que estava amarrado a aventura inteira e nem pôde ir atrás de Pomni. Certamente, era uma de suas memórias mais embaraçosas e com certeza uma das aventuras mais odiadas por ele.

 

Antes que pudessem dizer qualquer coisa, um grunhido familiar para Pomni e Kingo soou bem atrás deles. Gangle se encolheu, se escondendo atrás de Zooble. Jax cobriu suas orelhas sensíveis, odiando o som. A pupila de Ragatha ficara pequena, demonstrando seu medo pelo som desconhecido.

 

— O-O quê que foi isso aí? — A Ruiva questiona com a voz trêmula.

 

Pomni abriu a boca para responder, mas então, atrás do grupo, surge uma cabeça decapitada gigante de aparência cadavérica que era branca. Possuía 4 fileiras de dentes afiados da mesma cor; olhos esbugalhados e contornos avermelhados em suas pálpebras. Um pouco de vermelho também era visível em seus glóbulos oculares brancos. Suas pupilas eram completamente pretas.

 

— Mas que p0h@ é essa?! — Jax grita e começou a correr. Os outros imitaram a ação dele no mesmo instante.

 

É O ANJOOOOOOOO! — Pomni grita choramingando e correndo o mais rápido que podia.

 

EU ODEIO ESSA AVENTURA! — Gangle berra em desespero, deixando seu chapéu de fazendeira para trás.

 

Zooble tinha dificuldades para correr, suas peças eram rígidas demais para ter alguma agilidade. Aquele corpo só atrasava. Enquanto tentava correr, acabou tropeçando e seu corpo inteiro desmontou.

 

— M3rd4! — Elu amaldiçoa, já aceitando seu fim inevitável. Com certeza morreria de uma forma dolorosa e iria para uma tela de game over.

 

Enquanto corria, a mascarada percebe que sua parceira não estava ao seu lado. Mesmo tremendo de medo, ela para e olha pra trás. Notou que Zooble estava caíde no chão e a cabeça chegava cada vez mais perto delu. Engoliu seco, sentindo apreensão e um nó em sua garganta.

 

Os outros seguiam adiante, não haviam notado que as outras duas ficaram pra trás. A garota das fitas olha desesperada para os lados, as lágrimas sumiram de sua máscara de tragédia, sua expressão se tornou uma de pânico.

 

Zooble nota que Gangle estava ali parada, elu berra em desespero:

— Vai embora! Se salva! — Tentava mexer seu tronco para mais perto da cabeça, sem sucesso.

 

Mesmo com a figura não-binária implorando para que ela saísse correndo, a garota das fitas não escutou. Ela respirou fundo e tomou uma decisão arriscada. Num momento de agilidade, correu para perto de sue amigue e agarrou sua cabeça antes que o monstro chegasse mais perto.

 

Suas outras partes não tiveram a mesma sorte, no entanto. Foram engolidas pela criatura. Bem, pelo menos sua cabeça permanecia intacta e ainda deu sorte da coisa não mastigar as outras peças. Não imaginaria o quão doloroso seria se aqueles dentes afiados perfurassem as peças de plástico.

 

Ê tatuadore encara a amiga em choque:

— Você me salvou… Eu falei pra correr.

 

— E eu te salvaria de novo e de novo. — Disse com determinação em sua máscara triste. Ela seguiu correndo, alcançando o grupo pouco tempo depois.

 

Aquilo surpreendeu Zooble, quem ficou sem palavras. Por um momento, sentiu seu coração ficar mais quentinho.

 

Uau. Essa garota não existe mesmo.” — Pensou elu, sentindo suas bochechas ficarem coradas. Desviou o olhar, focando no perigo que estavam enfrentando no momento.

 

[…]

 

Após correrem o suficiente, o grupo chegou até a fazenda. O NPC Sr.Afthorn até levantou a mão para cumprimentá-los, mas eles passaram numa enorme velocidade por ele, fazendo com que girasse seu corpo, deixando-o atordoado e seu chapéu caiu da cabeça. Ele se abaixa para pegar a peça do chão, mas então fora surpreendido por um grunhido alto.

 

Era tarde demais para correr. A criatura alcançou o npc e começou a devorá-lo.

 

Graças à distração do manequim, todos conseguiram chegar à casa de campo a tempo. Assim que todos entraram na sala de estar, comicamente, Jax fecha a porta, sai correndo, volta com várias tábuas de madeiras e começa a pregá-las com um martelo numa velocidade absurda que desafiava as leis da física.

 

Chamem o Caim! — A boneca de pano grita.

 

Como se fosse mágica, o mestre de cerimônias surge como mágica. Partículas de confete estouram no ar com sua chegada. Kingo berra em desespero, com as mãos na cabeça.

— Chamaram, meus queridos sigmas? Oh, olha só. Parece que vocês realmente tão pegando o espírito de equipe com essa aventura. — Rodopiou de forma contagiante ao redor do grupo.

 

— Seu sádico, tira a gente daqui. A sua aventura tá quebrada e a gente quase caiu no porão do circo ao tentar completar uma das missões! — Pomni berra, apontando o dedo pra ele de forma acusatória. O anfitrião a encarou com uma expressão de paisagem.

 

— O QUÊ?! Oh, ops. Acho que é melhor terminar ela cedo, então. — Caim estalou os dedos, fazendo um portal surgir.

 

De repente, uma batida forte surgiu na frente da casa, o anjo conseguiu fazer um buraco na parte da frente e invadir a propriedade. Aquilo fez o grupo entrar em desespero, Jax impulsivamente joga o martelo na criatura e sai correndo em direção do portal. O restante do grupo imita a ação e eles atravessaram para o outro lado.

 

— Ufa, essa foi uma aventura e tanto. — A arcada dentária estala os dedos novamente, antes que a cabeça pudesse entrar no circo. A ação também fez com que o corpo de Zooble e as roupas dos integrantes do circo voltassem ao normal.

 

Todos pareciam extremamente exaustos após correrem uma maratona contra uma cabeça gigante. Ansioso, Caim voa para perto de Pomni para receber algum feedback.

 

— E aí, o que vocês acharam? Apesar de acontecer alguns bugs, ela foi divertida. Não é?! — A IA questiona, um bloco de notas e um lápis surgem em sua mão esquerda. Provavelmente, anotaria os comentários do grupo.

 

Pomni encarou o anfitrião de forma incrédula:

— Jax e eu quase caímos no porão dos abstraídos. O que você acha?

 

— Mas deve ter alguma coisa que você gostou, não é? — Perguntara com altas expectativas. Pobre Caim, não se dava conta do estresse que essas aventuras causavam.

 

A adrenalina passou e Gangle parecia aterrorizada. Seu corpo tremia, Zooble se aproximou e envolveu os braços ao redor do corpo dela para a consolar.

 

— F-Foi horrível. Minhas coisas quebravam o tempo todo, quase vi Zooble ser devorade na minha frente e fui perseguide por uma cabeça gigante. — A garota da fita comentou antes que Pomni pudesse dizer qualquer coisa.

 

— Eu perdi as peças do meu corpo de novo e fui forçade a trabalhar com o Jax. Definitivamente, uma das piores que você já fez, Caim. — Cada comentário, era como se seu coração artificial fosse esmagado por uma mão gigante.

A arcada dentária de Caim se contorceu, fazendo uma expressão preocupada. Oh não, a aventura tinha sido ruim. Ele não atendeu às expectativas de novo? Seu corpo bugou um pouco, Bolha surgiu ao seu lado e sorriu:

 

— Você é um fracasso- — Disse de forma sorridente e então fora cortada: — Quero dizer, foi do c4r4lh#!

 

— Tem duas coisas que eu detesto, milho e trabalhar. — Jax levantou os dois dedos — Essa aventura teve os dois. Eu detestei.

 

As coisas só pioravam, Caim precisava se acalmar ou teria um colapso ali mesmo.

 

Ragatha começa a falar, tentando ser positiva com um sorriso forçado: — Bom, apesar de me trazer memórias traumatizantes no começo, eu acho que até gostei dessa aventura… Um pouco.

 

— Eu não me lembro de muita coisa sobre o que aconteceu na aventura, mas deve ter sido legal. — Kingo fez joinhas com as duas mãos.

 

Oh, pelo menos DUAS pessoas gostaram. Isso foi o suficiente para levantar os ânimos da inteligência artificial.

 

— Ora, ora. Por quê não disseram antes? — Jogou o bloco de notas no ar — Com certeza, anotarei isso mais tarde!

 

Ele provavelmente se esqueceria.

 

— Fico feliz que tenham gostado, teremos mais dessas no futuro! Bom, como prometido, eu iria concedê-los a recompensa de uma de suas memórias humanas, por terem completado as tarefas. Vejo que vocês não conseguiram completar uma em decorrência de um bug, portanto deixarei passar.

 

Graças a Deus” — Pomni pensou.

 

Então, num movimento rápido estalou os dedos. De repente, a visão de cada um fora tomada pela escuridão e eles desmaiaram. Seus corpos colapsaram no chão.

 

[…]

 

 

Acorda, Christine!”

Chapter 3: Episódio Clichê de Praia! - Parte 1.

Summary:

Pomni recupera suas memórias e descobre algo que pode abalar suas relações com os demais integrantes do circo.

Jax se lembra de uma infância conturbada e uma família problemática e acaba se mostrando vulnerável na frente da pior pessoa que ele poderia imaginar.

Notes:

Opa, eu espero que vocês gostem desse capítulo. Eu tenho que avisar sobre um pequeno aviso de gatilho de violência familiar e homofobia no sonho do Jax, se vocês são sensíveis com isso, tomem cuidado! Apesar de não estar descrito de forma detalhada, é bom prevenir.

Chapter Text

 

[...]

Christine, acorda! — Ouviu uma voz gritar um nome familiar.

 

Pomni finalmente acorda, assustada com o som estridente de alguém batendo contra a mesa em que ela estava adormecida. Ela levanta a cabeça lentamente– ainda meio atordoada– piscando os olhos até se acostumar com a iluminação do local.

 

Ao olhar pra cima, se deparou com um homem jovem; Era moreno, alto possuía olhos azuis, nariz empinado, pele clara e tinha uma pinta de nascença na bochecha esquerda. Deduziu que ele possuía 1,85 cm aproximadamente. Vestia um terno azul que parecia ser feito sob medida. No crachá com foto pendurado em seu pescoço, estava escrito “Warren Davis” e “Supervisor” logo abaixo.

 

Ele a encarava com um olhar impaciente, de braços cruzados e batendo o dedo no braço esquerdo.

 

— Deu sorte de que eu sou o último a sair, já passou o horário de ir embora e você nem bateu ponto ainda. Já pensou se o guarda te tranca aqui dentro? Seria um vexame. Somos uma empresa séria, Christine. — A voz dele era estridente, irritante. Falava com um tom de arrogância e a encarava com olhos frios, como se ela fosse alguém inferior a ele.

 

Aquele cara era um NPC novo de Caim?

Que tipo de aventura bizarra ele planejou desta vez? Uma ultra realista?

 

Antes de sair, ele diz com um tom de voz sério: — E não se esqueça de pegar o headset no antigo prédio. Precisamos da cópia daquele jogo de terapia. O nosso chefe conta com isso.

 

Quê, que jogo? Do que aquele cara estava falando?”

 

Ainda meio grogue– assim que ele se retirou– ela aproveitou para dar uma olhada ao redor e se situar onde diabos ela se encontrava. Parecia que estava em algum tipo de escritório de trabalho. Naquele momento, estava sentada em uma cadeira executiva preta, com uma mesa de vidro transparente logo à sua frente.

Haviam outras mesas iguais a sua naquele espaço, todas divididas por um tipo de divisória de plástico cinza. Em cima da mesa dela, um notebook estava aberto com a tela acesa em uma planilha que possuía várias somas de débitos, dívidas, contas a receber e coisas do tipo.

 

O teto estava pintado de branco e havia um ventilador bem no meio– que girava lentamente– da mesma cor. Já o chão, era de tijolos de granito. O restante da sala não possuía muitas decorações; As paredes eram de concreto, marrons e a parede à sua esquerda possuía uma logo em preto e branco: “C/A”. Ela já não tinha visto essa logo antes?

 

Além disto, do lado esquerdo da sala, uma estante de metal cinza estava encostada contra a parede; com várias gavetas que possuíam fechaduras. Cada uma delas estavam numeradas com plaquinhas brancas plastificadas e nomes minúsculos os quais não reconhecia. No canto esquerdo, um pé de “Bambu da Sorte” prosperava, já que alguém parece tê-lo regado recentemente.

 

Agora que parecia estar um pouco mais atenta, finalmente percebera que aquele lugar era igualzinho, senão idêntico ao escritório de seu emprego mais recente de contabilidade. Ela tinha conseguido um melhor do que o da rede de supermercados.

 

Como Caim sabia exatamente onde ela trabalhava?

 

E que horas eram? Ela olha pra fora e percebeu que o sol estava se pondo. A mulher se levantara do lugar, esticando os braços para cima– estralando os ossos no processo e– começara a alongar as outras partes do corpo. Sem muita dificuldade, ela finalmente conseguiu tocar seus pés. Assim que termina, ela volta a sua posição inicial e respira fundo.

 

Precisava sair logo daquele lugar, para encontrar os outros. Provavelmente, Ragatha já tinha alguma ideia do quê fazer. Antes de tudo, ela decidiu ir ao banheiro. Pomni desligou o notebook e fechou sua tampa. De forma automática, ela se dirigiu até a saída do cômodo e foi andando até o banheiro que ficava no mesmo andar.

 

Chegando lá, ela abrira o registro de uma das várias pias que estavam perto uma da outra e lavou o rosto com as palmas de suas mãos. Encarara o espelho à sua frente, sendo recebida pela imagem de uma mulher cansada, de estatura baixa e de traços asiáticos. Sua pele era pálida, quase tão branca quanto a neve e seus cabelos pretos iam até os ombros. Os olhos castanhos brilhavam com a iluminação do ambiente.

 

Suas roupas eram simples; Ela vestia um blazer preto aberto, uma camisa abotoada branca por baixo e calças sociais boca de sino da mesma cor do blazer. Pomni olha pra baixo, notando que calçava um salto baixo da cor preta. Assim como Warren, ela tinha um crachá com foto e seu nome “Christine Seo” e “Contadora”. Na foto, ela estava exatamente como agora, de cabelos soltos e de expressão neutra.

 

Demorou um pouco para raciocinar, então deu um pulo pra trás e gritou:

— Mas que porra é essa?! — Ela grita, então se desespera ainda mais ao perceber a ausência da censura em seus palavrões.

 

Estava alucinando? Com certeza, era mais uma de suas alucinações digitais. Não tinha jeito nenhum que aquilo era mesmo de verdade. Ela conseguira escapar do circo ou estava sonhando?

 

Pomni coloca a mão no queixo, massageando a área e tentou pensar ao máximo qual era sua memória mais recente. Então, ela lembrou-se da “Aventura na Fazenda” e o prêmio. Isso queria dizer que estava presa dentro de uma de suas memórias que teria esquecido ao entrar no circo?

 

Provavelmente– se ela tivesse mesmo escapado– se lembraria de como e quando. Não é? Não seria do mais absoluto nada. Ela inspecionou os bolsos do blazer que estava usando, conseguindo encontrar um celular. Então, quando ela o pegou, percebeu que era um modelo relativamente moderno. A capinha era de borracha e azul. Sem muitos detalhes especiais.

 

Quando desbloqueou a tela, percebeu que ela estava borrada e não conseguia enxergar nada do conteúdo. Por mais que tentasse espremer os olhos para enxergar alguma coisa, não conseguiu descifrar nada. Com isso, ela finalmente teve a confirmação de que aquilo tudo não era real.

 

Era realmente uma memória ou o sonho de uma memória– pelo menos.

 

O choque então recaiu sobre ela quando passou a pensar sobre o que viu no cenário anterior. C/A … Essas não eram as iniciais que tinha visto na saída falsa de Caim e também nas armas há algumas aventuras atrás?

Parando para pensar, Warren tinha mencionado que ela deveria buscar um headset e a cópia de um jogo de terapia. Ela trabalhava para as pessoas que foram responsáveis de prendê-los no circo digital?

 

Sua cabeça começou a dar voltas, ela se apoiara na pia, entrando em pânico por um momento. Isso não podia ser verdade, podia? Se ela trabalhava para a C/A… Isso queria dizer que ela era uma pessoa ruim?

 

Não, com certeza ela não sabia que as pessoas ficavam presas dentro do jogo. Tinha que acreditar nisso. A respiração de Pomni vacilou, ela colocou a mão contra o peito, tentando recuperar o fôlego. Milhares de pensamentos e variáveis horríveis surgiram em sua cabeça. Ela precisava se acalmar.

 

O que seus amigos pensariam se descobrissem? Com certeza, não ficariam nem um pouco contentes. Principalmente, sabendo que ela trabalhava para a mesma empresa que fora responsável pelo sofrimento em que se encontravam.

 

Eles a odiariam?

Se afastariam dela?

E se mais pessoas ficassem presas por culpa dela?

 

Lágrimas brotaram em seus olhos, preferia não ter descoberto sobre isso. Ela se importava tanto com seus novos amigos, só de pensar na possibilidade que ela possivelmente estava contribuindo para a C/A recuperar uma tecnologia tão perigosa…

 

Ela até tenta pensar positivo, tenta muito mesmo mesmo. Pode ser que eles estejam tentando encontrar alguma forma de salvá-los? É por isso que mandaram Pomni para explorar aquele outro prédio abandonado.

 

Isso ainda era pior. Se mandaram Pomni para recuperar o aparelho, ela provavelmente cometeu um erro ao colocar o headset.

 

Ela os condenou.

 

Por sua curiosidade e imprudência. Se tivesse recuperado o aparelho a essa altura, talvez eles até tivessem saído daquele lugar e ela nem teria ficado presa ali para início de conversa.

 

Se a C/A realmente estava atrás de salvar aquelas pessoas, então por quê não mandaram outra pessoa recuperar essa tecnologia? Por acaso, não haviam notado seu desaparecimento?

Aliás, ela nem sabia quanto tempo havia se passado, provavelmente o tempo no circo funcionava de forma diferente. Para ela, o que poderia ter sido 4 meses, pode ter sido alguns dias ou algumas horas lá fora. Não dava pra ter certeza e isso a deixava ansiosa, de certa forma.

 

Bem, não importava o quê aconteceria, ela não poderia deixar com que descobrissem. Pelo menos, não por enquanto. Teria que inventar alguma desculpa cabeluda, antes de pensar em alguma forma de contar essa informação aos demais.

 

A ansiedade continuava a devorá-la viva, o aperto no peito não cessava. Se sentia horrível e uma hipócrita. Pomni cobrou tanta honestidade de Jax e Ragatha, para no fim começar a mentir também.

 

Covarde.

 

Ela se levantou, sentindo raiva de si mesma e de suas decisões estúpidas. Pomni encarou sua versão humana no espelho, sua respiração estava trêmula e seus olhos arregalados. Com todo aquele estresse acumulado, ela rangeu os dentes e levantou o punho na direção do espelho.

*PLAFT*

 

Num movimento rápido, ela acertou o objeto, partindo-o em vários cacos. Haviam cortes em seu punho, a cor carmesim não demorou para aparecer logo em seguida e ela ofegava. Mesmo que fosse um sonho, essa aquilo foi a segunda coisa mais real que sentiu em todo esse tempo dentro daquele lugar. A primeira sendo a discussão com Jax.

 

Após o ato, repentinamente, tudo ao seu redor começara a ficar nublado, ela não conseguia enxergar direito. No canto de sua mente, uma voz familiar gritou: “Pomni, acorda!”

 

Ela começa a despertar lentamente…

 

[…]

 

Jax desperta em um quarto que era estranho, ao mesmo tempo, também era familiar. Provavelmente, era uma de suas memórias humanas, as quais Caim havia prometido devolver. Ele havia passado tanto tempo reprimindo essas lembranças que deve ter se esquecido da maioria dos detalhes.

 

As paredes de seu quarto eram de gesso, pintadas de verde-escuro, contrastando bem com o chão que era um piso cerâmico marmorizado preto, leves riscos brancos agregavam a textura a cada pedaço de pedra que revestia o solo do cômodo.

 

Logo ao lado de sua cabeceira, uma cômoda de madeira, de cor caramelo, estava encostada contra a única janela com grades do local. A luz provinda dela, iluminara o ambiente ao redor. As sombras das barras de metal– que adicionavam uma camada de proteção ao vidro– projetaram contra a parede à sua frente. Lá estavam a porta de cor marrom escuro, um grande espelho retangular e seu longo abajur de capa branca no canto direito do quarto.

 

Atentando-se mais aos detalhes, haviam vários pôsteres de jogos de ação, a maioria sendo de jogos como; Call Of Duty, Counter Strike, A Lenda do Herói, One-Shot e Overwatch. Outros de bandas bastante conhecidas, tais como; Nirvana, Radiohead, Gorillaz, Legião Urbana e Restart. Alguns de músicos solo não ficaram de fora, como Chico Buarque e Rita Lee acima da cabeceira de sua cama.

 

Ah, ele gostava mesmo desse tipo de coisa, não gostava? O tempo preso dentro da prisão digital o fez quase esquecer desses detalhes. No entanto, ele não poderia se esquecer do quão fanático era por Radiohead, de todas as bandas. Afinal, ele se identificava com boa parte das melodias criadas por eles.

 

Ao observar o móvel onde estava tirando sua soneca temporária, ele nota que possuía uma colcha do Ben 10. Pelo estado do tecido, deduziu que a tinha faziam alguns 10 anos. O rosto do personagem já estava desaparecendo, provavelmente após inúmeras lavagens. Já seu corpo, parecia estar coberto com uma manta similar à que tinha no circo. A diferença, era que ela possuía estampa de zebras invés de tigres.

 

Ao ficar imóvel por um tempo, pudera ouvir o som de duas pessoas brigando do outro lado da porta, uma voz masculina e outra feminina. Gritos e palavras cruéis sendo desferidas a cada segundo. Seu instinto fora se esconder debaixo das cobertas.

 

— Seu problema é que você protege muito o Felix, mãe! Ele já é um homem crescido. Ele fica jogando essas coisas de viado’ no computador a noite inteira e fumando cigarro, enquanto eu sou criticado por você e pelo pai por cheirar um pózinho. — Uma voz masculina grita de forma estridente.

 

Pelo menos, o Felix ajuda com as tarefas domésticas e dá o pouco dinheiro que ele recebe do trabalho de atendente de Fast Food. Diferente de você que só me dá dor de cabeça e fica se envolvendo com esses marginais no meio da rua. — Prontamente, a voz mais fina se defende.

 

Felix, ele sabia que este era seu nome. Por algum motivo, ele se lembrava disso. Era a única coisa que sabia sobre si. Ah, que ótimo. Se lembrou que tinha familiares problemáticos, tudo o que ele queria mais esquecer naquele momento.

 

De todas as memórias que ele poderia recuperar, ele me fez lembrar do babaca do meu irmão mais velho.” — Passou a mão no rosto, desacreditado que fez tanto trabalho com seu cérebro, para no fim não adiantar em nada.

 

Mas era aquilo que aquele circo fazia, lhe tirava o único senso de conforto que ele poderia ter com memórias desagradáveis. Isso o fez lembrar da conversa no bar com Zooble. Elu havia perguntado sobre seu passado.

 

Não era que não queria contar, naquele momento, ele genuinamente não se lembrava de nada. Nada mesmo. Como não queria levantar suspeitas, apenas começou a falar o plot de Breaking Bad para distrair ê outre.

 

Seu irmão Fernando era alguém problemático. Sabia disso. O mais velho sempre o ameaçava da boca pra fora quando estava frustrado com algo (geralmente envolvendo falta de dinheiro para suas substâncias ilícitas). Felix não o culpava tanto por isso. Viver naquela casa poderia ser uma merda se você estivesse sóbrio. As dívidas só se acumulavam, eles tinham que trabalhar o dobro para conseguirem sobreviver. Seu pai também não facilitava as coisas, sempre bebendo depois do trabalho, o que gerava discussões pesadas com sua mãe.

 

Se tentasse contar nos dedos quantas vezes ele já impediu seu pai de quase matá-la, ele se perderia nas contas.

 

Apesar de se mudarem pros Estados Unidos por causa do emprego do pai, parecia que tudo era ainda mais difícil neste país. Imigrantes não eram exatamente… Vistos com bons olhos por lá. Havia muito preconceito, provavelmente Fernando já ouviu muita bosta por ser um. Ainda mais ele, que se envolvia com essas drogas mais pesadas. Era um alvo perfeito para ser o saco de pancadas de gringos babacas. Pelo menos, Felix não se envolvia com isso. No máximo, um cigarrinho ou uma erva, mesmo assim, não conseguia evitar os olhares tortos para cima de si em seu trabalho ou na rua.

 

Lembrou-se das muitas vezes em que Karens torciam seus narizes empinados ao ouvirem o acento brasileiro de Felix em seu emprego. Ele tinha que se segurar pra não mandar elas tomarem bem onde a luz do sol não bate.

 

Ele não era alguém que costumava xingar constantemente, ainda mais agora no circo. Odiava o som que aquelas censuras estúpidas faziam. Na vida real, ele era quase igual… A diferença era que as Karens poderiam tirar o pior dele. Na verdade, elas tiravam o pior de todo mundo.

 

 

A discussão continuou no fundo, as vozes aumentaram, interrompendo sua sequência de pensamentos e memórias:

 

Quantas vezes já não tive que te tirar da cadeia? Ainda por cima, você gasta todo o dinheiro que recebe em bebidas e drogas invés de ajudar em casa. Você come nas minhas costas fazem mais de 25 anos e nunca recebi um apoio. Sempre te dou dinheiro para comprar essas porcarias, agora só porque eu não posso dar hoje, eu sou uma mãe horrível?! — A voz feminina parecia ser de uma mulher mais velha, ela parecia estar com a voz trêmula. Como se estivesse prestes a chorar.

 

Ouvia tudo atentamente, não era a primeira vez e nem a última que seu irmão mais velho e sua mãe discutiam por causa disso. Fernando sempre teve uma implicância com ele porque, segundo ele, Felix era o filho “favorito” entre os dois. Bom, ele sabia que isso tinha um fundo de verdade, MAS ele também não se esforçava. Quantas vezes ELE, aos seus míseros 10 anos de idade, teve que ser o único a consolar sua mãe, quando seu pai tornava a vida de todos um inferno? Fernando preferia se drogar ao invés de lidar com aquele canalha.

 

Jax sentiu uma onda de raiva tomar conta de si. Quantas situações horríveis ele teve que passar quando era criança. A melhor parte de seu dia era quando estava na escola, pelo menos lá, ele conseguia se distrair de suas próprias frustrações pregando peças nos colegas de classe.

 

Ser o palhaço da turma o trazia um pouco de conforto naquela realidade tão miserável. Quando ficou mais velho, isso não mudou. Agia exatamente da mesma forma na adolescência e fase adulta. Quando chegou no circo, apenas continuou usando essa máscara de ser o “engraçado” para continuar a lidar com seus problemas internos.

 

Pensando um pouco mais em seu pai, ele sentiu um gosto amargo em sua boca. Quantas vezes aquele panaca não maltratava sua mãe, mas a ele também, por medo que o filho se tornasse um “viado” para resumir em uma só palavra. Por algum motivo, apesar de saber que ele era uma pessoa horrível, ainda tentava agradá-lo.

 

Ele só não queria piorar as coisas para o lado de sua mãe. Sabia que aquele homem repugnante daria um jeito de culpá-la se ele começasse a pensar que isso era verdade e as coisas virariam o verdadeiro puro suco da desgraça naquela casa.

 

Era até por isso que tinha dado uma reformulada em seu quarto, livrando-se dos bichinhos de pelúcia. Também, se forçou a gostar de coisas mais de “menino” como jogos de tiro e escondia seu apreço por grupos masculinos e femininos de K-POP. Poderia parecer ser bobo, mas seu pai já chegou a implicar até com seu pôster de Rita Lee (ameaçando à rasgá-lo no meio) no passado. Quem dirá o que faria com um pôster colorido do BTS.

 

Um calafrio percorreu o corpo do rapaz, fazendo ele se sentir perturbado ao observar o pôster de Rita na parede.

 

Mais memórias desagradáveis foram aparecendo, uma atrás da outra. Como aquela vez em sua infância em que uma colega de classe esqueceu um vestido que estava costurando para a peça de teatro na sala de aula. Felix havia guardado a peça dentro da mochila, para devolver na manhã seguinte. Seu irmão, como a pessoa invasiva que era, fuçou suas coisas e encontrou a peça. Seu pai… Não teve a melhor reação. Ainda se lembrava dos roxos em sua pele, a sensação fantasma dos chutes em seu estômago.

 

Ele espremeu os olhos, se encolhendo na cama. Os lábios do jovem tremiam. “Não chore por isso agora, não prove que ele está certo. Você é um homem forte.”

 

Merda, como odiava vestidos.

 

 

Apesar do inferno em que vivia todos os dias– desde seu primeiro dia de existência– Jax incrivelmente não se considerava um homofóbico. Tinha amigos da comunidade dentro e fora da internet. Em seu ambiente trabalho, lembrava que sue colegue de trabalho era não-binário, por exemplo, e jamais lhe faltara com respeito. O mesmo para sua gerente, Grace, quem era lésbica. Às vezes, ele desejava que sua família também pudesse ter esse tipo de mínimo de empatia.

 

Também não procurava saber mais sobre si mesmo, se ele pertencesse à comunidade, ele não queria descobrir. Procurava dizer para si que era pelo melhor, assim seu pai não teria motivos para machucar sua mãe.

 

A única coisa que tinha certeza sobre si mesmo, era de que realmente gostava de mulheres e procurava se aferrar nisso. Sem considerar outras opções. Era mais seguro se manter atrás das duras paredes que ele mesmo levantou. Manter essa performance era a opção mais viável e confortável.

 

Alguns minutos se passaram, às vozes pareciam se distanciar, ficando mais abafadas. Provavelmente, os adultos teriam levado a discussão a outro lugar. Não sabia, não dava a mínima. Deu graças a Deus que o inferno acabou, por enquanto. Ele se levanta do lugar e a primeira coisa que fora checar foi a cômoda.

 

— Tá, chega de ficar refletindo sobre os meus traumas. Já tive o suficiente. O Caim não me colocou aqui só pra lembrar disso. Eu espero que pelo menos tenha que ter alguma coisa aqui que me dê uma pista sobre como fui parar naquele maldito circo. — Jax fala em voz alta, estressado com toda a situação e revirava as gavetas para procurar algo relevante.

 

Entre algumas carteiras de cigarros e ouros documentos inúteis, por fim, encontra seu RG e a Carteira de Motorista. Curiosamente, o segundo documento fora expedido em Oregon, Estados Unidos.

 

— Felix Machado Rivers. Bom, eu sei o meu sobrenome, mas não tem nada do circo em nenhum lugar. Já era esperado que o Caim não daria tudo de mão beijada. — Observou um pouco mais a foto de seu documento, se atentando aos detalhes.

 

Isso era uma droga. Passou mais um tempo procurando por alguma pista, qualquer coisa que pudesse dar a ele alguma direção. Revirou as outras gavetas, procurou até por debaixo da cama. Visto que não levaria à nada, ele decidiu que era hora de tentar explorar a casa. Seus passos o direcionaram até a saída do quarto.

 

Quando ele abrira a porta para o lado de fora, apenas um vazio imenso o aguardava. Deduziu que o resto da memória não estava finalizada e encolhera os ombros.

No fim, não havia nada de útil. Pomni provavelmente estaria decepcionada consigo. Esperava que os outros tivessem mais sorte, mesmo que provavelmente não levasse a nada. Ele já havia desistido da saída há muito tempo. Não havia sentido em tentar ir embora.

 

Ele tentava não pensar muito em sua mãe ou irmão, era melhor assim. Se ele não pensasse, ele não teria um motivo para enlouquecer ou para tentar sair. Não acabaria que nem Ribbit ou Kaufmo.

 

Sua mãe provavelmente até se esqueceu dele ou acreditava que o filho já estava morto. Não haviam chances que ela estava procurando por ele. Já haviam se passado décadas.

 

Agora que as memórias estavam frescas de novo, seria uma merda tentar reprimir elas novamente. Mas hey, se ele pôde fazer isso uma vez, ele pode fazer uma segunda! Só levaria mais tempo. Pelo menos, assim ele escolhia acreditar.

 

Balançou a cabeça e decidiu se checar no espelho, para checar sua aparência atual ou pelo menos, a aparência que tinha antes de se tornar um coelho furry roxo. Quando se encarara no reflexo, ele se deparou com um rapaz de estatura alta, olhos castanhos claros e de pele escura. Seus cabelos eram lisos; curtos, pintados de amarelo e com leves tons de castanho aparecendo na raiz do cabelo. Dois piercings snake bites estavam bem expostos no lado inferior de seus lábios. Okay, aquilo era massa.

Olhando com um pouco mais de atenção, percebeu que também tinha sardas espalhadas pelo rosto.

 

No momento, ele estava vestindo uma camiseta gola V branca do Legião Urbana, bermudas pretas que cobriam seus joelhos e sandálias marrons.

 

Até que ele era bonitinho, poderia melhorar com um delineador- BLOQUEIA esse pensamento. Ele não precisava disso e nem de outras coisas “fru-frus”. Nunca mais. Lembre-se da promessa que fez por ela.

 

Antes que pudesse observar um pouco mais, seu reflexo abriu um sorriso enorme, atravessando o espelho e agarrou seu pescoço. Jax arregalara os olhos, sendo pego de surpresa pelo ato inesperado. Ele tenta com todas as forças se desvincilhar da figura.

 

— M-MAS QUÊ P-?! — O aperto em seu pescoço aumentava cada vez mais, ele estava perdendo o oxigênio. Sentiu sua pele ferver conforme a pressão aumentava.

 

O reflexo começou a falar, ele possuía a mesma voz, a mesma face e o encarava com um sorriso:

Mesmo que você tente negar, ela vai saber. Vai descobrir o quanto esquisito você é. Todos eles vão saber…

 

Tentava ao máximo chutar com seus pés, mas parecia inútil. Sua visão estava embaçando.

 

Você é um mentiroso. Você vai terminar sozinho. Todos eles te odeiam. Quando Pomni descobrir quem você é de verdade, ela não vai mais se interessar por você ou pior, ela vai abstrair. Ela já te odeia, ela só vai te odiar ainda mais.

 

A figura no espelho começa a se distorcer, se tornando seu “eu” do Circo Digital. O Coelho roxo, aquele que sempre fazia os outros sofrerem. O quão irônico poderia ser… Ele mesmo estava o torturando agora com palavras cruéis, a mesma coisa que fazia com os outros membros.

 

N-Não… Não…

 

É verdade, se você acha que vai ser diferente, só iludirá a si mesmo. Não se lembra do Kaufmo? Ele prometeu não abstrair depois do Ribbit. Olha só pra ele agora. Ele só te abandonou. Assim como a Ragatha, todos eles te odeiam. Te odeiam.

 

Eles me odeiam.

Todos eles…

 

Todos

 

Ele começou a ouvir uma voz feminina, chamando por seu nome:

“Jax, acorda... Jax!”

 

[...]

Jax desperta no meio do palco do circo digital, suas bochechas estavam úmidas e sua visão estava embaçada. Ao finalmente despertar, o borrão vermelho que lhe encarava se revelou sendo Ragatha. Ela carregava uma expressão preocupada em sua face. Huh?

 

— Jax, você tá chorando. Tá tudo bem? — Oh não, ele definitivamente não precisava dessa falsa simpatia agora.

 

Como não tinha energias para fingir agora, não depois daquele pesadelo. Ele simplesmente empurrou Ragatha com força, fazendo a boneca cair no chão. Então, ele saiu correndo em direção dos quartos.

 

— J-Jax, espera! — Ouviu os gritos abafados de Ragatha ao fundo, mas não parou de correr.

 

Por quê ELA de todas as pessoas teve que vê-lo assim?

 

Ele tinha passado tanto tempo criando essa máscara, pra no fim apenas ser quebrada por um pesadelo estúpido? Seu sangue ferveu. Ele tinha que dar um jeito nisso depois.

 

Ninguém poderia saber, não deixaria que usassem isso contra ele.

 

[…]

 

 

Quando Pomni recobrou a consciência, ela pisca várias vezes para se acostumar com a iluminação saturada do circo. Seus olhos se encontraram com o da boneca de pano, que estava relativamente muito perto de si. Ragatha a encarava com uma expressão preocupada. Por reflexo, ela empurra a a cara da outra para afastá-la de si.

 

Ouch! Qual é, já é a segunda vez esse dia!— A ruiva se afasta, quase se desequilibrando com a ação brusca.

 

Pomni percebeu o que havia feito, a culpa acabou tomando conta dela e rapidamente pediu “Desculpa” bem baixinho. Sua aversão ao toque a colocava em situações bem constrangedoras. Apesar de tolerar em alguns momentos específicos, ainda preferia não ser tocada de surpresa.

 

Olhando ao redor, Pomni percebeu que ambas estavam na área perto do palco e ela estava deitada no sofá. Não haviam sinais dos demais membros do circo, o que era um alívio, não saberia como encarar a todos eles. Pelo menos, não depois da descoberta chocante em seu sonho/memória. Sentia que Ragatha não insistiria no tópico, então seria mais fácil de esconder a verdade dela.

 

— Tá tudo bem, Pomni! Você se assustou e é normal. — Sorriu de forma compreensiva, ela descansa os braços na saia de seu vestido. Ela era boa demais. Pobre, Ragatha.

 

A mulher mais nova suspira aliviada e se senta no sofá.

 

— Então, cadê todo mundo? — Era estranho que não estavam ali, provavelmente deveriam ter acordado antes dela.

 

— Oh, bem. Antes de você acordar, meio que todo mundo estava… Confuso pelas memórias que o Caim devolveu. Acredito que devam ter se lembrado de coisas bem pessoais, não tenho certeza. Eles não disseram nada. O… Jax — Pareceu hesitar brevemente ao mencionar o nome do outro, mas diferente de sua expressão azeda de sempre, ela parecia estar preocupada. — e Zooble foram para seus quartos. Gangle foi desenhar em algum lugar e o Kingo– não tenho certeza– mas acho que ele deve estar no forte de travesseiros. — Ragatha imitara a ação de Pomni, desviando o olhar para outra direção.

 

Que situação desconfortável.

 

Então, nem todas as memórias pareciam ter sido boas. O Caim fez isso de propósito para mexer com eles? Do jeito que ele era maluco, a resposta provavelmente era sim.

 

Só esperava que Jax não tenha se lembrado de algo horrível. Se ele quebrasse por culpa dela, não se perdoaria. Afinal, ela insistiu que ele participasse da aventura para que recuperasse suas memórias.

 

Ela precisava urgentemente conversar com ele e pedir desculpas pela discussão no caminhão também. Havia colocado a ambos em perigo por seu descuido momentâneo e se sentia envergonhada, por isso. Pomni nunca saía do controle assim, ela deveria ter compostura, como a adulta responsável que era.

 

Ao menos, era isso que ela tentava dizer para si mesma.

 

Lá no fundo, ela sabia que ainda possuía aquelas tendências horríveis de agir com impulsividade e raiva que tinha no passado. Pensava que tinha superado tudo com os anos de terapia, mas aparentemente, o progresso que fez com seu terapeuta estava retrocedendo por causa de um circo digital maluco.

 

Na verdade, ela já tinha notado isso nas duas discussões com Jax. Nenhuma pessoa normal sairia estrangulando outra ou simplesmente começava a surtar enquanto estava dirigindo um veículo em movimento.

 

Ela se sentiu péssima.

 

Antes que ela pudesse falar qualquer coisa, a mais velha começa a falar:

 

— Olha, eu sei que você provavelmente se lembrou de algo muito ruim e que, assim como os outros, não quer falar sobre isso. Só quero que saiba que eu estarei aqui pra te ouvir quando estiver pronta, combinado? — Levara a própria mão até o peito e dissera de uma forma maternal.

 

Pomni engoliu seco, assentindo levemente com a cabeça. Ela esboça um sorriso amarelo, tentando ao máximo fazer com que ele parecesse convincente no ponto de vista da ruiva.

 

— Obrigada, erhm… Uhm. Digo o mesmo. Você deve ter sonhado com algo ruim também, certo? — Odiava ter que fingir, mas era o único meio agora. Ela tinha que pensar em como contar. Qualquer palavra que dissesse errado, poderia fazer com que perdesse aquela ponte que haviam acabado de reconstruir.

 

Engraçado, Ragatha era a que mais tinha medo de ser odiada, no fim, ela também passou a ter esse medo por uma memória que estava fora de contexto. Ela precisava investigar mais a fundo sobre suas memórias mais recentes.

 

Era estranho como ela se lembrava praticamente de quase sua vida toda, mas aparentemente, o circo havia sumido com coisas bem específicas. Como seu nome, que só soube agora que era Christine. Se perguntava como os outros se chamavam.

 

Saber essa informação tornaria tudo mais fácil, poderiam se encontrar caso escapassem. Pelo menos, esperava que um dia conseguissem escapar.

 

— Ah, e-eu sonhei com o que eu já tinha contado pra vocês antes. Minha mãe e as censuras. Não foi algo muito legal. Desculpa, Pomni. Eu não sei nada sobre esse lugar, não vou ser de muita ajuda. — Abaixou a cabeça, se sentindo derrotada por não ter lembrado nada que poderia ajudá-los a escapar.

 

Um pensamento egoísta lhe fez desejar que ela não fosse a única com envolvimento com a C/A. Contudo, poderiam culpá-la? Acreditava ser a pessoa mais sã desse lugar e tudo se provou sendo uma mentira nos últimos tempos.

 

— Tudo têm sua devida importância, mesmo que não tenha ligação com o circo. Essas memórias são preciosas pra você, pois fazem parte de quem você é. — Demonstrou empatia, como sempre.

 

Ragatha piscara os olhos várias vezes, um sorriso de ternura se abriu em seus lábios cartunescos. Ela parece ter relaxado um pouco sua postura ansiosa. Então, ela contorceu a boca, parecendo se lembrar de algo: — Ah, eu também lembrei do meu nome, eu me chamo [BLEEP]- Peraí’, o quê? Eu não consigo falar o meu nome?!

 

Então, repentinamente Caim surge num estouro de confete no meio da sala. Aquilo fez com que ambas as mulheres pulassem de susto. — Mas é claro que você não pode falar seu nome real dentro do circo digital! É contra as regras de segurança pessoal, todo jogo que se preze têm regras assim, bobinha! — Esticou a língua para fora, seus olhos pareciam os de um inseto.

 

E lá se vai a chance de Pomni ter alguma pista para encontrá-los fora do circo algum dia.

 

— O quê? M-Mas isso não faz sentido nenhum. Eu estou dando meu consentimento para compartilhar, então deveria conseguir. — Protesta em um tom de voz singelamente nervoso.

 

— Saber tudo é perder tudo, não sabia? Tem coisas que é melhor não sair compartilhando, pessoalmente com pessoas que mal conhece, meu cubinho de açúcar. — Caim faz carinho na cabeça da mulher, bagunçando seus cabelos de seda.

 

— Mas a Pomni é minha amiga- — Ela fora cortada abruptamente por outro personagem no cenário. Bolha.

 

— Acho que para celebrar a recuperação das memórias deles, deveríamos dar uma festança do c4r4lh# na praia! — A bolinha de sabão comemora, rodopiando em volta de Caim.

 

— Tem razão, Bolha! A aventura na praia os espera! — O computador apenas estalara seus dedos, reunindo a todos em um só lugar no salão principal.

 

Zooble estava pensative, abraçando ao seu próprio corpo e não falou nada. Já Kingo, parecia mais calmo, contradizendo sua personalidade alterada de sempre. Jax– pareceu visualmente irritado com alguma coisa– olhava aos arredores inquieto, como se todos estivessem o vigiando e ao focar seu olhar em Caim, ele juntou as sobrancelhas em uma expressão de desgosto. Por fim, Gangle demonstrava apenas estar cansada.

 

Pomni acabara perguntando-se, se o que os outros haviam lembrado teria sido algo relacionado ao circo. No mesmo instante, se sentira um pouco egoísta por minimizar as lembranças dos demais à apenas informações sobre a prisão. Independente se tivessem ligação ou não com o circo, suas memórias eram igualmente preciosas e deveria sentir-se bem por eles se lembrarem de características de sua vida anterior. Não sabia quais consequências essas novas informações trariam para seus colegas, esperava que pudessem tirar algo de positivo nisso tudo.

 

— A aventura de hoje não terá um grande objetivo, pois estou trabalhando em uma outra muito maior! Apenas se divirtam coletando conchas e frutos do mar. Quem trazer a maior quantidade, ganhará uma MEGA HYPER FANTÁSTICA E ABSURDA atualização gratuita no quarto ou em seu avatar. — Sem muita enrolação, ele aponta o cetro para o outro lado da sala e invoca um portal. O círculo acabou sugando todos os participantes para dentro. A apenas ouviram-se grunhidos e reclamações entre os membros, antes do atalho mágico se fechar.

 

Já estando fora do campo de visão dos demais, o showman suspira e olha para Bolha. Sua voz totalmente desprovida de qualquer ânimo: — Acho que o prêmio só piorou as coisas, eu não sei mais o que fazer, Bolha.

 

 

[…]

 

Passar um tempo na praia não parecia uma ideia tão ruim no começo. Mesmo que a maior parte do lugar parecesse falso, mas Pomni já estava acostumando com isso. No começo, era assustador pensar desta forma, porém ela tinha que fazê-lo se não quisesse enlouquecer.

 

O Sol artificial sorria para eles, enquanto iluminava a vasta praia de areia perolada. Alguns guarda-sóis de múltiplas cores estavam espalhados pela área, assim como cadeiras de praia listradas com padrões de branco e azul.

 

Em uma certa distância, haviam algumas barraquinhas que vendiam água de água de coco e outras estavam vendendo raspadinhas e picolés. Não poderiam faltar também os NPC’s manequins que eram vendedores ambulantes; Eles vendiam de tudo, desde protetores solares, até óculos de sol e toalhas de banho.

 

Assim como em algumas aventuras anteriores, todos eles haviam mudado de traje. Pomni vestia um maiô bem parecido ao seu traje original, mas sem as mangas, os pompons e os shorts de bobo da corte. O padrão de cores azul e vermelho dividido no meio não poderiam faltar. Ela também estava com seu cabelo curto amarrado em um rabo de cavalo curto.

 

Já Ragatha, usava um biquíni de cordinhas preto, uma argola dourada segurava o meio da parte superior de seu traje e a parte inferior estava amarrada com pequenos nós em cada lado de seus quadris. Uma canga azul cobria um pouco de suas coxas.

 

Kingo não havia mudado muito, ele apenas vestia uma camisa praiana verde com estampa de gatinhos tricolor. O mesmo para Zooble, quem estava com duas estrelas do mar no lugar de suas antenas pontudas, uma era rosa e a outra amarela. Elu também vestia uma camisa similar à de Kingo, mas listrada de azul e branco.

 

Jax estava usando uma sunga na mesma tonalidade de seu macacão e um óculos escuros de armação branca decorava sua cabeça. E por fim, mas não menos importante, Gangle ia contra as forças da física e gravidade. Seu traje de banho consistia em; Um top azul com babados e um shorts de lycra preto. Suas fitas estavam erguidas na parte superior de sua máscara de comédia, simulando duas marias-chiquinhas cacheadas.

 

— Ai, Meu Deus! Que traje fofo! — Gangle dá uma voltinha, ficando maravilhada com a atualização no visual.

— É, o Caim caprichou dessa vez. — Zooble concorda, cruzando seus braços ao observar a felicidade da outra. Suas bochechas estavam levemente ruborizadas.

 

Apesar dos conflitos internos que havia tido mais cedo, Jax parecia estar em um humor melhor agora. Seus olhos ainda estavam um pouco inchados, mas ele carregava seu sorriso amarelo de sempre.

 

— Eita que povo animado.— Não pôde evitar comentar baixinho, o coelho revirara os olhos, rindo levemente com a interação do casal não-oficial, mas que todo mundo sabia que já era casal. Só ambas não sabiam ainda.

 

O Roxeado desviou seu olhar para Pomni, uma engrenagem pareceu girar em sua cabeça ao perceber o traje que ela usava. Não parecia tão diferente de seu traje padrão, mas algo em seu cérebro pegou fogo ao vê-la vestida dessa forma. Até então, ela observava a si mesma, seu olhar acabou se encontrando com o dele no processo e ambos ficaram se encarando.

 

— Tem… Alguma coisa no meu rosto? — Pomni questiona, ficando sem jeito com a forma que os olhos dele haviam ficado enormes ao observá-la.

 

As bochechas do rapaz começaram a pegar fogo, ele estalou a língua:

— Só vendo o quão ridícula você está nesse maiô. Parece uma daquelas minhocas Finis.

 

Pomni franziu o cenho, fazendo beicinho com o comentário do outro.

 

— Pelo menos, eu não pareço um grilo de sunga. — Retrucou com um tom de indignação em sua voz.

 

Dessa vez, fora Jax quem se ofendeu, levando a mão dramaticamente até seu próprio peito.

 

— Se EU sou só um grilo de sunga, então por quê você tá me olhando? Cabeçuda. — Ele se aproxima e empurra a cabeça dela com o dedo. Aquilo pareceu ter frustrado Pomni.

 

— Eu poderia perguntar o mesmo, se eu pareço uma minhoca Fini, então por quê você não parava de olhar pra mim?! — Ela empurra de volta, usando suas mãos para afastar os quadris do mais alto.

 

— Isso não tem nada a ver, você tá imaginando coisas, baixinha. — Ele coloca o dedo no canto da própria boca e sorri.

 

— É claro que tem! Você tava me olhando SIM.

 

— Blá, blá, blá! — De forma infantil, ele tentava falar mais alto para silenciá-lo.

 

— Bleh, bleh, bleh! — Pomni imita.

 

Ragatha observava a discussão ao fundo com o olho arregalado, intercalando seu olhar entre os dois. Zooble tentou segurar o riso, mas Gangle chegou ao seu lado e murmurou um “Parecem um casal divorciado”, o que fez ê outre deixar a risada escapar um pouco.

 

— Ah, quer saber?! Eu vou ir pra aquele canto lá, não quero mais olhar pra sua cara! — Jax apontou para uma direção distante da praia e começou a andar.

 

— Pois pode ir, eu não quero olhar pra sua também! Vamos, Ragatha. Temos que pegar algumas conchas. — A Bobo da corte disse e começou a andar na direção oposta.

 

Ragatha aponta para si mesma: — Eu? Ah, tá bom então… — Meio atordoada, ela seguiu a outra.

 

 

[…]

 

Pomni não sabia exatamente se poderiam se queimar com as ondas solares falsas– mas não queria arriscar– logo deu um jeito de comprar um protetor com moedas que havia conseguido em aventuras anteriores.

 

A água do mar batia contra a areia, enquanto uma música livre de direitos autorais tocava no fundo da cena. O ambiente relaxante acalmava um pouco sua mente conturbada pós memórias recuperadas. Ainda não sabia ao certo como deveria contar aos outros sobre sua descoberta. Ela agradecia mentalmente que a ruiva por não insistir no tópico. Sentia que perderia as estribeiras a qualquer momento.

 

Os performadores haviam se dividido, já que não precisavam exatamente formar times e a missão não parecia tão complicada. Zooble e Gangle partiram em direção da barraca de raspadinhas, optando por ignorar o objetivo principal. Enquanto Ragatha e ela começaram a tentar coletar o que Caim tinha pedido. Kingo começou a se divertir fazendo um castelo na areia e Jax estava do outro lado da praia.

 

Enquanto coletava as conchas que precisava, um pequeno número surgiu em sua cabeça, indicando a quantidade das conchas que faltavam. 1/25… Isso levaria um tempo. Assim que as pegava, os objetos desapareciam magicamente de sua mão, explodindo em faíscas reluzentes. Deduziu que estavam em alguma espécie de inventário, já que tudo isso era um jogo e não pensou mais a fundo sobre.

 

Enquanto realizava a atividade, seus pensamentos também a faziam lembrar sobre seu colega de performance e amigo, Jax. É claro, ela havia notado como ele parecia cansado mais cedo. Pelo menos, ele ainda tinha alguma energia para provocá-la, dada a briga infantil que tiveram mais cedo. Isso era um alívio, ele não estava deprimido. Ainda sim, precisava conversar seriamente com ele e pedir desculpas em relação à situação de quase-morte.

 

Ela ainda se sentia um tanto culpada.

 

Caminhando ao lado de Ragatha, ela pôde perceber que a outra estava um tanto inquieta, parecendo pensar sobre algo também. Ela decide parar de andar sobre a areia um pouco e tentou chamar sua atenção:

— Ei, tá tudo bem?

 

Aquilo pareceu tê-la despertado de seus pensamentos, ela imita a ação da outra e se vira para encará-la.

 

— Ah, comigo? Tá tudo ótimo, é só que… — Ela leva a mão até o outro braço, esfregando levemente o pano.

 

A ruiva respira fundo e olha pro chão.

 

— É o Jax, eu tô… Preocupada com ele. — Ela apertou os olhos, parecia mal só de se preocupar com alguém que já a feriu tanto.

 

Mas eles ainda haviam sido amigos no passado e nada poderia apagar a história que já foi escrita.

 

Aquilo pareceu ter surpreendido Pomni, quem arregalou os olhos e juntou as sobrancelhas:

— Aconteceu alguma coisa?

 

A ruiva parecia hesitante, olhando de um lado para o outro. Ela se abaixa na direção de Pomni e começa a falar baixo:

 

— Eu não sei se deveria estar te contando isso, mas você é a pessoa mais próxima dele no momento. Uh, como eu posso te dizer? — Ela respirou fundo.

 

— Olha, se você acha que é melhor não me contar, não tem problema. — A morena tenta avisá-la.

 

— Eu acho que é necessário que saiba, só pra caso… Ele perca o juízo. — Tentava ao máximo evitar falar a palavra “abstração”. Pomni pareceu captar a mensagem, seus olhos de cores azul e vermelho se arregalaram.

 

— É tão ruim assim? — Questiona com um certo medo em seu tom de voz.

 

A Ruiva assentiu levemente com a cabeça, levando sua mão costurada até a parte da frente de seu rosto.

 

— Quando ele recuperou a memória humana, ele acordou chorando, Pomni. Os outros tiveram uma reação até que okay, mas ele? Parecia destruído. Acho que ele lembrou de alguma coisa muito traumatizante.

 

Oh não, isso não era nada bom.

 

— Eu tentei conversar com ele, mas ele só me empurrou e saiu correndo. Acho que se eu tentasse de novo, não sei o que ele seria capaz de fazer. Estava pensando qual seria a melhor decisão a se tomar. — Disse genuinamente abalada.

 

— Não me entenda mal, eu… Acho que o Jax é um filho da $%3#5, m-mas eu não quero que ele abstraia. — Ragatha agarrou a barra de sua canga, apertando o tecido fino para tentar conter sua ansiedade. Sua voz estava quase quebrando.

 

— Okay, onde ele tá agora? #$5$$ eu agi de forma tão imbecil mais cedo, eu achava que tava tudo bem. — Bateu em sua própria testa, se castigando.

 

— Não se culpe, eu deveria ter te contado. Acho que ele está do outro lado da praia, não? É a única coisa que eu lembro. —Ragatha mal terminou de falar e Pomni já estava se virando para encontrar Jax. — P-Pomni, espere!

 

— Sim? — Ela vira a cabeça na direção da boneca.

 

— Toma cuidado, você sabe como o Jax é. — Aquilo fez o estômago dela revirar.

 

— Eu sei. Vou tomar, obrigada. — Andou em passos pesados até o outro lado da praia.

 

[…]

 

Jax estava sentado próximo à maré, sentindo a água em seus pés. Desprovido de seu sorriso característico, seus olhos pareciam cansados e um vazio enorme tomava conta de seu peito. Tantas coisas para se pensar… A discussão com Pomni, o buraco, a quase-caída sua família, Ribbit, Kaufmo… Tudo parecia uma bagunça dentro de sua cabeça.

 

Ele estava tentando MESMO não pensar nisso. Se ele pensasse demais, ele perderia a cabeça e ele já sobreviveu muito, não queria perder suas estribeiras apenas por causa de uma garota boba que decidiu que ele deveria sentir emoções humanas.

 

Eu sou um personagem. Eu sou um personagem. Eu sou um personagem, nada disso é real. Nada disso é real. Nada disso é real. Aquele sonho foi uma mentira, eu não tenho uma família. O Caim inventou tudo isso.”

 

Repetiu para si várias vezes, tentando se convencer. Tentou forçar seu sorriso, como sempre estivera acostumado a fazer, mas doía. Seu coração estava batendo tão forte contra seu peito. Ele precisava se acalmar. Não poderia ter um ataque de pânico, MUITO MENOS no meio de uma aventura, onde todos poderiam vê-lo.

 

Como queria apenas se jogar dentro dessa água e se afogar… Sabia que isso de nada adiantaria, pois seu corpo regeneraria como se nada tivesse acontecido depois e certamente, não faria seus problemas desaparecerem. Pior, Jax sabia que ela se culparia e poderia acabar se abstraindo;

 

Ele odiava isso, odiava como suas ações aparentemente TINHAM consequências, só ele não havia percebido antes. A única parte boa desse circo foi arruinada pra ele. Por quê ela não podia deixar ele em PAZ? Se ela tivesse atirado, nada disso aconteceria. Ele não teria que participar de uma ESTÚPIDA aventura na fazenda pra recuperar suas ESTÚPIDAS memórias.

 

Grunhiu em frustração, puxando suas longas orelhas pra baixo. Seu coração parecia querer palpitar mais rápido a cada segundo, os pensamentos pareciam estar indo rápido demais. O mundo ao seu redor estava ficando abafado. Precisava se concentrar no som da água, das ondas leves, mas ele não conseguia.

 

Era tão difícil de respirar.

Era tão difícil de focar.

 

— Por favor, aqui não… N-Não aqui. — Implorou, mas para quem? Para si mesmo?

 

Jax agarrou seu próprio peito, sentindo a sensação tomar conta de si. Suas pupilas se tornaram pequenos rabiscos que ficavam alternando pra lá e pra cá. Ele queria gritar, mas no momento, sentia que não tinha boca para tal.

 

Então, ele ouviu uma voz feminina gritar atrás de si:

 

JAX!

 

Era Pomni.